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Em outra vida acho que fui arquivista

Entrevista com Paulo Bruscky realizada por Arte & Ensaios, com Simone Michelin,
Felipe Scovino, Maria Luisa Tavora, Ivair Reinaldim e Ronald Duarte no ateliê deste 
último no Rio de Janeiro, em 19 de junho de 2009.

Simone Michelin Como se deu seu envolvimento com a arte postal? 


Paulo Bruscky A arte correio é uma das coisas mais importantes que aconteceu na minha
vida. Minha trajetória enquanto artista iniciou-se quando entrei em contato com a arte
correio, porque nós já éramos uma internet antes da internet.
SM Quando foi isso? 
PB Eu tinha feito parte do Poema/processo, um movimento integrado não por toda a
América Latina, mas por Uruguai e Argentina. O Poema/processo já contava com publica-
ções tipo envelope que circulavam. Já tinha alguns contatos na América Latina e então
recebi um [correio] de Robert Rehfeldt, que pertencia ao Fluxus na Alemanha, no início dos
anos 70; entrei no circuito bem no início, quando ele começa a estourar no mundo, porque
era o único meio de comunicação não controlado. Hoje é um processo eletrônico, mas fiz
uma pesquisa no Recife, quando participei da Bienal de São Paulo de 1981, com curadoria
do Walter Zanini, que demonstra que era preciso mais da metade da população para fazer 
o controle do fluxo de correspondência que entrava e saía do Recife. É claro que havia
pessoas que eram vigiadas, como eu, que recebiam muita coisa e estavam sempre abrindo
e recebendo muitas correspondências violadas. Rehfeldt é alguém com quem mantive uma
correspondência constante, assim como Edgardo Antônio Vigo (correspondências, aliás,
que estou emprestando para a próxima Bienal do Mercosul), Horácio Zabala, Ken Friedman
e Dick Higgins. Uma coisa engraçada é que quando encontrei algumas dessas pessoas no
exterior, a sensação era de que nos conhecíamos a vida toda pela quantidade de corres-
pondência trocada e pelo fato de que discutíamos sobre tudo, porque a obra na verdade
era a informação. Hoje os colecionadores, as instituições estão correndo atrás da compro-
vação dessa troca de informação, do registro que ficou. Isso foi muito importante, porque
sempre morei em Recife, que é uma cidade isolada. Nunca senti necessidade de sair de lá,
e, como Ezra Pound dizia, você tem que conhecer sua aldeia para depois chegar ao mundo.
E, através desse contato, fui ampliando minha obra e trabalhando o próprio conceito. Arte
correio, na minha vida, na minha trajetória é fundamental.
Felipe Scovino Quais foram seus parceiros? 
PB Tem Simone Michelin. No Rio de Janeiro tem Samaral, que editava um envelope fantás-
Alto retrato,
retrato, 1978  tico chamado Experiências , desde o começo do movimento também. Tem o Almandrade
Fonte das imagens: Paulo Bruscky,
em Salvador e o Leohard Frank Duch que era alemão e voltou há uns 20 anos para lá. J.
arte, arquivo e utopia . São Paulo:
Companhia Editora de
Medeiros, de Natal, que criou um Núcleo de Arte e Cultura. Medeiros e Silva em Natal. A
Pernambuco, 2006 universidade lá foi muito ativa no movimento; o Instituto de Arte de Porto Alegre também.

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SM Lembrei de Bené Fonteles.
PB Claro. Sem dúvida.
SM E como a questão do livro de artista se insere em sua trajetória? 
PB O livro de artista é um meio de trabalho de que gosto muito. Tenho um acervo com
mais de mil livros de artista. Na arte correio, a importância é que você circulava tudo,
incluindo poesia sonora. Você enviava a fita com seus trabalhos, o catálogo era uma fita
cassete. Discos gravados na Europa, objetos, tudo veiculava. E eu aproveitei muito a legisla-
ção questionando a própria burocracia dos correios com algumas intervenções que fiz,
como o envelope de dois metros. É claro que sabia que ia ser barrado, mas fui num horário
de pique à agência, e os correios naquela época fechavam às seis. Às cinco horas fui pelo
Centro da cidade com o pessoal carregando o envelope e uma multidão foi acompanhando
naturalmente. Quando cheguei ao correio, a polícia foi chamada, e eu queria que me disses-
sem por que não podia enviar a carta. A lei do correio modificou por causa disso, porque
não havia um limite de tamanho de envelope. Mandei o envelope para Zabala e para Vigo,
que organizava uma exposição numa galeria na Argentina, e o mesmo foi pendurado com
essa ação sendo projetada sobre o envelope. Fiz uma ação chamada Sem destino, realizada
entre 1975 e 1983, porque a lei do correio diz o seguinte: “se não encontrar o destinatário,
é obrigado a devolver para o remetente”. Nos envelopes havia questionamentos sobre o
governo militar brasileiro e ironias com a própria história da arte. Colocava os envelopes nas
caixas de correio, selava e pedia para os amigos devolverem. Quando viajei para o exterior 
(primeiro para Nova York, em 1981, e depois Europa) continuei fazendo essa ação. Fiz uma
lista em que analisei que grande parte das cartas não foi devolvida, e países democratas
violaram. Comprei um selo na Alemanha Oriental e depositei a carta numa caixa na
Alemanha Ocidental. A carta voltou, mas fizeram um retângulo ao lado do selo, como se
dissessem que o selo era da outra Alemanha. Devolveram a carta para Recife porque atrás
havia o endereço de minha caixa postal.
SM Tinha a questão da cortina de ferro ainda? Não podiam ser trocadas correspondências? 

PB Teve um problema: quando cheguei na Alemanha Oriental, tinha escrito para Rehfeldt
da Itália dizendo que ia visitá-lo; fui bem cedo porque eu não podia dormir, tinha que sair no
mesmo dia, e o último trem era às 24h e então peguei o primeiro trem e, quando cheguei
na estação e liguei, ele disse que não estava sabendo e que não tinha recebido a correspon-
dência. Perguntou se eu tinha o endereço do estúdio dele e eu disse que sim. Fui, me sentei
defronte e daqui a pouco a cortina se abriu. Pensei que ele não tinha chegado ainda, mas ele
fez um sinal e, o engraçado é que a primeira frase que ele disse foi “Você foi preso no seu
país por ser considerado comunista e eu fui preso no meu país por ser considerado demo-
crata, no entanto, mais de 10 anos que temos de correspondência, temos um pensamento
mais ou menos parecido, e no nosso trabalho existe uma identificação também, como fica
isso?” Nossa discussão começou por aí. Ele ligou para os amigos dele, chegou um cara num
 táxi, que era amigo dele, e eu entrei e ele disse que ia depois. Já estavam todos no estúdio
e começamos a beber e a conversar sobre os trabalhos e, na cachaça, me esqueci do
horário. Cheguei 0h20m na estação, e a polícia já estava me esperando, me levaram para
uma sala e me revistaram todo, abriram minha pasta e perguntaram o que era aquilo e eu

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disse que era dos artistas dali e que queria fazer uma exposição no Brasil, então eles disse-
ram que não iam atrasar mais o trem e me mandaram entrar logo... Esse diálogo foi em
consequência de toda essa troca de informações que não tínhamos, e ele é um cara que
 tem um grande acervo. Na penúltima Bienal, aliás, eu passei todas as informações; conheço
 toda a produção do leste europeu, tive contato com todo o pessoal da vanguarda dos anos
70 e também tenho documentação. Cristina Freire foi a Recife, passei todos os endereços e
mostrei o material desse pessoal. Artpool, e na Hungria houve um centro, um dos maiores
do mundo, e György Galánti fazia tudo sozinho. A produção deles é interessante demais;
como era proibido meio de reprodução naquela época no leste europeu, eles sobressaem
na fotografia, na gravura, de uma forma que era a única maneira que eles tinham de fazer,
uma produção maior de múltiplos para poder participar da arte correio. Fiz uma análise da
produção do leste europeu e é de um grafismo fora do comum.
Maria Luisa Tavora Você tem isso escrito? 

PB Estou catalogando meu acervo; não tenho muita disciplina, mas estou organizando, e
meu filho está me ajudando. Já está tudo informatizado. Tenho correspondências com o
Grupo Gutai, com o Murakami e Choi Shozo Shimamoto. Murakami participou de uma
exposição que fiz em 1981. Com o Shozo mantenho contato até hoje. Ele usa a cabeça
como suporte; esteve recentemente em Paris, até me pediu um projeto para a cabeça dele,
e eu mandei, e ficou no Pompidou executando os projetos que enviaram para ele. Certo
dia, passando numa rua perto de onde trabalho, havia uma construção e vi um buraco na
parede que parecia com a cabeça dele. Fotografei e mandei para ele, mas ele passou um
 tempo sem me escrever; acho que não gostou muito da homenagem! [risos]
MLT Seu pai era fotógrafo, russo e fez parte de uma trupe circense. De que forma essas 
características podem associar-se a seu trabalho? 
PB Antes de 1964, as festas eram comuns lá em casa. Vários tripulantes dos navios que
aportavam no Recife seguiam para o terraço de casa e ficavam dançando e se divertindo.
Aquilo me deixava muito impressionado. Desde pequeno eu conhecia uma máquina foto-
gráfica antiga, tipo Polaroid russa, porque papai tinha (até hoje tenho uma). Quando viajava,
e ainda não existia a digital, levava a Polaroid e uma câmera normal. Fazia primeiro a foto na
Polaroid, como experiência. Tenho muitos trabalhos feitos com ela. Papai desenhava e tinha
um restaurante, o Volga, de comida russa. Ele desenhava na própria bandeja. Tinha também
um ateliê fotográfico defronte a esse restaurante. O restaurante faliu, porque em determi-
Fotos do ateliê de Paulo nada hora ele fechava com os amigos russos e ficava festejando. Eu estudava pela manhã e
Bruscky, Recife, 2004 à tarde ia para o ateliê; vivia de castigo, pois fazia muita traquinagem; e, naquela época ele

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Dorsos da Liberdade,
1989

me dava umas fotos 3x4 para ampliar e depois eu colocava na moldura. Os amigos dele
chegavam lá e diziam “vim buscar meu retrato”, pagavam e nem sabiam que era eu que tinha
feito. Eu queria achar um desses retratos ampliados, devem ser terríveis!
MLT Nesse momento começou sua relação com a fotografia, com a arte? 
PB Eu sempre desenhei, nos meus cadernos. A professora estava falando, e eu desenhan-
do, inclusive ela. Fiz uma exposição no corredor na escola. Ela tinha uns peitões, e isso
deu o maior rolo.
MLT A ironia já estava presente. Você é um andarilho cotidiano; o artista circense também 
é um andarilho. Essa experiência teve influência, além da fotografia? 
PB Eu tinha muito contato com o pessoal estrangeiro que era amigo de papai; iam muito ao
restaurante, e eu ficava ouvindo as conversas. Tudo isso teve importância na minha maneira
de ser, de agir, na minha formação.
Também vou buscar coisas na infância... era genial morar em rua descalçada. Outro dia fiz uma
gravura: quando criança, costumava pegar um ferro de construção afinado, que era para fechar 
e aprisionar o adversário com linhas retas; a partir dessa memória, quando eu vi uns papéis
em cima de uma chapa, peguei-os e fui para o ateliê, fiz uns furos com prego e fui para João
Pessoa, no Clube da Gravura tirar cópias; saíram 12 cópias só; eu sabia que ia rasgar. E outros
 trabalhos também vou buscar na infância – esse da capa do meu livro [Paulo Bruscky: arte,
arquivo e utopia, organizado por Cristina Freire em 2006 e editado pela Companhia Editora
de Pernambuco], uma instalação que fiz. A sentinela [Boa Noite], que se botava para espantar 
muriçocas... e eu ficava sentado pela manhã; era bonito, batia um cinza em forma de espiral.
Mamãe ou a menina que trabalhava lá em casa me chamavam e diziam que eu estava atrasado;
e então fiz essa instalação no ano retrasado, chamada Boa noite , na vitrina da Galeria Amparo Paulo Bruscky & Daniel
60, no Recife. Tive até um problema, eu e o fotógrafo, porque ficamos dentro da vitrina Santiago
fazendo as fotos, em vários experimentos, e nos intoxicamos. Fogueira, 1974

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MLT A memória está sempre muito presente em sua obra. Você também trabalha o cotidiano.

SM E o arquivo também.
Ivair Reinaldim E a poesia? onde entra? Ela é uma constante em seu trabalho.
PB Sempre tive mais amigos da literatura do que das artes visuais. Primeiro porque, hoje
mudou um pouco, mas evitava discutir, senão não ia ter mais nenhum amigo de artes. Além da
poesia visual, estou lançando este ano um livro de poesia, que escrevo desde os anos 60,
chamado Fragmentos (Poesia de um artista). Não me considero um poeta; uma vida só é
curta para tudo, você não consegue acompanhar, quanto mais querer ser duas coisas numa
vida só; é impossível. Eu gosto muito de ler poesia.
Ronald Duarte Você e o Erickson Luna, o poeta maldito de Recife, compartilham essa ideia.

PB Conheço toda a turma marginal. Tenho, aliás, um importante acervo da poesia marginal.
Eles são muitos no Recife. O Mercado da Boa Vista é o lugar que eles frequentam, no sábado
pela manhã, além do meu ateliê, que é onde encontro com amigos no sábado, e é sagrado: o
pessoal já vai com a cachacinha, leva poemas, filmes. Eu gosto de estar sempre conversando.
FS Sua obra é muito marcada por um diálogo entre os meios de comunicação, a transitorieda- 
de e isso que estamos chamando de arte. Temos a arte 
correio, depois a fax arte, artdoor, prática da qual você é o 
 pioneiro. E a internet? Como é que você se posiciona frente 
a esses novos meios de comunicação? 
PB Nesse meu livro novo tem uns poemas que chamo de
e-mail art. Há vários anos venho trabalhando isso; é onde
entra a ironia. Quando se começa a trabalhar com o cor-
reio, entram todas essas questões que você levantou: tele-
grama, telex e o fax, que para mim foi uma experiência, feita
com o Roberto Sandoval em São Paulo – ele lidava com
desmaterialização e rematerialização do objeto em qualquer 
lugar. Esse processo, até chegar a internet, é uma
consequência normal. É como o teletransporte: avião vai
ser coisa do passado. Há alguns anos disse ao Newton Goto
em Curitiba durante uma mostra de vídeos: “aproveita e
fica com as cópias do meu filme”, porque, se você trabalha
com meios de comunicação, não deve elitizar seu trabalho.
A Anna Bella Geiger pediu a palavra porque discordou de
mim quando doei os filmes. Ela afirmou que deixaria os
direitos autorais para o neto. E eu perguntei a ela: “o que é
que você tem contra seu neto?” [risos]. Você querer viver 
de direito autoral de filme de artista? Os meios de comuni-
cação sempre me fascinaram por essa abertura, de você
estar informado e ser informado. Fiz jornalismo, sempre tive
emprego paralelo para fazer o que queria, como queria e
onde queria, e nunca submeti meu trabalho a nenhum tipo
de coisa. Nunca procurei crítico nem galeria.

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MLT A propósito, certa vez você disse a seguinte frase: “Hoje a crítica é uma prostituição”.
O que estava querendo dizer com isso? É uma observação geral à crítica? E a que se referia 
como prostituição? 
PB É claro que tem exceções, estou me referindo a 90%. É um táxi, você entra, diz para
onde quer ir e diz quanta grana tem. Você paga a corrida da genialidade de acordo com o
dinheiro que tem. Você diz que quer chegar em tal lugar; ele já tem a mídia junto com ele,
 já está incluído nessa corrida. Então, é muito fácil você ser um artista hoje conhecido através
de um táxi.
MLT Você nessa ocasião chamou a atenção para exemplos de críticos que seriam exceção.
E nomeou Mario Barata. E mais recentemente? 
PB Cristina Freire e Tadeu Chiarelli são pessoas que você não vê muito. Você tem acesso a
catálogos de críticos que não estão preservando o texto, a inteligência deles e estão escre-
vendo sobre fatos que acho que não deveriam escrever.
MLT Que crítica, a seu ver, tem mérito? Assim como você diz que hoje a crítica é uma 
 prostituição, há outra crítica que para você não é prostituída. Como essa procede? 
PB Através de um estudo sério de movimentos, textos, da própria imprensa e publicação de
livros. Destaco o livro Escritos de artistas, organizado pela Glória Ferreira, pois, se o artista
escreve, ele é capaz de fazer um texto mais sincero e objetivo do que a crítica, porque não
 tem floreio. Acho que a contribuição da crítica é se aprofundar mais no que está se fazendo.
Tem uma bibliografia muito pequena no Brasil sobre arte contemporânea. Agora que estão
sendo publicados estudos sobre Flávio de Carvalho, por exemplo, que possui uma impor-
 tância fundamental dentro da arte brasileira. Eu e Cristina fomos lançar o livro em Brasília e
conheci o fotógrafo que viajou com o Flávio. Tenho um livro dele, Experiência número 2 .
SM Só tem a número 2.
FS A número 1 supostamente seria um afogamento simulado na adolescência Ele se lançou 
num lago e quase morreu afogado. Isto ficou muito vivo na memória dele. A Experiência
número 2, a de que você está falando, é a da procissão de São Paulo em 1931. E a  número
3 é o New Look, traje para o verão, de 1956 .

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Seleção de envelopes, PB E tem a número 4 que foi a da viagem à Amazônia que ele fez com esse fotógrafo. Está
década de 1970  tudo documentado. A Cristina expôs no MAC da USP. Penso que a crítica deveria pesquisar 
arquivo Paulo Bruscky  fatos importantes da história da arte brasileira. É claro que não existe uma arte brasileira,
mas o que foi feito aqui no Brasil, artistas que têm importância na produção nacional. Recen-
 temente estava vendo a exposição de Duchamp, no MAM de São Paulo, e encontrei a
Aracy Amaral. Ela me disse que um americano esteve em São Paulo e comprou toda a
correspondência do Duchamp para Maria Martins.
RD Deve ter sido o mesmo americano que comprou a coleção Leirner! 
PB Já não deveria ter sido publicado um livro com essa correspondência? Acho que precisa-
mos investir em pesquisa, ir atrás de coisas que sabemos. Não sou crítico, mas vivo fuçando.
Essa série que a Glória Ferreira está fazendo junto à Funarte é importante: estudar os
núcleos como o NAC da Paraíba, que contou com o Antonio Dias e o Paulo Sergio Duarte,
assim como o NO de Vera Chaves Barcellos.
MLT Você falou da história do táxi e, por outro lado, faz algumas críticas em relação ao 
artista que quer ser alguém consagrado esquecendo a verdade da arte. Qual é essa verdade 
da arte que está referindo? Arte tem verdade? 
PB Não sei, nem quero saber o que é a arte! Acho o mercado de arte parecido com o
supermercado e penso que essa ansiedade dos artistas é que batiza tudo. Essa preocupação
de ter alguém escrevendo, de ter reconhecimento, de estar na mídia, em coleções. Essa
ansiedade assassina muitos artistas.
MLT Você ainda acredita numa verdade da arte? 
PB Não sei, acredito na vida. É como a vida, uma coisa tão triste e bonita. Eu tirei a questão
da utilidade da ideia. Meu ateliê é cheio de coisas que não sei por que estão ali, coisas que
apanho na rua. É como se eu fizesse a eles essa pergunta que você me fez.
SM Você disse que não existe uma arte brasileira. Essa discussão é boa por conta da próxi- 
ma edição do Panorama da Arte Brasileira, que terá curadoria do Adriano Pedrosa, em que 
não haverá nenhum artista brasileiro. O que você pensa disso? 
PB Acho que tem que perguntar a ele [risos].

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RD Talvez ele não saiba.
PB Quando soube, me veio a questão da Bienal do Vazio. Acho que o Ivo Mesquita deveria ter 
assumido a ideia inicial e no fim terminou sendo uma Bienal igual às outras, ou pior, porque
misturou a ideia básica que é a questão do vazio, do que é o nada e do que é o nunca, que são
duas coisas diferentes. O Ivo recuou, ele não teve coragem de levar adiante a ideia, e as
pressões foram grandes. Há uma coisa engraçada que acontece nas bienais, porque coinciden-
 temente as galerias estão sempre expondo os artistas que estão na Bienal. Faria essa pergunta
a ele. Tanto artista bom, nunca vi uma produção tão boa sendo feita pelos artistas mais jovens,
e sempre assistimos aos mais antigos. Sei disso porque viajo e procuro, em cada cidade que
vou, procuro ir aos espaços, conhecer os artistas, vou a sebos, compro catálogos. Interessa-me
saber o que está sendo feito. Em outra vida acho que fui arquivista, se é que existe outra vida,
pois não acredito. Gosto da coisa do arquivo, compro catálogos e aqui mesmo no Rio já
comprei catálogos do evento Interferências Urbanas que acontecia em Santa Teresa. Nos
anos 60 e início dos 70 era o happening, depois vem a performance e aprisiona a ação; nos
anos 80 devolve-se a ação para a rua de novo. Você tem que sacudir as pessoas para elas
poderem pensar, principalmente na época da ditadura, quando era proibido juntar duas, três
pessoas. Eles [censores] eram adestrados para ver subversão em tudo. Xeroperformance , 1980

FS Incomoda o fato de as interferências urbanas hoje 


em dia terem virado modelo ou uma categoria? O seu 
trabalho nos anos 70 é uma experiência que fica, de 
certa forma, à margem. Você não precisava da aprova- 
ção de um órgão competente do Estado para criar 
seus trabalhos. Hoje há editais para a realização de in- 
terferências urbanas, prêmios para intervenções na ci- 
dade. Projetos passam por avaliações de uma comis- 
são julgadora. Cada um é eleito como bom ou ruim,
recebe notas, passa por uma oficialização que na épo- 
ca em que você fazia, e ainda faz, isso não acontecia.
PB Não tenho nada contra. Às vezes são artistas que
não têm condições de realizar um projeto, e acho que
é válido. Você obedece a determinadas normas, uma
ação com o regulamento de um salão, uma coisa mais
aprisionada. Grande parte da minha geração, para rea-
lizar uma intervenção urbana ou exibir filme de artista,
 tinha que pedir ao Serviço de Censura e Diversões
Públicas. Nunca me submeti a isso. O dia que eu sofrer 
censura, me mato. Acho que uma pessoa não pode
 ter censura nenhuma. Já fui preso, mas nunca submeti
meu trabalho. Faço para não endoidecer. Não tenho
preocupação imediata em expor, é uma consequência.
IR Quando você enviava trabalho para os salões, havia 
a expectativa de poder diluir esses limites da institui- 
ção ou você já achava propriamente que não seria acei- 
to? Como se dava essa relação? 

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PB Fui recusado a minha vida toda. Foram raros os salões de que participei, a não ser o do
Rio Grande do Sul. Mas fui tão recusado, que Cristiana Tejo tem um projeto para a produ-
ção de um livro. O trabalho Expediente que Felipe Chaimovich viu e expôs, e que ganhou
prêmio de aquisição no MAM-SP, foi recusado num salão em 1978. Fui recusado a vida
 toda. No Salão da Eletrobrás realizado no Rio, o júri queria que o artista usasse elementos
referentes a eles. Peguei uma célula fotoelétrica e havia um alvo dentro do MAM com três
plataformas em diferentes lugares. Havia as instruções e com elas você tinha conhecimento
de que deveria ser rebatida a luz do sol, para que ela fosse jogada para uma plataforma do
MAM e posteriormente para o interior do Museu na tentativa de acertar o alvo que por sua
vez ligava a célula fotoelétrica e acionava um rádio que, quando ligado, passava o projeto.
Foi recusado pelo júri.
SM Em que época foi isso? 
PB 1971. A curadora Victoria Noorthoorn está levando uns 12 ou 15 desses projetos
recusados para expor na próxima Bienal do Mercosul.
RD Esse fato me lembra o trabalho que fiz em Recife chamado  Brilho dos olhos, em que 16 
artistas usando espelhos tentam construir uma passagem do brilho do sol por cima do curso do rio.
PB Recife tem uma geografia incrível para se trabalhar na rua. Eu trabalhei muito sobre as
pontes. Fiz um projeto para ARoS [Aarhus Kunstmuseum], na Dinamarca, sobre a geografia
da cidade, em 1978, que eram cinco artistas
 trocando correspondências: cinco de Recife
e cinco de Aarhus, que, sem se conhecerem,
escreveriam sobre o que quisessem. No mes-
mo dia, de acordo com o fuso horário, sairi-
am os aviões com os cinco de Aarhus para
Recife e os cinco de Recife para Aarhus. Fiz
isso aqui em Brusque, na exposição Bruscky
em Brusque. Portanto, eles se cruzariam no
espaço e, quando chegassem, os artistas pas-
sariam uma semana vivenciando, sem falar 
com imprensa nem com ninguém e depois
fariam um debate público: a cidade que ele
pensou e a cidade que ele vivenciou, ou aque-
las questões que ele levantou sobre as pes-
soas ou a própria geografia da cidade. O pro-
 jeto foi aprovado, mas no fim não hou-
ve verba para realizar. Então eu fiz na
cidade de Brusque, com apoio da pre-
feitura. Peguei um avião até Curitiba,
depois um carro e fui fotografando.
Vai sair nesse livro novo que estou
publicando. Cheguei na cidade, me
hospedei e depois fiz um debate dis-
so “o que era Bruscky em Brusque”
Fluxus - I, 1993 ou o que tinha pensado sobre

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Brusque. Pedi a prefeitura que mandasse endereço de pessoas que não fossem ligadas à
arte, de profissões diferentes e troquei correspondência. Fiz o debate dessa vivência.
MLT Mas, afinal, você tirou partido? Foi positivo para você o fato de ser sido recusado nos salões? 

PB Nada teve importância para modificar a minha maneira de ser ou pensar, tanto faz ser 
aceito ou recusado. Cristina fez esse livro porque achou umas coisas minhas jogadas no
MAC-USP da época do Walter Zanini. Ela ficou se perguntando: “quem é esse cara do
Recife de quem nunca ouvi falar?”. Então começou nosso diálogo, em função dessas coisas
que estavam em São Paulo. Eu tenho cerca de 60 cartas da correspondência com o Zanini.
Eu era muito jovem, tinha 17 anos, e entrei no Jovem Contemporâneo [Jovem Arte Con-
 temporânea – JAC], e meu desenho saiu de cabeça para baixo no catálogo. Escrevi dizendo
que tinha achado genial com 17 anos ter entrado no Salão e o desenho ter sido publicado
de cabeça para baixo. Ele me escreveu e a partir daí começou nossa amizade. Aquilo que
Cristina Freire colocou no livro Poéticas do Processo e diz quando perguntou a ele o que
era a crítica, o que ele achava, ele disse que aqueles que tiveram a coragem de subir a rampa
do MAC não entenderam. Vivem à margem da própria crítica. Os salões eram importantes,
mas ao mesmo tempo eu fazia minhas intervenções urbanas e a
arte correio. Um fato importante foi a criação de novos espaços.
Tudo era espaço expositivo, principalmente vitrinas de lojas, livra-
rias. Rompeu-se também com a ideia do espaço expositivo como
lugar privilegiado. A primeira exposição no Brasil de arte correio,
em 1978, ocorreu no hospital em que eu trabalhava, um lugar em
que havia missa e velório.
MLT Qual era a reação das pessoas nesse espaço? 
PB Trabalhei na década de 1970 com eletrocardiograma e radio-
grafias. Havia um médico radiologista, Paulo Uchoa, que trabalhava
no mesmo hospital, e Ypiranga Filho, que era operador de radiolo-
gia e que tem importância também na arte correio; na hora do
almoço nós fechávamos a sala e fazíamos as experiências. Gilson
Edmar me empresta o consultório, cancela tudo, uma manhã intei-
ra ou tarde para fazer minhas experiências com eletroencefalograma.
Transformo o consultório num estúdio. Ele sempre me emprestou
livros e me deu aulas sobre como funciona o cérebro. Uma das
coisas que Victoria está levando para Porto Alegre é meu projeto
eletromusicado e uma experiência recentemente feita nos EUA, e a
máquina de filmar sonhos. Santos Dumont tem uma frase de que
gosto muito: “tudo que um homem pensar outros poderão realizar”.
É uma pena que não avancem nas curas em determinados aspectos
na medicina, como a diabetes; acho ridículo que em determinadas
doenças os laboratórios não tenham interesse.
RD Você acompanha o avanço tecnológico? 
PB Fiz agora um filme, um projeto que foi aprovado no Second Life .

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SM Tu fizeste algum avatar? 
PB Havia na equipe um profissional especialista específico para essa função. Essa junção
entre cientista e artista é importante porque você não pode parar para se aprofundar em
determinadas coisas, senão deixa de ser artista. Tem que procurar uma pessoa para traba-
lhar junto com você naquilo que você quer. Eu transo mesmo com uma personagem [no
Second Life ], que na vida real terminou a faculdade sendo prostituta para pagar o curso.
FS Você fica incomodado com essas afirmações de aproximação entre arte e vida? Não 
consigo conceber a diferença entre elas. Fico incomodado quando a crítica julga seu traba- 
lho como um projeto estético que aproxima arte e vida.
PB É a mesma coisa. Desde Futurismo e Dadaísmo, essa era a questão. Um fato que recusei
há poucos anos, numa importante exposição em São Paulo, é me datar como artista dos
anos 70. Estou vivo e produzindo, e vocês só me chamam por causa dos anos 70? Podem
 tirar meu nome!
FS É a questão que a Simone colocou sobre o Panorama de Arte Brasileira: datar a produ- 
ção, ligar uma produção a uma identidade nacional ou país, criar associações como “arte 
conceitual latinoamericana”, “arte da performance sulamericana”. Penso que essa é uma 
visão da crítica de arte internacional sobre o Brasil. “Paulo Bruscky é aquele artista exótico,
que carrega um envelope gigantesco pela rua”. A crítica cai nesse território dos clichês e 
acaba transmitindo uma potência menor ao seu trabalho, outro tipo de potência que não 
interessa a você e não interessa a nenhum de nós que somos críticos.
PB Lidamos com esses estereótipos que vêm de um olhar de fora.
RD Durante o período da ditadura no Brasil, onde você esteve escondido? Simone brincan- 
do disse “dentro dos arquivos dele, embaixo dos papéis”.
PB Fiquei na casa de um amigo do meu irmão, que era cearense, em Piedade. Tirei a
barba e fiquei lá.
RD Uns quatro anos? 
PB Menos. Minha anistia estadual saiu há três anos, mas a federal só saiu agora.
IR E você ficou escondido em que período? 
PB Entre 1973 e 76.
IR Como foram os anos 60 no Recife durante o começo do golpe? 
PB Não foram ruins. O pessoal foi embora, e eu fiquei, principalmente porque era perigoso.
Eu estava na lista dos que seriam mortos. Entreguei-me depois e disseram que eu tive sorte.
Numa segunda oportunidade, cercaram a universidade e minha casa. Entraram armados, à
paisana. Eu escapei de morrer, fugindo. Sumi. Todo os meus amigos estavam sendo segui-
Engenho do
dos. Foi quando fiz o Nadaísmo, por conta da denúncia que fiz. Quando fui solto, o coman-
imaginário, 2002 dante do quartel do Exército do Nordeste disse para eu ter cuidado porque havia especia-

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listas em acidente. Estavam me soltando, mas podiam me acidentar numa boa, como algo
natural. Ele disse que havia pessoas treinadas no exterior só para isso. Falou para eu prestar 
atenção, que eu poderia me acidentar no mesmo dia e que algumas pessoas ficariam me
seguindo. Saía de casa, e havia dois caras defronte. Ia para o trabalho ou para os bares, e eles
continuavam lá. Disse que ninguém poderia andar comigo, porque, se me matassem, mata-
riam também quem estivesse comigo. Depois de seis meses, refleti que a única coisa que
sabia na vida era ser artista; já tinha enfrentado tanta coisa, e se não os enfrentasse naquele
momento seria covardia. Foi quando vi os amigos que tinha. Pedi a galeria emprestada, a
Nega Fula, e comuniquei que ia fazer uma exposição que não teria obra. Perguntei aos
amigos se poderia colocar o nome deles, porque seria uma exposição-denúncia. Alguns se
recusaram, outros autorizaram. No dia da inauguração, com a galeria sem nenhuma obra,
subi num banquinho e disse: “Esta exposição é uma denúncia, por isso o nome Nadaísmo.
Aos dois canalhas que estão aqui dentro, digam para seu chefe, o comandante do Quarto
Exército, que não tenho medo de morrer. Vocês podem me matar. Não vou nem dizer 
quem são, porque não sou dedo-duro”. Meus amigos disseram que sairiam comigo, e eu
disse que não queria ninguém andando comigo, porque agora que os tinha desafiado seria
pior. Houve um período em que todo mun-
do que olhava para mim era inimigo.
IR Como foi a parceria com Daniel Santiago? 

PB Daniel foi preso em 1976. Cercaram mi-


nha casa e o prédio dele. Ligaram para mim e
disseram: “Você está cercado, não tem como
fugir”. Respondi que não tinha feito nada para
fugir, e ordenaram: “Coloque algumas roupas
numa sacola, não sabemos quanto tempo e
nem se você volta”. Disse à mamãe: “Estou
indo preso, talvez me matem. Ligue para a
imprensa e para o advogado”. Minha mãe
desmaiou. Ela foi acordando, estava viva, pe-
guei umas roupas e fui embora. A famosa ve-
raneio estava em frente a minha casa, e o
policial disse: “Olhe pelo basculante, sua casa
está cercada”. Quando estava na prisão, che-
gou Daniel. Ficamos em celas separadas. Era
escuro, não tinha luz; era apenas um buraco
no chão e um cano. Quando você ligava, ti-
nha algum sistema que às vezes dava choque.
No interrogatório me avisaram que poderia
pegar não sei quantos anos de prisão. Disse
que tudo bem e perguntei onde cumpriria a
pena se fosse condenado “Em Itamaracá”, me
responderam. Adoro Itamaracá. Contei ao
Daniel que estava pensando em fazer uma
exposição chamada Cicatrizartes. E ele dizia

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“cala a boca”; eu respondia: “Procuramos os caras que têm cicatriz, mandamos cortar a
roupa e no dia de visita ficam todos com as roupas cortadas onde tiver cicatriz [risos].
RD Vocês chegaram a fazer? 
PB Não. Depois nos separaram e nos levaram para outro lugar. Uma noite disseram que
 tinha chegado a minha vez, botaram um capuz e rodaram por uns 40 minutos, para que eu
não pudesse saber onde estava. Em determinado momento, me empurraram e disseram
“corra”. Era um lugar perto de uma desova conhecida. “Não vou correr, não; se vocês
querem me matar, que me matem pela frente”, respondi, e os caras deram uma rajada. Senti
uma sensação indescritível e fez-se silêncio. Pensei que ia ser naquela hora, e enquanto eles
ficaram lá discutindo, eu escapei de morrer.
SM Mas eles te prenderam depois de novo? 
PB Sim.
RD Quanto tempo você ficou nessa agonia de prender, liberar, vigiar, prender de novo? 
PB Durante o governo do Fernando Henrique Cardoso, o SNI ainda possuía minha ficha.
RD Ainda? 
PB Sim, eu estava na lista dos que seriam mortos. Participei da Passeata dos 100 mil, fui
preso, participei do movimento estudantil. Fazia os cartazes para os segmentos que havia na
Universidade Católica. Certa vez, a universidade foi cercada pelo Exército, e ficamos no
último andar. Eles quase nos mataram; se não fosse d. Hélder Câmara...
IR Muitos conhecidos seus acabaram sendo mortos? 
PB Quando o reitor me deu asilo, eles cercaram a universidade. Meu irmão foi para lá
porque tinham cercado minha casa e disse que o Exército estava com cassetete e metralha-
dora, dentro de casa. Na véspera, um colega da minha sala, que era espião, disse para eu
fugir porque se me pegassem me matariam. Pediu para não contar que tinha sido ele que
 tinha me avisado. Ele tinha aprendido a gostar de mim na convivência, nas farras, mas disse
que se eu não fugisse me matariam. “Se você disser, sou o primeiro a ajudar a matá-lo”. O
reitor disse que se eu chegasse à Reitoria, teria asilo. Consegui me desvencilhar dos agentes
no campus da universidade com a ajuda dos amigos e cheguei à Reitoria, onde o reitor me
abrigou. Deixei terminarem as aulas e pedi um blackout em toda a universidade. Com isso
consegui fugir e cheguei no bar Mustang. Perguntaram o que tinha acontecido, e disse que
não tinha acontecido nada: tinha bebido e estava de ressaca. Fiquei bebendo e pensei que
deveria ir embora. Lembrei de uma namorada que morava na Vila dos Comerciários, onde
as casas eram todas iguais. Peguei um táxi, me deitei no carro segurando o [livro] Obra 
Aberta e disse: “Casa Amarela, Vila dos Comerciários. Você não repare, mas quando bebo
 tenho umas manias doidas. Eu gosto de ir deitado atrás no carro, lendo”. E o motorista
respondeu que não tinha perguntado nada. Cheguei à casa de Lucia e disse que queria
abrigo por apenas uma noite para não complicá-la. Contei a história e disse que não podia
O que é arte? Para  tomar uma decisão sem ser muito racional, pois era minha vida que estava em jogo. Liguei
que serve?, 1978 para casa de manhã, sabia que estava sendo vigiado, meu irmão atendeu e eu disse: “Aqui é

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o Andrei, dançou dez horas”. Desliguei o telefone. Meu irmão achou que eu estava louco, e
 todos pensaram que eu tinha “dançado”, mas eu estava era marcando um encontro com o
fotógrafo Edmond Dansot.
Pausa e posterior retomada da entrevista.
PB Vejo um perigo quando você não estuda a tecnologia que vai usar. Participei do Emoção
art.ficial 2.0, mas 70% daquela mostra era showroom .
FS O que você chama de showroom? 
PB Demonstração de marca. O ideal é você subverter a máquina, estudar, ver, fazer um tipo
de Frankstein: você deve humanizá-la, subvertê-la e trabalhar com o acaso e a ousadia. A
Xerox me deu uma semana de pesquisa gratuita em Nova York para fazer meus filmes, mas
a máquina enxerga com a luz. Pensei: se ela enxerga com a luz, vou devolver a luz a ela; e
 trabalhei com lentes e espelhos. Consegui encadeá-la e obter um campo de profundidade
que ela não dá, pois enxerga três milímetros à frente da luz. Isso você tem que saber, para
 tirar partido. Essa exposição no Itaú parecia um showroom dessas lojas de tecnologia.
FS Você travou contato com Hudinilson Júnior? 
SM Aliás, parênteses, Paulo Bruscky inaugurou o espaço NO, naquela época do 3NOS3 .
PB Foi em 1979.
FS O trabalho do Hudinilson é posterior ao seu, mas tem um diálogo muito fecundo.
PB Fiz uma performance que se chama Xeroperformance, em 1980 na Universidade Cató-
lica. Ateei fogo à máquina. Liguei para a Xerox dizendo que atearia fogo à máquina, e o
gerente, que me conhecia e era legal, riu e eu desliguei. No dia seguinte liguei e pedi para
mandar buscar a máquina, porque eu a tinha incendiado, e trazer outra. Fiz o filme, o título
era LMNUNZ, fogo . Foram as letras que ficaram quando o fogo acabou. Juntei aleatoria-
mente e dei o título, coloquei uma vírgula e a palavra fogo .
Fiz cópia do corpo no começo dos anos 70, e a primeira vez que saiu publicado foi num
livro sobre xerografia nos EUA na década de 1970. Comecei com termofax, até hoje tenho
alguns, e nos EUA me incluíram nesse livro chamado Copyart .
SM Os trabalhos não apagaram? 
PB Não; meus trabalhos de fax são todos guardados em sacos pretos. Adoro fax, fiz uma
exposição em vários lugares chamada Cobra de várias cabeças, de acordo com o fuso
horário do país. Ficamos trocando faxes entre os artistas, e depois de 24 horas havia 21
exposições montadas. Fiz na Livraria Ipê Amarelo, de Curitiba. Na hora marcada mandei um
fax em rolo; o fax estava pendurado e foi descendo meu trabalho. Fiz isso também em
Madri, capital europeia da cultura; eles escolheram nove artistas para interpretar Juan Gris, e
no fax pendurado foi descendo meu trabalho Natureza morta e fragmentada . Eu assassinei
a obra de Juan Gris, pois fiz uma série de cortes.

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SM Há uma interface entre a arte com fax e os atuais processos da arte que usam o tempo 
real. Pois o fax era exatamente isso: processo em tempo real.
PB O fax me fascinou muito; tenho muita coisa feita com fax. Outro dia fiz uma espécie de
retrospectiva na Torre Malakoff, no Recife, e me esqueci que Oriana Duarte, que dirigia o
NAC/UFPE, tinha me convidado para uma exposição naquela instituição, no mesmo dia. Fiz
uma xeroperformance na Torre Malakoff e enviei na mesma hora por fax para a outra. Essa
ação foi filmada e transmitida para o NAC. Foi a solução que encontrei. Eu estive presente
na abertura das duas.
IR  Essasexperiências juntamente com os avanços da tecnologia ficaram estacionadas ou 
ainda hoje há artistas que trabalham com arte postal? 
PBTenho recebido recentemente trabalhos pelo correio de pessoas do começo do
movimento.
IR E fax? 
PB Não. De vez em quando tem algumas exposições envolvendo fax. Mas pelo correio
 tenho recebido do Bill Gaglioni, do Fluxus, que tem uma galeria especializada em carimbo na
Califórnia. Carimbo é outra coisa que me fascina. Em 1971 participei do Concurso de
FormPlac de Pintura. Ganhei até o primeiro lugar porque ele foi dividido entre quatro
artistas. Fiz um trabalho com pneu de carro. Eu pegava o pneu novo, dava um banho e, se
assinasse, eles devolviam transformado em fórmica. Fiz 10 trabalhos individuais e 10 em
equipe com o Daniel. Dei um à empregada quando ela casou. Certo dia fui almoçar na casa
dela e vi que ela tinha cortado a fórmica e feito uma mesa. Eu estava almoçando em cima do
meu trabalho. Quando saiu o resultado, publicaram alguns trabalhos no jornal, inclusive esse,
afirmando que alguns trabalhos foram inovadores. Menos de um ano depois, um artista
ganhou um grande prêmio, numa exposição nos EUA com trabalho feito com pneu. Quan-
do Agnaldo Farias chegou ao meu ateliê, vindo de uma Bienal na África, entreguei uma pasta
com meus projetos. Ele pegou um telex de 1973 para um Salão de Curitiba e ficou exami-
nando o trabalho. Não o conhecia e pensei que era pirado. Perguntou de quando era o
 trabalho e disse que aquele trabalho tinha acabado de ganhar o grande prêmio da Bienal. A
proposta era amontoar todas as embalagens das obras recebidas num canto do salão: “Arte
se embala como se quer”.
MLT A perplexidade do Agnaldo era porque ele queria ter certeza de que era seu.
PB Me lembrei porque essa história de coincidência de trabalhos existe. A produção mais
 jovem, além da ansiedade, não pesquisa a que já foi feita; alguns sim, mas a maioria não. Uma
coisa com que sempre me preocupei é estar informado do que foi feito, para não perder 
 tempo.
RD Mas você há de convir que Paulo Bruscky é conhecido há pouco tempo. Você ficou 
muito tempo fora da mídia.
SM Mas acho também que mídia nunca foi o lugar do Paulo.
FS Pensar no lugar onde o Paulo mora também; Recife é um lugar que está à margem do 
Brasil. É muito interessante terem descoberto seu trabalho no início dos anos 70 com uma 
 publicação importante.

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PB É porque participei de muitas exposições nos EUA e na Europa com obras envolvendo
heliografia, fax e xerox. Quando ganhei a Bolsa Guggenheim e cheguei na Xerox em Nova
York, me apresentei, e o gerente me perguntou se tinha trazido “o material”. Disse que não,
mas que estava ali para pesquisar, e ele me respondeu que não era possível, pois naquele
espaço só havia máquina para showroom e não podia ceder para artista. Disse que estava ali
para mostrar o que a máquina faz e ele não sabia. Discutimos, voltei para casa e liguei para
uma amiga no Recife, que tinha sido secretária do presidente da Xerox no Brasil, explicando
o caso e solicitando auxílio. Ela conseguiu contornar a situação por intermédio do filho do
gerente. Encontrei-me com o rapaz, e ele disse que me ajudaria. Fiz as pazes com o gerente.
Quando estava fazendo o filme – me chamavam de Paulo Xerox – tive uma estafa, pois
entrava quando abria e saía quando fechava. O gerente ficou muito amigo meu e impressi-
onado com o trabalho que eu estava fazendo. Tinha que saber a cor e o efeito que queria,
não podia parar porque a máquina quebrava. Chegava à noite em casa (um amigo de
Antoni Muntadas, por sorte, me alugou seu loft de um andar inteiro no Soho; ele não levou
nada, deixou prancheta e tudo mais. Muntadas dissera-lhe que eu era muito amigo e que era
o mesmo que alugar para ele), analisava o que tinha feito, elaborava as tarefas para o outro
dia. Tive uma estafa no final da pesquisa.
FS Qual foi o ano que você passou em Nova York? 
PB Foi em 1982. Muntadas foi uma pessoa muito legal: levou-me na loja de um amigo que
 trabalhava com artistas que operavam com xerox. O fato é que é preciso explorar a máqui-
na nesse sentido de humanizá-la, o que pode se tornar muito perigoso nessas mostras de
arte e tecnologia.
MLT Como se fosse a ilustração da tecnologia, ilustração da técnica.
PB Na Bienal de São Paulo de 1989 tinha uma sala de eletrografia; fiz um faxperformance de
uma máquina para outra e pedi patrocínio. Quando voltei para Recife, formalizei um pedido
e eles me negaram. Pedi o fax profissional porque o que eu tinha, por exemplo, era diferen-
 te daquele disponibilizado na Bienal.
IR E a experiência da Bienal de 2004, quando seu ateliê foi transposto? 
PB Eu não conhecia o Alfons Hug, e Cristiana Tejo me ligou, disse que o curador da Bienal
viria a Recife e perguntou se poderia incluir meu ateliê. Ele foi, entrou e ficou andando, para
cima e para baixo. Ele voltou e propôs levar todo o ateliê para a Bienal. Foi o trabalho mais
caro da Bienal. Mas fiquei chateado com ele porque não cumpriu umas das coisas que
propus. Depois da Bienal, ele queria levar o ateliê para a Europa com a intenção de expor,
e eu disse que não, pois a experiência tinha sido boa uma vez. Ele quis levar até os trabalhos
que estavam na prancheta, e eu propus a ele fazer um diálogo duas vezes por semana entre
São Paulo e Recife, na quarta e no sábado, que é quando recebo meus amigos. Eu ficaria no
meu ateliê em Recife com o pessoal e haveria o meu ateliê na Bienal, com todos os objetos
e obras.
MLT A partir do texto do Moacir dos Anjos em que ele fala em ateliê como arquivo, pensei 
no arquivo como ateliê. É uma inversão dessa experiência. Você, como disse há pouco, é um 
arquivista, mas sabe-se que você montou um sistema de catalogação própria de sua obra.

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PB Da minha obra não. Criei um sistema de catalogação de muitos meios que não existiam.
Conversei com bibliotecários, por exemplo, para catalogar a parte de arte correio, que só
em parte completei. A catalogação se dá por: país, artista e em ordem alfabética. Dentro da
arte correio você tem selo de artista, envelope, conteúdo... por isso não gosto de chamar 
arte postal porque você limita a um só elemento, a algo usado na arte correio. Criei um
sistema de catalogação por sigla, por exemplo, xerografia XC (cor), XP/B (preto e branco).
Se quero organizar uma exposição dentro do meu acervo de xerografia preto e branco,
coloco “XP/B” e aparecem todos os artistas que usam essa técnica. As pessoas confundem
muito livro de artista com livro de arte, mas dentro do livro de artista você tem o catálogo,
que é uma obra. Você tem dentro do próprio livro de artista, uma catalogação. Se quero
abordar uma determinada linha do livro de artista, eu tenho. Se é livro de artista como
fotografia, se é livro de artista conceitual, livro-objeto tridimensional. Dentro de cada um
você tem uma especificidade.
MLT Esse sistema já se estendeu a seu espaço? 
PB Não, foi meu irmão quem desenvolveu. Tenho um irmão que fez especialização de
computação no exterior, e foi ele quem organizou.
MLT Só para uso próprio.
PB Por enquanto.
RD Mas você tem noção de tudo que tem? Consegue dizer quantos itens existem no ateliê? 

PB A UFPE passou uma semana no ateliê, porque fizeram um projeto para catalogação do
meu acervo. Tem coisas no ateliê que só eu sei. Obras do Fluxus, como a de Robert
Rehfeldt que é o dinheiro de artista, que ele não assinou. A universidade ficou uma semana
no ateliê pesquisando por conta da Petrobras. Encontrei Paulo Sergio Duarte durante a
Bienal, e ele disse que tinha lutado até o final para catalogação do meu ateliê, mas que tinha
sido voto vencido. A intenção é disponibilizar o material na internet e divulgá-lo para pes-
quisa. Tenho cerca de 500 trabalhos do grupo Fluxus.
FS A sua coleção é a maior de arte Fluxus da América Latina.
PB É uma das poucas do mundo. Eu quase editei um livro sobre a obra de Ken Friedman,
mas não consegui. Entretanto, ele deixou sua obra conceitual dos anos 50 até 1981 com
minha mulher, no hotel onde estávamos hospedados em NY. É até engraçado. Eu estava
com Regina Vater no lançamento de um disco de artista em Nova York quando ele entrou
e fez-se um silêncio. Eu era recém-chegado e não entendi o porquê daquele silêncio todo,
mas Regina respondeu (sussurrando) que era o papa da arte conceitual que tinha entrado,
Ken Friedman. Eu disse que ele era meu amigo, ela riu, e eu disse que estava falando sério!
Depois de um tempo, eu o chamei e ele disse para irmos jantar no restaurante mexicano ali
perto. Ela pediu para ir comigo e eu disse: “Você não acreditou!”. Fiz uma performance com
ele nesse dia que só ela viu. Fomos nesse restaurante e ele ficou desenhando na toalha de
papel da mesa. Fomos os três andando pela madrugada. Passamos por um muro alto com
um cachorro latindo do outro lado. Eu e ele combinamos de fazer uma performance com o

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cachorro. Havia um poste do outro lado da rua, e disse para Regina atravessar a rua e sentar,
pois ela seria nossa única espectadora. Fui para uma ponta do muro, ele para outra e saímos
dizendo coisas onomatopeicas. O cachorro corria de um lado a outro, e, quando nos en-
contramos, fez-se silêncio. Continuamos calados, cada um seguindo a outra direção, e o
cachorro, completamente desnorteado.
MLT Tenho curiosidade sobre a obra  MIJE, de 1982. Como você aproveitou a sigla? 
PB Estava em Paris, caminhando pela rua. Estava na calçada do outro lado do Ministério
Infanto-Juvenil para Educação e quando olhei não acreditei. Estava com minha mulher e
disse para ela ficar com a máquina; estava vindo um guarda e tinha que ser rápido para ele
não achar estranho.
MLT O trabalho é você de costas como se estivesse urinando.
RD: E o trabalho que você realizou na última edição da Bienal de Havana? Era uma homena- 
 gem ao Hélio Oiticica? 
PB Eu levei o Hélio para Recife onde ele fez um Parangolé  em 1979. Ele foi em julho e
morreu em maio do ano seguinte. Ele queria comprar uns “negócios” e eu disse que no
Recife não tinha a Mangueira, mas que o levava ao Morro da Conceição. Fomos eu, ele,
 Jomard Muniz de Brito e Almandrade de Salvador. Arrependi-me de não ter levado um
gravador. Sabia que ele tinha sido deportado dos EUA, porque armaram uma armadilha
com cocaína, e ele caiu. Eu perguntei do que ele vivia, se não vendia nada. Ele me respondeu
que vivia em uma casa que seus pais tinham deixado no Jardim Botânico, que era alugada
para estrangeiros. Disse-me que recebia em dólar, e era o que o sustentava. Perguntei sobre Mije, 1982
a história dos Parangolés, e ele respondeu: “Certa vez, indo de
ônibus receber o aluguel, estava na janela e começou a chover.
Um gari pegou o saco de lixo, rasgou e vestiu”. Hélio disse que
foi a imagem que o impressionou. Tivemos várias conversas.
Ele ficou louco pelos ônibus elétricos antigos, parecia um meni-
no. Estávamos um dia na praia da Boa Viagem conversando, e
ele ficou olhando para o mar, disse que estava pensando no
irmão que morava em Manaus, mas que a passagem para lá era
muito cara. Parecia que ele sabia que morreria. Eu coordenava
o Festival da Universidade Católica e solicitei ao reitor uma
pequena mudança na passagem do Hélio; em vez de Recife-
Rio, seria Recife-Manaus-Rio. O reitor concordou, e a passa-
gem foi emitida. Quando fui buscar o Hélio no hotel para ir à
universidade, disse-lhe que tinha dado um problema na passa-
gem dele. Ele ficou resmungando que precisava encontrar-se
com a Lygia Pape no Rio de Janeiro, e perguntou o que tinha
acontecido. Respondi que não sabia e sugeri que ele olhasse a
passagem com os próprios olhos. Quando viu, não acreditou,
ficou pulando no hall do hotel e logo ligou para o irmão.
FS Vocês já se conheciam? 

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PB Não. Ligara para ele logo depois de seu retorno de Nova York, convidando-o para fazer 
uma palestra no Recife. Ele resmungou dizendo que não faria palestra nenhuma. Informei
que havia dinheiro para remunerá-lo e que ele poderia falar somente um minuto e não fazer 
mais nada. Ele respondeu que assim era diferente e deu uma aula que nem todo professor 
dá, com uma metodologia que todo mundo ficou bobo.
MLT Há mais alguma coisa que você gostaria de dizer ?
PB Uma coisa que sempre digo é que você tem que ser contemporâneo de si próprio. A
questão dos historiadores, por exemplo; tenho por eles todo respeito, mas eles mentem
muito, deixam o testemunho de uma época que não é verdadeiro; o artista não tem o
compromisso que o historiador tem.
RD Qual é sua relação com os artistas mais jovens? E como sua produção se comporta num 
momento em que estamos livres da ditadura, da censura e das dificuldades? Você se sente 
mais livre hoje? E qual o nível de liberdade de criação? 
PB Sempre fui muito livre, nunca me submeti a nenhum tipo de censura, nem estética, nem
repressora, sofri, mas lutei contra isso. Apesar dos patrocínios e dos perigos gerados por 
algumas instituições, como comentamos, é fundamental que se produza.
RD Continua tudo a mesma coisa? 
PB Sim, continuo trabalhando muito. Nara Roesler catalogará toda a minha obra, o que será
muito difícil porque nem mesmo eu sei o que tenho.
RD O que você pensa que será da sua obra? Ela se tornará um museu? Uma fundação? 
PB Eu ainda estou vivo; depois que morrer podem fazer o que quiserem. Esse acervo que
 tenho eu gostaria que fosse disponibilizado porque reconheço o que tenho: é um acervo
muito grande com mais de 75.000 itens catalogados segundo o levantamento feito pela
universidade. Quero que o acervo auxilie artistas, pesquisadores e o público em geral. Não
desejo a criação de uma fundação enquanto estiver vivo.
MLT Nós todos estamos ligados à formação do artista, a pessoas jovens que estão estudan- 
do ou fazendo arte; o que você lhes diria? 
PB Na semana retrasada fui convidado pela Universidade Federal de Pernambuco para
lecionar e recusei. É importante uma formação, mas, ao mesmo tempo, as pessoas termi-
nam a faculdade, começam a ensinar e deixam de ser artistas. O melhor professor para mim
é uma pesquisa diária: ler e trabalhar no que você faz. Isso para mim é muito bem
compartimentado. Vejo muito esse perigo porque alguns amigos fizeram faculdade e foram
ensinar. Acabaram como prisioneiros, mais professores do que artistas. À medida que tive
necessidade, fiz curso específico do que precisei; só uma noção, porque é no dia a dia que
você aprende; não é a universidade que lhe dará o conceito pronto. Certa vez numa con-
versa com Paulo Herkenhoff (a que Fernando Cocchiaralle também estava presente) sobre
cinema, perguntei-lhe como, depois de ter feito o trabalho que fez, conseguiu deixar de ser 
artista. Ele saiu pela tangente.

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