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PROJETO GRÁFICO:
Juliane Gotlieb - Arte do evento
Equipe Multidisciplinar NEAD - Arte e diagramação do livro
Catalogação na Publicação
Biblioteca da UNICENTRO, Campus CEDETEG
Fabiano de Queiroz Jucá (CRB 9/1249)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................... 5
PREFÁCIO................................................................................................................................................. 9
Irene Tourinho
A EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL.................................................................................................................... 23
Luís Bourscheidt
Helga Loos
LIVE-ELECTRONICS.................................................................................................................................. 87
Adriana Vaz
Elisa Abrão
Clediane Lourenço
L.C.Csekö
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
APRESENTAÇÃO
Este livro é resultado do evento anual promovido pelo Departamento de Arte-
Educação da UNICENTRO- Universidade Estadual do Centro-Oeste, o “Simpósio de Arte-
Educação” realizado nos dias 04 a 08 de outubro de 2010, no campus Santa Cruz, em
Guarapuava-Pr.
Em sua oitava edição, o evento teve como tema as discussões sobre “Arte, Atualidade
e Ensino”, sendo este o foco das palestras, mesas-redondas e comunicações realizadas
durante toda a programação.
Com o objetivo de possibilitar aos acadêmicos do curso de Arte-educação/
UNICENTRO, aos professores de Arte da região de Guarapuava, aos pesquisadores, artistas e
à comunidade em geral a vivência em processos criativos e em arte e ensino, o Simpósio de
Arte-educação é um dos principais eventos da área na região e possibilita complementação
extracurricular de estudos na área de Arte em contato com pesquisadores do Brasil e do
exterior. Neste evento promove-se ainda, a disseminação de conhecimentos científicos em
Arte e Ensino e Processos Criativos em Arte e que são apresentados neste livro, efetivando
ainda mais a interação entre pesquisadores, estudantes, professores e artistas locais e
nacionais. A compilação e publicação destes textos, na forma de livro, sistematiza as ações
realizadas no VIII Simpósio de Arte-Educação.
Pelo conteúdo desta obra, é possível compreender a importância da disseminação
das discussões e embates teóricos presentes neste evento. As Seções “Arte e Ensino” e
“Processo Criativos” trazem duas linhas de pesquisa em Arte e sobre Arte, fundamentais
para quaisquer práticas em Arte-Educação. Os autores de cada capítulo, apresentam
de forma sistematizada as conferências proferidas no evento, assim, o conhecimento
disseminado entre os participantes e ouvintes, agora torna-se acessível àqueles que não
foram privilegiados com a presença real de cada autor, suas falas estão vivas nesta obra!
A seção 1 compreende seis capítulos que abordam diferentes aspectos relativos
a Arte e Ensino, de forma abrangente as linguagens artísticas são contempladas diante
da realidade educacional. Reflexões e análises compõem um conjunto de textos que são
norteados pela busca de possibilidades educacionais na contemporaneidade.
No capítulo um apresenta-se o texto “Arte, atualidade e ensino”, palestra de abertura
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do evento realizada por Irene Tourinho, no qual algumas temáticas que representam
demandas para pensar a educação são apresentadas juntamente com pistas de reflexão
para orientar o fazer docente em artes. A autora suscita a reflexão sobre temáticas que
“[...] podem gerar e produzir experiências artísticas que aguçam nossa sensibilidade e nos
estimulam para propor formas de estar no mundo, de negociar alternativas de envolvimento
pessoal em nossas comunidades de pertencimento e de criar práticas que questionem e
perturbem versões injustas e hegemônicas da realidade através da educação, do ensino, e
da arte.”
No capítulo dois, Ana Laura Rolim da Frota reflete sobre “A Educação do Sensível”,
tema este abordado na programação do evento em forma de palestra e de oficina,
apontando para o papel da escola e do educador diante das possibilidades de experimentção
e sensibilização do aluno. Partindo da compreensão de que “[...] a arte é um veículo
extremamente importante porque ensina a ver, ouvir, tocar, sentir, fruir.”, a autora discorre
sobre as linguagens musicais, visuais e corporais e como estas se articulam com os nossos
sentidos.
A participação de Luís Bourscheidt em mesa-redonda é descrita no capitulo intitulado
“A totalidade e a aprendizagem musical, conforme a pedagogia musical ativa de Jos
Wuytack” e relata parte da pesquisa que examina e avalia a aplicabilidade do sistema Orff/
Wuytack, enquanto metodologia de ensino musical alicerçada no conceito de totalidade.
Partindo de dois pontos de vista, o do próprio sistema e o das crianças, o autor apresenta
os desafios e possibilidades da utilização deste método, o que contribui positivamente para
discussões contemporâneas sobre a educação musical.
No capitulo quatro Daiane Solange Stoeberl da Cunha aborda a temática “Educação
Musical na Disciplina de Arte: perspectivas curriculares paranaenses.” É relatada a pesquisa
realizada junto à professores de arte sobre a relação sonoro-visual-corporal em sala de
aula. A fundamentação teórica, legal e curricular é complementada pela análise do discurso
docente, sendo possível compreender melhor a realidade do ensino da arte no Estado do
Paraná.
O capítulo cinco “A Arte, a Afetividade e o Sistema Educacional: ensaio acerca
de convergências e divergências nas concepções de desenvolvimento humano” escrito
por René Simonato Sant’Ana, Márcia Cristina Cebulski e Helga Loos, mostra o conteúdo
abordado na participação destes pesquisadores em uma das mesas-redondas realizadas
no Simpósio. Este texto anima o debate sobre o melhor caminho a se traçar para o bom
desenvolvimento dos educandos, o humano integral: cognitivo e afetivo. Discute ainda a
compreensão da Arte como uma das bases para a construção de uma afetividade ampliada.
“A multiplicidade de caminhos, atravessamentos e sentidos das ações de dança: A
arte de educar, a educação através da Arte e a formação do artista na contemporaneidade”,
tema da participação da artista e pesquisadora Lígia Losada Tourinho em mesa-redonda é
sistematizado e compõe o capítulo seis que aborda a complexidade da compreensão de
dança contemporânea, alguns aspectos conceituais, históricos e educacionais. A autora
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
foca principalmente a possibilidade de dança educação proposta pelo projeto O Jogo
Coreográfico em suas vertentes performática e pedagógica.
O capítulo intitulado “Live-Electronics: obra enquanto processo dinâmico e interativo”
reflete sobre aspectos relativos ao repertório apresentado pelo compositor e musicólogo
Rael B. Gimenes Toffolo em seu concerto inserido na programação do evento. Partindo
da compreensão histórica e filosófica de musicologia, para posteriormente tratar a música
enquanto fenômeno por meio da apresentação do pensamento fenomenológico e por fim
dos aspectos característicos da prática composicional denominada por live-electronics ou
Interactive Computer Music e sua relação com a fenomenologia.
A artista visual Adriana Vaz apresenta em seu texto “Instalações e interatividade:
porta aberta ao público” o conteúdo de sua fala na mesa-redonda acerca de processos
criativos em arte na atualidade. Através da abordagem da Arte Contemporânea, de atos
de comunicação e da exposição de vivências, encontros e relatos de experiência e da
fundamentação em autores como Bourriaud, Cauquelin e Bourdieu a autora aborda temas
relativos à mostra intitulada Instalações e Interatividade realizada por pós-graduando de
Artes da UNICENTRO.
No capítulo nove “Entrelaça, distende, dialoga, registra: reflexões sobre dança e
tecnologia” escrito por Elisa Abrão e Mizael Luis Vitor, são analisadas as relações da dança
com as novas tecnologias e as implicações no corpo que dança diante do uso das novas
tecnologias. Esta discussão insere-se na compreensão dos processos criativos na dança
contemporânea revelando novos olhares e fazeres.
O último capítulo, e não menos importante, escrito pela arte-educadora Clediane
Lourenço reflete sobre “Rosalind Krauss e o ‘equivalente visual’ da arte abstrata de Jackson
Pollock e Helena Wong”. A temática das artes visuais é interpretada por meio da análise dos
escritos de Rosalind Krauss frente à característica da produção de Jackson Pollock e Helena
Wong.
Em anexo ao livro encontra-se um pequeno texto escrito pelo compositor e educador
musical Luis Carlos Csekö. O texto apresenta a “Oficina e Linguagem Musical como uma
possibilidade de pedagogia para o século 21”, oficina esta realizada de forma condensada
no simpósio em questão. Não se constitui em um artigo mas, uma apresentação da
Oficina, e os conteúdos abordados nessa atividade, que se repete em múltiplas ofertas, em
diferentes ocasiões e eventos a que o autor comparece e que demonstra, de maneira altiva,
o pensamento educativo musical do autor.
Convido a você leitor, realizar um mergulho nestes textos, ampliando seu
conhecimento e análise sobre questões da arte e do ensino atuais.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
PREFÁCIO
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metodologia dialógica. Como pressuposto na compreensão da Arte e de suas variantes,
evidencia a expressão e o pensar criativo dando significatividade aos processos de ensino-
aprendizagem, enriquecendo estudos na área, dando uma abrangência a sua apreciação
de forma sensível e crítica, desencadeando um pensamento multidimensional, nos seus
aspectos críticos e criativos resultando num enriquecedor diálogo entre saberes que
subsidiam encaminhamentos a futuras pesquisas e processos criativos e/ou educativos.
Percebe-se que a arte realizada no ambiente educativo transforma-se em fundamental
desenvolvimento humano, resgatando sua inteireza enquanto ser no mundo, pois dialoga
razão e emoção, fantasia e realidade, os autores desta coletânea foram muito felizes na
forma com que disseminaram suas experiências em arte através de suas proposições,
produções, apropriações artísticas, pois estimulam a autonomia intelectual, a independência
e compreensão da contemporaneidade numa consistente construção de exercício estético
voltado para uma educação realmente emancipadora.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
SEÇÃO 1
ARTE E ENSINO
Foi com muito prazer que recebi o convite para participar do VIII Simpósio de Arte
Educação promovido pelo Departamento de Arte-Educação da Universidade Estadual do
Centro-Oeste, em Guarapuava, Paraná. Prazer e susto, posso dizer. O susto veio com o
tema, bastante abrangente para ser tratado apenas numa única fala para abrir o evento.
Mas a organização do Simpósio foi convincente acerca da escolha do tema. Daiane Cunha,
coordenadora geral e pessoa de muita garra, competência e amabilidade, me persuadiu a
cometer o risco de abordá-lo. Agora, passado aquele primeiro susto, encaro este segundo
que é traduzir a fala em texto. Muitos de nós sabemos das dificuldades dessa operação.
Ao falar, temos a liberdade de buscar, em voz alta, palavras mais adequadas ou
atraentes; podemos rechear os pensamentos com parêntesis imaginários que esclarecem ou
exemplificam nossas ideias, além de podermos re-dizer coisas e contar com a contribuição
gestual, sonora, corporal e visual. Mais que isso, os olhares que nos olham e as expressões
que percebemos, ajudam a reforçar alguns pontos estimulando determinadas ênfases e
dando vida àquilo que falamos.
Porém, o convite para publicar aquelas ideias que compartilhamos no evento
também foi irrecusável, o que não significa redução do susto. Pelo contrário. É um susto,
outra provocação que enfrento. Assim, minha intenção é tocar em algumas teclas, insinuar
algumas temáticas e explicitar preocupações que vieram à tona na caminhada que me
levou até a apresentação e participação no evento. Certamente ficarão de fora muitos
pensamentos que me ocorreram e foram manifestados durante a fala, mas, principalmente,
não incluo várias reflexões que ampliaram, aprofundaram e geraram questionamentos
fundamentais para o tema, trazidas pelo público que, sem demonstrar cansaço, permaneceu
contribuindo com a discussão muito tempo depois de esgotadas minhas anotações.
O caminho que escolhi para abordar o tema começa com uma rápida revisão
1 Irene Tourinho é Professora Titular da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal
de Goiás, docente e coordenadora (2009/2013) do Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual –
Mestrado/Doutorado, mestre pela Universidade de Iowa, doutora pela Universidade de Wisconsin – Madison
(EUA) e pós-doutora pela Universidade de Barcelona, Espanha. Foi professora visitante na Faculdade de Belas
Artes da Universidade de Barcelona e na Universidade Ambedkar, em Nova Delhi, Índia.
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sobre algumas questões insistentes da atualidade. Questões insistentes da atualidade nos
perturbam, inquietam e instigam. Dizer não ao presente é loucura e futilidade porque o
agora não é um inimigo ou uma limitação. É, antes de tudo, um desafio. Atravessado esse
primeiro trecho da caminhada, concentro-me em algumas temáticas que representam
demandas para pensar a educação e, ao mesmo tempo, apontam para universos de
experimentações a partir dos quais diversas propostas artísticas têm derivado. Ao final,
levanto algumas ideias que percebo como pistas de reflexão para orientar o fazer docente
em artes. Optei por não fazer referências a autores, a não ser quando os cito diretamente.
Guardo, assim, um gosto de fala que não se interrompe para dizer quem inspirou a ideia.
Porém, está claro, tudo que sei e que escrevo aprendi com alguém, seja diretamente ou
através de suas produções.
Questões insistentes
2 Profecia dos Antigos, 1988, Brower Hatcher – Walker Art Center – Minneapolis Sculputre Garden.
Imagem disponível em http://www.flickr.com/photos/27316171@N05/page2/ Acesso em: 15 nov 2012.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
depressão... A quantidade de informação disponível gera o que já foi denominado de
ansiedade da informação, uma doença que nos acomete sem deixar chances de virar o
jogo. A oferta suplanta, em muito, nossa capacidade de apreensão. Este caráter efêmero
das experiências nos faz viver o instante, mesmo quando tentamos reter as horas.
O terceiro motivo de ter escolhido essa imagem para vislumbrar questões insistentes
da atualidade diz respeito ao fato de que ela nos permite pensar – juntando a ampliação
de possibilidades de agenciamentos e interpretações que a atualidade oferece e estimula,
e o caráter transitório que qualifica nossas experiências contemporâneas – na idéia de
incertezas, de paradoxos, de contradições que nos assolam cotidianamente. Tais incertezas
e contradições se apresentam junto com o surgimento de novas formas de controle e de
dominação: atualmente estamos sendo vistos e acompanhados, vigiados, regulados e
controlados a todo momento.
Essa ideia de incerteza guarda afinidades com o texto do filósofo espanhol José Maria
Marina (2004), em Crônicas da Ultramodernidade, que sintetiza de maneira extraordinária
os paradoxos que caracterizam a atualidade. Não há necessidade de explicá-los, pois nossa
experiência fornece exemplos suficientes para compreendê-los e senti-los na pele: (1) “O
mundo se globaliza e se nacionaliza simultâneamente”; (2) “Aumenta a produção de bens,
mas diminui o trabalho”; (3) “Vivemos em uma sociedade tecnológica, mas desconfiamos
da tecnologia”; (4) “Confiamos parte de nossa liberdade aos políticos, mas desconfiamos
deles”; (5) “Não sabemos se estamos progredindo ou retrocedendo”, e (6) “Cremos que o
conhecimento é importante, mas são os sentimentos que nos fazem felizes ou desgraçados.”
(p. 24-27).
Este panorama das muitas questões que nos marcam não esgotam, certamente, os
impasses, embates e disputas que enfrentamos cotidianamente. Porém, quero destacar
mais uma, já analisada como uma nova forma de escravidão que hoje nos atinge e confronta.
A imagem de Hatcher tem menos impacto aqui, apesar de que as tramas que ela constrói
podem também aludir a limites e, principalmente, a espaços que nos demarcam. Refiro-
me à sensação, esta forte impressão de que ter vale mais do que ser e, mais grave do que
isso, a sensação de que aparecer, vale ainda mais do que ter. Assim, não apenas nossas
intimidades são invadidas, mas muitos se esforçam para que haja esta invasão: paga-se
para aparecer, para revelar as intimidades e para estar exposto, de preferência, em todas as
circunstâncias.
Um exemplo que li recentemente, ilustra bem a situação atual: quando nos damos
conta de que conhecemos melhor a imagem de alguém que nunca vimos, como a de Gisele
Bündchen, por exemplo, do que a do nosso próprio vizinho, algo mudou profundamente na
nossa relação com o mundo, na nossa vida diária. Algo profundamente complexo alterou
nossa existência.
Sem querer reforçar a onda quantificadora reinante nas diversas esferas da vida
institucional, social e cultural – na qual os números muitas vezes falam mais alto resultando
no apagamento de questões qualitativas - aponto algumas estatísticas atuais que se
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entrelaçam com paradoxos e complexidades com os quais convivemos.
Uma pesquisa feita pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas,
denominada Motivos da Evasão Escolar (NERI, 2012) destacou que 40% dos jovens não
estão interessados na escola que temos. Não estão interessados porque se sentem fora dela,
se percebem desconsiderados ali. Ambiente? Conteúdos? Métodos? Recursos? Propostas?
Não há resposta fácil e estas esferas não podem ser separadas. Tendemos a pensar que as
novas tecnologias solucionarão os problemas. Porém, apesar de sabermos que a internet
facilita, e muito, o intercâmbio de conhecimentos e a circulação de ideias, ela não possui
traços menos ambivalentes que qualquer outra inovação tecnológica. Não nos cabe, nesse
sentido, subestimá-la nem supervalorizá-la.
Outros dados também contribuem para refletirmos sobre questões insistentes
que nos atordoam ao mesmo tempo que incitam nossas possibilidades de agir para
romper, para transformar o mundo em que vivemos. Carlos Fuentes (2010) nos apresenta
macroestatísticas mostrando que se, por um lado, onze bilhões de dólares financiam as
necessidades fundamentais do terceiro mundo na área da educação, este montante é o
que os EUA gastam por ano em produtos de beleza. Mais ainda: se treze bilhões de dólares
satisfazem as necessidades fundamentais do terceiro mundo na área da saúde, é isso o que
a Europa gasta por ano com seus sorvetes. Agravando este contexto, abala-nos a informação
de que atualmente, 850 milhões de seres humanos passam fome.
São dados que mostram diversas formas de precariedade cultural, de aberração
social, sintomas de uma globalização discriminatória e de uma emergência disparatada
do capitalismo cultural eletrônico. Entretanto, sem dúvidas, há também esperanças neste
cenário: reconhecemos que ganhos e beneficícios têm sido gerados para nossa vida, para
prolongá-la com mais qualidade. A facilidade na circulação do pensamento, como disse
anteriormente, favorece possibilidades de comunicação e interação – não para todos,
sabemos - sem empecilhos de espaço e tempo e, fundamentalmente, a chance de fraturar
a solidez das nossas convicções. Em razão destas condições, vivemos uma era que não
admite exclusões e, sim, reconfigurações e redirecionamentos de práticas, de ideias e de
perspectivas.
Para enfrentar estas questões insistentes não como ameaças, mas como possíveis
recursos para a nossa atuação docente, uma postura que me agrada muito é a do cientista
Stephen Jay Gould. Ele disse, em algum lugar que não registrei: “[...] não sou um pessimista,
sou mais um otimista trágico”. Assim, talvez possamos nos concentrar em pensar sobre
temas - não sobre conteúdos, criando alternativas para deslocar o conhecimento e investir
na centralidade da cultura como eixo organizador das nossas experiências. Pensar sobre as
temáticas que caracterizam a atualidade é respeitar a fragmentação que configura nossa
existência e que não é disciplinar, mas justamente temática, como nos ensinou Boaventura
de Souza Santos.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
zAlgumas temáticas contemporâneas
Colocar-nos diante de temáticas que desenham nosso viver contemporâneo nos ajuda
a criar propostas para lidar com questões fundamentais, enfrentando-as e problematizando-
as. A produção, circulação e socialização de saberes e práticas culturais depende dessa
possibilidade de tematização e problematização, tarefas que são responsabilidades do
ensino, da formação, das formas interativas de experimentarmos a nós mesmos, aos outros
e ao mundo.
Aponto, de maneira breve, quatro dessas temáticas, sem a ambição de me aprofundar
em cada uma, mas com o intuito de enriquecer este panorama sobre a atualidade em que
nos inserimos. Especialmente, vejo estas temáticas como acionadoras potentes de novos
modos de produção artística na educação, eixos que podem privilegiar a imaginação e a
criação de uma multiplicidade de projetos e reflexões. Utilizo a barra (/) na indicação de cada
temática com o propósito de evidenciar complementaridades, diálogos e afinidades sobre
as quais nos cabe refletir, e não com a intenção de apontar binarismos ou antagonismos.
(1) globalização/localização: entendemos que essa relação é, acima de tudo, um fenômeno
de comunicação, que significa não apenas o domínio da economia de mercado – ou seja, não
pode significar apenas globalização do mercado -, mas nos leva a pensar sobre “[...]como
reagimos a uma sociedade em formação, genuinamente nova e cosmopolita.” (GIDDENS,
2008, p. 16). A localização nos remete à ideia de pertencimento, não para celebrar um
local, uma cultura, mas para evidenciar a ausência de fronteiras entre questões globais e
existenciais. É nesse sentido que entendo uma reflexão que li, não sei onde, que diz que
“[...] é o fato de um indivíduo pertencer a muitos grupos que o faz livre.” Nossa época
interconecta, então, de maneira intensa e veloz, questões globais e disposições pessoais,
como também assinalou Giddens (2008).
Achei significativo um e-mail que andou circulando com uma definição de
globalização bastante concreta, atual, e engraçada até. Diz o seguinte:
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O relato demonstra bem o que Lipovetsky e Serroy (2011) denominam como cultura-
mundo, uma reconfiguração que evidencia
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
de ação e de instituição de identidades que tem não apenas marcado, mas regulado e
desorientado os sujeitos. O tema me faz lembrar a síntese proposta pelo trabalho da artista
Barbara Kruger que, ironicamente disparava: “Compro, logo existo”.
Lipovetsky e Serroy (2011) analisam com profundidade as consequências do que
vem sendo chamado de hiperconsumo e declaram que
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Que ideias podem orientar nosso fazer docente em artes?
Tenho usado a imagem abaixo para enfatizar o quanto conhecemos sobre este
espaço. De tão conhecido, ele às vezes nos satura. Descreveríamos de maneiras semelhantes
estes espaços e teríamos lembranças similares sobre o que ocorre nesses lugares.
Em muitos lugares do mundo podemos encontrar escolas com esta mesma aparência.
Talvez isso possa nos dizer que nossas necessidades, desejos e sonhos são diferentes, mas
também guardam proximidades com aqueles de professores que vivem em outros países.
O descaso em relação a prédios escolares também é visível em vários lugares. Pensando
sobre o que nos une e agrega nesta profissão e mantendo esta imagem na cabeça, aponto
uma primeira ideia que oferece pistas para orientar nosso fazer docente em artes.
Refiro-me à desconstrução da noção de escola como espaço privilegiado de
aprendizagem. Os espaços de aprendizagem se expandiram, perderam limites, derrubaram
fronteiras. As escolas, hoje, precisam fazer parcerias, encontrar interlocutores e ampliar
suas formas de atuação.
É a partir da década de 60 que a escola começa a ser posta em causa como instituição
intocável, sublinhando-se a importância do aprender para além da escola e de pensar a
educação numa perspectiva social e cultural. Entretanto, apesar de parecer consenso que
as paredes das salas de aula e os muros das escolas precisam cair, na prática, muitas escolas
estão reestruturando seus horários – diminuindo o tempo de recreio, por exemplo – para
manter o aluno mais tempo (seguro?!?) na sala. Discutir questões relativas às condições
sociais e culturais que envolvem professores e alunos neste esforço para fortalecer pontes
entre experiências internas e externas às escolas pode contribuir para maior efetividade
de políticas de compromisso social e parcerias, caso as instituições queiram se ajudar para
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
enfrentar os desafios e paradoxos contemporâneos.
A ideia de cultura, ou melhor, de culturas, no plural, passa, então, a ser central e
deflagradora de nossas ações de ensinar e, certamente, de aprender, pois nesse binômio
inseparável, aprender-ensinar, é a aprendizagem que encabeça a ação, é ela que institui,
reconstrói e transforma o ensino. Juntamente com a primeira pista de reflexão – a
desconstrução da noção de escola como espaço privilegiado de aprender – a cultura afirma-
se como alavanca para nos incitar a refletir sobre o ensino de arte.
Já sabemos que a escola é, hoje, lugar de aprender, mais que ensinar. Porém, é
importante, em relação à cultura, como um princípio determinante, compreender que
“Não se pode estabelecer uma hierarquia entre as culturas humanas, pois todas as culturas
são epistemológica e antropologicamente equivalentes” (SILVA, 2002, p. 86).
Dessa ideia resulta nosso entendimento de que “Não é possível estabelecer nenhum
critério transcendente pelo qual uma determinada cultura possa ser julgada superior a
outra” (SILVA, 2002, p. 86). A des-hierarquização de fazeres e saberes, a des-fronteirização
e a desterritorialização de práticas e reflexões são características da contemporaneidade
que a centralidade da cultura enfatiza, chamando-nos para deslocamentos perceptivos e
conceituais sobre a natureza do ensino, as funções da escolarização e as possibilidades de
abordagem do mundo e da cultura estética que nos rodeia.
Sob a perspectiva da cultura aprendemos que saberes e fazeres são circulantes e
circulam, sem se fixar em lugar algum. As ideias de que não aprendemos apenas na escola,
de que as práticas culturais e sociais ensinam e nos formam e de que não há critérios
possíveis para hierarquizar culturas, saberes ou práticas, colocam em pauta outra dimensão
que fundamenta e pode orientar nosso fazer docente em artes na atualidade. Refiro-me às
questões das identidades.
Assim como o conceito de cultura, o conceito de identidade é múltiplo, complexo,
mutante. Ambos se referem a construções sociais. Falar de construção de identidades é
reconhecer, primeiro, que as identidades não são únicas, são instáveis, vulneráveis e
lábeis, sujeitas a escorregões. Identidades vivem mancomunadas com subjetividades, num
contexto cultural, rabiscando experiências culturais e sociais que podem, ou não, tornarem-
se afetivamente significativas.
Subjetividades, identidades, alteridades, contextos, culturas, afetos, significados:
essa mistura de interagentes resulta numa porção de vida que conhecemos, porém, cada elo
entre esses conceitos deve ser continuamente reconstruído, pesquisado, experimentado.
É através dos elos e continuidades que conseguimos dar a estas noções - subjetividades,
identidades, alteridades, contextos, culturas, afetos, significados – força para impulsionar
propostas de instituir e reconstruir saberes e fazeres estéticos e artísticos na escola.
Vale ressaltar, mesmo repetindo, que a identidade é relacional, marcada pela
diferença e construída tanto simbólica quanto social e culturalmente. Sintetizando essa
ideia podemos falar, com Woodward (2000), que “[...]a identidade não é oposto da
diferença: a identidade depende da diferença.” (p. 40) É ainda essa autora que enfatiza:
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“toda identidade [...] depende, para existir, de algo fora dela.” (p. 9)
Os espaços descuidados, sujos e quebrados que encontramos em muitas escolas nos
oferecem, através de vazamentos e rachaduras tão comuns, metáforas de circunstâncias
que nos instituem cultural e socialmente. É uma maneira de pensar sobre esse algo que
vaza, que racha, para além de nós, para além do que pensamos que somos – esse algo que
nos marca pela ausência e pelas formas híbridas de se fazer presente.
Com essa imagem de rachaduras e vazamentos também trago a ideia de diferença,
conceito tão importante para pensar as culturas, as identidades, as formas de interpretar
o mundo e de ensinar. Ao marcarmos nossas identidades como professores de arte, que
outras diferenças podemos obscurecer? Como me diferencio enquanto professora de arte?
Penso que, para relacionar arte, ensino e atualidade, talvez precisemos reavivar
em nós as histórias que nos formaram e os desejos que nos animam para entender por
que assumimos certas identidades e, especificamente, o que nos faz professores de arte
e quê significados isso tem para nós hoje. Esse exercício de reconstruir, revisitar nossa
formação identitária como profissionais professores de arte visa mudanças, negociações de
identidades e transformação. Stuart Hall (2000, p. 109) nos diz que “[...] as identidades têm
a ver não tanto com as questões ‘quem nós somos’ ou ‘de onde viemos’, mas muito mais
com as questões ‘quem nós podemos nos tornar’, ‘como nós temos sido representados’ e
‘como essa representação afeta a forma como nós podemos representar a nós próprios.”
Assim, o que ensinamos e a forma como abordamos objetos e manifestações
culturais, em contextos específicos, têm impacto na maneira como produzimos e reagimos
a significados e interpretações, na maneira como nos envolvemos com os processos de
criação e de transformação das realidades pedagógicas e artísticas. Definir a abordagem de
determinados trabalhos, conceitos e temas na prática pedagógica solicita não apenas estar
antenado para os entrecruzamentos culturais e processos de construção de identidade que
eles podem desencadear. Solicita, também, enxergar estes objetos e manifestações, assim
como os diferentes contextos onde eles se encontram, para além de sua materialidade,
encontrando, através da experiência, conexões com realidades temáticas que nos formam
e inquietam. Isso exige uma capacidade de agregar ao trabalho educativo experiências
de vida que possibilitem um sentido de pertencimento, de reconhecimento individual e
cultural, social e coletivo, simbólico e afetivo.
Referências
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
GIDDENS, A. Entrevista a William Waack. Grandes Entrevistas do Milênio: O olhar de
grandes pensadores sobre o mundo atual e suas perspectivas. São Paulo: Globo, 2008.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
A EDUCAÇÃO DO SENSÍVEL
Ana Laura Rolim da Frota4
Para iniciar uma reflexão sobre a Educação do Sensível deve-se antes buscar a
significação da palavra sensível. No dicionário Aurélio Século XXI encontra-se, para esse
vocábulo, inúmeros significados que se relacionam com as capacidades sensitivas do
indivíduo como:
[Do lat. sensibile.]
Adj. 2 g.
1. Que sente; dotado de sensibilidade:
2. Que recebe facilmente as sensações externas:
3. Que pode ser percebido pelos sentidos:
4. Que, ao menor contato, se torna dolorido ou faz sofrer: 2
5. Capaz de sentimento em grau incomum: dotado de uma vida afetiva
intensa; apto a sentir em profundidade as impressões, fazendo que delas
participe toda a sua pessoa; emotivo.
6. Que se deixa impressionar, tocar, comover.
7. Que se ofende ou melindra com facilidade; suscetível, sensitivo, sentido.
8. Claro, evidente, manifesto. [Sin., p. us., nessa acepção: sensivo.]
9. Fisiol. Que é conhecido pela sensibilidade. [Nesta acepção., opõe-se a
inteligível.]
Partindo dos significados expostos acima, vamos enfocar nossas reflexões nas
impressões humanas, nas percepções corporais, nas emoções e, principalmente, nos
sentidos que são a base da educação da sensibilidade.
Maurice Merleau-Ponty, filósofo moderno que atuou entre 1942 e 1961, fala da
relação do homem com a natureza e com os seus pares, afirmando: “[...]a consciência é
percepção, e percepção é consciência” (1999), para ele nosso corpo é o meio através do
qual conhecemos o mundo. Assim afirma, ainda
4 Ana Laura Rolim da Frota é Mestre em Educação pela UFRGS, especialista em Artes Visuais
Arte Educação: Ensino da Artes/FEEVALE e licenciada em Educação Artística e Artes Plásticas pela UFRGS, é
vinculada ao GEARTE/UFRGS.
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Atuamos e conhecemos no decorrer de nossa vida a partir dos sentidos da visão, audição,
tato, gustação e olfato.
A nossa primeira experiência do mundo se dá através do olhar de nossa mãe.
Começa na ligação do corpo e olhar entre mãe e filho a grande aventura do saber e do
conhecer. Como diz Duarte Jr. (2001, p. 120):
[...] há um saber sensível, inelutável, primitivo, fundador de todos os
demais conhecimentos, por mais abstratos que estes sejam; um saber
direto, corporal, anterior às representações simbólicas que permitem os
nossos processos de raciocínio e reflexão.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
descoberta. Imaginar é também uma forma de saber. De acordo com Mirian Celeste
Martins, quando a criança projeta seu pensamento ao manejar a matéria – lápis, tinta,
papéis, massinha, roupas, brinquedos, sons e até mesmo o seu próprio corpo – e no contato
com ela cria, a imaginação se revela e é capaz de antecipar, antever, pois o ato de imaginar
é também ter hipóteses para agir. Ao exercitar o pensamento imaginativo, encontramos
soluções inovadoras e ousadas, seja no campo da ciência, seja no campo da arte. Grandes
cientistas e artistas como Einstein e Picasso anteviram intrincadas descobertas e criações
a partir da imaginação, e só após as registraram sob a forma de enunciado ou produção
plástica. Portanto, valorizar o repertório pessoal criativo e imaginativo das crianças como
falas, gestos, sons e imagens, respeitando os ritmos individuais nos seus despertares
íntimos, são atitudes que não podem ser desconsideradas pelo mestre que trabalha com a
arte. O conjunto dessas ações abre uma janela para o imaginário transformando-o em um
importante passaporte sensível, tanto no mundo da arte como no mundo humano.
No processo de ensinar/aprender, a magia certamente pode ser facilitada pelo
ambiente convidativo da sala de aula ou, no caso dos bebês, pelos espaços onde convivem.
O educador, como um prestidigitador, seguidamente subordinado às dificuldades do dia a
dia, precisa abrir caminhos na busca constante de ações verdadeiramente significativas. O
mistério de seu trabalho consiste na trama entre os conteúdos que necessita ensinar e os
conhecimentos das crianças – o que elas trazem como bagagem de saber construído em
seus lares e nas interações com o meio. É importante que o ensinante de arte projete
situações onde possam ser vivenciadas experiências gratificantes e enriquecedoras. Faz-se
necessário destacar que é de extrema relevância que as crianças sejam impulsionadas a
explorar e comunicar suas idéias, pensamentos e sentimentos. Não podemos desejar que
apenas repitam as experiências de outros, ignorando sua própria expressão e sentimentos.
Há que se abrir espaço para a escuta, para o diálogo com a criança no seu processo de sentir
e criar. É preciso possibilitar momentos para a experimentação, ampliando a percepção
que futuramente será o suporte de uma compreensão significativa de si, dos outros e do
mundo. Nesse contexto, a arte é um veículo extremamente importante porque ensina a
ver, ouvir, tocar, sentir, fruir.
Como diz Merleau-Ponty (1975, p. 360-1) sobre o que há de importante na arte:
Que contenha, melhor do que idéias, matrizes de idéias, que nos forneçam
emblemas cujo sentido não cessará jamais de se desenvolver, que
precisamente por nos instalar em um mundo do qual não temos a chave,
nos ensine a ver e nos propicie enfim o pensamento como nenhuma obra
analítica o pode fazer, pois que a análise só revela no objeto o que nele
já está [...] Nada veríamos se não tivéssemos, em nossos olhos, um meio
de surpreender, interrogar e formar configurações de espaço e cor em
número indefinido.
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• Linguagem corporal (a dança e o teatro).
A audição é o primeiro sentido que o feto aos dois meses tem. O coração e
vibrações internas do corpo da mãe, além das águas que o envolvem, formam, quem
sabe, uma sinfonia, em primeiro lugar para a sua pele, depois para seus ouvidos – ainda
não inteiramente formados. Nunca mais ele deixará de escutar. A gênese do pensamento
musical acontece quando a criança ainda nem aprendeu a falar. É de vital importância para
as crianças, mais especificamente para os bebês, o contato com a música. Na audição dos
sons, a criança imagina, relaciona e os junta aos silêncios, na sequência espaço-tempo,
organizando a prática do pensamento musical. Musicalizar o cotidiano é essencial. O verbo
musicalizar na verdade não existe, porém é utilizado por musicistas e professores, que
ensinam música para bebês, com o significado de introduzir música na vida das crianças.
Muitas vezes as mães musicalizam o cotidiano de seus bebês sem senti-lo. Ao cantar
uma cantiga de ninar ou fazer brincadeiras com a voz, as mulheres estão desenvolvendo
musicalmente seus filhos.
A voz da mãe, com suas melodias e seus toques, é pura música, ou é aquilo
que depois continuaremos para sempre a ouvir na música: uma linguagem
onde se percebe o horizonte de um sentido que, no entanto não se
discrimina em signos isolados, mas que só intui como uma globalidade em
perpétuo recuo, não verbal, intraduzível, mas à sua maneira, transparente.
(WISNIK, 1989, p.27).
• Linguagem Visual
No que se refere à linguagem visual, as cores mais do que as formas, atraem o olhar
das crianças e as estimulam enquanto muito pequenas. Um ambiente bem iluminado e
rico em cores incentiva o prazer de brincar, influenciando no humor e na capacidade de
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
perceber. A arte-educadora Susana Rangel Vieira da Cunha diz (2004, p. 43):
• Linguagem corporal
O teatro, pelo seu modo de ser, faz aflorar a imaginação, o faz de conta. O
encantamento do fazer de conta conduz as crianças a experiências pessoais e coletivas
de grande significação, nas quais projetam suas fantasias, desejos e temores. Quando as
situações apresentam-se de forma coletiva, propiciam a interação e a socialização. No faz
de conta estabelece-se um jogo fictício que envolve a abstração, a qual será importantíssima
para a formação de um ser criativo. No jogo, as crianças podem ser o que quiserem, podem
exercitar potencialidades, hipóteses e desempenhar papéis que mais tarde serão vitais para
o seu interagir no mundo.
Incluída também na linguagem corporal temos a dança. Dançar desenvolve o
pensamento sinestésico, ou seja, como diz Mirian Celeste (1998, p. 138): “[...]é um pensar em
termos de movimento, que se executa como emoção física, impulsionado pelas sensações
musculares e articulações do corpo.” A criança que dança se expressa poeticamente
27
por meio dos movimentos corporais, conhecendo melhor suas potencialidades físicas,
entendendo como funcionam as suas articulações, estabelecendo relação com o espaço
ao experimentar-se nele e comunicando-se pelo movimento. Ao evoluir a partir da dança,
as crianças desenvolvem a noção do ritmo e vivenciam a alegria de usarem o corpo como
forma de expressão. Mover-se corporalmente é muito importante principalmente para os
bebês, que estão iniciando suas primeiras experiências físicas no mundo.
Enfim, a educação do sensível não contempla um ensino dirigido, rígido e estruturado
sobre modelos prontos, mas sim um trabalho centrado no despertar das potencialidades e
na preparação de seres para uma efetiva, alegre e significativa interação consigo mesmo e
com o seu mundo.
Atualmente vivemos uma rotina em que somos cada vez mais entorpecidos pela
pressa, falta de tempo, superficialidade das relações e pela racionalização da tecnologia.
Assim, idealizar e colocar em execução uma educação voltada para o sensível torna-se uma
necessidade a fim de instigar, impulsionar e ampliar os referenciais e potencialidades de
nossas crianças no enfrentamento dos desafios da contemporaneidade. Essa tarefa, com
certeza, pertence aos educadores e não pode ser iniciada em anos tardios sob pena de não
alcançar êxito pleno. Quanto mais cedo cultivarmos a sensibilidade maiores serão os ganhos
para os sujeitos. Educar nesse mundo pós-moderno pressupõe despertar e alimentar a
sensibilidade das crianças, tornando-as capazes de reconhecer e valorizar as mensagens de
seu próprio corpo, utilizando esse saber em sua interação com o mundo, pois como nos diz
Fernando Pessoa “O que em mim sente está pensando.”
Referências
DUARTE JR., João Francisco. O sentido dos sentidos. Curitiba: Criar, 2001.
______. A dúvida de Cézanne. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Col. Os Pensadores).
CUNHA, Susana Rangel Vieira da. Cor, som e movimento, Cadernos de Educação Infantil.
Porto Alegre: Mediação, 2004.
WISNIK, J. Miguel. O som e o sentido. São Paulo: Cia. Das Letras/Círculo do Livro, 1989.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Luís Bourscheidt 5
Introdução
29
1998) –, a totalidade é um componente essencial para o trabalho musical com as crianças.
Amparado pelo conceito de uma música elementar pregada por Carl Orff, o sistema Orff/
Wuytack estabelece, como aspecto fundamental, o princípio da totalidade. Esta se refere
à maneira como se estabelece a relação entre as partes e o todo dentro do processo de
ensino e aprendizagem musicais. É possível, no entanto, entender este conceito sob dois
pontos de vista. O primeiro, mais abrangente, estabelece que a experiência musical é
composta invariavelmente da totalidade de três formas de expressão: a expressão verbal, a
expressão musical e a expressão corporal. Esta idéia está baseada no conceito da expressão
Musikae, da antiguidade grega, em que a expressão musical representava a totalidade entre
a palavra, o som e o movimento. Para o sistema, portanto, a expressão artística da criança
está baseada na inter-relação entre a expressão verbal – através do canto, da fala, da poesia
e do folclore infantil –, a expressão musical – no que se refere a todos os elementos que
compreendem a experiência musical, – e, finalmente, a expressão corporal – caracterizada
principalmente pelo movimento, pelo gesto e pela dança.
Uma segunda análise, mais pontual, diz respeito à adequação da totalidade à aula de
música, seja na sua elaboração, seja na sua aplicação. Nesse sentido, o conteúdo oferecido
em uma determinada aula é apresentado de maneira integral – com início, meio e fim –
envolvendo também as três formas de expressão descritas acima. Para exemplificar este
aspecto, tomaremos como referência o aprendizado de uma determinada canção. Conforme
a metodologia abordada, não é possível que as partes da canção, isto é, melodia, letra
e acompanhamento, por exemplo, sejam aprendidas em aulas diferentes. Os elementos
são apresentados separadamente, mas numa mesma aula, e sempre estabelecendo
relações com o todo – ou com a totalidade – da canção. Assim, é mais conveniente que
seja aprendida uma canção mais curta ou mais simples do que a não compreensão da sua
totalidade. Conforme sugere o próprio Wuytack (2005; 2007), esse tipo de metodologia
implica em uma satisfação por parte da criança, já que a sua tomada de consciência musical
representa, dentro do conceito de totalidade, a realização de um bom trabalho musical.
Por fim, a hipótese deste estudo é que, a partir das atividades musicais presentes
neste sistema, e tomando como referência o princípio da totalidade na aplicação destas
atividades em uma aula de musicalização infantil, há uma significativa melhora na
aprendizagem musical, principalmente com relação à aquisição melódica. O presente
estudo tem como foco, portanto, o relato da aquisição de habilidades melódicas das crianças
observadas. Dessa forma, presume-se que o princípio da totalidade pode ser adotado como
proposta de ensino de música, dentro de uma aula de musicalização infantil.
Este trabalho investiga a aplicação do sistema Orff/Wuytack enquanto metodologia
de ensino musical, com crianças entre 06 e 08 anos de idade e sob o ponto de vista do seu
desenvolvimento musical.
Além disso, pretende-se refletir acerca das qualidades deste sistema enquanto
proposta de ensino da música, tendo como foco o princípio da totalidade. Ademais,
busca-se descrever os processos de aprendizagem nos quais as crianças que fizeram parte
30
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
do estudo estiveram envolvidas, relatando de que maneira a metodologia do sistema é
utilizada na aplicação das atividades propostas e de que maneira este aspecto influencia no
seu desenvolvimento musical.
Para esta investigação, foram planejadas 06 (seis) aulas de musicalização infantil,
com crianças brasileiras entre 06 e 08 anos de idade. A pesquisa tem como delineamento
metodológico a pesquisa quase-experimental. Assim, o recorte deste trabalho busca
verificar a aplicação deste sistema, de acordo com dois pontos de vista: 1) com o foco no
próprio sistema e 2) com o foco nas crianças.
O primeiro aspecto abordado fixa-se em atividades que compreendem o sistema e
a sua metodologia, nas quais busca-se responder às questões: quais atividades utilizar com
as crianças observadas e como utilizá-las no contexto de uma aula de musicalização infantil.
Nesse caso, os dados coletados são apresentados no trabalho de maneira qualitativa e
descritiva, pois envolvem a observação direta não participante dos vídeos das aulas.
O segundo ponto de vista abordado é a aprendizagem musical das crianças seu
desenvolvimento cognitivo/musical. Nessa etapa, durante a observação das 06 aulas nas
quais os conteúdos foram aplicados por um professor especialista, procura-se avaliar
a performance e o desempenho das crianças enquanto participantes ativas das aulas
observadas, de acordo com as variáveis dependentes desta investigação. Como forma de
validação destas observações, foram convidados três juizes externos especialistas, que,
também por meio da observação direta dos vídeos das aulas 01 e 06 – o teste A e o teste
B do estudo – responderam a um questionário em que valoram os mesmos aspectos
observados nas variáveis dependentes do estudo.
A investigação pretende responder algumas perguntas, a citar: a) Quais as vantagens
e desvantagens de se utilizar a metodologia do sistema Orff/Wuytack para o ensino dos
conteúdos musicais tais como a aquisição melódica e rítmica? b) Como se dá a relação
entre o ensino e a aprendizagem musical através do princípio de totalidade presente no
sistema Orff/Wuytack? c) É possível estabelecer critérios que possibilitem compreender a
relação entre o aprendizado musical e o desenvolvimento musical das crianças observadas?
d) De que maneira o sistema Orff/Wuytack entende a questão do desenvolvimento e da
aprendizagem musicais?
Ao final desta investigação, é possível a descrição de algumas conclusões referentes
às análises dos vídeos, e que certamente podem contribuir de forma direta à prática docente
em educação musical.
Com relação ao conceito de totalidade, fica claro, na análise dos vídeos, que a
consciência do todo é um aspecto muito importante para o processo de aprendizagem
musical, já que é através dela que o aluno desenvolve-se musical e cognitivamente. Da
mesma forma, a inter-relação entre as formas de expressão parece favorecer o aprendizado
tanto rítmico quanto melódico. A utilização da expressão corporal, por meio das diferentes
possibilidades de expressão facial, do jogo de substituição das palavras por gestos corporais
ou até mesmo da simples movimentação corporal, contribui tanto para a aquisição das
31
atividades propostas quanto para o desenvolvimento de uma memória musical. Igualmente,
a utilização da expressão verbal - falando ou cantando um determinado ritmo, por exemplo
– parece contribuir não apenas na memorização de uma determinada letra, mas também
na aquisição de outros elementos da música, como o ritmo e a dinâmica.
Por sua vez, é evidente que a totalidade pode ser uma boa estratégia para
atrair a atenção das crianças, já que fica visível, nas análises dos vídeos, que as crianças
demonstraram um especial interesse quanto à exploração do próprio corpo – no ato de
virar e girar da aula 03, por exemplo – e da própria voz.
Por outro lado, é possível concluir que as atividades mais bem sucedidas
correspondem àquelas que apresentaram um resultado musical concreto ao seu final,
sugerindo aos alunos uma sensação de dever musical cumprido. Entretanto o que interessa
ao sistema aqui estudado é o processo e não os efeitos, apesar do fato de que os alunos
perceberam o processo ao final da atividade, juntamente com o resultado da mesma.
Outra reflexão acerca das análises dos vídeos demonstra que a natureza lúdica e
bem humorada das aulas é um aspecto pertinente à educação musical e que, de acordo
com o sistema aqui estudado, deve ser considerado na aplicação de determinada atividade
musical.
Com relação aos processos de aprendizagem e desenvolvimento musical, fica
evidente que há uma força colaborativa do grupo para a aprendizagem coletiva de música
e que esta influencia diretamente no processo de aquisição de um determinado aspecto
musical. Daí a importância de um envolvimento ativo dos alunos frente ao seu aprendizado
musical, já que tudo pode ser ensinado a todos, e todos colaboram entre si para a
aprendizagem do grupo.
Apesar de não ser o foco da presente investigação, há algumas conclusões
também com relação à postura do professor em sala de aula. Destaca-se, nesse sentido,
a importância de uma correta instrução, principalmente com relação ao espelhamento
(lateralidade), e, portanto, de uma coerência entre a instrução verbal e instrução visual.
Notou-se que atividades mais simétricas também são mais eficientes para a assimilação de
um determinado conteúdo. Por outro lado, uma aula de música não pode ter um caráter
diretivo o tempo todo. O professor deve deixar claras as instruções – principalmente quando
na imitação – mas deve saber permitir que o aluno se expresse através do seu corpo, da sua
voz e da música.
Do ponto de vista do comprometimento dos alunos com a aula de musicalização, o
desafio pode ser uma boa estratégia de motivar as crianças, tornando-se muito importante,
na medida em que aumenta a atenção e o interesse dos alunos para a realização de uma
determinada atividade.
Com relação à aquisição de habilidades musicais, ficou claro na análise dos vídeos
que os aspectos rítmicos foram mais acessíveis às crianças, se comparados aos aspectos
melódicos. Com relação à aquisição melódica, observou-se uma grande dificuldade com
relação à afinação precisa das notas de uma determinada canção. Entretanto, ficou
32
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
evidente que na maioria das atividades trabalhadas, os alunos conseguiram perceber o
contorno melódico das canções, já que se trata de “[...] um dos elementos mais óbvios de
uma melodia a se manter invariável em todas as instâncias.” (DOWLING apud HARGREAVES
& ZIMMERMAN, 2004, p.256). Portanto, na aplicação do sistema aqui estudado, há uma
valorização do contorno melódico muito antes de uma precisão quanto à afinação da
melodia.
Com relação à performance instrumental à imitação, foi possível destacar, após a
análise dos vídeos, três conclusões: 1) os instrumentos Orff são fascinantes para as crianças.
Nesse sentido, permite-se a livre experimentação dos mesmos para que os alunos possam
habituar-se com a prática instrumental, com o correto manuseio das baquetas e com uma
boa postura frente ao instrumento. Esse processo ocorre anteriormente à imitação, que
visivelmente exige das crianças um grau de concentração muito maior; 2) o espaço físico
utilizado pelos instrumentos não pode comprometer o espaço destinado ao movimento,
aspecto bastante observado nas análises dos vídeos; 3) tanto na performance instrumental
quanto nos processos de imitação, há a necessidade de um pulso bem definido, podendo
este ser executado pelo professor por meio de um instrumento harmônico (violão ou piano,
por exemplo).
Ao final dessa análise, fica claro que na prática instrumental/vocal, a maior
dificuldade encontrada pelos alunos é com relação à performance simultânea de duas ou
mais tarefas complexas. Nesse sentido, o professor poderá encontrar duas possibilidades
para resolver este impasse: a) adaptar a atividade às possibilidades da turma que está
trabalhando, subtraindo elementos, ou b) após todos aprenderem tudo, dividir a turma em
grupos para que cada grupo execute uma parte da atividade – melodia, acompanhamento
instrumental, gesto, movimento, etc.
Estabelecendo uma relação entre a análise dos dados e a fundamentação teórica
deste estudo, afirma-se que o desempenho musical das crianças também pode ser
aprimorado de acordo com as qualidades dos estímulos externos mediados pelo professor,
e pelo ambiente de aprendizagem (físico/social) no qual a criança está inserida. Dessa
forma, o princípio da totalidade pode contribuir para a aquisição de habilidades musicais,
já que este compreende aspectos extramusicais para a aprendizagem, como a voz falada
e o movimento corporal. Ao final desta investigação, concluiu-se que a relação ensino/
aprendizagem musical pode ser mais eficiente quando relacionada também à outras formas
de expressão não puramente musicais.
Do ponto de vista da aprendizagem, ficou claro que as crianças aprendem quando
estão ativas no processo de aprendizagem. As interações e as forças colaborativas entre
os alunos demonstram que, conforme a revisão e a análise desta investigação, a função
do professor, muito mais do que ensinar é motivar e desafiar os alunos a alcançar os seus
próprios objetivos musicais, tornando-os autossuficientes para a música e para o fazer
musical. A pesquisa aqui apresentada possibilita o entendimento das características de um
sistema de educação musical – o sistema Orff/Wuytack – cuja proposta pretende que se
33
aprenda música fazendo música. E fazer música, como pudemos observar, é expressar-se
também através dos nossos principais e primeiros instrumentos: o nosso corpo e a nossa
voz. Aprender música, portanto, não pode ser analisado apenas da perspectiva musical.
Deve propor, em primeira instância, o desenvolvimento geral do ser humano e das suas
capacidades artísticas. Ao final desse estudo, sugerimos ao docente em educação musical e
ao leitor uma reflexão acerca destes aspectos, aqui discutidos.
Paralelamente, é possível evidenciar algumas correlações entre os tipos de
expressões presentes na totalidade e o desenvolvimento de outros tipos de habilidades.
Gardner (1997) cita o desenvolvimento motor, o desenvolvimento verbal e, finalmente,
desenvolvimento musical.
Enfim, conclui-se que o resultado desta investigação poderá apoiar estudos
posteriores, frente à necessidade da criação de uma bibliografia em língua portuguesa,
que discorra sobre a psicologia do desenvolvimento cognitivo e da aprendizagem musical.
Ademais, este estudo também divulga o sistema aqui apresentado, na tentativa de apresentá-
lo à comunidade acadêmica brasileira e, principalmente, aos professores de música
interessados em refletir acerca das questões aqui apresentadas. Dessa forma, o texto acima
possivelmente beneficiará a prática docente em educação musical, bem como aos demais
interessados em pesquisar e estudar fenômenos relativos à psicologia do desenvolvimento
e da aprendizagem musical infantil. Acredita-se, por fim, que este trabalho não encerra o
assunto aqui abordado, mas traz à discussão inúmeros aspectos que podem – e devem –
continuar sendo discutidos e aprofundados em investigações posteriores.
Referências
BOAL PALHEIROS, Graça. Jos Wuytack. 30 anos ao serviço da pedagogia musical. Boletim da
Associação Portuguesa de Educação Musical, Lisboa, n.59, p. 5-7. 1998a.
34
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
HARGREAVES, David J. & ZIMMERMAN, Marilyn P. Teorias do Desenvolvimento da
Aprendizagem Musical. In: ILARI, Beatriz (Org.). Em busca da mente musical: ensaios sobre
os processos cognitivos em música – da percepção à produção. Curitiba: UFPR, 2006. p.
231–269.
LOPES, Cíntia Thais Morato. A pedagogia musical de Carl Orff. Em Pauta. Porto Alegre,
UFRGS, n.3. p. 46-63, 1991.
PENNA, Maura. Revendo Orff: por uma reapropriação de suas contribuições. In: PIMENTEL,
Lucia Gouveia (Org.). Som, gesto, forma e cor: dimensões da arte e seu ensino. Belo
Horizonte: C/Art, 1995. p. 80-110.
SLOBODA, John A. The musical mind: The cognitivy psycholgy of music. Oxford: Oxford
University, 1985.
______. Musical knowledge: intuition, analysis and music education. London: Routledge,
1994.
VIGOTSKI, Lev S.; LURIA, Alexander R.; LEONTIEV, Alexis N. Linguagem, desenvolvimento e
aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1994.
______. 3º Grau – Curso de pedagogia musical ativa. Apostila do curso. Porto: Associação
Wuytack de Pedagogia Musical, 2005.
______. 1º Grau – Curso de pedagogia musical ativa. Apostila do curso. Curitiba: Associação
Wuytack de Pedagogia Musical, 2007.
______. 2º Grau – Curso de pedagogia musical ativa. Apostila do curso. Curitiba: Associação
Wuytack de Pedagogia Musical, 2009.
WUYTACK, Jos & BOAL PALHEIROS, Graça. Audição musical activa. Livro do professor e Livro
do aluno. Porto: AWPM – Associação Wuytack de Pedagogia Musical, 1995.
WUYTACK, Jos. & SILLS, J. Musica activa. An approach to music education. New York: Schott
SMC, 1994.
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36
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
6 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (2006), graduação em Pedagogia pela
Universidade Estadual do Centro-Oeste (2003) Docente de música no Departamento de Arte-Educação da
Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO desde 2008. Bolsista Cnpq como coordenadora do
PIBID-Arte. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Musical, atuando principalmente
nos seguintes temas: educação musical, formação e práticas docentes e teoria crítica.
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Uma afirmação em comum entre as diferentes propostas de ensino de Arte do
século XX e XXI, é a de que a experiência se dá a todo instante e que o tipo de vivência
artística, formal e/ou informal, proporcionada ao aluno será fundamental para o seu
desenvolvimento, pois a aprendizagem perpassa a experiência, na qual o sujeito é
multisensorial, de forma que, tanto a sonoridade quanto a visualidade e a corporeidade
são simultaneamente percebidas.
Pesquisas realizadas no Brasil mostram a diversidade de olhares em relação à arte
na escola, diferentes percepções sobre o ensino específico de cada linguagem artística e/
ou concepções integradoras das artes. Outras pesquisas revelam a diversidade de olhares
em relação à arte nas escolas, em relação ao específico da educação musical: ARROYO,
2004; BEINEKE, 2000; DEL BEN, 2001; PENNA, 2005, FONTERRADA, 2005; SOUZA, 1995;
LOUREIRO, 2003; SWANWICK, 1999.
Toda reflexão sobre práticas pedagógicas envolve também fatores sociais e políticos.
Em relação ao ensino de Arte, é imprescindível que tenhamos em vista o que apresenta
a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) Lei nº 9.394/96 - na
qual educação artística foi substituída pelo ensino de arte, que, de acordo com o Artigo
26, parágrafo 2º da referida Lei, passa a ser considerado obrigatório: “O ensino da arte
constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de
forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” Ainda que, com a inclusão do
6º parágrafo a partir de agosto de 2008, esta mesma lei assegure que “A música deverá
ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2º
deste artigo” (BRASIL, 2009) a arte continua sendo considerada uma área de conhecimento
única a ser incorporada obrigatoriamente no currículo brasileiro em todos os níveis da
Educação Básica.
Na LDBEN anterior nº 5.692/71, a arte havia sido incluída no currículo escolar com
o título de Educação Artística, considerada, porém, como atividade educativa e não como
disciplina, ou área de conhecimento. Sem que houvesse maiores direcionamentos para estas
atividades, dentro de uma perspectiva tecnicista, enfatizou-se o ensino das artes visuais
em detrimento da dança, da música e do teatro. A consequência foi a perda da qualidade
dos saberes específicos das diversas formas de arte, dando lugar a uma aprendizagem
reprodutiva. “Com a constituição do movimento arte-educação, multiplicaram-se os
encontros, os professores se organizaram em entidades, buscando nova orientação para o
ensino da arte.” (FONSECA, 2010, p.15).
A atual LDBEN, n. 9394/96, significou um avanço para a área. Em primeiro lugar,
pôs fim a discussões sobre o eventual caráter de não obrigatoriedade. Em segundo lugar,
a denominação de Educação Artística é substituída por Ensino da Arte ficando assim,
pavimentado o caminho para se identificar a área por Arte, não mais entendida como
uma atividade, um mero fazer por fazer, como acontecia no tecnicismo, mas como uma
forma de conhecimento. Em terceiro lugar, há a responsabilibdade estatal em relação ao
curriculo: cita-se o Art. 8º, inciso 4, da referida Lei “A União incumbir-se-á estabelecer, em
38
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes
para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos
e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.” (BRASIL, 2009).
Outro documento, componente curricular nacional de grande importância para os
encaminhamentos teórico/pedagógicos, foi os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN
(BRASIL, 1998), por sua vez, contemplam a área de arte, dando-lhe mais abrangência e
complexidade. Embora não façam parte do currículo prescritivo, pois não apresentam
caráter de obrigatoriedade, os Parâmetros Curriculares Nacionais servem como pressuposto
norteador na elaboração de planos e projetos pedagógicos nas escolas das redes pública e
privada, em todos os níveis de ensino.
As tendências pedagógicas que estabeleceram a história da educação, não só
no Brasil, influenciaram diretamente na educação musical. As políticas governamentais
estabelecem a educação a ser realizada. Como exemplo disso estão em uso os PCN,
Parâmetros Curriculares Nacionais, e o Referencial Curricular para a Educação Infantil -
RCNEI (BRASIL, 1997), que trazem a fundamentação do trabalho pedagógico e orientam a
práxis educativa, inclusive na música.
O Ministério da Educação, em 1998, editou e distribuiu para as escolas de nível
fundamental os PCN’s, Parâmetros Curriculares Nacionais, os quais, orientam cada área
do conhecimento nas oito séries do ensino fundamental: língua portuguesa, matemática,
conhecimentos históricos e geográficos, ciência, língua estrangeira, educação física e artes.
Além disso, são apresentados os temas transversais que se articulam com as disciplinas e
são: ética, saúde, meio ambiente, pluralidade cultural e orientação sexual.
Os objetivos desse documento são muito amplos, pois abrangem desde orientações
para as escolas, de como montar seus currículos e ensinar seus alunos, até a elaboração de
projetos educativos, a formação continuada do professor, sugestões de atividades práticas
de aula, os conteúdos e a produção de material didático, as avaliações das escolas e dos
alunos. Para que esses objetivos se tornem viáveis, é preciso considerar a realidade concreta,
que se caracteriza por desigualdades sociais. Contudo, por se constituírem uma referência
de abrangência nacional e oferecer parâmetros a serem observados em todos os fazeres
escolares, cabe, tanto ao PCN quanto ao RCNEI, a válida crítica de SOUZA (1995, p. 28) “Isso
sugere que o governo federal parece não abrir mão de uma proposta centralizadora, através
da qual poderá gerenciar as ações educativas nas escolas e salas de aula, os conteúdos de
livros didáticos e a formação de professores”.
Dentre as oito áreas abrangidas pelos PCN’s, está a Arte, que inclui a Música como
uma das quatro linguagens artísticas, assim como o teatro e a dança. Os PCN’s relatam a
história da arte na educação brasileira e caracterizam o fazer artístico, além de explicitarem
a concepção de arte e de cultura subjacente a tal proposta. Neles, são apontados os
conteúdos da música divididos em três eixos norteadores: experiências do fazer artístico
(a expressão e comunicação, improvisação, composição e interpretação), experiências de
fruição (a apreciação) e a reflexão.
39
É importante ressaltar que a presença da música como conteúdo curricular não
garante, obrigatoriamente, uma mudança de atitude, como afirma Loureiro:
40
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
seja capaz de intervir na sociedade e formar pessoas críticas e conscientes. Como observa
Paz (2000, p. 11):
41
[…] a intencionalidade e o sentido de toda investigação educativa é
a transformação e o aperfeiçoamento da prática. […] Dessa forma, o
conhecimento que se pretende elaborar neste modelo de investigação
encontra-se incorporado ao pensamento e à ação dos que intervêm na
prática, o que determina a origem dos problemas, a forma de estudá-los e
a maneira de oferecer a informação. (GOMEZ; SACRISTÁN, 2000, p. 101).
42
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
que se refere às representações destes professores à respeito da educação musical presente,
ou ausente, no ensino da Arte. Tais questionários foram enviados, por correio eletrônico,
como também pela Coordenadora Pedagógica do NRE- Guarapuava, a aproxidamente, 80
(oitenta) professores de arte deste núcleo, os quais foram convidados a responder este
instrumento. Entretanto, apenas 15 (quinze) professores responderam e enviaram o
questionário para análise. Considerou-se este número de questionários suficiente para a
análise proposta, pois sendo esta pesquisa de cunho qualitativo têm-se os dados coletados
em cada questionamento como manifestação pessoal em relação às práticas educativas,
não havendo a intenção de generalizar os dados e nem realizar análises estatísticas. Assim,
foca-se no posicionamento pessoal dos professores frente as seguintes temáticas: ensino
de Arte versus ensino específico das linguagens; a organização dos conteúdos nas Diretrizes
Curriculares Estaduais; planejamento pedagógico frente aos conteúdos específicos da Arte;
perspectiva sonoro-visual-corporal no ensino musical.
Em relação ao perfil dos sujeitos que participaram da pesquisa tem-se os dados do
cabeçalho do questionário. Primeiramente em relação à formação acadêmica: dentre os
15 professores que responderam o questionário, 2 (dois) são formados em Pedagogia, 7
(sete) em Arte-Educação, 1 (um) em Educação Artística- Desenho Geométrico, 1 (um) em
Letras e 4 (quatro) são graduandos de Arte-Educação. Sobre a atuação docente no ano de
2010: todos os 15 (quinze) atuam nos níveis de Ensino Médio e na segunda fase do Ensino
Fundamental (5ª a 8ª séries), dentre eles apenas 3 (três) atuam também na Primeira Fase
do Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) e 1 (um) também é professor de Dança em academia
especializada.
Para as análises que se seguem, toma-se como eixo norteador as temáticas abordadas
em ambos os instrumentos de coleta de dados: a entrevista com a coordenadora de Arte
e os quinze questionários respondidos por professores de Arte do NRE-Guarapuava, sendo
que as falas dos sujeitos quando citadas na íntegra são nomeadas simbolicamente pela
letra P (abreviando a palavra professor) juntamente com a numeração dos questionários de
1 a15, respectivamente aos 15 questionários respondidos.
43
Nota-se, na entrevista realizada com a coordenadora de arte, que o processo
de elaboração das Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná, da forma como ocorreu,
promoveu o envolvimento dos professores a ponto de eles compreenderem que este
documento não é impositivo, e sim colaborativo. A própria Diretriz expõe o processo de
elaboração coletivo:
44
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
deve principalmente à carência de livros e propostas pedagógicas que os orientem de
forma prática. “Agora, tanto a metodologia, quanto os conteúdos são abordados enquanto
disciplina curricular.” (Coordenadora de Arte).
Ao se analisar as respostas dos quinze professores na questão “Qual a sua opinião
em relação à organização dos conteúdos nas Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná –
Arte?”, nota-se que há diferentes opiniões.
Expõe-se, primeiramente, as opiniões de cinco professores que apresentam aspectos
negativos quanto às Diretrizes, como o desconhecimento dos conteúdos “Os professores
deveriam ter mais contato com a organização dos conteúdos, não há cursos suficientes para
que seja trabalhado como deveria ser.” (P3); inflexibilidade no planejamento “[…] penso
que de certa forma acaba deixando o professor muito preso a um documento.” (P6); não
compreensão da proposta “Considero a atual organização dos conteúdos da DCE do nosso
estado confusa e sem a conexão de interdisciplinaridade entre as áreas da Arte.” (P11);
falta de credibilidade “Elas são boas, porém por algumas vezes elas não funcionam quando
aplicadas na prática.” (P14), “Não discordo dessa organização, mas acredito ser possível
trabalhar a teoria de cada linguagem de maneira separada na prática juntas alcançamos
o que a própria diretriz propõe sobre a diversidade de criação e desenvolvimento do
pensamento crítico.” (P9).
Em relação à mesma questão observa-se posicionamentos positivos por parte de dez
professores a respeito das diretrizes paranaenses: quanto à construção das DCE “As DCEs
foram construídas com a participação dos professores da rede, trouxe uma nova organização
pedagógica nas questões disciplinares.” (P5); quanto à organização dos conteúdos “Se todos
os professores aplicassem o conteúdo descrito nas diretrizes, o processo de aprendizagem
seria mais rápido e os benefícios estariam acontecendo. Sabemos que tudo leva tempo,
é um processo de transformação no ensino brasileiro e que precisamos de professores
com propósitos firmes para levar adiante estes conteúdos.” (P8), o Professor M faz uma
observação em relação à utilização das DCE “[…] o professor não deverá limitar-se somente
àquela tabela, pois ela vem a ser um auxílio na organização dos conteúdos e não a aula
em si, visto que, quem encaminha e prepara a aula é o professor.” pensamento este que
vai ao encontro do que afirma o professor N “[…]o professor precisa pensar para além das
DCE, para que o ensino-aprendizagem torne-se significativo.”; quanto à flexibilização “[…]
desde que eu entrei no corpo docente do Estado, já passou por diversas modificações, […]
abertura a cerca das opiniões e críticas a ela.” (P10).
45
começamos a elaborar os novos conteúdos de Arte. Esta reestruturação se torna realmente
necessária para a maior orientação dos professores de Arte.” (P 11) Para este planejamento
foram realizadas três reuniões técnicas de Arte nas quais, discutiu-se sobre a organizar, dos
conteúdos de Arte: “Houve a discussão, na qual pudemos organização sequencialmente,
o plano de trabalho docente em nível de núcleo” (Coordenadora de Arte). Para estas
reuniões foram convidados tanto os professores que fazem parte do quadro de efetivos
(QPM - Quadro de Professores do Magistério), quanto os professores não concursados,
contratados pelo processo Seletivo Simplificado (PSS). Dentre estas reuniões, duas foram
destinadas às discussões sobre o Plano de Trabalho docente e a terceira teve como
pauta inúmeros assuntos, tais como: conteúdos de Arte, eventos da SEED, formações
continuadas e capacitações, planos de Trabalho Docente, matérias de Arte advindos da
SEED, obrigatoriedade da música na escola, entre outros.
Como instrumento de coleta de dados, realizou-se observação da segunda reunião
de planejamento do Plano de Trabalho docente, na qual se pode notar, o envolvimento dos
professores e dedicação na busca de compreensão dos objetivos em comum, das diferentes
metodologias adotadas por cada professor. Foi possível compreender, nesta observação,
que há diferentes perspectivas de ensino da Arte, assim como há diferentes formações
acadêmicas. Os professores posicionam-se de forma heterogênea, no entanto, este fato
não impediu que chegassem a um único Plano de Trabalho Docente, no qual decidiram por
selecionar e excluir conteúdos, organizando-os sequencialmente. Para a Coordenadora de
Arte “Houve avanços em relação aos anos anteriores, as reuniões foram muito positivas,
com reivindicações com propriedade, e em número de professores, lembro que éramos
em 13, no ano de 2005 e em 2011 são cerca de 85. Isso só foi possível pela demanda de
formação do Curso de Arte-Educação.”
Ao realizar a observação da reunião realizada pelos professores foi possível
acompanhar a elaboração do PTD coletiva, notou-se que não houve um fator determinante
na organização cronológica dos conteúdos. A partir da proposta das DCE, que em sua
última versão (2008) apresenta uma tabela contendo os conteúdos estruturantes para cada
série, foram eleitos ou excluídos aqueles conteúdos que o grupo considerava pertinente a
cada série. Entretanto, sem haver uma justificativa plausível e comum a todos para cada
escolha. Os posicionamentos a favor da exclusão de conteúdos tomavam como justificativa
desde o fato de ser um conteúdo complexo para tal série, ou ainda simplista para outra,
até justificativas como, por exemplo, o fato de alguns professores há anos trabalharem
determinado conteúdo em uma determinada série e não quererem mudar a partir de agora.
Percebeu-se alguns aspectos positivos nesta elaboração coletiva do PTD, como a
possibilidade de iniciar um processo de discussão e compreensão conjunta das práticas
realizadas individualmente. Notou-se que em vários momentos houve comentários e
observações sobre algumas práticas tradicionalistas realizadas nas escolas, e ainda, críticas
em relação ao ensino reprodutivista na Arte. Apontaram-se aspectos que poderiam nortear
o trabalho de Arte, como a escolha do ponto de partida ser a arte Contemporânea; a
46
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
focalização dos conteúdos composicionais em detrimento de um ensino historicista da
Arte; a relação entre os conteúdos da Arte, ou seja, os conteúdos estruturantes apontados
pelas Diretrizes nas diferentes áreas artísticas, Música, Dança, Teatro e Artes Visuais, foi
uma das preocupações dos professores, sendo que por vários momentos a organização dos
conteúdos foi estabelecida a partir deste critério.
47
do conhecimento e que nela não se deve dicotomizar as diferentes subáreas. (P10, P11,
P12)
Ainda há respostas a esta questão que apontam para a qualidade do ensino voltada
para o específico de cada linguagem, apontam para uma maior dificuldade docente quando
se trata do ensino interdisciplinar, sendo mais fácil ou correto trabalhar de forma específica.
(P6 e P15)
Quanto à questão sobre a formação docente, os professores P3 e P4 ressaltaram
algumas necessidades para melhoria do ensino de Arte como a formação acadêmica em Arte,
melhores condições de trabalho, mais interesse e mais investimento na área. O professor
P5 ressalta a importância de os professores de arte possuir formação em licenciatura
em Arte, e não uma formação específica em uma das áreas da Arte: “Os professores de
arte com formação nas quatro áreas têm proporcionado grandes avanços nas aulas de
arte, oportunizando um entendimento ampliado. Mesmo os professores com habilitação
específica elogiam a nova proposta de ter na formação as quatro áreas.”
Procura-se focalizar as práticas pedagógicas em Arte, tendo em vista os conteúdos
específicos de cada área artística, ou seja, busca-se compreender a forma pela qual
os professores afirmam organizar suas práticas de ensino da Arte considerando as
especificidades de cada conteúdo artístico, e ainda as possíveis relações entre eles.
Ao realizar a análise das respostas descritivas dos quinze professores, foi possível
estabelecer categorias de análise quanto ao ensino das quatro áreas da arte, música, artes
visuais, teatro e dança, são elas: 1) ensino de uma área preferencialmente, 2)ensino das
quatro áreas separadamente, 3) ensino da arte buscando a inter-relação das áreas artísticas.
A primeira categoria aborda a compreensão de que a disciplina de Arte na educação
básica contempla o ensino de uma área preferencialmente, a qual se diferencia da
compreensão de ensino de apenas uma das áreas no que tange à preocupação em abordar,
ainda que raramente, conteúdos de outras áreas.
A segunda categoria permeia o ensino das quatro áreas artísticas separadamente.
Este encaminhamento curricular reflete a abertura encontrada nas Diretrizes do Estado
quanto à organização cronológica dos conteúdos em cada série. Pois, mesmo havendo o
direcionamento da organização dos conteúdos por série, há a possibilidade de flexibilização
da organização sequencial destes conteúdos por bimestre, ou ainda de forma simultânea.
Assim, ao definir esta categoria identificaram-se as respostas que contemplam a organização
do ensino sequencial dos conteúdos de cada área artística separadamente, o que se
exemplifica principalmente pela organização bimestral das áreas, sendo respectivamente
destinado um bimestre para cada área.
A mais ocorrente das categorias, é a que contempla o ensino da arte buscando a
inter-relação das áreas artísticas. Ao contrário da organização bimestral dos conteúdos das
áreas artísticas separadamente, esta categoria contempla a organização dos conteúdos das
diferentes áreas simultaneamente. A coordenadora de Arte, em entrevista relatou:
48
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
A SEED e o NRE orientam que o professor de arte organize seu PTD nas
quatro áreas artísticas e desenvolva-as de forma que articule em si os
conteúdos programados Assim sendo o desempenho das práticas se dá
com a interação das áreas de música, dança, artes visuais e teatro.
Considerações Finais
49
dos anos no Brasil. Principalmente a partir do olhar focado nas leis educacionais, é possível
concluir que não é por acaso que professores de arte se deparam com desafios em relação
à organização da prática docente frente aos conteúdos de Arte. As práticas docentes estão
permeadas, e, são estabelecidas por aspectos teóricos, políticos, econômicos e pedagógicos.
Nota-se, com isso, a importância da reflexão e da experiência para a construção do saber
profissional numa perspectiva que rompa com as barreiras existentes entre a universidade
e a escola, possibilitando a maior reflexão sobre a prática.
Muitos dos apontamentos conclusivos foram apresentados no decorrer das análises,
portanto ressalta-se que quanto ao ensino das áreas específicas da arte, observou-se que o
posicionamento da maioria dos professores questionados é voltado para o ensino geral da
Arte, abrangendo assim a música, as artes visuais, a dança e o teatro. Pode-se compreender
que há concordância entre o que é proposto pelas diretrizes curriculares estaduais e
o posicionamento dos professores. De certa forma, isso revela que dentre os sujeitos
questionados não há oposição quanto aos encaminhamentos curriculares dados pela SEED,
contudo, por não se tratar de uma pesquisa de amostragem não é possível generalizar
estes dados. Entretanto, é possível perceber a influência do caráter da formação docente
em relação aos encaminhamentos pedagógicos pois, no perfil dos questionados, dentre os
quinze docentes, sete são graduados e quatro são graduandos do curso de Arte-Educação
da Universidade Estadual do Centro-Oeste, que em sua estrutura curricular contempla as
quatro áreas artísticas. É possível compreender que tanto a formação acadêmica, quanto
os encaminhamentos curriculares são determinantes da formação e das práticas docentes,
o fator mais relevante na construção do pensamento e das práticas docentes relatadas,
diante dos questionamentos sobre o ensino da Arte ou ainda das linguagens artísticas.
Os docentes apresentam-se de forma muito mais favorável ao ensino que integre as
diferentes áreas das artes, e ainda, posicionam-se de forma positiva quanto a sua atuação
na educação musical. Este quadro vem se contrapondo ao apresentado por Liane Hentschke
e Alda Oliveira (2000), quando estas afirmam que o fato da maioria dos professores da
disciplina de arte ter sua formação concentrada nas artes visuais e tender a manter-se
dentro de sua área de conhecimento, é uma das razões para que o ensino de música seja
pouco comum no ensino formal.
Acredita-se, que a principal contribuição desta pesquisa se efetivou no relato
e análise dos discursos dos professores de Arte, e ainda, na reflexão efetivada por estes
sujeitos necessária à formulação das respostas. Isso foi possível perceber por meio do item
“Avaliação do Questionário” inserido ao final do questionário e respondido em apenas 5
deles, sendo que 1 avaliou o questionário negativamente, apontando para a dificuldade
em compreender as perguntas, o que revela falta de conhecimento do docente sobre a
temática, sendo que os outros 4 apontaram para aspectos positivos relativos à temática e
à estruturação das questões, dentre estas avaliações do questionário optou-se por citar:
“O questionário foi de máxima importância para mim, pois fez com que eu revisse meu
posicionamento didático, fez com que percebesse de maneira mais profunda a questão das
50
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
linguagens e da música como conteúdo obrigatório e o mais importante fez com que revisse
minha postura com atenção.” (P9)
Finalizando, ressalta-se que as contribuições desta pesquisa apontam para a
necessidade de um posicionamento docente autorreflexivo, além da necessidade de
constante estudo sobre o ensino da arte em suas relações teóricas, pedagógicas e políticas
e da importante aproximação entre escola e universidade, promovendo o pensar e refletir
criticamente sobre as práticas educacionais.
Referências:
ARROYO, Margarete. Música na educação básica: situações e reações nesta fase pós-
LDBEN/96. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 10, p. 29-34, mar. 2004.
_____. LDBEN 9394/96. Disponível em: www.mec.gov.br Acesso em: 13 jan 2009.
DEL BEN, Luciana. Concepções e ações de educação musical escolar: Três estudos de caso.
Porto Alegre 2001. Tese (Doutorado em Música) Instituto de Artes, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul.
FONTERRADA, M. De tramas e fios: Um ensaio sobre música e educação. São Paulo: UNESP,
2005.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
51
PAZ, Ermelinda Azevedo. Pedagogia musical brasileira do século XX. Brasília: MusiMed,
2000.
QUEIROZ, Luiz Ricardo. Educação musical em João Pessoa: espaços, concepções e práticas
de ensino e aprendizagem da música. ANPPOM, 2008. P. 235-239
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3 ed. Porto Alegre: ArtMed,
2000.
52
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Conte-me e eu esqueço.
Mostre-me e eu apenas me lembro.
Envolva-me e eu compreendo.(Confúcio)
Introdução
53
e a afetividade num sentido mais amplo: com toda a realidade das coisas, não somente
humana. Nessa prática artística sugerida como instrumento de ensino e de desenvolvimento
humano, sugere-se aqui, como exemplo, o uso do teatro na Educação.
Assim posto o mote deste trabalho, coloca-se como ponto de desenvolvimento das
ideias o questionamento da justeza do atual modo de se conduzir a Educação: de fato, vem
ocorrendo como objetivo do ensino escolar o desenvolvimento humano integral, como
todas as facetas que compõem a condição humana? Não teria a Arte, e exemplos como
o teatro na Educação, papel amplamente relevante no desenvolvimento dos educandos,
tanto em nível cognitivo quanto de afetividade, o que engloba a ética?
Assim, o texto desenvolve-se em uma breve análise do objetivo central do sistema
educacional, num primeiro momento, do que se segue a consideração de certa crise nesse
sistema e, logo, no próprio ideal de Educação que se converge na contemporaneidade.
Na busca de respostas para as aflições expostas, sugere-se rever as noções comuns
sobre o papel das emoções e da afetividade, o que convergiria decisivamente para uma
igualmente renovada imagem do papel da Arte na Educação. Por fim, adentra-se em
perspectivas pontuais da Arte, verificando-se uma de suas peculiaridades mais marcantes,
a promoção da catarse, e como isso poderia vir a ser mais bem utilizado como instrumento
de desenvolvimento humano. Nesse sentido, amplia-se tal aspecto instrumental com o
exemplo do teatro, como arte, na Educação.
Espera-se com a exposição de tais reflexões, não exatamente contrapor o atual
sistema educacional, mas se colocar em evidência possibilidades que talvez possam
ser coerentes e adequadas e que notoriamente vem sendo negligenciadas. Sobretudo
busca-se, desse modo, animar o debate sobre o melhor caminho a se traçar para o bom
desenvolvimento dos educandos, o humano integral: cognitivo e afetivo.
54
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
desenvolver este algo é imprescindível uma ideia de referência, um ponto de partida: tanto da
forma a se construir quanto do que se quer desenvolver e como. Isto é, torna-se importante
formularem-se bases sólidas para formar e desenvolver os jovens (educandos), bases que se
reportem ao sentido humano existencial: fundamentalmente suas características racionais
e emocionais – predicados para a representação e apresentação de si no e com o mundo.
Por isso, formar e desenvolver sempre tem como mote a preparação para se poder estar
e ser no mundo em condições plenas, autônomas, conscientemente. Afinal, estamos, em
última instância, lidando com a maravilhosa arte de aprender a viver, como já diziam os
Antigos Gregos.
Assim, pode-se avançar e assumir a íntima relação entre educação, formação e
desenvolvimento, conforme pode ser observada nas palavras de Oliveira (2010, p. 74):
No fim das contas só a vida educa, e quanto mais amplamente ela irromper na
escola mais dinâmico e rico será o processo educativo. [...] Por isso o trabalho
educativo do pedagogo deve estar necessariamente vinculado ao seu trabalho
criador, social e vital. (VIGOTSKI, 2004, p. 456).
55
1.1 Crise no sistema educacional
56
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
das coisas do mundo e das suas relações sociais, no que se necessita, impreterivelmente,
de uma noção adequada de ética.
Não se tem isso em adequada conta, podendo-se verificar na realidade social atual
grande falta de sensibilidade das pessoas quanto à ética e ao belo e ao que essas facetas
que as pessoas e as coisas apresentam significam: a verdadeira dimensão das propriedades
de interação e movimento que possuem. Logo, perde-se de vista a criatividade e o
discernimento de como o mundo, em sua amplitude maior, num hiperespaço, funciona; o
que leva as pessoas, mesmo vivendo com problemas e ranços de hábitos, a não saberem
modificar a realidade.
Eis, então, um quadro de crise no sistema educacional, pois este não consegue
promulgar o que dele se espera: o desenvolvimento humano integral. Para se buscar
resolver tal realidade, então, é preciso revisar alguns valores vigentes dentro do campo da
Educação, e, nesse sentido, revisar o que, por exemplo, as disciplinas escolares realmente
significam. Uma, em especial, deveria ter maior atenção, conforme essa concepção de
necessidade de se subverter o atual estado dos hábitos de ensino. Trata-se da Arte, a qual
abarca todos os mecanismos para fazer parte ativa do objetivo bem delineado da Educação:
o desenvolvimento humano integral.
57
Mas se nossas imagens nos dominam, se, por natureza, são em potência de
algo diferente de uma simples percepção, sua capacidade – aura, prestígio ou
irradiação – muda com o tempo. Gostaríamos de interrogar esse poder, localizar
suas metamorfoses e pontos de ruptura. A história da ‘arte’, aqui, deve apagar-
se perante a história do que se tornou possível: o olhar que lançamos sobre as
coisas que representam outras coisas. História repleta de ruído e furor, por vezes,
relatada por idiotas, mas sempre carregada de sentido. Aí, nada está decidido
antecipadamente porque a influência que nossas figuras exercem sobre nós varia
com o campo inconsciente partilhado que modifica suas projeções ao sabor de
nossas técnicas de representação. (DEBRAY, 1993, p. 15).
Assim a história humana, em seu desenvolvimento, também está contida no
desenvolvimento de cada um nós. Se racionalmente conseguimos discernir sentido e crítica
no contexto integral da espécie, sobretudo afetivamente, podemos distinguir significado
e vazão na situação subjetiva da erradicação dos indivíduos no mundo, na realidade
claramente cheia de interações que nos cerca.
Desse modo, a Arte se torna aporte fundamental para se buscar essas significações
e movimentos que dizem respeito ao desenvolvimento humano perante o impacto que a
interação com a realidade provoca. Somente um manual pronto sobre como agir e reagir
no mundo não funciona, já que, como bem o dizem os físicos, o universo está em constante
expansão e criação; logo há, a cada instante, novos dramas a serem perscrutados pelos
sentimentos humanos. Igualmente, a cada momento, é preciso adaptar-se e compreender
o curso de como devemos nos desenvolver.
E a Arte pode, mesmo deve, preparar-nos em bases que auxiliarão, dinamicamente,
no almejado desenvolvimento integral que tanto necessitamos, se o que temos em mente
é saber enfrentar os dramas existenciais inerentes a uma realidade tão intensa, tão
surpreendente. Claro, nesse sentido, temos de admitir que, sim, estamos numa realidade
que é admirável, que espanta; enfim, que necessita da Arte para melhor conduzir, ou seja,
educar plenamente.
58
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
atuais (PONCE, 1995). Desta maneira, no que diz respeito ao ensino da Arte, salientou-se
a necessidade do ensino do desenho geométrico, como preparação do operariado para o
trabalho nas indústrias, fato que no Brasil consolidou-se no decorrer do século XX.
Assim, a partir da Revolução Industrial, influenciaram o pensamento educacional,
primeiramente, os princípios herdados da Revolução Francesa, como o liberalismo, que
exalta a liberdade e as habilidades individuais e a escola positivista, fundada por Augusto
Comte, baseada no racionalismo e na exatidão científica (FERRAZ, 1993). No caso das
ciências humanas, tal tendência pôde ser observada em várias áreas emergentes, como a
Psicologia por exemplo, personificada principalmente pelas teorias comportamentalistas e
cognitivistas.
Desde então, acirrados discursos ideológicos, fundamentados principalmente na
Filosofia, Psicologia e Sociologia se sucederam no intuito de justificar e fundamentar a
presença da arte na educação escolar. Courtney, no livro Jogo, teatro & pensamento: as
bases intelectuais do teatro na educação, faz um longo estudo sobre as principais teorias
extraídas daqueles campos das ciências humanas que colaboraram para a compreensão e a
criação de novas práticas pedagógicas no que se refere ao teatro na Educação (COURTNEY,
2001).
No Brasil, outros determinantes para a presença das Artes no currículo escolar
foram apontadas por Ferraz (1993): a grande celeuma provocada pela implantação da
Educação Artística no currículo das escolas brasileiras pela Lei de Diretrizes e Bases
5692/71, fortemente marcada pelo tecnicismo e pela dependência cultural, o que gerou
desordem e conflitos na área; a retomada dos movimentos organizados pelos educadores
brasileiros a partir da década de 80, principalmente dos professores de Artes, na luta pela
obrigatoriedade do ensino de Artes, após a promulgação da Constituição Brasileira de
198810; os novos impulsos gerados pelas pesquisas e experiências acadêmicas no campo da
arte, em especial no nível da pós-graduação; a influência da arte contemporânea no que diz
respeito às novas tendências e concepções estéticas; e, por último, “[...] os debates sobre
conceitos e metodologias do ensino de arte, realizados em caráter nacional e internacional,
a partir dos anos 80.” (1993, p. 28-29).
Depreende-se desta enumeração feita pela autora uma preocupação em destacar
os elementos que determinaram a presença da Arte na escola, enfatizando, no último item,
a questão dos conceitos e metodologias. Tal fato, de inquestionável relevância, na verdade
antecipa-se a uma discussão que deveria antecedê-la: a dos fundamentos que regem a Arte
na escola. No sentido de contribuir, então, para esse importante debate – sobre a inserção
da Arte na Educação –, deve-se esclarecer e tomar uma posição quanto a uma questão de
fundo: privilegiar a questão educacional ao transmitir conhecimentos e valores, quer dizer,
dando ênfase ao seu caráter instrumental, ou visar, na relação do educando com a Arte, o
valor intrínseco que possui enquanto manifestação artística?
10 Tal luta obteve êxito com a obrigatoriedade da disciplina de Artes no Ensino Fundamental
e Médio somente oito anos após, a partir da promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 9.394/96.
59
Explicitando a questão, para Elliot Eisner o ensino da Arte pode seguir, então,
duas posições. A primeira delas e a mais difundida entre os profissionais da educação é a
contextualista, na qual o ensino de conteúdos artísticos é posto com o objetivo pedagógico
de difundir outros saberes, desenvolver um ou outro aspecto psicológico ou corporal ou
então contextualizar conflitos subjetivos ou sociais estimulando a compreensão do homem
enquanto ser político, que não só pode como deve fazer uso da liberdade para atuar/
transformar o meio em que vive. (EISNER apud KOUDELA, 1992).
A segunda vertente para o autor é a essencialista que vê na Arte – e no teatro – um
campo específico do conhecimento humano que possibilita ao aluno, visto como indivíduo,
experiências únicas de caráter estético, que podem auxiliar na condução e na construção
de sua formação educacional.
60
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
o conjunto de recursos internos que cada indivíduo vai, ao longo de sua vida, construindo,
e que lhe servem como instrumentos para lidar com as situações em que se vê envolvido
no dia na dia.
Do ponto de vista dos processos cognitivos, tem sido apontada a existência de dois
tipos básicos de mecanismos que determinam a aprendizagem: fala-se de aprendizagem
por associação e de aprendizagem por reestruturação (POZO, 2002), sendo que ambos os
tipos obedecem a condições ou contingências específicas que determinam sua ocorrência
e se desdobram em subprocessos que se complementam entre si.
A aprendizagem por associação é aquela em que um elemento é associado a
outro mediante os princípios da semelhança, da continuidade espacial e/ou temporal e
da causalidade, sendo que o ambiente desempenha um papel determinante – no sentido
não somente de fornecer os conteúdos a serem aprendidos, mas também de impulsionar,
desencadear o processo. Nesse sentido, as leis da aprendizagem por associação são aplicáveis
a todas as espécies e indivíduos. O que varia é a complexidade do ambiente ao qual cada
indivíduo responde. A simples memorização e a aprendizagem por condicionamento, por
exemplo, seguem os princípios associacionistas, na medida em que privilegiam o processo
de formar e reforçar associações.
Já a aprendizagem por reestruturação pressupõe a construção gradativa de
estruturas organizadas, nas quais os elementos não apenas se associam, mas se modificam
qualitativamente ao entrar em contato com outros, deixando-se afetar por eles. No
decorrer desse processo a composição como um todo, isto é, o conjunto de estruturas, é
constantemente transformado, tornando-se cada vez mais complexa, o que dá subsídios
para a compreensão, para a apreensão de significados. Tal tipo de aprendizagem exige uma
postura mais ativa do indivíduo que está aprendendo, que tem o papel de organizador
de suas estruturas, embora não tenha sempre completa consciência de como isso ocorre.
Observa-se ainda que, no caso da reestruturação, o tipo de conteúdo a ser aprendido tem
grande relevância, pois as estruturas pré-existentes podem ser capazes de assimilar um
conteúdo e outro não, dependendo do nível de desenvolvimento em que se encontram
ou do significado, ou interesse despertado no indivíduo. É, portanto, mais dependente das
questões relacionadas à afetividade.
Até a algumas décadas atrás, as diferentes correntes teóricas que subsidiam a
Psicologia dividiam-se ao defender a associação ou a reestruturação, geralmente excluindo
a possibilidade de ambas ocorrerem de maneira concomitante. Como principais referências
ligadas ao estruturalismo têm-se as teorias de Piaget (construtivismo), de Vygotsky (sócio-
interacionismo), de Ausubel (teoria da aprendizagem significativa) e a Gestalt, que estuda o
fenômeno da percepção humana. Ligadas ao associacionismo têm-se a teoria behaviorista
e as primeiras manifestações da ciência cognitiva, vinculada às teorias do processamento
da informação. Aos poucos, porém, com a evolução das pesquisas empíricas, tornou-se
evidente a insuficiência do associacionismo puro. A tendência mais atual é a de se considerar
a coexistência de ambos os tipos, que são exigidos em momentos diferentes de nossas
61
vivências ou que, até mesmo, se complementam em algumas situações.
Intimamente ligado a como se concebe o funcionamento da aprendizagem está a
escolha de como se deve ensinar, ou seja, como fazer o educando colocar-se em signos:
‘en-signo’. Decorar ou essencialmente compreender? No primeiro caso, noções e conceitos
estão em conta para serem apreendidos e no segundo a habilidade de compreensão de
mecanismos internos às ideias. E, por fim, nunca se deve perder de vista que a aprendizagem
só se faz eficaz quando inserida num grau de compreensão da aplicabilidade dos conteúdos
envolvidos.
Contudo, para não se perder em um mundo com tanto conhecimento, como é o
tema de vários mitos e alegorias que discutem o agir humano, é preciso também perscrutar
uma base de aferição para a relação saber – aplicar – agir – bem viver, ou seja, como saber
qual conhecimento é mais apropriado e se o seu resultado, não só aparente e imediato,
é adequado? Nesse sentido, por mais que embasemos o ideal humano na racionalidade,
somente o sentimento de bem estar e de correspondência podem dar alguma dimensão
disso.
Por isso, alerta-se para a preocupação com o desenvolvimento afetivo – que não
é nem associativo nem de reestruturação exclusivamente, aportes fundamentalmente
cognitivos, mas significativamente implantador. Ou seja, a dimensão de afetividade
envolvida na aprendizagem fixa o que é realmente importante e substancial para a existência
de quem aprende. Logo é imprescindível que haja, numa educação que almeje ser integral,
a presença de aportes de afetividade na aprendizagem.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
integralidade sejam, em verdade, a mesma. Visto dessa maneira, apenas significa que do
primeiro modo se esteja fazendo uma leitura sintética da realidade integral de algo e na
segunda perspectiva se veja analiticamente. Em qualquer caso, a realidade dinâmica do
mundo não se modifica pela escolha que se faça para ver como ela funciona: o mundo
é mundo por ele mesmo, a despeito do conhecimento (ou do modo científico adotado)
que dele é erigido. Daí que, talvez devido a erros que são cometidos, por vezes não se
avance no conhecimento ao não se distinguir identidade entre as conexões da realidade; e
outras vezes, ao se considerar exageradamente a divisão (ou fragmentação) que dá suporte
à construção de conceitos (identidade) das coisas, dá-se demasiado valor a um ponto em
detrimento de outro naquilo que deveria ser considerado um mecanismo único, coexistente
e interdependente; tal viés pode comprometer a validade do conhecimento sobre algo. No
que interessa aqui, o que pode ficar empenhado é o próprio entendimento da natureza e
da condição humana, o que pode ser visto no caso da celeuma razão X emoção (cognição X
afetividade), conforme expressou Bruner, que é recuperado por Leme (2003):
63
outros instantes de afetar e ser afetado.
O núcleo da propulsão desses vários movimentos interconectados é propriamente
aquilo que coloca as coisas em movimento, incluindo-se seus desvios, derivações,
reagrupamentos e escolhas posteriores (diferentes das iniciais) para novos objetivos ou
direções. Nesse caso, e até se utilizando da definição etimológica do termo, tal cerne de
ignição do movimento, das ações, no caso humano, seriam as emoções: o prefixo e significa
pôr-se em ou colocar-se em (relação a algo); e moção significa movimento. Ou seja, emoção
é aquilo que nos coloca em movimento (DEBRAY, 1993).
Então, há sempre algo de emocional contido na dinâmica da existência das coisas,
ou seja, há sempre um sentido resultante de como as coisas afetam e são afetadas pela
realidade que as leva, de um modo ou de outro, a fazerem o que estão fazendo e de serem
(tornando-se) o que são. Logo é relevante dar atenção, no caso humano especificamente,
ao funcionamento das emoções e ao entendimento do que vem a ser a afetividade, tanto
nas relações humanas quanto na interação do homem com o mundo.
Por isso, em última análise, poder-se-ia dizer que todas as ciências, todas as disciplinas
escolares, buscam compreender as interações entre as coisas, que são seus objetos de
estudo. Saber sobre a interação entre as coisas nada mais é do que compreender como as
coisas se afetam mutuamente e até mais, no hiperespaço, na realidade mais ampla. Assim,
pode-se pensar a afetividade em um plano mais amplo, não somente restrita às relações
íntimas entre as pessoas, nas quais as paixões humanas são as mais visadas.
Enfim, o conhecimento é o resultado das interações, da compreensão da qualidade
como as coisas se afetam, ou seja, do sentido de afetividade envolvido nas relações, tanto
de coisas quanto de pessoas. Logo o conhecimento está intimamente ligado à compreensão
da afetividade (qualidade dos afetos) envolvida num determinado contexto em que há algo
a aprender. No caso humano, de suas relações intrínsecas – e isso pode efetivamente ser
traduzido no conceito de ética.
Conforme Abbagnano (2003, p. 380), ética é,
No primeiro caso, a ética seria a base para o homem almejar a eudaimonía (felicidade
como fim último; o viver bem como sentido existencial); no segundo caso, a ética seria
encontrada naquilo que dá prazer (conformidade) à existência; em ambos os casos, o que
está em questão é o fato de que a ética engendra a ideia de bem, isso como causa àquilo
64
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
que resulta no bem viver.
3.2 A Arte como agente semeador de ideias e sentimentos (ou a Arte como uma
das bases para a construção de uma Afetividade Ampliada)
65
deve ser alterado é aquilo que está inadequado e que, por conseguinte é angustiante – a
partir da transformação de seus próprios sentimentos e afetos.
Por fim, ainda é importante salientar que a catarse, vista dessa forma, constitui-se um
instrumento (um canal) de desenvolvimento, dando subsídios para o indivíduo (educando)
se autoconhecer, se autorregular, se autoconceituar, etc. E, como todo instrumento,
ele não é nada se não se souber o seu manejo eficaz. Por exemplo, do que vale querer
se autoconhecer, se o óbvio a se constatar é que se é “um animal político, logo social”,
como dizia Aristóteles, e se continuar a ignorar o que de fato significa agir politicamente
e socialmente – o que inclui as esferas ética e afetiva? Sabe-se o que se é mas não o que
fazer com o que se é. Por isso, frisa-se, é igualmente imprescindível o desenvolvimento de
habilidades socioemocionais para o autoconhecimento mais genérico de humanidade: a
condição de zoon politikon.
Ainda, é preciso colocar em destaque a crítica que se faz acerca das questões
emocionais, sentimentais e de afetividade dentro do ambiente de apreensão do
conhecimento, ou seja, a academia e afins. Invariavelmente, aqueles que reclamam da
presença de paixões humanas nesse nicho parecem ser justamente aqueles que possuem
esse aspecto mal resolvido em suas próprias vidas. Isso nem é tão dramático, visto que a
sociedade contemporânea quase que completamente assim o está. Mas, ao se observar
o contrário, pode-se comprovar a tese: aqueles que têm suas emoções bem conduzidas
geralmente não reclamam ou difamam a presença dos sentimentos e da própria
sensibilidade na atmosfera da ciência; até mesmo são simpatizantes e agregadores de suas
manifestações – incluindo nelas a Arte.
Nesse mesmo movimento, denota-se que somente aqueles que são frágeis, mal
desenvolvidos, é que são explorados e conduzidos por aqueles que propriamente a história
tem classificado como dominadores, tiranos, déspotas, etc. Por acaso, seriam igualmente
oprimidos aqueles que possuem um desenvolvimento humano integral bem erigido, por
exemplo, com os sentidos socioemocional e cognitivo de suas vidas bem constituído?!
Pode-se ver em Cebulski (2007) que o teatro como trabalho humano de criação
artística é o espaço em que o próprio homem em toda a sua extensão se desvela, como
indivíduo – ser histórico e social. Pertencente ao campo da Arte, acolhe a realidade para
conhecê-la, interpretá-la e recriá-la por meio de símbolos. Neste sentido, são tomadas por
emprés timo formas de expressões de outras modalidades das artes, como a
literatura, a música, a dança e as artes plásticas, para compor ou sobrepor o foco em
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
questão da realidade, conferindo-lhe um caráter particular. Por exprimir o homem do seu
tempo nas suas relações com a realidade, o teatro acaba por realizar uma função crítica,
pois, ao pôr em cena as ações e as relações humanas, bem como os valores que lhes
subjazem, promove uma visão objetiva da realidade, uma reflexão e abre possibilidades
para o redirecionamento das suas práticas no âmbito da sociedade.
Para artistas, teóricos, educadores e pesquisadores que trabalham questões
relativas à Arte e, especificadamente, do teatro na educação, grande tem sido o esforço
em estabelecer os fundamentos que permeiam e, talvez, unifiquem esses dois campos do
saber, cada qual com uma vasta área a ser compreendida e posta em prática. Segundo
Barbosa (1995), os estudos e a reflexão a respeito avolumaram-se após a obrigatoriedade
da inclusão das artes no currículo escolar em países como os Estados Unidos e o Brasil
(neste, a partir da última reforma de ensino, ao final do século XX).
A importância de se estabelecer as determinantes histórico-sócio-culturais do
ensino da Arte, e por consequência, do teatro, reside em compreender a sua evolução,
situar a atual prática pedagógica teatral para proceder à sua crítica, no sentido de constituir
novas bases teórico-práticas que fundamentem a presença do teatro na escola.
Para Japiassu (2003), embora o ensino do teatro, para fins de estudo e delimitação
científica, esteja dividido em duas vertentes, a contextualista e a essencialista, no plano da
prática pedagógica essas duas dimensões estão presentes, ora com fronteiras bem definidas,
ora se interpondo, interpenetrando-se, de modo a ampliar ao máximo as possibilidades
educativas.
Contudo, o que se quer aqui defender é que não se deve restringir o ensino do
teatro somente a uma das concepções vigentes – contextualista ou essencialista –, e sim
promover uma aliança entre ambas, cujo efeito imediato é o de resgatar a totalidade das
possibilidades estéticas e pedagógicas do teatro, tendo-se em vista a educação do homem
pleno, o que pode ser pensado como uma terceira vertente de função do teatro como
instrumento educacional, de conscientização da amplitude maior da realidade. E mais: não
se deve igualmente restringir o papel do teatro na educação, na formação do cidadão.
Dessa forma o teatro, como manifestação cultural que intenta tratar da complexidade
e da completude do homem, pode promover ações em que se ressalte o seu caráter humano,
em todas as dimensões trabalhadas pela práxis artística. A práxis teatral como atividade
artística livre (não alienada) pode auxiliar no processo de humanização conquanto crie algo
inédito (cada representação é única!), a partir da realidade concreta, histórica, superando-a,
ao criar uma nova realidade, que traduza e transcenda seu criador (PEIXOTO, 2001).
A práxis teatral, ao representar o homem em sua totalidade, passa a efetivar a
admiração do homem pelo próprio homem, pela natureza, pela infinidade dos objetos e das
formas artísticas criadas e pelas diferentes formas de criação que a sociedade apresenta. A
admiração, o espanto, a indignação, a surpresa, a confusão, etc., emoções provocadas pela
e na teatralização, estão imbuídos da necessidade de compreender o homem enquanto ser
afetivo, cognitivo, histórico e social, o que o leva ao comprometimento com o entendimento
67
e a crítica do seu processo formativo.
Para Vieira (1999), é desta maneira que deve ser vista a máxima socrática “Conhece-
te a ti mesmo”, pois “[...] fazer esse inventário é, segundo Gramsci, o primeiro passo para
uma eficaz ação sobre a questão da formação humana.” (p. 235). Pois a ação humana é
propulsionada pelas emoções e estas permeiam e movem o pensamento e a reflexão num
movimento próprio, dialético, cuja síntese é o estímulo à curiosidade que pode gerar ações
no sentido da busca da aprendizagem, uma vontade de aprender movida pela necessidade
de sobreviver e de dominar as circunstâncias para prover sua existência material, e assim
sucessivamente. Desse modo, a práxis e as emoções são o fomento da ação, do pensamento
filosófico, da Educação, da Arte e das Ciências. Ou seja, de tudo aquilo que fomenta a
peculiaridade enquanto espécie, que também vê o mundo racionalmente, logo com o
conhecimento de suas interações com as coisas do mundo e com a afetividade que toda
relação envolve – de forma subjetiva ou objetiva, com as pessoas ou com os objetos, entre
os humanos ou com a natureza, ou como se queira indicar.
Por fim, não se pode esquecer: o teatro proporciona de forma significativa
a experiência com a catarse; o que, de modo relevante, fez parte da educação e do
desenvolvimento do cidadão grego na Antiguidade. Naquele período fundante da história
do ocidente, a catarse era explorada com muito vigor para sensibilizar e fazer entender
o cidadão sobre sua humanidade, a qual, vista coletivamente, nos grandes anfiteatros,
contagiava e mobilizava.
Se a crítica contemporânea, conforme se anuncia, contesta o papel formativo da
catarse, ocasião em que ocorre a purgação dos incômodos humanos, mas não mobiliza em
torno destes, o mesmo não era o caso na Grécia Antiga. O teatro naquele contexto, como
elemento formativo, propiciava ao povo grego alerta às mazelas e perigos com os quais se
deparavam em seu cotidiano.
E qual é a diferença entre os períodos Antigo e Contemporâneo? Indica-se como
possível diagnóstico que o povo grego se provia de um desenvolvimento socioemocional
mais apurado; isto é, compreendia melhor o sentido interacional que povoa as relações
humanas, ética e politicamente. Já o homem de hoje se aliena da participação da história –
não sendo politizado – e comunga valores que tendem a afastar os homens do convívio da
amizade, que é um princípio ético fundamental para toda e qualquer sociedade funcionar; em
sua precariedade se vê crescerem posturas como, por exemplo, a extrema competitividade,
o consumismo, etc., que destoam de um sentido ético de vida em sociedade.
Assim a catarse, também na contemporaneidade, pode funcionar como uma
semeadora de autoconhecimento sobre a humanidade – sobre suas nuanças existenciais
– em quem a experimenta. Porém esta parece não germinar, não mobilizar o indivíduo
a agir no mundo, logo, a se desenvolver rumo às coisas humanas que lhe são inerentes.
Isso porque não é regada com o necessário sentimento de pertença a uma sociedade que
é, ou procura ser, humana por excelência. A crítica de que a catarse pode não funcionar,
e até mesmo iludir quem a experimenta de que é um humano que se sensibiliza com as
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
coisas humanas (mas que não o é integralmente, pois nada faz com o que sente – não
se põe em movimento, não se emociona verdadeiramente, apenas fugazmente), pode ser
pertinente. Contudo, isso só é assim porque, por um motivo ou outro, foi esquecido que
nada é colocado sozinho para bem funcionar: tudo no universo só verdadeiramente tem
serventia quando acoplado, ao interagir com outras coisas.
Enfim, a catarse por ela mesma não terá sentido se outros procedimentos
formativos, como a afetividade, vista num sentido mais amplo, não a acompanharem. Do
mesmo modo, o teatro, que pode promover catarse e também agir formativamente rumo
à afetividade, não terá nenhum sentido na educação se for apresentado isoladamente,
esporadicamente, deslocado do contexto escolar, social e mesmo das outras disciplinas
e interesses sociais, como a formação para o trabalho. Defende-se aqui que o teatro,
assim melhor dimensionado, pode ser resgatado como um instrumento fundamental na
formação dos cidadãos do amanhã deste país emergente e que sonha ser um exemplo
de prosperidade, a qual, espera-se, não seja apenas econômica, mas fundamentalmente
humana.
Considerações finais
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dá identidade ao humano. Essa identidade se particulariza na cognição – que permite a
racionalidade, qualidade distintiva do homem – mas também abrange a universalidade
da afetividade, a qual carrega fenômenos universais, heurísticos – intuição, sensibilidade,
criatividade –, que comungam com os elementos constitutivos da Arte, sobretudo.
Assim, em um segundo momento deste trabalho, ensaiou-se o projeto de que
a afetividade ampliada – a que reconhece os elementos e os movimentos que fazem as
relações, as interações reagirem adequada e funcionalmente – é parte essencial de qualquer
instituição (social) que almeje promover o desenvolvimento humano integral, como é o caso
da Educação. E que a Arte pode vir a ser um aporte decisivo na condução de tal perspectiva,
haja vista sua capacidade de apresentar, refletir, sentir e criar e recriar a realidade em que os
indivíduos e sua sociedade se inserem. Tal proposta se apoia na ideia de que o ser humano
é basicamente impelido por substratos mentais da ordem das emoções, a despeito de se
constituir uma espécie que se instrumentaliza por meio da cognição.
Para garantir esse intento relativo ao papel da Arte, em um terceiro passo ensaístico,
procurou-se mapear possibilidades tanto funcionais como pedagógicas sobre a inserção e
o exercício dos educandos (iniciantes – em certa medida – no desenvolvimento humano)
nos meandros artísticos. No que diz respeito à Arte, foi colocada em discussão a questão
da catarse, a qual tem sido, devido a problemas na exploração desse fenômeno por certos
teóricos, relegada quase que a um sentido nocivo, já que por meio dela seria possível
se aproveitar (quase como num transe) moral e psicologicamente dos indivíduos menos
preparados – acertadamente, poder-se-ia classificá-los com problemas no desenvolvimento
(humano), principalmente no plano socioemocional. Precisamente aí é que a reflexão
aqui exposta defende a possibilidade de se rever a qualidade pedagógica da catarse,
pois se o desenvolvimento socioemocional dos indivíduos receber o devido suporte,
concomitantemente à presença da emoção artística – catártica –, o resultado logicamente
será diferenciado do que comumente se tem visto: poder-se-á incrementar nos educandos
dimensões psicológicas fundamentais para o seu adequado movimento existencial –
autoconhecimento, autoestima, autorregulação, etc.
Por fim, realizou-se, como exemplo, um convite à participação pedagógica do teatro,
como Arte, na educação. Nesse sentido, buscou-se denotar o papel primordial, notório
desde os Antigos, dessa dimensão artística como provocadora da catarse positiva, a que
incita o indivíduo a participar de sua realidade humana, logo social. E isso não apenas num
sentido revolucionário, modificador, que também é necessário, mas, sobretudo, levando o
educando a aprender a necessidade da afetividade nas interações; preferencialmente de
modo ampliado, percebendo as nuanças e características das coisas do mundo: pessoas
e natureza. Ensinando-se, por conseguinte, a se desenvolver adequada e integralmente
humano.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Lei no. 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes
e bases da educação macional. Brasília, DF, dez. 1996.
DEBRAY, R. Vida e morte da imagem: uma história do olhar no ocidente. Petrópolis: Vozes,
1993.
SANT’ANA, R. S.; LOOS, H.; CEBULSKI, M. C. Afetividade, cognição e educação: ensaio acerca
da demarcação de fronteiras entre os conceitos e a dificuldade de ser do homem. In: LOOS,
H.; SANT’ANA, R.S. (Org.). Dossiê: Cognição, Afetividade e Educação. Educar em Revista, nº.
36, jan.-abr. 2010.
71
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. São Paulo: Cortez, 1992.
72
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
73
questões, provocações e as muitas possibilidades de estruturações cênicas, de falar para e
sobre o mundo. Laban (2001) já previa essa diversidade de possibilidades criativas para a
dança dos dias de hoje, na primeira metade do século XX:
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
entre a linguagem gestual humana e seus possíveis significados emocionais. Estabelece em
seus estudos o Princípio da Correspondência, partindo da ideia de que para todo movimento
existe uma intenção correspondente. Desenvolveu também a Lei da Trindade, derivada
da trindade Pai-Filho-Espirito Santo, estabelecendo outra trindade vida-alma-espírito
(sensações-sentimentos-pensamentos). Dalcroze era compositor e professor de música,
percebendo a falta de mecanismos técnicos para a compreensão do delsartismo, por parte
de seus alunos, desenvolveu um sistema de preparação muscular e rítmica denominado
Euritmia. Euritmia significa literalmente bom ritmo (de eu = bom, rhythm = fluxo, rio ou
movimento). A euritmia de Dalcroze estuda todos os elementos da música através do
movimento, é um meio para se atingir a plena musicalidade. Parte dos pressupostos básicos
a seguir: todos os elementos da música podem ser experimentados (vivenciados) através
do movimento; todo som musical começa com um movimento - portanto o corpo, que faz
os sons, é o primeiro instrumento musical a ser treinado; há um gesto para cada som, e um
som para cada gesto. Cada um dos elementos musicais - acentuação, fraseado, dinâmica,
pulso, andamento, métrica - pode ser estudado através do movimento.
Os estudos destes pesquisadores estabeleceram bases filosóficas e subsídios
técnicos para a dança moderna e mais à frente o que chamamos de dança pós-moderna e
para a própria dança contemporânea.
A dança moderna tem como um dos princípios, romper com a formalidade do balé
clássico e resgatar o sentido emotivo do movimento. Os precursores da dança moderna,
tanto na escola americana quanto na alemã - Isadora Duncan, Ruth Saint-Denis, Ted Shaw,
Rudolf Laban, Mary Wigman, dentre outros – foram influenciados pelos princípios de
Delsarte e Dalcrose. Preocupava-se, nesta fase, não apenas com os aspectos formais do
movimento, mas dava-se uma atenção especial a sua respectiva intencionalidade.
Contudo, as escolas modernas ainda formalizavam suas expressões artísticas através
de codificações dos movimentos. Em outras palavras, a dança moderna nasce contestando
a limitação de um sistema codificado, porém não superou esta forma de sistematização,
ao criar seus próprios códigos. Isto fica claro tanto na primeira geração citada, quanto na
segunda – Martha Graham, Doris Humprey, Hanya Holm, dentre outros. As grandes técnicas
da dança moderna surgiram durante os processos de construção dos espetáculos marcados
por uma necessidade de individualidade de expressão (talvez a exceção seja Laban, uma
vez que propõe um sistema ao invés de uma técnica). As técnicas modernas surgiram para
estruturar caminhos pedagógicos de incorporação dos movimentos codificados para os
espetáculos criados.
Com o início da dança pós-moderna inaugura-se uma investigação das possibilidades
poéticas impressas na materialidade do movimento e no entendimento de que a matéria da
dança pode ser encontrada também em gestos do cotidiano. A integração desierarquizada
entre os aspectos constitutivos do humano (corpo-mente-espírito) já não estava sob
prova. A materialidade do movimento continha todos esses aspectos. O movimento não
precisava mais narrar um estado emotivo. Neste período destacam-se artistas como Lester
75
Horton, Mercê Cunningham. Yvonne Rainer, Trisha Brown e demais artistas envolvidos no
movimento da Judson Church, etc.
A dança contemporânea surge como parte deste processo de enfatização das
questões apresentadas, radicalizando na ideia do corpo como tema e potência poética.
Considera que qualquer movimento pode ser material para dança, qualquer corpo pode
dançar, qualquer procedimento pode ser um instrumento válido para a composição
- assume-se uma maneira libertadora de lidar com a forma e dramaturgia na dança.
Importante ressaltar que qualquer material pode ser conteúdo de dança, porém a dança
não se reduz à qualquer material de movimento, não se reduz à qualquer coisa.
Ao considerar todas as possibilidades expressivas como material para a dança,
ela assume uma atitude transdisciplinar, abrindo espaço para diversas possibilidades de
atuação. O intérprete da dança ganha nova característica e novas designações - intérprete
criador, ator/dançarino, ator/bailarino, atuante, etc. O coreógrafo assume uma função que
podemos chamar de compositor, diretor, orquestrador do material criado, etc. O processo
ganha mais relevância do que o produto e a ideia de técnica acaba se construindo ao longo
do desenvolvimento da obra. Quebra-se a fronteira dicotômica entre técnica e poética.
A formação dos artistas da dança contemporânea começa a se construir a partir da
multiplicidade de experiências e da hibridização de linguagens. Com isso, o ensino da arte
da dança, começa a visar experiências que potencializem as artes do corpo e a construção
poética da dança, ao invés da formatação corporal e disciplinar dentro de padrões de corpo
e movimentos pré-estabelecidos.
O século XX é mobilizado por um movimento de descoberta do corpo e suas
potencialidades, impulsionado por uma busca pela liberdade corporal e pelo estado de
plenitude. O corpo, a situação, o acontecimento passam a ser os aspectos em voga nas Artes
da Cena e em especial da dança. O corpo é o lugar de onde os conteúdos são originados
e para onde esses aspectos são direcionados; para a relação corporeidades dos artistas –
corporeidades do público. O corpo é destino, produto e território (CT), Corpo sem Lugar (CsL)
das cenas contemporâneas, no mesmo sentido metafórico proposto por Miranda (2008)
em Espaço sem Lugar (EsL), como uma analogia espacial ao conceito deleuziano artaudiano
Corpo-sem-órgãos evidenciando suas características de renovação e continuidade.
76
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Por outro lado, esse processo de legitimação do corpo caminhou paralelamente
ao início da revolução industrial, em meio às grandes guerras, ao capitalismo em máxima
potência e a um processo de globalização e fortificação de uma economia baseada no
consumo. O consumo não privilegia a experiência (ser), valoriza a aquisição de coisas (ter).
Adquirir é tido como mais importante que experimentar. Por mais que exista um movimento
em contrafluxo a essa ordem sistemática mundial, o conceito de sustentabilidade é recente
e ainda predomina como uma fala politicamente correta e está muito longe de se tornar
uma prática global.
O modelo de nossa educação está inserido nessa ordem mundial, segue o modelo
das fábricas. As crianças são separadas por grupos e categorias para facilitar o acúmulo
de informação. Valoriza-se a quantidade de informação adquirida pelo grupo, medido
em coeficientes de aproveitamento, que são as notas. As crianças se adequam a essas
informações e aos grupos e não o contrário. O processo é informativo. O educativo
acontece à medida que for possível. Não há uma cultura de estímulo ao desenvolvimento
de um processo individual, criativo, em coletivo, tornando o grupo um espaço possível para
se tecer uma experiência de aprendizado, transformadora, educativa e estimuladora das
subjetividades.
Estamos diante de um modelo de educação construtor de massas e gênios, afinal de
contas, a sociedade do espetáculo precisa continuar a produzir suas celebridades. A criação
deixa de ser atributo da existência e passa a ser tida como dom de poucos. Portanto, grande
parte de nossas crianças são informadas para ser operárias e algumas para ser gerentes.
Claro, o Brasil é enorme, temos muitas realidades em nosso país... E felizmente existem
as exceções. Porém, infelizmente o modelo industrial de educação se aplica a maioria das
escolas de ensino formal e informal de nosso país. E essas não são questões de classe, são
ideológicas. Esse modelo também é predominante nas classes altas, a diferença está no fato
de que essas crianças são preparadas para ser gerentes e não operários, mas continuam
inseridas em um modelo industrial de educação.
O MEC insiste em implementar modelos de educação que criam falsos discursos em
prol do desenvolvimento do ser, do processo educativo e humano em oposição ao modelo
industrial. Porém esses modelos são inseridos nas escolas sem condições de aplicabilidade
e acabam servindo ao modelo anterior, o industrial e ao discurso do politicamente correto.
Esse modo industrial também está enraizado em ações simples do cotidiano, da educação
familiar e informal e essa é uma das nossas grandes problemáticas existenciais atuais.
77
mundanos, considero o estilo de vida simples como uma das fontes mais
importantes de felicidade humana. Uma pessoa que dedica demasiado
tempo e energia cuidar dos detalhes materiais da existência, de sua casa,
roupas, alimentos e outras necessidades, não dispõe nem de tempo
nem de energia para participar de maneira criativa desta grande ideia
comunitária e do espírito festivo que deveria ser a meta e a inspiração
suprema de toda cultura. (LABAN, 2001, p. 75).
As relações entre arte e educação atravessam e são atravessadas por esse contexto.
O ensino da Arte ainda é uma prática jovem no Brasil. Segundo Strazzacappa (2006), a
história da dança educação é recente. Esta autora propõe em suas reflexões uma separação
entre o ensino da arte e a formação do artista. A arte e a docência são experiências que
às vezes se fundem, apesar das especificidades para cada uma dessas ações. Existem arte-
educadores-artistas, arte-educadores que não são artistas, artistas que não exercitam a
arte-educação.... Não há uma obrigatoriedade de relação entre as funções de artista e arte-
educador na dança. Essas atividades, apesar de possuírem especificidades, dialogam. O
importante é percebermos que não há dicotomia entre elas e encaminharmos nossas ações
dentro do direcionamento a que se destinam, seja educação através da arte ou produção
artística. É fundamental termos consciência do destino de nossas ações. Neste sentido é
importante constantemente nos perguntarmos sobre: Quem detém o poder da arte? Qual
a motivação? Qual o destino desta ação artística? Qual o público alvo?
Arte, dança, vida são poéticas, pois aparição, aparecem da ação, verdade
– velamento e desvelamento. Este aparecer não é qualquer aparecer,
qualquer coisa que se mostra e que se põe, é afeto por ser força, energia,
movimento gesto – a própria dança se dando enquanto operar da verdade
sendo obra-de-arte, vida. Ela (a dança) não representa nada, não é cópia
ou reprodução de um já dado ou exigido, ela é, se apresenta, se mostra
num vigor próprio. Como não representa, não significa, apenas existe –
experiencia-se, presentifica-se. Porém como a dança se dá? Dançando! É
na experiência, no exercício do fazer, só no fazer que a dança se manifesta.
Ela se dá na maneira que se revela na presença e se reserva num retrair-
se – ausência. (GROSS: 2010, p. 83).
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
modelos de corpo, de movimento, cenas, espetáculos ou apresentações de final de ano.
Esta noção de inutilidade, constituinte da ação que caracteriza um
processo de criação, não tem sua força geradora e motora exteriormente
à sua própria criação. Ou seja, a ação criadora não coloca o fim ou a meta
fora dela mesma. É o caminho de dentro para dentro. Sua ação se põe, se
coloca, revigorando-se em si mesma, desde si mesma. Uma ação sendo
ação, pura e simplesmente ato de fazer-se, sendo em si mesma. Ela tem
interesse em si, não é interesseira; que se interessa em algo fora, exterior
a ela própria. A ação criadora, sem obrigação de esperar ou buscar algo
final (de finalidade) ou fora de si, traz a idéia, princípio, fundamento da
inutilidade. A ação inútil é em si necessária, pois nasce e cresce de si para
si mesma. (GROSS, 2010, p. 35).
A prática da dança seja ela num contexto de produção artística, formação do artista,
formação de público, ensino da arte ou educação através da arte, apresenta-se dentro desta
lógica de existência. A arte da dança, experienciada na universidade e realizada dentro da
academia, também não foge dessa essência. A função da Arte na Universidade assume
a tríade de ensino, pesquisa e extensão e possui como função primeira a viabilização de
ações que respeitem a natureza da própria dança. Gostaria de, a partir dessas indagações,
propor reflexões e ações por uma arte não utilitária, militarista e funcional e sim, por uma
arte contra a barbárie humana, capaz de gerar saberes e experiências baseada no processo
individual de construção de autonomia e reflexão.
Na verdade, seria incompreensível se a consciência de minha presença
no mundo não significasse já a impossibilidade de minha ausência na
construção da própria presença. Como presença consciente no mundo
não posso escapar à responsabilidade ética no meu mover-me no
mundo. Se sou puro produto da determinação genética ou cultural ou
de classe, sou irresponsável pelo que faço no mover-me no mundo e se
careço de responsabilidade não posso falar em ética. Isto não significa
negar os condicionamentos genéticos, culturais, sociais a que estamos
submetidos. Significa reconhecer que somos seres condicionados mas não
determinados. Reconhecer que a História é tempo de possibilidade e não
de determinismo, que o futuro, permita-se me reiterar, é problemático e
não inexorável. (FREIRE, 2009, p. 19).
79
público a autoria da obra. A ideia surgiu como metodologia para a composição coreográfica.
Hoje o projeto mantém uma vertente performática; que reúne espetáculos, performances e
intervenções urbanas; e outra vertente artístico-pedagógica que reúne workshops, oficinas
e residências coreográficas.
O Jogo Coreográfico surgiu a partir das experiências em sala de aula com os alunos
do curso de Bacharelado em dança da UFRJ. O objetivo era de possibilitar aos alunos
experiências de improvisação e composição a partir de conteúdos diversos. Era evidente
a dificuldade por parte dos alunos de perceber o outro e se relacionar com o entorno
durante as danças. Estavam muito preocupados em como realizavam os movimentos e em
suas imagens no espelho da sala de aula. Sequer pensavam sobre a cena como tríade do
fenômeno cênico: artistas de dentro da cena, artistas de fora da cena e público. Estar em
relação é a condição primeira da improvisação e composição. A arte de compor danças tem
sua origem na comunhão do homem em coletivo com o universo, não é a habilidade em
articular conteúdos, é a arte de criar relações.
80
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
O Jogo Coreográfico surgiu como um jogo de aula para proporcionar uma reflexão
sobre a complexidade dos aspectos apresentados. Ele apresenta uma estrutura de
interação semiaberta, que permite que o grupo de pessoas que esteja jogando lide com os
aspectos constitutivos da dança sob a perspectiva de princípios e, não de passos e formas
pré-estabelecidas. Coreografia é entendida como as leis que determinam a inscrição dos
movimentos no espaço e o Jogador Coreógrafo é aquele que rege essas leis no espaço
cênico dentro de um limite de tempo. Ou seja, coreografia é a criação de relações. O
Jogador Intérprete é aquele que realiza a proposta do Coreógrafo. Ele não é uma marionete,
é sujeito de suas ações. Os artistas e alunos quando experimentam esta função, vivenciam a
complexidade que é agir dentro de uma proposta estabelecida (a proposta do coreógrafo).
Vivenciam a ambivalência entre ser sujeito e objeto da cena: enquanto sujeito, agem dentro
das indicações estabelecidas e preenchem as lacunas existentes na proposta coreográfica
estabelecida; enquanto objeto, agem dentro das indicações do Coreógrafo.
A estrutura de jogo faz com que a proposta coreográfica exista sempre enquanto
acontecimento. Faz com que o imprevisível esteja sempre em voga e, com que a
experimentação coreográfica seja sempre situação, desvinculando-se da perspectiva da
cena enquanto repetição de formas e passos. Faz com que o jogador compreenda alguns
aspectos das encenações pós-modernas a partir da vivência e não só através de leituras e
observações. “Assim, o teatro se afirma como processo e não como resultado pronto, como
atividade de produção e ação e não como produto, como força atuante (energeia) e não
como obra (egon).” (LEHMANN, 2007, p. 170).
As possibilidades de atuações do Intérprete também são estruturadas dentro desta
perspectiva semiaberta. Elas se desenvolvem a partir de um dos aspectos primordiais da
dança contemporânea, de que todo o movimento pode ser conteúdo de dança. Parte
dos princípios fundantes do pensamento labaniano do movimento como mudança e
transformação e do corpo em movimento como linguagem complexa e passível de infinitas
experimentações e desdobramentos.
O Jogo Coreográfico é uma experiência democrática de exploração da dança, acessível
a todos os indivíduos e suas histórias corporais. Não há legitimação de um modelo de corpo,
tão pouco privilegia alguma técnica ou estética para a dança. É uma estrutura de exploração
investigativa, conectada às pulsões individuais de cada artista. É um tipo de performance
experiência pós-dramática de produção de danças independentes, Reigenwerk, como já
anunciava Laban (2001). Propõe uma democratização da dança através de investigações
sobre seus conteúdos; pesquisa, improvisação, composição, interatividade e autoria. É uma
possibilidade de abordar a dança tanto num contexto de produção artística, formação do
artista, formação de público, ensino da Arte e Educação através da Arte.
Aos artistas e aspirantes à profissionalização em arte, o Jogo oferece a oportunidade
de vivenciar uma proposta laboratorial de criação e refletir sobre uma ou mais propostas
coreográficas a partir de diferentes pontos de vista: o do Coreógrafo/encenador, o do
Intérprete e o do Público. Tem a oportunidade de lidar com as responsabilidades, prazeres,
81
desprazeres e lacunas das diferentes funções que constituem a tríade fenomenal das Artes
da Cena.
Na vertente pedagógica o aluno artista exercita e experimenta as funções de
Intérprete Coreógrafo e Público. Consegue experimentar os diversos aspectos da tríade que
constitui as artes da cena em uma estrutura de jogo capaz de respeitar as individualidades
e diversidades e experimentar a arte da dança a partir de sua própria fisicalidade e não de
uma formatação de habilidades e padrões de movimentos.
Na vertente performática o Público é colocado como autor e divide a
responsabilidade do espetáculo, estabelecendo uma comunicação ativa. Temos percebido
com o caminho percorrido deste Projeto que esta interatividade tem acontecido em um
ambiente de descontração e diversão e de que esta proposta também atinge o campo do
entretenimento através da dança. Os praticantes do Jogo se divertem construindo danças,
compreendem algumas das ferramentas da composição coreográfica, experimentam suas
próprias poéticas e vivenciam um fluxo grande de ideias coreográficas e possibilidades. Este
projeto também possui a função de disseminação do conteúdo da dança enquanto área de
conhecimento, respeitando as individualidades dos intérpretes e do público, bem como
valorizando uma cultura de pesquisa de movimento e não de passos, códigos e modelos,
além de contribuir para a formação de público para a dança. Acredito que esta também seja
uma ação educativa.
As vertentes performáticas do Jogo Coreográfico apresentam sempre como subtexto
a ideia de que somos indivíduos jogando juntos: São pessoas (bailarinos e público) com
desejos, habilidades e fragilidades, reunidos para fazer danças. A dança não é apresentada
como uma entidade especial que só pode ser usufruída por uma minoria privilegiada dentro
de um padrão específico. O corpo, com todas as suas belezas extraordinárias e imperfeições,
é tema de base. Os bailarinos não são seres sublimes, são seres humanos.
82
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
por Huizinga (1995), estabelecendo uma evasão da vida real para uma esfera temporária de
atividade capaz de absorver inteiramente os jogadores.
83
e interessante, quanto mórbida. O Jogo propõe a aceitação de dualidades como essa, como
paradoxos, entendendo a complexidade da existência no sentido dado por Artaud em seu
Corpo sem órgãos, que sugere uma desterritorialização de valores capaz de construir uma
dança às avessas a partir das potências dos impulsos de morte e vida, aceitando a crueldade
e o devir e reconhecendo que nas pontas de cetim existem calos. Estamos falando de um
bailarino, Jogador Intérprete, sujeito, constituído por mistérios, pensamento e um corpo
estrutura com onze sistemas corporais. Nossa proposta é em direção a essa dança feita
de pensamento, ação, mistérios, para além de uma articulação entre os sistemas ósseo
e muscular. A corporeidade, com todas as suas belezas extraordinárias e imperfeições, é
tema de base. Os bailarinos não são seres sublimes, são seres humanos.
Referências
BAUMAN, Z. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar,
2004.
HUIZINGA, J. Homo ludens. O Jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 1995.
84
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
________. O Domínio do movimento. São Paulo: Summus, 1978.
85
86
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
SEÇÃO 2
PROCESSOS CRIATIVOS
LIVE-ELECTRONICS
Obra enquanto processo dinâmico e interativo
Introdução
87
transformações epistemológicas oriundas de visões fenomenológicas têm desempenhado
na forma de pensar e agir na atualidade pode ficar mais clara quando confrontada com
a história das transformações do pensamento humano, logicamente em um recorte
musicológico tal como se faz aqui, além de fomentar um panorama salutar para críticas e
contribuições posteriores.
Trazendo a discussão para um âmbito um pouco mais pessoal, vale ressaltar que a
insistência em realizar um panorama sobre a história da musicologia para se falar da prática
do live-electronics é decorrente da minha prática de professor de Composição Musical.
Atualmente, devido ao barateamento dos aparatos tecnológicos, o live-electronics
passou a ser uma vertente composicional amplamente praticada, principalmente por
compositores iniciantes. Essa prática, por muitas vezes, devido a um certo fetichismo
tecnológico como aponta Menezes (1998), vem acompanhada de certo grau de ingenuidade
- acredito que principalmente pelo fato de que há uma parcela de propostas composicionais
que acaba por desconsiderar os feitos musicais do passado acarretando em um certo
niilismo musical. Nesse sentido que, aqui, propus demonstrar como o live-electronics pode
ser considerado dentro de uma visão fenomenológica, mas somente após entendermos o
que esse paradigma pretende por em discussão quando comparado com a longa trajetória
de discussões sobre o fazer e o pensar musical. É, logicamente, um visão mais didática que
tem sido efetiva com meus alunos de composição que vão invariavelmente atuar no campo
do live-electronics, mas que poderão fazer isso de forma mais consciente e preparada.
2 Percursos musicológicos13
88
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
China, Egito, Ásia Menor, Fenícia e Mediterrâneas. Em tais sociedades a música desempenhou
vários papéis em diferentes etapas de seu desenvolvimento. Apesar da grande variedade
musical todas as formas de música da antiguidade tiveram forte caráter funcional, sempre
aparecendo associada à outras atividades sociais como outras práticas artísticas e religiosas,
por exemplo. De outra forma podemos dizer que a música era apenas uma parte de uma
estrutura maior de manifestação cultural, ou rito social.
Dentro da tradição criada na sociedade greco-latina a música também ocupou um
importante espaço na vida social. Desde Pitágoras, a música era considerada como parte
de uma cosmologia fundada no conceito de número enquanto unidade, conceito este
que se aplicava às várias instâncias do cosmos; através do número é que se entendiam
as proporções dos corpos sonoros, sua relação com o nível humano e com o movimento
das esferas celestes. Pode-se mesmo dizer que a música estava presente na fundação do
que é denominado Filosofia no mundo ocidental. O interesse em estudar fenômenos que
envolvem música pode ser notado em diversas passagens dos autores da Grécia Antiga.
Como argumenta Aristófanes (séc. IV a.C.) na obra As rãs, houve uma decadência
musical na Grécia a partir do momento em que os sofistas opuseram-se a possibilidade
de uma sabedoria acusmática, classificando-a como inferior com relação à artes mais
referenciais e autores como Sófocles, Ésquilo e Eurípedes diminuíam o uso de recurso
musical em suas tragédias. Platão, quando critica a música instrumental ganhando
independência com relação à palavra, indica aspectos decadentes na prática musical de sua
época e a sentencia à exclusão da República. Para Platão a prática musical de seu tempo
é decadente porque a música está perdendo sua função, seu ethos. Aristóteles apresenta
um posicionamento distinto e considera a música como a mais mimética das artes. Para ele
a obra musical é a que melhor consegue imitar caracteres, paixões e ações. A decadência
e desvalorização da música é mantida por todo o tempo do Império Romano (Cf. Candé,
1994). Foi com o desenvolvimento do cristianismo que a música encontrou novamente
espaço para desenvolvimento.
Durante a Idade Média, a música foi utilizada pela Igreja com importante instrumento
na construção de sua própria identidade, o que, de certa forma, a coloca diretamente na
origem da identidade cultural do ocidente. O Canto Gregoriano, como filho do canto cristão
primitivo e de certas diretrizes históricas, foi o primeiro tipo de música própria da cultura
ocidental. Por um lado, essa prática musical foi tomada como forte instrumento doutrinador
da ética e da política cristã-romana. Por outro lado, tratadistas medievais como Agostinho
de Hipona e Boécio preocuparam-se muito mais com aspectos metafísicos, apoiados num
sistema Platônico, e pouco relacionaram-se com problemas de ordem prática. Além disso, é
necessário considerar que a cosmologia pitagórica é mantida na Idade Média, permanecendo
nos estudos sobre música dentro de um sistema que organizava o conhecimento como sete
artes liberais, formadas pelo Trivium e pelo Quadrivium14.
14 O Trivium compreendia a Gramática, a Retórica e a Lógica, enquanto que o Quadrivium a Geometria,
a Aritmética, a Música, e a Astronomia. Vale salientar que o estudo da música, como parte do Quadrivium não
se referia ao estudo técnico de aspectos musicais, tais como os procedimentos composicionais ou questões de
89
Nesse sentido, pode-se observar que em torno do século X a teoria teve um
caráter bastante metafísico e pouco se relacionou com a prática. Desse período em diante,
ao contrário, a teoria concentrou-se em aspectos mais práticos, visando muito mais o
desenvolvimento composicional do que o de teses filosóficas. Um indício dessa mudança
de paradigma é o caráter essencialmente prático de tratados como o Micrologus de Guido
d´Arezzo.
O período que marca o fim da Idade Média tem início quando o desenvolvimento
e cultivo do conhecimento começa a sair da guarda estrita da Igreja. A partir do século
XII esse movimento ganhou força e teve como consequência o que ficará conhecido
como Renascimento. O aparecimento das universidade como unidades produtoras do
conhecimento acentua o processo humanista que dá suporte ao Renascimento (Hauser,
1995). O século XVI assiste a uma das maiores mudanças na história do pensamento
ocidental, chamada revolução copernicana, que não apenas substituiu a teoria geocêntrica
que se mantinha desde Aristóteles, mas também destruiu qualquer vestígio da antiga
cosmologia de origem pitagórica. Nasce a ciência moderna, e com ela uma nova era. No que
diz respeito à teoria musical, a Renascença amplia o desenvolvimento de tratados teóricos
que lidam cada vez mais com aspectos da prática composicional. Desde Vitry até Rameau,
passando por Tinctoris e Zarlino, entre outros, os tratadistas da Idade Moderna estavam
principalmente ocupados com o desenvolvimento de regras e padrões práticos. Com isso,
a composição polifônica pôde entrar em uma outra época, pós-Machaut, já preparando o
caminho e desenhando os primeiros esboços do sistema tonal.
O Renascimento é um movimento de grande desenvolvimento em todas as áreas do
conhecimento. Além de um marco na passagem entre Idade Média e Idade Moderna, e por
isso de grande importância para toda a cultura ocidental, esse movimento se caracteriza
por grandes mudanças funcionais da música na sociedade, devido às transformações
políticas e também por fortes mudanças técnicas em diferentes modalidades artísticas. Na
pintura, por exemplo, o advento da perspectiva, a volta de figuras humanas e de animais,
elementos mais naturais do que religiosos, indicam um tempo de aproximação com a
natureza. Na arquitetura, o uso das colunas e da luz que entra pelas grandes janelas, ou
iluminam os grandes vitrais, são indícios de uma postura arquitetônica oposta aos padrões
medievais. Em suma, não é apenas a música que ganha novo fôlego e um novo período de
desenvolvimento com o Renascimento, mas todo o conjunto de possibilidades artísticas.
A influência de Descartes na filosofia e na ciência europeia do século XVII foi
tão significativa que podemos considerar a Idade Moderna como a era do pensamento
cartesiano, caracterizado por duas principais doutrinas: o racionalismo, inclusive enquanto
metodologia científica, e o dualismo mente-corpo, também chamado de dualismo
cartesiano. Obviamente, tanto a nova cosmologia, possibilitada pela revolução copernicana,
quanto as novas práticas científicas e filosóficas, decorrentes do pensamento cartesiano,
execução instrumental, mas ao estudo das proporções harmônicas num amplo sentido do termo, conforme
prescrevia a doutrina pitagórica. Sobre música e Pitágoras, cf. (Tomás, 2002).
90
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
alteraram as formas de como se fazer, experimentar e falar sobre música.
No século XVIII, influenciados pelo Iluminismo e pelos enciclopedistas, os estudos
musicais encaminham-se à procura de seus fundamentos objetivos. Assiste-se ao
crescimento do interesse por aspectos acústicos e físicos do som que foram amplamente
explorados pelos matemáticos Joseph Sauveur (1653-1716) e Leonhard Euler (1707-1783) e
pelo físico Ernst Chladni (1756-1827). Por outro lado, também se observa um renascimento
da Estética Musical, com o surgimento de várias obras na França e na Alemanha que
buscavam classificar e comparar as várias formas de artes, assim como sugerir hipóteses
sobre as suas origens e fundamentos primordiais. Se a busca pelo objeto da música estava
em andamento na física, o sujeito que percebe e interpreta música vai ser tema central da
estética nascente no período. O grande modelo estético era a arte poética e as artes eram
comparadas principalmente segundo o critério da mímesis - a capacidade de representar a
natureza, ou as paixões. Talvez uma das mais fortes manifestações do princípio da imitação,
da mímesis, seja a chamada Doutrina dos Afetos, que apesar de não se constituir em uma
prática sistemática, chega a estabelecer quase que um léxico musical, principalmente na
Alemanha. Mesmo em tratados de caráter mais científico e racionalista, como é o caso do
Traité de Rameau (1971), o princípio de imitação está presente como elemento primordial,
sendo a harmonia tonal redutível a princípios naturais justamente pela imitação que aquela
é da série harmônica.
No século XIX, os estudos relacionados com a percepção alcançam os trabalhos de
Hermann von Helmholtz (1821-1894) e de Carl Stumpf (1848-1936), ambos interessados
em elucidar aspectos psicológicos da audição, procurando explicações para os fenômenos
estéticos considerados intangíveis até o momento. Ao mesmo tempo, a Estética Romântica
abandona definitivamente o princípio da imitação para assumir a música como um
fenômeno que está além da natureza e do descritível, seja por sons seja por palavras. A
estética romântica pode ser então descrita, de certa forma, como a estética do inefável, da
música como uma linguagem do inexprimível. Não é por coincidência que nesse período, na
perspectiva de Schopenhauer (1988), a música atinge sua maior independência perante as
demais artes, especialmente a poesia, e é colocada como a forma de arte mais valorizada,
justamente por sua expressividade não mimética e sua independência dos conceitos.
De certa forma, existe uma contraposição entre as pesquisas de caráter fisicalista de
Helmholtz e Stumpf e a filosofia metafísica de Schopenhauer. Essa oposição também pode
ser encontrada entre Hanslick, de um lado, e Wagner, de outro; entre a música entendida
como representação de nada além de si mesma e a música servindo a um ideal máximo
e sintético da obra de arte total, da Gesamtkunstwerk, que Wagner retirou da tragédia
clássica. Tal dicotomia é fruto específico do posicionamento cartesiano assumido pela
ciência moderna. Áreas como a psicologia15 não surgiriam descoladas da física não fosse o
rumo cartesiano da história da ciência. Há como consenso uma posição distinta entre os
15 Apesar do termo único, entendemos que a Psicologia abarca áreas distintas e nossa crítica
encaminha-se especificamente àquelas mais ligadas à metafísica dualista.
91
assuntos chamados de ciências humanas e os chamados de ciências naturais. Tal distinção
é tão carente de fundamento que, sem querer aprofundar a crítica, poder-se-ia questionar
se o próprio homem não faz parte da natureza. No entanto, para retornar ao ramo central
do nosso interesse, a musicologia do início do século XX é fruto de uma ciência objetivista
e de uma filosofia e psicologia metafísicas, que se entendem como distintas, quando não
como excludentes.
O século XX permitiu uma pluralidade de ideias e teorias como nunca se encontrou
anteriormente. Não somente no campo teórico e estético, mas entre compositores e escolas
composicionais. Neste século também se fortaleceram inúmeras dicotomias, todas elas
espécies de derivações da grande carga dualista cartesiana própria da era moderna, nos
domínios musicais práticos e teóricos: música erudita (ou clássica) e popular; música séria
e música de entretenimento; música antiga e música contemporânea; música conservadora
e música de vanguarda, entre outras.
Foi no século XIX e principalmente no XX que, apesar desse multifacetamento, a
área de musicologia se estabeleceu de maneira sólida e definitiva. Anteriormente não era
possível a musicologia se colocar como área de conhecimento, com objetivos e metodologias
específicas, apesar de tentativas de se classificar tal ciência desde o século XVIII; mesmo
porque as áreas de atuação da musicologia se transformaram muito ao longo da história,
como demonstramos até o momento.
Framery, no século XVIII, apresenta uma das primeiras divisões que demarcaram o
escopo da musicologia. Tal autor criou uma árvore de disciplinas e áreas de atuação que tem
como raiz a Acústica subdividida em ciências quantitativas e ciências metafísicas, a Prática
Musical subdividida em composição e interpretação e a História da Música que engloba
os fatos presentes e passados, a história da música e dos músicos e a música dos nativos
e estrangeiros. Ainda no século XVIII, Forkel apresenta uma divisão diferenciada que se
caracteriza pelos estudos da física do som, da matemática do som, da gramática musical, da
retórica musical e da crítica musical. A preocupação com a música não ocidental tem início
nos trabalhos de Fétis, no século XIX, que pode ser considerado como o formador das bases
para o surgimento da Musicologia Comparada ou Etnomusicologia. Guido Adler, em 1855,
foi o responsável pela distinção entre musicologia histórica e musicologia sistemática, que
amplia a área de estudos musicológicos para além daqueles de natureza histórica, incluindo
aspectos teóricos e analíticos, sociológicos e culturais, estéticos e educacionais. De fato, o
termo musicologia, ou Musikwissenschaft, que significa ciência da música, surge como título
do trabalho de Johann Bernhard Logier, em 1827 - apesar de que os termos musikalische
Wissenschaft e tonwissenschaft remontam a textos do século XVIII, e significam ciência
musical e ciência do som, respectivamente.
No entanto, quando se fala em musicologia enquanto ciência, tradicionalmente o
que se tem em mente são as áreas das ciências humanas, principalmente as ciências sociais
e a filosofia. No século XX inclusive, existe uma grande ênfase em aspectos sociológicos,
antropológicos e etnológicos, talvez mesmo até em detrimento de questões filosóficas
92
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
(epistemológicas e mais ainda ontológicas). Dentro dessa linha, alguns musicólogos do
século XX sugeriram que a etnomusicologia deixasse de ser uma subárea da musicologia
para, na verdade, ser ela própria a visão de musicologia a ser praticada. Segundo tal visão,
a musicologia deve englobar, estudar e se relacionar com aspectos estruturais e estéticos,
porém sempre dentro de uma visão sociológica, não eurocentrada, que substituísse a
musicologia essencialmente histórica feita até então. Dessa forma a musicologia tradicional
deveria adotar a metodologia aplicada aos estudos etnomusicológicos como afirmam
Harrison et al. (1963): “É função de toda musicologia ser na verdade etnomusicologia.” Essa
visão recuperada e revisitada a partir da década de 1980, recebe o nome de Nova Musicologia
e foi protagonizada por trabalhos influenciados pela Nouvelle Historie, pela Antropologia
Cultural, pela Sociologia, pela Crítica Literária e pelos trabalhos da Escola de Frankfurt.
Kramer (2003), em sua Musicologia Cultural afirma que suas preocupações centram-se,
antes de mais nada, em questões do significado musical amplamente elaboradas em um
contexto antropológico. A tendência geral na musicologia pós década de 80 caracteriza-se
pela investigação dos fenômenos musicais a partir dos aspectos sociológicos, significações
de tais manifestações em grupos sociais, não considerando questões que se afastem disso.
A partir dos anos de 1990, surge um outro tipo de musicologia que se concentrou
não sobre aspectos sociais e antropológicos, mas sobre aspectos psicológicos e cognitivos
da experiência musical. Tal área, chamada de Musicologia Cognitiva, caracteriza-se em
primeiro lugar, por uma reformulação da agenda de pesquisa da psicologia da música e em
segundo lugar por apoiar-se nos desenvolvimentos da chamada Revolução Cognitiva dos
anos de 1970. Huron (1999) aponta que a Musicologia Cognitiva se opõe à Psicologia da
Música, porque esta última se apoia fortemente no positivismo devido a seus protocolos
behavioristas sendo, dessa forma, impedida de responder questões ligadas à experiência
musical num sentido amplo. A Musicologia Cognitiva possui, também, um forte apelo
computacional, decorrente das modelagens da Inteligência Artificial e do Conexionismo
surgidos com a Revolução Cognitiva.
Parncutt (2007) busca destrinchar o conceito guarda-chuva de musicologia,
estipulando duas grandes categorias nos estudos sobre música da atualidade: musicologia
sistemática e musicologia histórica e etnológica. Por sua vez, a musicologia sistemática se
divide em dois sub-grupos. O primeiro é a musicologia sistemática científica, incluindo a
relação entre a música e áreas como a psicologia, as ciências sociais, a acústica, a fisiologia,
a neurociência e a ciência cognitiva. A segunda, a musicologia sistemática humanística,
inclui a filosofia estética, a sociologia, a semiótica, a hermenêutica, a crítica musical e os
estudos culturais e de gêneros.
Nos últimos anos, temos visto a manifestação de uma área que se autodenomina
Musicologia Interdisciplinar que tem como principal fundamento a aproximação entre as
duas vertentes da Musicologia Sistemática, segundo o entendimento de autores como
Parncutt. De qualquer forma, a delimitação das ciências que constituem uma área como
a musicologia sempre será limitada, mesmo porque a prática de pesquisa, principalmente
93
dentro das perspectivas multi ou interdisciplinares, que têm se destacado na atualidade,
parece escapar a uma sistematização. Nesse sentido, parece mais fácil delimitar agendas de
pesquisa e questões a serem estudadas do que áreas e metodologias que podem exercer
tais investigações. Mesmo porque, nos parece, a Musicologia sempre teve, no mínimo, uma
vocação interdisciplinar.
94
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
para designar uma tradição filosófica que se intitula husserliana, que tem ligação direta
com as proposições de Brentano relacionadas ao pensamento de Tomás de Aquino e
Artistóteles. Essa fenomenologia foi tema de estudos e comentários de uma série de autores
durante todo o século XX, sobretudo através de escritos de alunos de Edmund Husserl,
como Heiddeger, Merleau-Ponty e Sartre, por exemplo. Em suas obras escritas em meados
do séculos XX, Merleau-Ponty apresentou um caminho para a ontologia que passa por uma
nova descrição do papel do corpo e da interação entre tal corpo e seu meio. Esse autor
propõe, em suma, uma ontologia fenomênica. Afirma em Fenomenologia da Percepção
que sua intenção é colocar a experiência, no centro do estudo da própria experiência, e
não substituí-la por uma suposta essência encontrada através de sobrevôos de um sujeito
sobre um objeto.
Há outras proposições acerca do termo fenomenologia que também terão nossa
atenção. Husserl pode ser considerado fundador de uma fenomenologia que se pretende
como fundamento de toda a filosofia, em oposição àquilo que a metafísica representava
até então. Mas, de certa forma, quando filósofos anteriores tratavam de aspectos
perceptivos, da aparência das coisas e como as percebemos, já se pode ver um gérmen
de fenomenologia — o termo fenômeno vem de phainomenon, em grego, que significa
aparência. A fenomenologia kantiana, por exemplo, postulou as categorias do entendimento
como as formas intuitivas e conceituais anteriores a toda e qualquer experiência; o mundo
só pode ser conhecido por meio dessas categorias, e elas determinam, logicamente, como
os fenômenos nos são apresentados.
A fenomenologia kantiana, que pressupõe uma metafísica apriorística, tem forte
apoio nas categorias Aristótélicas e pode ser considerada como as bases sobre as quais C.
S. Peirce fundou a sua fenomenologia triádica Aristóteles postulou dez categorias, em Kant
elas são doze e em Peirce se reduzem a três. As categorias de Peirce diferenciam-se daquelas
de Aristóteles e Kant ao deixarem de ser exclusivamente descritivas, proposicionais, modos
específicos de se descrever a realidade para alcançarem uma universalidade por “[...]
sua correspondência aos modos elementares pelos quais se articulam e se combinam os
fenômenos que povoam o universo total e irrestrito da experiência.” (SILVEIRA, 2007). Aqui é
interessante notar a aproximação conceitual com a proposição de Merleau-Ponty ao buscar
uma fenomenologia que coloca a experiência no centro do estudo da própria experiência.
Também há semelhança com a proposta de Varela et al. (2003) que apresentam uma
ciência cognitiva que esteja no centro de uma circularidade fundamental entre o mundo
e os corpos dos percebedores que agem nesse mundo, entre o pensamento reflexivo e a
experiência direta.
Desde a última década do século XX, bem como no início do XXI, é crescente o número
de pesquisadores na área de ciência cognitiva que apontam uma espécie de naturalização
da fenomenologia de tradição husserliana. O objetivo de autores como Petitot et al. (1999),
Varela et al. (2003), ou Roy et al. (1999) é aproximar a filosofia, epistemologia e ontologia,
de ciências como a biologia, por exemplo, para o desenvolvimento de explicações sobre a
95
cognição sobre bases alternativas às do dualismo cartesiano. Por naturalização, Roy et al.
(1999) entendem a adoção de uma estrutura conceitual comum entre explicações sobre
os fenômenos e propriedades admitidas pelas ciências naturais. Com isso, tais autores
esperam aproveitar melhor os conceitos trazidos por Husserl, fugindo dos problemas que
sua inclinação a certo idealismo traz.
Após esse breve histórico de como a musicologia abordou questões centrais
relacionadas ao fazer e fruir musical, podemos considerar algumas formas de criação musical
que se inserem nesse paradigma fenomenológico que se coloca a partir do século XX. Não
pretendemos afirmar que esse é o único paradigma possível à criação musical, porém, em
diversas áreas da produção artística cada vez mais temos visto emergir preocupações ou
realizações estéticas que consideram a arte como ocorrendo na inter-relação entre obra e
fruidor. Conceitos como arte interativa, estética relacional, significação emocional, entre
outros, são cada vez mais abordados por artistas, filósofos, neurocientistas ou psicólogos,
conceitos estes que demonstram como a superação dos dualismos cartesianos, propostos
pela fenomenologia, possibilitou o surgimento de diversas práticas artísticas.
Passamos então a considerar mais especificamente a vertente composicional
denominada por live-electronics para verificarmos como ela se insere nessa mudança de
paradigma que se considera fenomenológico.
4 Live-electronics
96
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
entre os compositores e intérpretes (e entre um público cada vez mais
‘participante’), capazes de purificar definitivamente os nossos costumes
musicais de cada resíduo dualístico. (MENEZES, 1996, p. 128).
Para que tudo isso se torne realidade, será decerto necessário que cada
experiência seja conduzida pelo compositor e pelo intérprete por meio
de um contato vivo e permanente com a matéria sonora, e não por
meio de suas sugestões superficiais ou de divagações esquemáticas de
qualquer equívoco pseudo-serial, já que, por si sós, os procedimentos
seriais não garantem absolutamente nada: é sempre possível serializar
péssimas idéias, da mesma forma como é possível versificar pensamentos
estúpidos. (MENEZES, 1996, p. 128) (grifo no original).
97
(MANNING, 2004), mas, o mais importante é que os processos desenvolvidos por essa
vertente musical propiciaram cada vez mais a busca por relações de interação entre os
diversos agentes musicais.
Como dissemos acima, uma das primeiras preocupações dos compositores que
se dedicaram ao live-electronics foi a de criar formas de relação menos rígidas entre a
dimensão instrumental e a eletroacústica, em especial no aspecto temporal. Processos
de identificação de eventos musicais (trigger, score following, pitch detector, etc) foram
amplamente desenvolvidos para tais finalidades e estão presentes em praticamente todas
as ferramentas computacionais utilizadas no live-electronics.
Posteriormente, as possibilidades de interação foram ampliadas consideravelmente.
A preocupação com formas de interatividade passam a ser discutidas por diversos autores
como Rowe (1993, 2001), Paine (2002), Garnett (2001), entre outros. As discussões a
respeito de interatividade são em muitos casos antagônicas. Rowe e Paine consideram
que a interatividade ocorre na relação entre o homem e a máquina e buscam processos
composicionais e computacionais que efetivem essa relação, principalmente considerando
os estudos das áreas da inteligência artificial. A interação é definida e considerada, por tais
autores, no contexto homem máquina, compartilhando a ideia de que ambos os participantes
do processo, homem e máquina, têm que ter atitudes criativas e afirmam que a maioria dos
processos de live-electronics falham nesse sentido - em não conceber o plano computacional
de forma que este manifeste atitudes cognitivamente inteligentes. Propõem, dessa forma,
processos que se utilizam de redes-neurais, ou outros tipos de modelagem computacional
de processos inteligentes. Compositores de vertentes opostas, não consideram os agentes
homem versus máquina como separados no processo composicional. Para autores dessa
linha de pensamento a máquina no live-electronics é apenas uma extensão dos processos
estruturais organizados pelo compositor, pois sua programação tem que ser idealizada e
realizada pelo compositor, sendo parte integrante da obra e não um agente separado.
Uma das grandes linhas de criação dentro do live-electronics é aquela que busca
utilizar o gesto instrumental como parâmetro de manipulação ou controle de processos
computacionais. Machover (1992) documenta, em seu artigo, os principais avanços
realizados no grupo de pesquisas de Hyperinstrument no MIT. O conceito de Hyperinstrument,
desenvolvido pelos pesquisadores desse centro, consiste em considerar as possibilidades de
manipulação sonora do live-electronics de forma a ampliar as possibilidades acústicas dos
instrumentos. Inúmeros tipos de sensores são acoplados aos instrumentos e instrumentistas
visando esse fim.
Considerando a questão pelo viés estético, Garnett (2001) aborda o live-electronics
já em um contexto tecnológico mais atualizado, denominando tal prática por Interactive
Computer Music. Para Garnett, o live-electronics ou Interactive Computer Music pode ser
basicamente dividido em duas grandes vertentes complementares. A primeira é aquela em
que a performance humana contribui de alguma forma com os processos computacionais
e a segunda é aquela em que o resultado sonoro dos processos computacionais interfere
98
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
ou contribui de alguma forma na performance do instrumentista. Tal interferência pode ser
planejada e realizada de diversas formas, tanto no que se refere à captação de gestos do
instrumentista ou do público, do próprio som produzido por este, quanto na determinação
da escrita musical para incluir improvisação, tomada de decisão do que tocar por parte do
instrumentista a partir do que for produzido pelo aparato computacional, entre outras.
De forma semelhante Emmerson (2007) propõe uma concepção de Living
Electroacoustic Music, considerando questões também provenientes da fenomenologia,
da cognição musical, da inteligência artificial, da psicologia ecológica, entre outras. Tal
consideração aponta, mais uma vez, para uma preocupação constante por parte dos
compositores em superar os conceitos tradicionais de obra, ouvinte, espaço, significação,
entre outros. Emmerson passa em revista, como outros autores apontados acima, diversas
transformações ocorridas nas formas de pensar conceitos como o corpo na música
eletroacústica, formas de captação do som na performance, que não só captam o som
para processamento, mas também buscam forma de capturar a ação corporal, e como esse
corpo relaciona-se com o espaço. Tais visões só são possíveis a partir do momento em que
o interesse pela relação, seja ela, entre homem x máquina – como postula Garnett – entre
ser e mundo, público e obra, público e espaço, obra e significação, foram evidenciadas por
um pensamento mais fenomenológico. A própria preocupação com a ideia de relação ou
interação como aspecto a ser considerado na composição parecer ser, para todos os autores
abordados aqui, o que demarca o conceito de live-electronics ou Living Electroacoustic
Music.
Portanto, o live-electronics passa a incorporar a improvisação, o gesto instrumental,
a movimentação do público, o espaço, a video-arte, a iluminação, e tudo o que mais puder
ser explorado, estendendo os horizontes da obra, muitas vezes, para além da própria
demarcação do campo musical, podendo em alguns casos ser considerado como uma
instalação ou performance tal como nas artes visuais, como podemos ver em algumas obras
nas quais o que ocorre sonoramente e visualmente no espaço é criado a partir da captação
e processamento de dados provenientes da ação de músicos, bailarinos e do público que
se movimentam pelo espaço. Há assim, uma consideração de um tipo de obra que se faz
em vivo, se me permitem o barbarismo, naturalizada, que nasce do processo de atuação,
enquanto parâmetro considerado composicionalmente, de diversos agentes presentes no
ato da performance sendo eles humanos ou computacionais.
5 Considerações Finais
A partir do exposto até aqui, podemos erigir certas considerações que relacionem
um pouco mais fortemente os panoramas tanto da musicologia quanto da prática do live-
electronics.
Verificamos que ao longo da história do século XX, a vertente fenomenológica buscou
a superação dos paradigmas da filosofia e ciência moderna, em especial a superação dos
99
dualismos cartesianos. O trabalho de Merleu-Ponty apontou, como dissemos acima, para
a busca da experiencia como explicação da própria experiência e do papel do corpo que
experiência o mundo, em substituição a explicações subjetivistas ou objetivistas do mundo.
Em música, acreditamos que o live-electronics pode ser considerado como decorrente dessa
visão fundante e paradigmática sobre o viver, principalmente por considerar as diversas
formas de relação, tal qual apresentado, como aspecto ou até parâmetro composicional.
Práticas que coloquem essas relações em evidência, como procedimentos em que a
ação corporal do instrumentista ou do público são levadas para dentro das fronteiras da
obra, muitas vezes dilacerando tais limites, são fortemente decorrentes dessas visões
fenomenológicas pois acarretam na criação de uma obra enquanto processo que emerge
da relação entre todos os participantes. A obra musical que já desdo o começo do século
XX tornou-se cada vez mais aberta, para usarmos o conceito de Eco (1990), torna-se mais
aberta ainda, pois a abertura significativa passa para outras dimensões não possíveis de
serem abarcadas se não em posturas mais fenomenológicas. Além do live-electronics se
caracterizar como um tipo de obra em que o processo de interação faz parte do próprio
discurso musical, podemos considerar que as discussões já presentes desde o início
da música eletroacústica, no que se refere à significação musical, tornam-se ainda mais
evidentes. A necessidade de considerar como se organiza o discurso musical, que não mais
se estrutura de acordo com as regras do sistema tonal, ou sequer se organiza exclusivamente
a partir do sons com altura definida, passa a ser ainda mais evidenciada em um tipo de
obra em que o gestual do instrumentista, do público, manipulações de luz, de espaço,
passam a ser parâmetros composicionais. Essas discussões não somente se restringem ao
universo do compositor e de sua prática, mas passam a ser consideradas na relação com
o intérprete e nas formas de significação que esse tipo de discurso faz emergir da relação
entre obra e ouvinte. Todas, obviamente, questões que enfrentamos e enfrentaremos
quando assumimos que a arte contemporânea pode ser considerada como um processo de
significação dinâmico, naturalizado, dependente de todas as partes envolvidas no processo
de fruição: artista, público, obra, espaço, corpo em ação, cultura e tudo o mais que for
possível relacionar a tal processo.
Referências
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DIAS, H. P. G. A “querela dos tempos”: Um estudo sobre as divergências estéticas na música
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ECO, U. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas. São Paulo:
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100
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
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VARELA, F.; THOMPSON, E. & ROSCH, E. A mente incorporada. Porto Alegre: Artmed, 2003.
101
102
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Introdução
103
valorizados num sistema que ocorre em rede e não sendo mais os pivôs, como acontecia na
arte moderna. O público descrito por Cauquelin e Bourriaud é o público especializado, cuja
participação no caso de obras interativas e relacionais, é essencial na caracterização da arte
contemporânea.
Resultados e Discussão
20 O termo o embreante equivale ao quantum de capital artístico acumulado por eles no campo da arte.
104
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
autonomia em relação à burguesia; e, terceiro, a arte como um valor em si.
O público, mesmo confuso em relação a que tipo de arte merece sua apreciação, tem
consciência do sistema da arte, o conhecimento desse sistema é que permite apreender
o conteúdo das obras. A produção é regulada pelo campo artístico, que condiciona os
códigos de leitura. O sistema em seu estado contemporâneo ainda gera incompreensões
pelo período recente que se instaura, já que as transformações artísticas ocorridas nas duas
últimas décadas não permitem que o público em geral tenha clareza de quais são os códigos
vigentes. Os dois fatos citados acima explicam o divórcio do público não especializado com
a arte contemporânea, logo, “[...] o divórcio entre a arte contemporânea e seu público
torna-se uma questão de Estado – em todos os sentidos do termo” (CAUQUELIN, 2005,
p.15-16).
O sistema da arte não gera apenas obras para serem consumidas materialmente,
e sim ideias, cujo consumo é simbólico. O mercado simbólico amplia tanto os tipos de
abordagens teóricas, quanto a diversidade de obras produzidas. Por um lado, as ideias
versam sobre a pluralidade de tendências artísticas que são concretizadas simbolicamente
por meio de atos de comunicação; por outro lado, a arte contemporânea é consumida
teoricamente com base em diferentes abordagens: a noção de modernidade, o mercado
de arte e a recepção.
Mesmo com a modificação da arte moderna para contemporânea, o público que
consome arte continua sendo especializado, denominado por Cauquelin de destinatário. O
regime de comunicação proposto por Cauquelin é composto pelos subitens: rede, bloqueio,
redundância e saturação, nominação e construção da realidade. Estar em rede provoca a
substituição do consumo pela comunicação, somente quem está em rede participa do jogo21.
“Em termos de comunicação, a rede é um sistema de ligações multipolar no qual pode ser
conectado um número não definido de entradas, cada ponto da rede geral podendo servir
de partida para outras microrredes.” (CAUQUELIN, 2005, p.59).
A rede tem vários polos de acesso, não é central e concêntrica. Diferente da arte
moderna, na arte contemporânea não existe mais a figura central do artista ou do marchand,
ambos estão conectados a outras microrredes, com isso “a noção de ‘sujeito’ comunicante
apaga-se em favor de uma produção global de comunicações. É o que se designa também
como interatividade [...]” (CAUQUELIN, 2005, p.59-60).
O bloqueio remete à questão da circularidade do dispositivo, ou melhor, a obra
de arte contemporânea é analisada como produto da rede. “A rede de comunicação que
carrega a arte contemporânea caracteriza-se por um bloqueio; em outras palavras, por
uma circularidade total do dispositivo: vêem-se expostas à vista do público não tanto obras
singulares, produzidas por autores, mas a imagem da rede propriamente dita.” (CAUQUELIN,
2005, p.74).
Na atualidade, a coexistência de microrredes caracteriza o funcionamento do campo.
Segundo Pierre BOURDIEU (2007, p.149) o jogo continua e com ele, a disputa por capital
21 Segundo CAUQUELIN (2005, p.77), “[...] o artista que entra ou ‘é posto’ na rede é obrigado a aceitar
suas regras se quiser permanecer nela. Ou seja, renovar-se e individualizar-se permanentemente, sob pena
de desaparecer dentro do movimento perpétuo de nominação que mantém a rede em ondas”. (Grifo meu).
105
simbólico 22. O capital simbólico é sinônimo de nominação que, de acordo com Cauquelin
são os sujeitos dentro da rede com o poder de nomear. “A nominação permite, de um lado,
o recambiamento entre partes e totalidade, e, de outro, escapar à ideia muito desagradável
de não ser senão um ponto sem consistência dentro de uma rede cuja totalidade escapa a
qualquer apreensão” (CAUQUELIN, 2005, p.62).
Na rede existem os produtores, os profissionais da circulação das obras, as
obras e os artistas-objetos. Se a arte contemporânea ocorre em rede, indaga-se: qual o
posicionamento do público e a quem se destina a comunicação posta em rede? O público
é o destinatário, e ainda “[...] os destinatários são também gestores da rede.” (CAUQUELIN,
2005, p.78). A informação gerada mantém a rede em funcionamento, o público no sentido
usual compartilha do espetáculo independente do seu julgamento, basta que saiba que se
trata de arte contemporânea.
22 Chamo de capital simbólico qualquer tipo de capital (econômico, cultural, escolar ou social)
percebido de acordo com as categorias de percepção, os princípios de visão e de divisão, os sistemas
de classificação, os esquemas classificatórios, os esquemas cognitivos, que são, em parte, produto da
incorporação das estruturas objetivas do campo considerado, isto é, da estrutura de distribuição do capital no
campo considerado.
106
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Arte Contemporânea - Vivências e Encontros
Bourriaud dialoga com Bourdieu, ao citar que o mundo da arte se coloca como um
23 Na cidade do México, a diferença entre o uso dos espaços institucionalizados [...] em comparação
ao consumo da televisão[...] revela uma reorganização dos hábitos culturais cada vez mais direcionados
às mensagens audiovisuais que são recebidas em casa e expressam códigos internacionais de elaboração
simbólica. (CANCLINI, 1997, p. 111).
107
“[...] espaço de relações objetivas entre posições”, na luta entre os diversos produtores em
conservar e/ou conquistar novas posições dentro do campo artístico, nesse sentido “[...]
é a arte que faz a arte, não os artistas.” (BOURRIAUD, 2009, p.37-38). Sendo assim, “[...] a
história da arte pode ser lida como a história dos sucessivos campos relacionais externos,
que mudam de acordo com práticas determinadas por sua própria evolução interna: é a
história da produção das relações com o mundo, intermediadas por uma classe de objetos
e práticas específicas” (BOURRIAUD, 2009, p.39).
Diante dos pressupostos da arte contemporânea elencados por Cauquelin e
Bourriaud, as regras do campo artístico discutidas por Pierre Bourdieu não são mais veladas.
Se antes a autonomia do campo e, com ele, a autonomia da produção estava centrada na
relação da arte pela arte em oposição à arte comercial, hoje, a condição mercadológica
dentro do campo já é aceita, justamente pela expansão de um mercado simbólico e pela
mudança de paradigmas.
Na arte contemporânea, a autonomia do campo não recai sobre o tipo de produção
ou o estilo de obra produzida, mas na experiência única que o público vivenciará diante da
obra, em função das suas possibilidades de compreensão. Bourriaud (2009, p.82) resgata o
conceito de aura de Walter Benjamin aplicando-o ao público e não à produção. O público
não é mais universal, mas captado pelo artista.
A partir de 1960, com a prática da performance, a relação obra e público pressupõe
um acordo que é definido pelo tempo de exibição e pela duração da obra. Nesse sentido,
a arte contemporânea opera sob o signo da não-disponibilidade, ao pressupor um tempo
determinado de visitação. Sendo assim, “[...] a obra de arte não é mais aberta a um público
universal nem oferecida ao consumo numa temporalidade ‘monumental’; ela se desenrola
no tempo do acontecimento para um público chamado pelo artista. Em suma, a obra suscita
encontros casuais e fornece pontos de encontro, gerando sua própria temporalidade.”
(BOURRIAUD, 2009, p.41). (grifo no original)
Para Bourriaud (2009, p.46), os artistas que produzem seguindo a estética relacional
propõem como obras de arte: “[...] a. momentos de socialidade e b. objetos produtores
de socialidade.” Considerando a temática da obra, não existe nenhum estilo, tema ou
iconografia que aglutine os artistas produtores de arte contemporânea, e sim “[...] o
fato de operar num mesmo horizonte prático e teórico: a esfera das relações humanas.”
(BOURRIAUD, 2009, p.60). E, por fim, “[...] suas obras lidam com os modos de intercâmbio
social, a interação com o espectador dentro da experiência estética proposta, os processos
de comunicação enquanto instrumentos concretos para interligar pessoas e grupos.”
(BOURRIAUD, 2009, p.60).
O público descrito por Bourriaud se assemelha ao da posição de Cauquelin,
considerando-se que a sua presença diante da obra é propulsora do sistema de comunicação
em rede proposto pela arte contemporânea. Constata-se também a aceitação de diferentes
públicos, com posições e apreciações diversificadas – os gostos efetivados dependem das
posições ocupadas, levando em consideração o espaço que o espectador ocupa tanto no
108
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
âmbito social, quanto educacional.
109
a percepção do público e o sentido da proposta.
Na obra Sonho, o espaço expositivo agregou valor à proposta e modificou sua leitura
inicial. Inicialmente, o título era o ponto principal e o elo com a produção do Surrealismo24, o
público interagiria com o trabalho, continuando a trama de fios fixados no biombo. Durante
o registro do processo criativo, modificou-se a forma de interação com o observador, a
posição do observador foi demarcada pela silhueta da aluna desenhada no chão com
giz escolar e a inscrição “Deite”. Ao deitar a trama de fio somada à estrutura metálica do
telhado criou uma nova imagem.
Conclusões
110
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
uma vez que o capital artístico do artista e da obra é recíproco ao espaço que o consagra.
A obra em si aparece com peso mínimo. “A realidade da arte contemporânea se constrói
fora das qualidades próprias da obra, na imagem que ela suscita dentro dos circuitos de
comunicação.” (CAUQUELIN, 2005, p.81). Portanto, estar em rede implica em conhecer as
regras do campo da arte e a nomeação faz o jogo permanecer em funcionamento.
Se, para Cauquelin, o espaço expositivo qualifica a produção, para Bourriaud, o
diferencial da arte contemporânea em comparação à arte moderna é a relação do público
com a obra. Tanto para Cauquelin quanto para Bourriaud o jogo da arte continua, a
autonomia está em aceitar ou não que existe um público que está à margem do campo
artístico. Enfim, o público não especializado participa de fora da rede, o que implica em
duas definições para justificar a realidade contemporânea, a estética e a artística26. A
primeira julga as obras e os artistas e a segunda remete ao campo de atividade da arte
contemporânea. “A estética insiste em valores ditos ‘reais’, substanciais ou ainda essenciais,
da arte.” (CAUQUELIN, 2005, p.82). (grifo no original)
Referências
BOURDIEU, Pierre. A procura de uma sociologia prática. In: ORTIZ, Renato. (org.). Pierre
Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ática, 1994, p.7-36.
______. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 2007.
BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. São Paulo: Martins, 2009. (Coleção Todas as
Artes)
CAUQUELIN, Anne. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins, 2005.
(Coleção Todas as Artes)
26 “O termo insiste na denominação: será considerada artística qualquer obra que seja exibida no
campo definido como domínio da ‘arte’” (CAUQUELIN, 2005, p.82).
111
112
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
113
não são os dois lados de uma mesma moeda, mas o “[...] ineditismo e a própria natureza
do contexto tornam o ambíguo e confuso inspirando tanto anseio como horror de ambos
os lados.” (SANTANA, 2006, p.21). Longe de pretender retirar as sombras e luzes que tais
discussões geram, considera-se interessante refletir sobre algumas relações presentes
em tais diálogos. E como aponta Santana (2006), os dualismos como natureza e cultura,
os abismos existentes na compreensão do humano e sua capacidade de cognição, caso
rompidas as barreiras, possibilitam o emergir de outra compreensão de tecnologia e o
específico da dança em relação com a tecnologia. Assim, aponta-se como o olhar para o
mundo de maneira dual tanto para a tecnologia como para o corpo e para a dança estão
imbricados.
Sabe-se da dificuldade e tensão dessas relações sobre as quais é pautada nossa
educação, que se funda na fragmentação dos conteúdos e da compreensão de ser
humano. A arte e dança na contemporaneidade buscam discutir e também transgredir
as compreensões dualistas sobre corpo e tecnologia. A dança contemporânea, em certa
medida, é realizada em função das características do corpo, corpo esse que se entrelaça
com o que está em sua volta e que permite e estimula a percepção das trocas com o mundo.
Essa relação intensa provoca uma experiência e compreensão de contínua troca entre o
dentro e o fora, desenhando o concreto dançar com o mundo.
114
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
distendido e não de extensão, como McLuhan utiliza, pois transita pela perspectiva do
Embodiment, palavra inglesa que significa incorporação, personificação. Traduzir tal
palavra pode implicar em compreensões distantes dos teóricos que a utilizam, pois carrega
o entendimento de algo que não pertence ao corpo. A relação entre corpo e tecnologia
permeia a perspectiva de não vincular as “[...] partes de um todo acoplada a outra, mas
de uma troca de informação que modifica ambas as partes.” (SANTANA, 2006, p.24). E a
tecnologia, nesta relação com a dança, para Santana, está pautada no entendimento “[...]
de mundo onde todas essas informações faziam parte, não as via de forma desconexas
(2006, p.10)”. Em suas propostas Santana aponta que as tecnologias da cultura digital são,
portanto, discutidas “[...] com o intuito de despi-las da roupagem de super heroínas ou
como estruturas nefastas e voltadas à destruição da humanidade.” (2006, p.10). E considera
o contexto da cultura digital como “[...] processual de um inevitável trânsito entre corpo e
cultura.” (2006, p.11).
As tecnologias permeiam a vida humana radicalmente e a arte neste contexto
“[...] também tem encontrado na tecnologia uma nova fonte para indagações, critica ou
auxilio.” (OLIVEIRA, p.53, s/data). O artista em relação com as tecnologias pode explorar
seu potencial expressivo e os recursos como vídeo, cd-rom, DVD, dentre outras tecnologias.
Elas são exploradas em seu potencial estético e aparecem frequentemente na cena
contemporânea.
Várias são as inovações criativas da cena pela utilização das tecnologias. A tecnologia
é mais um elemento complexificador da cena podendo contracenar com os intérpretes,
assumir a função de cenário e/ou figurinos, potencializar ações interativas, apresentar
ângulos inusitados ao público pela utilização de câmeras, apresentar ambientes externos
por imagens, apresentar desdobramentos para a construção da cena os quais emanam da
união de imagem, movimento e inúmeras dimensões da vida humana.
Considera-se importante ressaltar que, para além de complexificar a cena, a
tecnologia cria outras maneiras de apresentação social para a dança, ampliando os espaços
da dança, transformando a tela e a web em espaços de apresentação social da dança
ampliando diálogos e possibilidades de criação para as artes do corpo.
Entre as inúmeras possibilidades, pode-se analisar as propostas de vídeo-dança nas
quais estão imbricadas as relações de imagem e dança. Propostas estas que apresentam
outra natureza para a coreografia, a qual é realizada na tela, como afirma Wosniak “[...]
o palco se faz tela.” (2006, p.21). Vários autores consideram o vídeo-dança como uma
linguagem híbrida. (WOSNIAK, 2006; OLIVEIRA, s/data), na qual novas relações são
possíveis de se explorar sobre movimento, espaço e tempo por meio das experimentações
com câmeras e edições. Tal linguagem reúne elementos da “[...] dança cênica e do cinema
resultando em um produto diferente de ambos.” (OLIVEIRA, s/data, p.66). Na realização
de um vídeo-dança estão atreladas estratégias estéticas e de composição perpassando o
diretor, operador de câmera, dançarino, editor, coreógrafo entre outras funções.
115
As screen coreography (coreografia em tela) é um processo carregado de
transformações que constroem novos conceitos. O interessante é que a câmera dance com
o dançarino, e que o bailarino se coloque no espaço e no tempo da câmera. Como cita
Spanghero “[...] a câmera muda o olhar do coreógrafo, o corpo do cinegrafista, o olhar do
cineasta, o corpo que dança e a sua reprodução.” (2003, p.35). A profusão nas produções de
vídeo-dança, que iniciaram na década de setenta, vem consolidando espaços de discussão
e mostras, como também seus próprios domínios estéticos. O vídeo-dança se configura
como “[...] injunções tecnoculturais, como uma espécie de simulacro ou extensão do corpo
que dança, o ‘olho’ ou olhar da câmera torna-se uma nova organização corporificada.”
(WOSNIAK,2006, p.22).
As propostas de vídeo-dança podem ser pensadas diretamente para tela como
exemplo da produção M3x3 de Analívia Cordeiro, considerada a primeira dançarina brasileira
a produzir uma vídeo-dança. Analívia teve influência de seu pai, pioneiro de computer art
e de Merce Cunningham de quem foi aluna em Nova York. Ainda a pesquisadora, durante
seu mestrado na UNICAMP, elaborou sistema de notação eletrônica dos movimentos, em
parceria com o engenheiro eletrônico Nilton Guedes. Esse sistema possibilita a escrita
ou notação do movimento humano por meio de uma interface tecnológica, o Nota-Anna,
que objetiva descrever a trajetória do movimento no espaço-tempo, sendo as imagens
analisadas por um programa referente à descrição do corpo na ação. (WOSNIAK, 2006;
SPANGHERO, 2003).
Já na relação de adaptação, ou seja, uma proposta que foi pensada para o palco
e depois adaptada para a tela, podemos citar Rosas Danst Rosas da belga Anne Teresa
de Keersmaeker. Esta proposta ficou, por dez anos, sendo realizada em palco e depois foi
recriada pelo artista multimídia Peter Greenaway. Este certamente é um exemplo que
possibilita extrapolar a questão de registro pela câmera, investigando suas possibilidades
de diferentes ângulos e cortes, ritmos de edição, locação etc. Proposta essa em que a edição
foi estruturada “[...] relacionando-a ao minimalismo da trilha sonora e aos movimentos.”
(SPANGHERO, 2003, p.36). Pelo trabalho de captura e edição se apresentam detalhes da
movimentação e ainda potencializam-se as qualidades de movimentos realizados. Em
alguns momentos o espectador parece que pode acompanhar o percurso do movimento
no espaço. O lugar onde o vídeo foi realizado é apresentado aos poucos permitindo um
desocultar de entre-lugares, relevos e conexões da arquitetura escolhida para o vídeo-
dança ser filmado. A iluminação acompanha o ciclo do dia sendo concluído no escurecer. O
que se pode observar com a proposta é que ela tem suas qualidades especificas para a tela.
Assim, o que se vê em tela não é possível ser visto no palco, pois o vídeo-dança apresenta
as especificidades desta linguagem híbrida.
O caminho inverso desta adaptação fez Merce Cunnigham na proposta Points in
space criada para a tela depois sendo adaptada para o palco. Esta proposta foi criada em
1986 sendo dirigido e filmado por Elliot Caplan. No processo de adaptação para o palco, foi
116
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
excluído um solo que Cunnigham faz no vídeo. As produções de vídeo-dança engendram
investigações pelas relações entre dança/movimento e câmera/tela sendo considerada
uma linguagem híbrida que objetiva investigar “[...] modo de transgredir o uso cotidiano
das imagens ou transcender sua leitura literal.” (OLIVEIRA, s/data, p. 65).
Outra função assumida pelo vídeo está relacionada com o registro de espetáculo, no
qual a captura de imagens é utilizada para guardá-las como memória de trabalhos prontos
ou em andamento. Mediante tal objetivo, a captura de imagem é empregada para ser “[...]
‘exatamente’ como são construídas no palco. O trabalho criativo em torno da linguagem
do vídeo é deixado em segundo plano em detrimento do objetivo de tentar ser o mais fiel
possível ao que passa no palco.” (OLIVEIRA, s/data, p.59). Trata da imagem como registro
refletindo as alterações que a fotografia e depois o cinema ocasionaram na relação do ser
humano com a realidade, o espaço e o tempo. Desta maneira a dança, que historicamente
é uma arte efêmera, pode pelo registro em vídeo deixar registro de suas execuções, ou
seja, o vídeo de captura de imagem “[...] é como instrumento de extensão da memória do
espetáculo.”(OLIVEIRA, s/data, p.59) que pode ser utilizada por pesquisadores, intérpretes,
críticos, enfim, por pessoas interessadas em tal produção.
Na sequência, são apresentadas algumas reflexões sobre as relações do corpo que
dança com a tecnologia. Perpassando algumas modificações na figura do dançarino as que
podem criar percepções, relações e interações específicas entre os dançarinos, entre os
dançarinos e os espectadores e entre o dançarino e o produto/processo de dança.
117
Consideram-se significativas as produções do Grupo Corpos Informáticos de
Brasília, que realiza propostas relacionadas com presença e telepresença na linguagem
artística performance. Seus experimentos já utilizaram telefone e hoje utilizam entre outros
recursos a rede mundial de computadores. Uma questão interessante nas produções do
grupo Corpos Informáticos de performance em telepresença ou teleperformance são as
discussões sobre a presença, ou seja, uma presença paradoxal, porquanto para acontecer
exigem “alguma presença, pois de fato, há presença da imagem do outro, ainda que esteja
ausente. Então, estamos falando de uma presença paradoxal, permitindo uma imensa
tensão entre proximidade e ausência do pai do discurso.”(MEDEIROS, 2009, p.200)(grifo no
original). A complexidade da produção gera discussões importantes para a produção artística
como a questão da autoria que aponta como “[...] um coautor ausente, modificando as
ações então realizadas” (2009, p.201). O grupo Corpos Informáticos ressalta a possibilidade
da tecnologia ser utilizada potencializando a relação humano-máquina-humano, ou
seja, o interesse está voltado para o diálogo, a relação entre os seres humanos no qual a
tecnologia vem como uma possibilidade de ampliar essas ações ou como maneiras outras
dessas relações acontecerem. O corpo dialoga com imagens de corpos e nessa relação a
performance é feita.
O grupo extrapola a questão da imagem e tem como foco a rede mundial de
computadores como meio para a arte performance que engendra a geração de subjetividade
por meio da arte. Ou seja, objetiva a partir de um trabalho colaborativo “[...] a transmissão
em tempo real de imagens em movimento e de sons, gravados ao vivo e transmitidos,
simultaneamente, para diversos pontos da rede, podendo ser assistidos nestes pontos, mas
também podendo receber de cada um deles ao mesmo tempo.” (MEDEIROS, 2009, p.202).
Dessa troca de informação, dessa busca pelo outro, dessa ausência presença emerge
desdobramentos para o corpo. A tecnologia transforma a arte e a figura do corpo nessa
arte, possibilitando o desocultar de outras poéticas. O corpo se transforma, reorganiza-se,
reconhece-se e se olha pelas possibilidades tecnológicas.
Transitando por estes desdobramentos do corpo e as potências da imagem do corpo
na relação com tecnologia, cita-se a proposta Ghostcatching, considerada uma instalação
virtual de dança. Este certamente é um trabalho importante que marca as relações entre
dança e computação gráfica. Para a realização da proposta foi utilizada a captura de
movimento, a motion capture, que foi organizada por Paul Kaiser e Shelley Eshkar- artistas
digitais da Riverbed Group - e o dançarino Bill T. Jones, que dançou no escuro: “[...] oito
câmeras capturavam o sinal de sensores de luz (light-sensitives) atachados em 22 pontos de
seu corpo. Foram 40 sequências de movimento, inspiradas em pinturas do artista plástico
Keith Haring.” (SPANGHERO, 2003, p.44).
No computador as imagens foram convertidas em arquivo tridimensional e “[...]
transformadas numa figura bípede através do Biped […] uma ferramenta sofisticada para
traduzir o movimento humano. A anatomia é então recriada por formas geométricas
118
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
modeladas no computador. Renderizados, os corpos de Ghostcatching se situam entre
rabisco e raio X.” (SPANGHERO, 2003, p.44). Em Ghostcatching parece que se dilui a imagem
de corpo que estamos acostumados a ver, sendo essa ampliada em sua compreensão,
pois em sua dança os movimentos deixam rastros de permanência no espaço, “[...] linhas
e densidades sozinhas são indicadores de músculos e ritmo. Como se toda a tecnologia
pudesse revelar as pinceladas que o corpo humana fabrica ao dançar.” (SPANGHERO, 2003,
p.44). A efemeridade da dança é transformada até mesmo na ideia do movimento do
dançarino. Com a tecnologia, materializa-se a potência de pensar o corpo interagindo no
espaço criando seus rastros. Em alguns momentos a quantidade de rastros é tão grande
que espectador é convidado a adentrar nestes rastros, como que procurando o que está
acontecendo, naquele instante, na dança apresentada.
Parece existir um jogo entre o aparecer e o desaparecer dos corpos. A relação com a
computação gráfica possibilita que o corpo se multiplique e se amplie. Alguns momentos o
deslocamentos por linhas deixam a ideia de movimentos, como se o rabisco materializasse o
movimento e deixasse o espectador atento ao deslocamento e desenhos do corpo no espaço.
Os sons dos rabiscos e o som da respiração convidam o espectador a perceber o esforço
do dançarino em cena. O uso da tecnologia aproxima o espectador do bailarino, como se
o espectador em alguns momentos estivesse muito perto do dançarino, já que materializa
o esforço, a relação com espaço, a respiração, os sons do dançarino. O espectador procura
o dançarino frente a seus rabiscos no ar e sente sua presença ao escutar sua respiração. A
tecnologia transforma a relação do espectador com o corpo que dança aproximando-o de
outra maneira. Tal relação pode ressaltar características que nem sempre são alcançadas
pelo espectador ao assistir as danças em palcos e outros espaços. A tecnologia convida para
novas percepções pelas quais o corpo do espectador e do dançarino podem se transformar.
Algumas considerações
119
funcionar como distensões do corpo. Tais relações possibilitam diferentes registros corporais
dos dançarinos emergindo outras maneiras de abarcar suas relações com o espaço e com
as qualidades de movimento.
A arte e o específico da dança, dialoga com o mundo a sua volta. Presentes, na cena
contemporânea para além do corpo que dança há o corpo na dança que dialoga, relaciona-
se e promove outras formas de manifestação artísticas.
Cada produção que se propõe a transitar pelas mediações tecnológicas traz
diferentes possibilidades para este diálogo como também diferentes compreensões sobre
tecnologia. Ivani Santana em suas propostas de dança com mediação tecnológica não
compreende a tecnologia como algo espetacular, mas como mais uma possibilidade de
investigação contemporânea. Já nas propostas do Grupo Corpos Informáticos se percebe
que a tecnologia promove ampliar as relações de subjetividade entre os seres humanos.
Das relações com o cinema emana a utilização de vídeos na cena contemporânea
como projeções sendo filmadas simultaneamente ou não, propostas de vídeo-dança que
é uma linguagem híbrida em si. Muitos espaços hoje são habitados pela dança, novos
produtos artísticos são criados e recriados engendrando investigações e conceitos que
transitam pelo cinema, pela informática, pela engenharia, pela computação gráfica e pela
dança. O palco da dança se modifica como apontam Wosniak, Spanghero e Oliveira sendo
ele a internet, o vídeo, a televisão, a rede mundial de computadores, etc.
Nestas propostas a dança desoculta as possibilidades de relação do corpo com
as tecnologias contemporâneas, fazendo aparecer novas linguagem, novas maneiras de
registros, novas maneiras de compor enfim novas maneiras do dançarino se relacionar com
o mundo.
Referências
SPANGHERO, M. A dança dos encéfalos acesos. São Paulo, SP: Itaú Cultural, 2003.
VAZ, A. F.; SILVA, A. M.; ASSMANN, S. J. O corpo como limite. In: CARVALHO, Y. M. de; RÚBIO,
K. (orgs). Educação física e ciências humanas. São Paulo: Hucitec, 2001, p. 77-88.
120
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Para Carmean, o ponto crucial para tal afirmação é quando Pollock assiste a projeção
de um filme de Hans Namuth sobre a sua pintura Numero 29 (sua única obra sobre vidro).
Então, segundo o script de Carmean “Pollock decide embarcarse durante un año en la
realización de una serie de pinturas figurativas de temática religiosa, concebidas como
cartones para vidrieras.” (KRAUSS, 1996, p. 242).
Rosalind Krauss, em seu texto, guia-nos pelo raciocínio do autor até que, em certo
ponto, começa a mostrar as manobras desse autor para corrigir o equívoco da arte abstrata.
29 Arte-Educadora, Mestre em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC,
com especialização em História da Arte pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
121
Com esses termos, é possível perceber certa ironia da parte de Krauss, porém, muito sutil.
A leitura dos textos dessa autora, em sua maioria, parece-nos favorável ao argumento, seja
de um crítico ou historiador de arte, até mostrar todos os fatores e conclusões sobre o que
realmente acredita. Há que se admirar tanto os artistas que escolhe para o debate, neste
caso Jackson Pollock, quanto a trama argumentativa que sustenta seu repertório. Como o
que acontece desde o início desse texto.
Rosalind Krauss não acredita na distinção entre o historiador de arte e o crítico de
arte:
[…] esta distinción entre El crítico y El historiador, sin embargo, es
relativamente falsa. [...] No podemos afirmar, por tanto, que ‘temáticas’
diferentes separen dos funciones distintas, la del crítico y la del historiador,
ambos comparten las mismas ‘herramientas’ en la medida en que las
nociones fundamentales acerca de los fines de las obras de arte, de lo que
significan, de las concepciones de significación y referencia en las que se
basan, les afectan por igual y al mismo tiempo. (KRAUSS, 1996, p. 237-
238).
Como primeiro argumento contrário a Carmean, sobre a ideia de figuração nas obras
de Pollock, Krauss em um parágrafo resume e invalida o ensaio do autor:
A decir verdad, creo que esta interpretación de una serie de pinturas de 1951-
52 falsifica los métodos de trabajo de Pollock. Creo además que la imagen
de la colaboración entre Pollock y Smith que plantea Carmean también
desvirtúa el arte de Smith – no sólo sus aspiraciones arquitectónicas, sino
también su apasionado compromiso con la abstracción de sus colegas,
compromiso que pronto se reflejaría en sus propias obras. Además, tengo
la sensación de que la idea de método histórico que tiene Carmean – que
los acontecimientos deben ser ‘explicados’ por ‘causas’ – es errónea, y
que es necesario examinar este problema metodológico para comprender
la inadecuación entre la forma del argumento y la forma en que se
produjeron los hechos. Por último, creo que la noción de temática de
Carmean tal como se desarrolla en su argumentación, contribuye – quizá
sin pretenderlo – a aumentar la confusión que rodea al arte abstracto del
siglo XX en general, y al expresionismo abstracto en particular. (KRAUSS,
1996, p. 240-241).
Como prova para sua argumentação, Krauss cita a carta de Pollock a Afonso
Ossorio em 1951 (uma semana antes de Pollock ver o filme de Namuth), na qual o artista
afirma já estar desenhando em preto, reelaborando suas primeiras imagens; além de ser
também, uma resposta a três anos de acusação de suas obras como decorativas: “[...] una
malinterpretación de su obra que irritaba especialmente al pintor, ya que la ‘temática’ había
sido una preocupación constante a lo largo de su carrera.” (KRAUSS, 1996, p. 243).
Assim, sabendo que as pinturas em preto e branco de Pollock foram começadas
antes que ele visse o filme e, também por não serem distantes ao restante de sua obra, já
inviabiliza a teoria de Carmean. Ainda mais quando ele cita a respeito da maquete da igreja
feita por Smith em que, segundo Krauss, não aparecem as tais janelas. A causa técnica
122
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
de Carmean (as linhas negras formam a janela) e a causa temática (a imagem cristã) são
combatidas por Krauss, que usa as próprias palavras de Pollock para anular a ideia que
Carmean coloca: que as obras de Pollock foram influenciadas pelas obras de Picasso: “El
artista trabaja con el espacio y el tiempo, y expresa sus sentimientos en vez de ilustrarlos.
[…]. No a los bocetos.” (KRAUSS, 1996, p. 244-245).
Podemos perceber, ao observar a obra Crucificação30 de Picasso, ao lado da obra
Número 1431 de Pollock, chamada por Carmean de Lamentação, que a relação que esse
crítico levanta sobre a obra de Pollock vai ao encontro com o senso comum, ou como
Newman classificava, com a maioria das pessoas, que precisam de uma descrição da
imagem e entendem que a obra é o que se consegue descrever. Foi dessa maneira que
Pollock sofreu com as críticas que consideravam sua obra como uma mera decoração; e não
somente ele, mas vários artistas abstratos da época.
Na busca pela descrição da obra, Carmean usa como recurso encontrar imagens nos
contornos de Pollock e tenta relacionar seus traços, de forma visual, aos de Picasso. Porém,
Picasso não esconde as figuras em seus trabalhos, ao contrário de Pollock. Pela afirmação
de Carmean, poderíamos dizer que o artista estaria camuflando suas figuras, o que não
só seria contraditório ao objetivo dito como religioso, como também minimiza as leituras
possíveis das obras de arte.
Desta maneira, como exemplo da utilização do método histórico de Carmean,
poderia aqui mencionar a obra abstrata de Helena Wong, artista plástica de origem chinesa,
porém naturalizada brasileira, como tendo sido baseada na action paint de Jackson Pollock,
pela semelhança do traçado no resultado final. Isso limita o trabalho de Helena a um
determinado método, esvaziando toda a possibilidade interpretativa da obra em questão.
Da mesma forma, poderia dizer que, o fato de Helena Wong deixar de fazer pinturas
figurativas foi devido a um ideal abstrato baseado em Jackson Pollock, e também que seus
primeiros traços abstratos foram pensados a partir da obra Número 132 deste artista. Tudo
isso com o argumento, ou seja, causa única, baseada em uma entrevista da artista, cedida a
um jornal local, em que Helena Wong cita sua apreciação pelo trabalho de Pollock.
123
Fig. 1 - Helena Wong, Primavera II, 1965. Óleo sobre tela, 100x120.
Fonte: Acervo Museu de Arte Contemporânea do Paraná.
A comparação visual limita a uma abstração pela abstração. Quando Helena Wong
fala da incompreensão da arte abstrata, já se refere, de certa maneira, a essa relação de
descrição da obra; pois, o que dizer ao olhar a obra de Helena Wong? Tentar encontrar
as flores, baseada no título da obra, Primavera II, ou dizer que é uma mimese da obra de
Pollock? É possível confrontar esses dois trabalhos de alguma outra maneira?
A princípio, prosseguiremos com Krauss e com seus argumentos que vão contra a
ideia de Carmean:
Pero la predisposición de Pollock a realizar una serie de grandes pinturas
abstratas y contribuir con ellas a un futuro conjunto eclesiástico no
justifica suficientemente la tesis de Carmean. De hecho, la idea que
tenía Smith de una arquitectura basada específicamente en la particular
luminosidad y espacialidad de las abstracciones clásicas va en contra del
tipo de intervención figurativa que Carmean atribuye a Pollock. (KRAUSS,
1996, p. 249).
124
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Dessa forma, Krauss, tendo em vista o olhar de Carmean sobre as obras de Pollock,
nas quais encontrou todo um equivalente visual para sua concepção, começa seu novo
discurso a respeito da temática na arte abstrata. Primeiramente mostra o próprio incômodo
que Pollock sofreu por, no ideal comum, parecer não ter a dita temática, levando assim, sua
obra a ser considerada como pintura decorativa. O maior erro que Krauss aponta é que as
pessoas reduzem a obra a uma descrição; e a temática ao que se descreve. Assim, para
provar que abstração e temática não são vertentes contrárias, a autora explica que a obra
abstrata pinta na verdade o nada, e este nada, como no caso de Malevich e Mondrian, que
seguiam os passos de Hegel, era pintar o ser “[...] una vez desprovisto de toda cualidad
que pudiera materializarlo o limitarlo de alguna manera” (KRAUSS, 1996, p. 253). Porém, a
autora pergunta: como se pinta o nada? Ao que responde que isso é um jogo de oposições,
uma estrutura binária que vai além da mera descrição. Portanto, na obra de Pollock a
temática resultante “[…] es la unidad provisional de la identidad de los opuestos.” (KRAUSS,
1996, p. 255). Deste modo, a linha que se opõe à cor agora se converte em cor, e assim, com
todos os elementos da obra.
125
de cores mais vibrante e até mesmo violenta. Porém, reafirmou-se dizendo a respeito de
seu trabalho: “Eu sou a mesma em qualquer fase [...]. quem conhece meus trabalhos,
reconhece-me em qualquer fase, pelas linhas e ritmo que mantenho, tanto no figurativismo
como no abstracionismo.” (WONG, apud MURÁ, 1968, p. 4).
Esse reconhecer-se que Helena cita - que no seu caso está no grafismo oriental
e na obra de Pollock está nos contornos - é o gesto. E este gesto não se dilui, pode se
reestruturar, mas diluir-se não. Retomando a questão acima, a respeito da obra de Helena
em relação à obra de Pollock, tomemos como apoio outro texto de Rosalind Krauss, do livro
El inconsciente óptico, no qual descreve procedimentos de Max Ernest, Marcel Duchamp,
Eva Hesse, entre outros, como o caso, novamente de Jackson Pollock, que se aproximam
de um certo ilusionismo. Uma arte que termina no olho, expressando, como diria Georges
Bataille, a fetichização modernista da visão, uma experiência sem objetos e sem conteúdos.
Nesta opção, antirretinal, o estímulo não está fora, mas dentro do corpo, no inconsciente
óptico.
Dessa forma, pensando a respeito da ideia do inconsciente como lugar de onde
resgatar a figura, a busca de Pollock, segundo Krauss, era encaminhada para exercer
violência com a imagem, das quais são frutos os gotejamentos. Esse inconsciente está
também no trabalho de Helena e faz certa analogia com a obra de Pollock, pois segundo
Krauss, o emaranhado nas obras elimina a figura, porém, operando de maneira mais global
sobre a ideia de organicidade da forma humana, “[...] sobre el modo en que la composición
puede hacer análogas la totalidad de la forma humana y la coherencia arquitectónica de la
pintura.” (KRAUSS, 1997, p. 277). Helena Wong, por meio de seus grafismos, vai sumindo
com a imagem real cada vez mais, deixando vir à tona essa organicidade da forma humana.
Fig. 2 - Helena Wong, Desenho I, 1965. Desenho – nanquim sobre papel, 70x99,5 cm.
Acervo MAC. Arquivo Pessoal
126
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
Fig. 3 - Helena Wong, Sem título, 1961. Gravura sobre papel. 47x66 cm.
Acervo: Coleção da autora. F Arquivo Pessoal
Observando as obras: Desenho I (fig. 2) e Sem Título (fig. 3), ambas de Helena Wong,
nota-se o processo de diluição da forma. Creio que, da mesma forma que Pollock usou
a numeração para seus títulos, para se livrar do equívoco da descrição, Wong usa esse
recurso para denominar suas obras, a exemplo da obra intitulada Desenho I, que mostra a
preocupação da artista com a descrição de seu trabalho. Isso porque, como observa Krauss,
a par da opção visual em que se desenvolveu a via antióptica, assistimos a uma queda
da preponderância da luz e da visão e ao aumento da importância de outros estímulos
e respectivos sentidos, como é o caso da arte de ação de Pollock, que usa todo o corpo
como estímulo para a produção da obra. Assim, podemos fazer novamente uma relação
com a artista Helena Wong, que também com estímulos do corpo, engendrava sua obra
empregando seu gesto todo singular, mesmo de maneira mais retraída devido à fragilidade
física desenvolvida pela artrite reumatoide. E, se as obras dos gotejamentos de Pollock
indicam como a obra foi pintada, segundo Krauss, indo contra a verticalidade da pintura, na
obra de Helena é explicito o uso tradicional da pintura de cavalete, visto a sutileza do traço
caligráfico, extrapolando, porém, os limites da arte acadêmica.
As obras de Helena Wong possuem uma leveza aparente, traços leves em grafismos
ornamentais, um equilíbrio perfeito na composição e na gama de cores. As pinceladas são
justas, sem hesitação, sem perda de ritmo, sem procuras vazias de matéria, e eis então
que a preocupação da artista está em transmitir “[...] a poesia, a força, o mistério; enfim,
toda a complexidade que encerra a alma humana.” (WONG apud VELLOSO, 2005, p. 05).
127
Do mesmo modo transcendental da descrição, Pollock queria fazer visível “[...] la energia y
el movimiento” e caracteriza sua obra como “recuerdos detenidos em el espacio.” (idem)
O que Rosalind Krauss realmente propõe em seus textos é o olhar para a obra, o
confrontar-se com ela, e aí então o relacionar da obra, este que vai acontecer a partir da
própria estrutura da pintura e não apenas de considerações biográficas do artista ou a
causa única. Opondo-se a uma tendência que pode ser observada em textos de outros
pensadores, como é o caso de Carmean, Rosalind Krauss não procura estabelecer o que é
único, o específico da obra. Para a autora, a estrutura da obra é que permite a realização da
descoberta, transformando-a em objeto teórico, por meio do qual podemos pensar a obra
de arte de determinado artista em relação às outras obras.
Referências:
VELLOSO, Fernando. Helena Wong trajetória de uma paixão. Curitiba: MON, 2005.
128
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
ANEXO
129
explorar, tocar, criar/improvisar com os sons produzidos por objetos sonoros/instrumentos:
paredes, portas, janelas, mobília, cadernos e livros, bolsas/mochilas, papéis e plásticos,
voz/aparato vocálico, sapatos, piso, chaves, canetas, etc.. A sala de aula, antes uma rígida
ausência de instrumentos musicais, passa agora a apresentar uma insuspeitada, abundante
gama de sons, um surpreendente espectro tímbrico, dinâmico, de duração e altura.
Agrega-se a esta criativa instrumentália a construção e coleta de objetos sonoros,
parametrando-se rigorosamente esta proposta pelo princípio de que estes produzam as
propriedades do som com versatilidade e um mínimo necessário de técnica de produção
de som.
No estágio inicial de módulos da OLM a Acoplagem da Psicomotricidade ao Som é
sistemática e ludicamente abordada. A linguagem corporal é acoplada às propriedades do
som: diferentes gestos são deflagrados pelo timbre, dinâmica, altura, duração, segmentos,
motivos e células. O corpo enquanto extensão aural.
A OLM investiga os processos de Escutas Diferenciadas no segundo estágio,
um extenso trabalho com a Acuidade Auditiva, Memória Sonora, Imaginação Sonora,
desenvolvendo o Ouvido Interno, estimulando concomitante o Processo de Criação.
Os participantes de uma OLM são convidados a exercer a sua Acuidade Auditiva:
interagir/perscrutar auditivamente a Ambiência Sonora local – diversidade tímbrica, de
dinâmica, duração e altura; volume, espacialidade; focar a escuta em sons – enquanto
ouve o todo/focal, desfocar absorvendo o entorno/periférico, mapear horizontes sonoros
de escuta; percepção musical.
A imersão na Memória Sonora é o próximo segmento: é sugerido lembrar-se de
sons significativos, revisitando a memória afetiva sonora e sua temporalidade: vozes de
amigos/parentes, eventos/momentos passados; sons de ambiências: residencial, trabalho,
lazer, dia/noite; fragmentos de músicas, etc. – e então reescutá-los tão vividamente que
eles se integram ao envelope sonoro presente.
A Imaginação Sonora abarca o imaginar sons do cotidiano – buzinas, passos,
assovios, abrir e fechar de janelas e portas, etc. – e complexas formações/sequencias de
sons e partituras – o som imaginário sempre tão nitidamente escutado que se mescla ao
contexto sonoro local.
A Familiarização com a Produção Musical Atual complementa este estágio envolvendo
a audição/escuta diferenciada de obras, debate, leitura de partituras. No nível básico da
OLM são apresentadas obras com pesquisa de linguagem de compositores brasileiros; nos
próximos níveis amplia-se o escopo, mesclando-se a produção estrangeira com a brasileira,
outros períodos e vertentes.
O estágio intermediário aborda os tópicos programados para o nível do público: fontes
sonoras da sala de aula, produção do som, ruído/som/silêncio/nota musical, propriedades
do som, registros em notação oral/gráfica híbrida, etc. – são explorados experienciando o
som, produzindo-o, improvisando e então refletindo, debatendo e conceituando sobre a
prática.
130
ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
O Processo de Criação – último estágio - é elaborado por atividades desenvolvidas
com os tópicos programados para cada OLM, resultando em sequências de sons que são
engendradas/executadas coletiva e/ou individualmente, registradas com Notação Gráfica
Híbrida (gráfica/textual/tradicional). Objetos sonoros e instrumentos tradicionais são as
fontes sonoras utilizadas neste estágio.
O prazer de criar, explorar, fazer Arte, o emprego da interação espelhada na música
de câmara, a construção da cidadania e civilidade compõem a intensa dinâmica de grupo
que aglutina e propele o processo pedagógico da OFICINA DE LINGUAGEM MUSICAL.
A OLM é regularmente oferecida no Conservatório Brasileiro de Música/Rio de
Janeiro, nas áreas de Educação Musical, Musicoterapia, Composição, nos Seminários de
Música ProArte - formação de público (adulto e infantil) e professores e instrumentistas,
bem como nos circuitos universitários e de instituições culturais em projetos de âmbito
nacional.
A OLM se alicerça e extrai o seu contínuo espiralar do processo de Educação do
princípio básico do experienciar o processo de criação, da firme e inabalável premissa da
natureza humana ser criadora, da espécie humana ter como natureza o ato de criação.
Revisitando o sempre presente e sempre futuro poeta/visionário Marshall
McLuhan que mergulha na mais radical mudança deste século - a era elétrica, eletrônica,
a velocidade da luz - com uma visão tão profunda e pertinente que hoje em dia chega a
tangenciar a clarividência: “[...] eu comecei a me dar conta que os grandes artistas deste
século descobriram uma abordagem completamente diferente, embasada na identidade
dos processos de cognição e criação. Eu me dei conta que a criação artística é o contínuo
retorno e releitura da experiência comum, ordinária - da sucata para a obra de arte. Então
deixei de ser um moralista e me tornei um estudante [...]”
Entendemos que ao propor o Processo de Criação da linguagem musical experimental
e tradicional como mola mestra da sua abordagem a OLM realiza uma pedagogia que se
embasa na produção artística do século 21, desenvolvendo e elaborando a invenção tão
necessária nestes tempos de mecanicismo informático.
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ARTE, ATUALIDADE E ENSINO
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