Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Você já recebeu aquela visita indesejável, que não tem um mínimo de semancol?
Chega para bater papo exatamente na hora em que a seleção brasileira de futebol acaba de
entrar em campo para disputar uma partida da copa do mundo contra a Argentina, ou no
momento de passar o último capítulo da novela, ou na véspera da data fatal da entrega da
declaração do imposto de renda, em que a papelada está toda sobre a mesa.
E sem o mínimo de escrúpulo ainda comenta:
- Se tem uma coisa que detesto é futebol, não sei que graça vocês acham em ver 22
marmanjos correndo atrás de uma bola.
- As novelas são todas iguais, se assistir ao primeiro capítulo já sabe como vai
terminar.
Ou:
- Por isso que faço a declaração logo no começo, quando chega no final do prazo já
estou tranqüilo.
Chega, sem preocupações com cerimônias, vai abrindo a geladeira, pegando uma
cerveja, dá uma resmungada porque ela não está tão bem gelada e passa a encher a
paciência de todo o mundo com relatos de doença da família ou da sua última viagem à praia
(grande!). Fala dos filhos, dos outros, porque os seus só merecem elogios, pois são os mais
inteligentes, preparados e injustiçados; comenta sobre o último crime, ocorrido há um mês,
que a imprensa noticiou exaustivamente todos os dias, como se fosse a maior novidade do
mundo.
Você é educado, não tem o que fazer a não ser cruzar e descruzar as pernas, tentar
mudar de assunto, falando do jogo que está duríssimo, da novela, pois estão para revelar
quem é o assassino, ou do imposto de renda, dizendo que os cálculos não estão batendo e
que faltam documentos. Mas, qual o quê!, é como se você não tivesse falado nada - assim
que faz uma pausa para respirar, ele aproveita o descanso do diafragma e retorna ao ponto e
continua firme, de onde parou, revendo alguns detalhes que havia esquecido.
Último recurso - você vai até à cozinha, põe uma vassoura virada para cima atrás da
porta e joga com os olhos fechados, e muita esperança, três pitadas de sal, implorando que
aquela sujeira se levante e vá perturbar em outra freguesia. Antes de voltar, repete a
operação com outra vassoura e um sal mais grosso, só para garantir o resultado da bruxaria.
E, quando retorna, não acredita no que está vendo: ele está olhando para o relógio e se
levantando. Mas, como desgraça pouca é bobagem e alegria é passageira, o ilustre visitante
vai para o lugar de onde você veio, para a cozinha, pegar mais uma cervejinha, e agora sem
reclamar, pois está, segundo o comentário do especialista intrometido, estupidamente
gelada.
Você pode estar pensando que eu não tenho pulso firme e que a minha personalidade
é frágil e por isso fico agüentando esse tipo de mala especial. Posso garantir que de maneira
geral sou firme. Falo o que precisa ser dito, sempre procurando evitar bicos, de maneira
diplomática, mas falo. Mas nem todas as malas são iguais, algumas são feitas sob medida ,
personalizadas. Falo destas que não dá para espantar. Há questões familiares envolvidas,
que, se forem tocadas, ressuscitam uma penca de gerações, prontas para se vingar do
ousado pecador, ou então são casos de passado de solidariedade que não podem ser
melindrados. Enfim, não tem jeito, é preciso ser forte, resignado e agüentar.
Se você está pensando que existe uma regra infalível que mostre como é que se livra
desse tipo de gente, sem deixar seqüelas, se enganou. Eu também estou à caça dela.
Mas também não vou dar uma de Oswaldão. Oswaldo é o nome do meu barbeiro.
Simpático, cheio de prosa. Não é daqueles que, quando pergunta como é que você deseja o
corte, sua vontade é dizer:
- Em silêncio.
Uma vez, entretanto, ele deu uma derrapada feia. Começou contando a história de um
filme a que tinha assistido na noite anterior - é evidente que não perguntou se eu tinha
assistido ou não, esses detalhes insignificantes são sempre dispensados - e eu fui ficando
interessado no seu relato, muito curioso para saber como é que tinha terminado. Em
determinado momento fez uma pausa, que foi se prolongando demasiadamente, e quando a
minha ansiedade ultrapassou o limite do silêncio, perguntei:
- E aí, Oswaldo?
- E aí o quê?
- Como foi que terminou o filme?
- Ah, rapaz, sabe que chegou uma hora que eu estava com
tanto sono que acabei apagando.
- E como é que você tem coragem de contar um filme que não
tem fim?
- É só para passar o tempo.
COMO SE DESPEDIR
Nem sempre, entretanto, as visitas são chatas. Algumas podem mesmo ser
agradáveis e marcantes.
Depois de permanecer como visitante em um local onde precisou desenvolver um
trabalho, fazer uma pesquisa, participar de um curso, ou até a passeio, ao se despedir, tendo
oportunidade, e julgando a circunstância conveniente, poderá fazer um pequeno discurso
para marcar de maneira positiva a sua passagem.
De maneira geral, as pessoas já sabem quando alguém está partindo - não só sabem
como às vezes até estão vibrando com aquela despedida. Mas não é desse tipo que
estamos falando, e sim de você, que fez com que sua passagem fosse muito marcante.
Pelo fato de as pessoas, provavelmente, saberem que você irá partir, evite dar essa
notícia como se fosse uma grande novidade. Use o recurso de demonstrar que apenas está
comentando um fato já conhecido. Por exemplo:
- Como todos sabem, hoje é o dia da minha partida e eu infelizmente estou me
despedindo de vocês.
Esse tipo de introdução é muito eficiente para essas circunstâncias, porque, além de
conquistar a simpatia dos ouvintes pela demonstração sutil de estar entristecido pela partida,
serve também como proposição, informando qual é o assunto que está sendo tratado.
Uma boa forma de falar sobre seus sentimentos e a experiência que teve com o grupo
é dizer como foi que chegou àquele local, como foi tratado pelo grupo e o que está sentindo
na partida.
Como chegou àquele local
Fale do seu sentimento ao chegar àquele local. Você estava feliz, porque sempre
tivera muita vontade de participar daquele grupo? Estava com medo, porque havia recebido
informações negativas sobre eles? Ou estava revoltado, porque foi obrigado a deixar amigos
queridos em sua cidade natal?
Não importa que o sentimento tenha sido negativo, porque depois irá dizer que
recebeu um bom tratamento das pessoas e mudou a opinião.
Como foi tratado pelo grupo
É evidente que irá dizer que foi tratado com muita gentileza e amabilidade por todos.
Mesmo que tenha passado por alguns dissabores. Até porque dificilmente reconheceriam
que não o consideraram bem, e também porque esse não é o momento mais apropriado
para tocar nesse assunto.
Imagine, por exemplo, que tenha sido contratado para ser o diretor geral de uma
empresa. Só que, ao chegar, fica sabendo que três outros diretores, formados na própria
casa, estavam há muito tempo aguardando a chance daquela promoção, mas, em vez deles,
a empresa preferiu trazer você, um estranho, para ocupar a função. Que tipo de ambiente
julga que estaria encontrando? Sem dúvida que seria o mais hostil possível. Enfrentaria
constantes críticas e, provavelmente, seria boicotado sem receber informações que o
ajudassem no trabalho.
Entretanto, no momento da partida, não levaria em conta esses fatos, dizendo que
havia convivido em um ninho de cobras. Diria, sim, que conviveu com profissionais que
nunca se acomodaram nas suas posições e que sempre procuraram o desenvolvimento e o
crescimento pessoal. Por causa dessa atitude você também foi obrigado a se aprimorar
sempre, para continuar merecendo o cargo para o qual foi contratado. E que todos se
beneficiaram com essa competição sadia: a empresa, que pôde ter profissionais mais bem
preparados no seu quadro, e eles, que estavam também em melhores condições para
enfrentar o mercado, cada vez mais competitivo.
É natural que, depois de ter convivido com pessoas tão generosas e amáveis, no
momento da partida diga que está triste em ter que se separar daquele grupo.
Mas, como é que alguém pode dizer que está triste em ter que sair de um lugar, se,
ali, naquela pequena empresa, como gerente, ganhava só dois mil, e estava indo como
diretor de uma multinacional, ganhando vinte e cinco mil, carro com motorista e até elevador
privativo para chegar ao escritório? É claro que ele não estaria aborrecido com a promoção,
e sim chateado por ter que deixar as pessoas, que passaram a ser tão caras para ele.
Ao dizer quais os motivos da sua partida e que tipo de expectativa tem para o seu
novo destino, estará se aproximando ainda mais do grupo, pois essa é uma atitude que, de
maneira geral, temos com os amigos mais íntimos, quando estamos nos despedindo de
algum lugar. Você não chegaria para o seu amigo e diria simplesmente que estava de
partida! Com certeza, diria também por que estava saindo e o que pretendia fazer naquele
local.
Se estiver voltando para casa, poderá dizer que retorna para rever a família; se estiver indo
para uma outra organização, poderá dizer que irá enfrentar um novo desafio profissional; se
estiver retornando para a empresa, depois de um curso prolongado, ou de uma pesquisa,
que também consumiu um bom tempo, poderá dizer que volta às suas origens para pôr em
prática o que aprendeu, ou encontrou.
Observe que, ao falar o que pretende fazer, estará estreitando ainda mais os laços
com o grupo, pois ao revelar seus planos, é como se estivesse dizendo que não tem
segredos com eles.
Depois de dizer que foi tão bem tratado e de como se sentiu à vontade convivendo
com aquele grupo, ao completar suas novas tarefas e concretizar seus planos, seria natural
mencionar que o seu desejo é o de retornar e continuar convivendo com todos.
Se essa não for uma situação que possa ocorrer, fale de como gostaria de receber a
visita de todos no local onde passará a viver.
Não preciso alertar também para que não diga ao seu anfitrião em Nova York, que o
recepcionou com sua família em sua casa, que pretende voltar breve para uma outra visita.
Provavelmente, ele recorreria ao expediente de jogar as três pitadas de sal na vassoura
virada para cima atrás da porta. Fale sim de como ficaria feliz se ele e sua família pudessem
passar as próximas férias em sua casa no Brasil.
Agindo assim, com simpatia, e envolvendo as pessoas com palavras tão amáveis, sua
presença será sempre muito querida e certamente você não receberá o aviso para não se
esquecer de bater a porta, enquanto o amigo que foi visitar veste, com os olhos mortiços, o
pijama para ir para a cama.
Reinaldo Polito é mestre em Ciências da Comunicação, professor de Expressão
Verbal há 26 anos e autor de nove obras, entre elas: Como falar corretamente e sem
inibições - 98 edições, Gestos e postura para falar melhor - 22 edições e Assim é que se fala
- 18 edições. Seus livros permaneceram dois anos e meio nas listas dos mais vendidos.
www.polito.com.br
Reinaldo Polito
Revista Vencer nº 21