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Estado de exceção e biopolítica: as metamorfoses da soberania em Giorgio


Agamben1.
RESUMO
Giorgio Agamben, filósofo italiano, desvela através de um método arqueológico o
nexo entre vida nua, poder soberano, Estado de exceção e campo de
concentração. Agamben afirma que o poder soberano é a instância capaz de
traçar o limite entre a vida protegida e a vida exposta à morte, realizando a
politização da vida biológica e produzindo uma vida nua. Ele vai buscar na
antiguidade uma figura do direito romano arcaico, a do homo sacer, para
explicitar essa idéia, de uma vida que pode ser morta sem se cometer um
homicídio, e sem ser um sacrifício. Os crimes cometidos nos campos de
concentração nazistas representam o extermínio de uma vida já destituída de
suas qualidades políticas, uma vida nua. O campo é lugar onde a norma foi
suspensa e a exceção torna-se a regra, o homem é privado de seus direitos e
todos os crimes podem ser cometidos sem que aqueles sejam considerados
delituosos. Agamben analisa o regime político contemporâneo e sua relação com
os Estados totalitários do século XX.

Palavras-chave: Biopolítica. Soberania. Estado de exceção. Campo.

1) Soberania, estado de exceção e biopolítica: a vida nua no regime político


contemporâneo.

Esta pesquisa pretende relacionar os conceitos de soberania, estado de exceção e


biopolítica no pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben. Para tanto, é necessário
incorrer na obra de outros pensadores da tradição filosófica que marcam diretamente a sua
filosofia. Já no primeiro livro da série Homo Sacer, Agamben une elementos do pensamento
de Michel Foucault e Hannah Arendt, além de outros importantes pensadores como Walter
Benjamin e Carl Schmitt, repensando a própria tradição jus-político-filosófica e propondo
novos conceitos, através de um método arqueológico que busca identificar a emergência de
paradigmas.
Agamben reconhece, em Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua, a importância
de Michel Foucault e suas reflexões acerca da biopolítica, contudo, o filósofo italiano trás
uma nova perspectiva à biopolítica quando associa o projeto foucaultiano com a análise dos
Estados totalitários do século XX, especialmente no que diz respeito à experiência nazista.
Hannah Arendt, vinte anos antes do livro de Foucault, A Vontade de saber (1997) – que inicia
a discussão acerca da biopolítica na obra do filósofo francês –, havia realizado um estudo
sobre esses acontecimentos históricos2. Para Agamben:

1 Autora: Érika Gomes Peixoto. Graduada pela Universidade Estadual do Ceará em


Filosofia. Linha de Pesquisa: Política, Direitos humanos, Conhecimento e Sociedade. GT
2 - Relações de classe, gênero e raça no capitalismo contemporâneo;

2 Cf. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. [1995], Tradução de
Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 11.
2

Arendt percebe com clareza o nexo entre o domínio totalitário e aquela


particular condição de vida que é o campo (“O totalitarismo” – ela escreve
em um Projeto de pesquisa sobre os campos de concentração – “tem como
objetivo último a dominação total do homem” 3.

Mas, segundo Agamben, apesar de Arendt ter percebido a conexão entre o domínio
totalitário e a condição de vida nos campos, a autora não percebeu a dimensão biopolítica que
subjaz semelhante relação, questão fundamental para compreender esses eventos
adequadamente4. Foucault, ao contrário, reconhece como o Estado moderno se apropria da
vida humana através de mecanismos de controle e elabora, na década de 1970, os conceitos de
biopolítica e biopoder, dando perspectiva mais ampla à análise dos micropoderes
disciplinares. Contudo, pontua Agamben, o filósofo francês não teve tempo de aprofundar sua
teoria sobre as questões da biopolítica no que tange aos campos de concentração e à estrutura
dos grandes estados totalitários do século XX. Ademais, Foucault também abandonou a
perspectiva tradicional do problema do poder a partir dos modelos jurídico-institucionais.
Segundo Agamben, ele teria se centrado na análise de como o poder penetra no próprio corpo
dos sujeitos e em suas formas de vida, em como o poder se consolida através de uma rede de
dispositivos que investem o vivente, não chegando a elaborar um conceito de soberania ou
uma teoria do Estado5. Agamben, de modo inverso a Foucault, intenta analisar o estatuto do
poder soberano em relação à norma jurídica, procurando estabelecer suas contradições –
expressas, por exemplo, pela decadência da democracia burguesa e o surgimento do fenômeno
totalitário – e questionar os limites da estrutura jurídico-política originária do Ocidente, sob
uma ótica que busca reconhecer a inserção da vida humana nessa esfera. Nas primeiras
páginas do Homo Sacer I, o filósofo italiano afirma que seu intuito é promover uma
interseção entre o modelo jurídico-institucional e o modelo biopolítico do poder6, análises que
o levaram a perceber o núcleo originário da esfera política:
A biopolítica é, nesse sentindo, pelos menos tão antiga quanto a exceção
soberana. Colocando a vida biológica no centro de seus cálculos, o Estado
moderno não faz mais, portanto, do que reconduzir à luz o vínculo secreto
que une o poder à vida nua, reatando assim (segundo uma tenaz
correspondência entre moderno e arcaico que nos é dado verificar nos
âmbitos mais diversos) com mais imemorial dos arcana imperii7.

3 Idem, Ibidem, p.126.

4 Cf. Idem, Ibidem.

5 Cf. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. [1995]. pp.12-13.

6 Cf. Ibidem, p. 14.

7 Idem, Ibidem.
3

Para Carl Schmitt, diz Agamben, o soberano está ao mesmo tempo dentro e fora do
ordenamento jurídico, à medida que detém o poder de proclamar o estado de exceção e de
suspender a ordem jurídica vigente. Desse modo, Schmitt concebe a soberania como uma
forma de exceção, inscrevendo o estado de exceção dentro do próprio direito, mediante a
separação entre normas do direito e normas de realização do direito. Para Agamben, contudo,
o estado de exceção constitui um espaço vazio, a bem dizer, constitui a suspensão total do
próprio direto. Segundo a tese de Walter Benjamin, para o italiano, o estado de exceção tonou-
se regra:
Eles são, de algum modo, os estafetas que anunciam o que hoje temos
claramente diante dos olhos, ou seja, a partir do momento m que o estado de
exceção [..] tornou-se a regra” (Benjamin, 1942, p. 697), ele, não só sempre
se apresenta muito mais como uma técnica de governo do que como uma
medida excepcional, mas também deixa aparecer sua natureza de paradigma
constitutivo da ordem jurídica8.

Isso significa dizer que o poder soberano é a instância capaz de determinar e traçar o
limite entre a vida protegida e a vida exposta à morte, realizando a politização da vida
biológica e produzindo uma vida nua, incluindo-a e, ao mesmo tempo, excluindo-a do
ordenamento jurídico. O filósofo italiano, na amplitude de sua pesquisa arqueológica, utiliza
uma figura do direito romano arcaico para ilustrar a ideia de vida nua e do poder soberano
como seu produtor, a saber, o Homo sacer (homem sacro, sagrado) – indivíduo que, julgado
por um delito, podia ser morto por qualquer um sem que isso constituísse homicídio,
execução ou mesmo um sacrifício. A sacralidade da vida do homo sacer não significa, de
modo algum, um direito humano fundamental, mas exprime o seu contrário: “a sujeição da
vida a um poder de morte, a sua irreparável exposição na relação de abandono” 9. O soberano
tem o poder de matar sem cometer homicídio e sem celebrar um sacrifício, e a vida sacra é
aquela vida matável e insacrificável. Nas palavras de Agamben: “No homo sacer, enfim, nos
encontramos diante de uma vida nua residual e irredutível, que deve ser excluída e exposta à
morte como tal, sem que nenhum rito e nenhum sacrifício possam regastá-lo” 10.
Nessa perspectiva, podemos nos perguntar: como o poder soberano opera a produção a
vida nua? Quais os dispositivos jurídicos e políticos que permitem crimes serem cometidos
sem que estes sejam considerados delituosos? O pensador italiano pretende mostrar que os
regimes totalitários do século XX e o regime político contemporâneo apoiam-se sobre o
mesmo conceito de vida nua.
Agamben analisa os assassinatos cometidos sob o regime nazista, cominando com o
que chamamos erroneamente de “holocausto” – termo grego que faz referência aos rituais e
sacrifícios da antiguidade – e diz: “querer restituir ao extermínio dos hebreus uma aura
sacrificial através do termo ‘holocausto’ é uma irresponsável cegueira histórica” 11. Os crimes
cometidos nos campos de concentração nazistas representam, antes, o extermínio de uma vida

8 Agamben, Giorgio. Estado de exceção. [2003], 2ª ed. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2004. p.18.

9 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. [1995]. p. 91.

10 Idem, Ibidem, p.107.


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já destituída de suas qualidades políticas, uma vida nua, cuja decisão sobre seu valor ou seu
desvalor, sob argumentos biológicos e eugenéticos, converte a biopolítica em tanatopolítica: a
decisão sobre a vida torna-se decisão sobre a morte. A política do terceiro Reich está
intimamente associada à eugenética, no sentido de melhoria da raça através da exclusão dos
fatores de degeneração biológica: deficientes físicos e mentais, cidadãos de primeiro e
segundo escalão etc, o que o caracteriza como fundamentalmente biopolítico, posto que as
decisões sobre a vida constituíam uma tarefa política e motivos eugenéticos e ideológicos
confluíam no regime do poder12. Nas palavras do autor:
A verdade difícil de ser aceita pelas próprias vítimas, mas que mesmo assim
devemos ter a coragem de não cobrir com véus sacrificiais, é o que os
hebreus não foram exterminados no curso de um louco e gigantesco
holocausto, mas literalmente, como Hitler havia anunciado, “como piolhos”,
ou seja, como vida nua. A dimensão na qual o extermínio teve lugar não é
nem a religião nem o direito, mas a biopolítica13.

Sob o mesmo crivo, Agamben analisa a declaração de 1789, numa perspectiva de fazer
uma relação entre os direitos do homem e a determinação biopolítica da modernidade. Na sua
perspectiva as declarações dos direitos do homem inauguram a inscrição da vida humana na
esfera da soberania, ou seja, a vida natural do homem, não enquanto sujeito consciente e livre,
mas como vida nua, como simples nascimento, a vida enquanto zoé é o novo sujeito político
da modernidade14. Após as experiências do século XX, com a decadência do sistema de
Estados-nação, os direitos humanos foram totalmente separados da política, prova disto,
exemplifica Agamben, é a contradição de várias organizações supraestatais como a ONU que,
na tentativa de fazer frente aos problemas dos refugiados, não podem ter o caráter político,
mas unicamente humanitário e social. Para o autor: “A separação entre humanitário e político,
que estamos hoje vivendo, é a fase extrema do deslocamento entre os direitos do homem e os
direitos do cidadão” 15. A partir da primeira guerra mundial, segundo Agamben, são
introduzidas normas na ordem jurídica que permitem aos países europeus a desnaturalização
e a desnacionalização em massa dos próprios cidadãos16. O fascismo expediu uma lei sobre

11 Cf. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. [1995]. p.121.

12 Idem, Ibidem, p.154.

13 Idem, Ibidem, p.121.

14 Idem, Ibidem, p.135.

15 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. [1995]. p.140.

16 Ibidem, p.138.
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os cidadões indignos de serem Italianos em 1926, e o nazismo, chegou ao ponto de dividir os


cidadãos de título pleno e de segundo escalão. Nos Estado-nação os direitos só faziam sentido
no contexto da cidadania17.
O fundamento do totalitarismo é essa identidade entre vida e política, nesse sentido, a
biopolítica disseminou-se pelos ordenamentos e seus limites não se restringem ao soberano,
agora também está nas mãos dos especialistas que se encarregam da vida. O soberano entra
em simbiose com o jurista, o médico, o cientista e o sacerdote. Para Agamben: “Isto implica
que a decisão soberana sobre a vida se desloque, de motivações e âmbitos estritamente
políticos, para um terreno mais ambíguo, no qual o médico e o soberano parecem trocar seus
papéis” 18.
A reflexão de Giorgio Agamben sobre os campos de concentração dá-se não somente
na perspectiva histórica, mas, no sentido de compreendê-los sob a ótica da biopolítica. Nesse
horizonte, o campo constitui o local onde a norma foi suspensa e a exceção torna-se a regra,
nele o homem é privado de seus direitos e todos os assassinatos podem ser cometidos sem que
aqueles que o fazem possam ser considerados criminosos. O campo é o espaço que se abre
quando o estado de exceção torna-se a regra: é a “matriz oculta, o nómos do espaço político
em que vivemos”. Segundo Agamben, o campo é o novo regulador da vida no ordenamento:
“o sinal de impossibilidade do sistema de funcionar sem transforma-se em uma máquina letal”
19
.
A estrutura originária do campo é relacionada pelo autor com a realidade sociopolítica
de hoje. A vida nua se expressa em um subconjunto dos excluídos: o povo, conceito que
exprime aquele “que não pode ser incluído no todo do qual faz parte, e não pode pertencer ao
conjunto no qual já esta desde sempre incluído” 20. Nesse sentido, o que aconteceu na
Alemanha nazista, em especial, o extermínio do povo hebreu, tem aqui um novo significado:
os hebreus são os representantes por excelência do povo, da vida nua que a modernidade cria
no seu interior e cuja presença não mais tolera21.
Assim, para Agamben devemos aprender a localizar o campo em suas mais distintas
metamorfoses; em certas periferias das grandes cidades, esquecidas pelo poder público; nas
zonas de detenção de aeroportos internacionais, onde são detidos estrangeiros à espera de
jurisdição: ou mesmo nos presídios superlotados que, embora decorram do direito carcerário,
são exemplos – tais como os anteriores – de lugares onde a ordem jurídica é, temporal ou

17 Ibidem, p.139.

18 Ibidem, p.150.

19 Ibidem, p.173.

20 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. [1995]. p.184.

21 Cf. Idem, Ibidem, p.186.


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permanentemente, suspensa, e os que ali se encontram submetidos passam a depender


unicamente do senso ético daqueles que os subjugam 22. Suas reflexões nos trazem para as
questões sociais mais atuais. Agamben coloca o projeto democrático-capitalista ainda como
uma ameaça para o povo, que tem o símbolo no massacre do povo hebreu. Para ele:
(...) de modo diverso, mas análogo, o projeto democrático-capitalista de
eliminar as classes pobres, hoje em dia, através do desenvolvimento, não
somente reproduz em seu próprio interior o povo dos excluídos, mas
transforma em vida nua todas as populações do Terceiro Mundo. 23.

O campo é o novo paradigma político ocidental, diante do qual está a vida nua,
convertida em forma dominante de vida política dos estados totalitários novecentistas e
aplicada de forma análoga pelo projeto democrático-capitalista com os países do terceiro
mundo. A análise de Agamben não permanece pressa aos aspectos históricos, mas vai além,
fazendo uma relação com a estrutura jurídico-política atual e as condições de existência da
vida humana dentro do capitalismo. Para ele: “Somente uma política que saberá fazer contas
com a cisão biopolítica fundamental do Ocidente poderá refrear esta oscilação e por fim à
guerra civil que divide os povos e as cidades da terra” 24.

Referências Bibliográficas:
1. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. [1995], Tradução de
Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. 207 p.
2. _____. Mizzi senza fine. Note sula política. [1996], Torino: Bollati Boringhieri, 1996. 115
p.
3. _____. Il regno e la gloria. Per una genealogia teologica dell´economia e del governo.
[2007], Vicenza: Editore Neri Pozza, 2007. 288 p.
4. _____. Il tempo che resta. Um commento allá Lettera ai Romani. [2000], Turim: Editore
Bollati Boringhiere, 2003. 177 p.
5. _____. O que resta de Auschwitz. [1998], Tradução de Selvino J. Assman. São Paulo:
Boitempo Editorial, 2008. 175 p.
6. _____. Estado de exceção. [2003], 2ª ed. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2004. 133 p.
7. PELBART, Peter Pál. Vida capital: Ensaios de biopolítica. [2003] São Paulo: Editora
Iluminuras, 2003. 252 p.
8. ZIZEK, Slavoj. Bem vindo ao deserto do real. [2002], Tradução de Paulo Cezar
Castanheira. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003. 191 p.

22 Cf. PELBART, Peter Pál. Vida capital: Ensaios de biopolítica. [2003] São Paulo: Editora
Iluminuras, 2003. p. 65.

23 Ibidem, p.186.

24 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer. O poder soberano e a vida nua I. [1995]. p.186.

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