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Letras . Módulo 4 .

Volume 7

PRÁTICA EDUCATIVA IV
ANÁLISE LINGUÍSTICA
ANÁLISE LINGUÍSTICA NA
NA PRÁTICA
PRÁTICA ESCOLAR
ESCOLAR

Lenilza Teodoro dos Santos Mendes


Miame Chan Souza Santos

Ilhéus . 2013

Ilhéus - Out. 2013


Universidade Estadual de
Santa Cruz

Reitora
Profª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro

Vice-reitor
Prof. Evandro Sena Freire

Pró-reitor de Graduação
Prof. Elias Lins Guimarães

Diretor do Departamento de Letras e Artes


Prof. Samuel Leandro Oliveira de Mattos

Ministério da
Educação
Letras Vernáculas | Módulo 4 | Volume 7 - Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

1ª edição | Outubro de 2013 | 462 exemplares


Copyright by EAD-UAB/UESC

Todos os direitos reservados à EAD-UAB/UESC


Obra desenvolvida para os cursos de Educação a
Distância da Universidade Estadual de Santa Cruz -
UESC (Ilhéus-BA)

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Itabuna, Km 16 - CEP: 45662-000 - Ilhéus-Bahia.
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Projeto Gráfico e Diagramação


Jamile A. de M. C. Ocké

Capa
Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho

Impressão e acabamento
JM Gráfica e Editora

Ficha Catalográfica
EAD . UAB|UESC
Coordenação UAB – UESC
Profª. Drª. Maridalva de Souza Penteado

Coordenação Adjunta UAB – UESC


Profª. Drª. Marta Magda Dornelles

Coordenação do Curso de Licenciatura em


Letras Vernáculas (EAD)
Prof. Dr. Rogério Soares de Oliveira

Elaboração de Conteúdo
Profª. Ma. Lenilza Teodoro dos Santos Mendes
Profª. Esp. Miame Chan Souza Santos

Instrucional Design
Profª. Ma. Marileide dos Santos de Oliveira
Profª. Ma. Anabel Mascarenhas
Profª. Drª. Cláudia Celeste Lima Costa Menezes

Revisão
Prof. Me. Roberto Santos de Carvalho

Coordenação de Design
Me. Saul Edgardo Mendez Sanchez Filho
SUMÁRIO
AULA 1
ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL,
OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES.......................13
1 INTRODUÇÃO................................................................................... 15
2 O QUE É ANÁLISE LINGUÍSTICA?......................................................... 16
3 INTERFACE ENTRE OS GÊNEROS DO DISCURSO E ANÁLISE LINGUÍSTICA .18
4 SEQUÊNCIA DIDÁTICA E TRABALHO COM GÊNERO:
EXAME DE UM PROCEDIMENTO...........................................................19
5 LINGUÍSTICA TEXTUAL E A ANÁLISE LINGUÍSTICA:
PONTOS DE CONVERGÊNCIA...............................................................22
5.1 Conceitos básicos da Linguística Textual: coesão e coerência........... 23
5.2 Conceitos dos mecanismos de coesão referencial........................... 24
5.3 Conceitos de mecanismos de coesão sequencial............................. 29
5.3.1 Tipos de sequenciação............................................................. 29
ATIVIDADES...........................................................................................36
RESUMINDO...........................................................................................39
REFERÊNCIAS.........................................................................................40

AULA 2
ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE
LINGUÍSTICA .......................................................................................43
1 INTRODUÇÃO................................................................................... 45
2 O QUE ORIENTAM OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS
SOBRE A ANÁLISE LINGUÍSTICA?....................................................... 46
2.1 O que sugerem os PCNs do Ensino Fundamental II?...................... 46
2.2 E o que dizem os PCNs do Ensino Médio?..................................... 49
2.2.1 Competências e habilidades a serem desenvolvidas
em Língua Portuguesa...................................................... 51
3 QUE ANÁLISE LINGUÍSTICA UTILIZAR NO ENSINO
DE LÍNGUA PORTUGUESA?.................................................................54
3.1 Uma proposta metodológica para a prática de Análise Linguística..... 55
3.1.1 Ensino de gramática X Prática de Análise Linguística.................... 56
ATIVIDADES...........................................................................................61
RESUMINDO...........................................................................................64
REFERÊNCIAS.........................................................................................64
AULA 3
COESÃO REFERENCIAL: ANÁLISE DE TEXTOS........................................ 67
1 INTRODUÇÃO.................................................................................... 69
2 COESÃO REFERENCIAL: MECANISMOS DE REFERÊNCIA
QUE CONSTROEM O SENTIDO DO TEXTO.............................................. 70
2.1 Análise do editorial “Disparidade educacional”.............................. 72
3 ANÁLISE DO TEXTO “QUEM SALVA O JORGE?”....................................... 76
4 ANÁLISE DO TEXTO “PARA PROMOTOR,
SITUAÇÃO DE BRUNO PIOROU COM A CONDENAÇÃO DE MACARRÃO”...... 79
ATIVIDADES...........................................................................................83
RESUMINDO...........................................................................................85
REFERÊNCIAS........................................................................................87

AULA 4
ANÁLISE LINGUÍSTICA DE TEXTOS
COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL.....................................................89
1 INTRODUÇÃO...................................................................................91
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA MÚSICA........................................................91
3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DA MÚSICA “MUITO TUDO” DO RPM ............92
4 ANÁLISE DO TEXTO “DEGRAUS DA ILUSÃO”
COM BASE NA SEQUENCIAÇÃO FRÁSTICA............................................99
4.1 Análise textual.........................................................................103
ATIVIDADES..........................................................................................105
RESUMINDO..........................................................................................108
REFERÊNCIAS........................................................................................109

AULA 5
COERÊNCIA TEXTUAL: ANÁLISE DE TEXTOS.........................................113
1 INTRODUÇÃO...................................................................................115
2 O QUE É COERÊNCIA TEXTUAL NA PRÁTICA DE ANÁLISE DE TEXTOS?.....115
3 PRÁTICA DE ANÁLISE DE TEXTOS.......................................................118
3.1 Análise do texto “Como se conjuga um empresário”......................119
3.2 Análise da propaganda “Todo mundo tem seu lado Devassa”.........122
ATIVIDADES..........................................................................................125
RESUMINDO..........................................................................................126
REFERÊNCIAS........................................................................................127

Palavras finais das autoras........................................................ 129


APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA

A abordagem deste módulo diz respeito à Prática Educativa IV (Análise Linguística


na prática escolar), com vistas ao desenvolvimento e aplicação de métodos e técnicas de
Análise Linguística. Como você deve ter conhecimento, essa abordagem é relativamente
nova e desafiadora porque instiga a uma mudança de postura frente a conhecimentos e
metodologias de trabalho arraigadas em uma prática de ensino de Língua Portuguesa
obsoleta, centrada na Gramática Tradicional de forma descontextualizada e enfadonha,
que dificulta a apreensão das competências e habilidades necessárias ao desenvolvimento
da expressão oral e escrita e não contribui para uma aprendizagem significativa.
Para a realização desta proposta, dentre as inúmeras possibilidades, optamos por
centrar a abordagem na Linguística Textual, fazendo um recorte dos principais elementos
de coesão e fatores de coerência, tendo como ponto de partida e de chegada o texto,
com o respaldo do trabalho com gêneros do discurso, através da sequência didática, para
por fim convergir na Análise Linguística.
O módulo está subdividido em cinco aulas; as duas primeiras tratam de questões
teóricas que introduzem e estabelecem um caminho para a necessária compreensão do
tema e desenvolvimento do método. As três últimas abordam a aplicação de método e
técnica para a realização de trabalho com textos, voltados para a Análise Linguística.
Vale salientar que, por uma questão metodológica e para uma maior clareza na
exposição dos temas, optamos por apresentar, separadamente, os elementos de coesão
e os fatores de coerência (apesar de termos trabalhado com o sentido do texto também
em seu aspecto global). Entretanto, é perfeitamente possível investigar a ambos em um
mesmo texto, o que deixamos para outro momento.
Estamos certas de que alguns questionamentos estão sendo elaborados por você
nesse momento, como por exemplo, “De que forma acontece a articulação entre o gênero
do discurso, a sequência didática e a Análise Linguística?”. São questões como esta,
dentre outras, que pretendemos discutir ao longo deste material e contamos com a sua
participação efetiva para que a proposta se concretize.
AS AUTORAS

Profª. Ma. Lenilza Teodoro dos Santos Mendes


Graduada em Letras com Inglês pela UESC, Especialista em Língua Portugue-
sa pela PUC/Minas e mestre em Estudo de Linguagens pela UNEB/Salvador.
Professora da UNEB de 2001 a 2010. Atualmente é professora assistente da
Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e atua no Curso de Especializa-
ção em Leitura e Produção textual na escola.

E-MAIL: lenilzate7@yahoo.com.br

Profª. Esp. Miame Chan Souza Santos


Graduada em Letras com Inglês pela Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC), pós-graduanda em Leitura e Produção textual na escola pela UESC.

E-MAIL: miamechan@hotmail.com
DISCIPLINA

PRÁTICA EDUCATIVA IV:


ANÁLISE LINGUÍSTICA NA PRÁTICA ESCOLAR
Profª. Ma. Lenilza Teodoro dos Santos Mendes
Profª. Esp. Miame Chan Souza Santos

EMENTA
Desenvolvimento e aplicação de métodos e técnicas de Análise Lin-
guística na prática escolar.

Carga Horária: 30 horas


aula

1
ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM
CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO
E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

Objetivos:
• definir o conceito de Análise Linguística em suas dimensões epilinguísticas
e metalinguísticas;
• compreender a relação entre a Análise Linguística e os gêneros do dis-
curso;
• descrever os passos de uma sequência didática;
• entender como ocorre a convergência entre a Análise Linguística e a Lin-
guística Textual;
• apreender os conceitos básicos da Linguística Textual, centrados nos me-
canismos de coesão e fatores de coerência.
ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

1
Aula
1 INTRODUÇÃO

Sabemos que a língua é um importante veículo


de representações sociais, onde perpassam valores
socioculturais, econômicos, religiosos, entre outros, além
da sua importância como instrumento de transformação
de uma sociedade, quando compreendida no âmbito das
relações de poder.
Daí, é de suma importância que os docentes estejam
cada vez mais bem preparados para lidar com esse mundo
em constante transformação, promovendo reflexões sobre
a linguagem, de forma a preparar os discentes para o seu
uso efetivo, em contextos e situações diversas.
Essa é a primeira aula do módulo sobre Análise
Linguística e foi preparada para que você possa situar
o tema em sua relação com a Linguística Textual e a
metodologia centrada na sequência didática, partindo dos
conhecimentos prévios que você já domina e aprofundando
outros conhecimentos acerca de um tema tão presente
em nosso cotidiano escolar, porém com poucos materiais
disponíveis para o seu entendimento.
Acreditamos que essa aula irá proporcionar uma
visão mais ampla que servirá de base para as demais.
Desejamos a você que esses conhecimentos façam a
diferença em seu processo pessoal de formação.

UESC Módulo 4 I Volume 7 15


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

2 O QUE É ANÁLISE LINGUÍSTICA?

Para início de conversa, de acordo com os Parâmetros


Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental (PCN),
voltados para o 3º e 4º ciclos, o trabalho de Análise
Linguística leva o aluno a “aprender a pensar e a falar
sobre a própria linguagem, realiza uma atividade de
natureza reflexiva...” Essa abordagem faz parte do tópico
“A Reflexão sobre a Linguagem”, que veicula a ideia de
tomar a linguagem como atividade discursiva e o texto
como unidade de ensino. De acordo com essa ótica, uma
atividade de Análise Linguística pressupõe

O planejamento de situações didáticas


que possibilitem a reflexão não apenas
sobre os diferentes recursos expressivos
utilizados pelo autor do texto, mas tam-
bém sobre a forma pela qual a seleção
de tais recursos reflete as condições de
produção do discurso e as restrições im-
postas pelo gênero e pelo suporte. Supõe,
também, tomar como objeto de reflexão
os procedimentos de planejamento, de
elaboração e de refacção de textos. (BRA-
SIL, 1998)

Para que você entenda melhor a dimensão do tema,


é necessário saber que os PCNs trazem uma reflexão sobre
a compreensão da linguagem em seu aspecto pragmático,
com a apreensão dos significados culturais para uma
melhor interpretação da realidade. De acordo com
essa ótica, o texto traz em si a manifestação linguística
do discurso. Esse, por sua vez, é organizado a partir de
gêneros que “são, portanto determinados historicamente,
constituindo formas relativamente estáveis de enunciados,

16 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

disponíveis na cultura” (BRASIL, 1998).

1
Apesar de ser um tema bastante discutido na

Aula
contemporaneidade, vale registrar que, em obra intitulada
O texto na sala de aula, publicada em 1984 e organizada
por J. W. Geraldi, em artigo intitulado Unidades básicas do
ensino de português, já havia uma proposta de reorientação
para o ensino de português, voltada para a ênfase na leitura,
produção de textos e a prática da Análise Linguística,
elaborada com base nos problemas encontrados nas
produções dos alunos. Sobre isso, Geraldi enfatiza que

a Análise Linguística que se pretende


partirá não do texto “bem escritinho”,
do bom autor selecionado pelo “fazedor
de livros” didáticos. Ao contrário, o en-
sino gramatical somente tem sentido para
auxiliar o aluno. Por isso partirá do texto
dele. (GERALDI, 1997, p. 73-74).

É nesse contexto que surge a reflexão sobre a


linguagem; pois, como já foi dito, o texto passa a ser
visto como unidade de ensino e a gramática é inerente aos
conhecimentos que o falante tem da sua língua. Portanto o
trabalho com a Análise Linguística precede de um trabalho
cujo foco é o texto.
Através da ênfase dada ao texto como unidade
básica do processo de ensino, é possível desenvolver a
competência discursiva do aluno (a), que será capaz de
“utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes
efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações
de interlocução oral e escrita” (BRASIL, 2000).
Diante disso, explicaremos dois conceitos
relevantes para a compreensão da Análise Linguística:
a atividade epilinguística e a metalinguística. Levando

UESC Módulo 4 I Volume 7 17


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

em conta que a atividade epilinguística é inerente ao


conhecimento que permite ao falante operar sobre a
linguagem, e a metalinguística envolve atividades de
categorização e sistematização de elementos linguísticos,
a proposta de trabalho com Análise Linguística vai de
encontro à fragmentação inerente à Gramática Tradicional
que privilegia as partes em detrimento do todo, a saber,
a forma como se trabalha a morfologia com ênfase nas
classes de palavras ou a sintaxe, através de frases soltas
e descontextualizadas; portanto é impossível falar em
Análise Linguística sem relacioná-la ao trabalho voltado
para os gêneros do discurso, noção bakthiniana, articulado
através da sequência didática.
A fim de proporcionar uma melhor compreensão
destes saberes, apresentamos, a seguir, as relações existentes
entre texto, teoria do gênero e sequência didática.

3 INTERFACE ENTRE OS GÊNEROS DO


DISCURSO E A ANÁLISE LINGUÍSTICA

O conceito de gêneros do discurso como “tipos


relativamente estáveis de enunciados” foi veiculado
inicialmente por Bakhtin (1992). A sua contribuição é muito
relevante, pois além de trazer o conceito de gênero, discute
sobre a riqueza, variedade e complexidade dos gêneros,
assim como sobre a diversidade funcional, chamando
atenção para o que ele define como heterogeneidade dos
gêneros do discurso orais e escritos, bem como sobre a
distinção entre gêneros primários e secundários.
Certamente, você quer saber o que isso significa não
é mesmo? Bem, para Bakhtin (1992), os gêneros primários

18 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

(simples) são constituídos a partir de uma comunicação

1
verbal espontânea, como, por exemplo, o diálogo cotidiano

Aula
e a carta pessoal. Já os gêneros secundários (complexos)
são o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso
ideológico etc. Os gêneros secundários poderão absorver
e transmutar os primários, adquirindo características
particulares, como um romance que contém um diálogo
cotidiano ou uma carta.
O mais importante agora é que você entenda
que a Análise Linguística não deve acontecer de forma
descontextualizada, desprovida de sentido e que o trabalho
com o texto, centrado nos gêneros do discurso, deve servir
de base para que se proceda a uma Análise Linguística
significativa, que leve em conta tanto a natureza gramatical
do enunciado quanto a particularidade dos gêneros. De
outro modo, para que o aluno possa produzir textos
eficazes é extremamente necessário que esses textos
tenham utilidade dentro das inúmeras atividades humanas.

4 SEQUÊNCIA DIDÁTICA E TRABALHO COM


GÊNERO: EXAME DE UM PROCEDIMENTO

É de conhecimento geral que inúmeros


pesquisadores vêm tentando entender por que, depois
de longos anos de estudo de língua portuguesa e outras
disciplinas, os alunos continuam com inúmeras dificuldades,
principalmente aquelas relacionadas à leitura, interpretação
e produção textual. Vejamos o que dizem os PCNs de
Língua Portuguesa do Ensino Fundamental sobre o papel da
escola, quando se trata do trabalho voltado para os diversos
níveis do conhecimento:

UESC Módulo 4 I Volume 7 19


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Considerando os diversos níveis de


conhecimento prévio, cabe à escola
promover sua ampliação de forma que
progressivamente, durante os oito anos
do ensino fundamental, cada aluno se
torne capaz de interpretar diferentes
textos que circulam socialmente, de
assumir a palavra e, como cidadão, de
produzir textos eficazes nas mais variadas
situações. (BRASIL, 1998).

O grande desafio que se apresenta para muitos


profissionais da área de Linguagens é da ordem da
metodologia de trabalho, ou seja, como ensinar a produzir
textos orais e escritos e a exprimir-se com propriedade
tanto dentro quanto fora da escola? Uma resposta para
essa questão é encontrada em Dolz et al (2004), no texto
“Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação
de um procedimento”, que trata sobre o trabalho com
gêneros a partir do procedimento denominado “sequência
didática”.
Segundo os autores, “uma ‘sequência didática’
é um conjunto de atividades escolares organizadas, de
maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral
ou escrito.” Eles levam em conta a produção de textos
escritos ou orais em condições diferentes, mas ao mesmo
tempo constatam a existência de regularidades. Os
textos produzidos em situações parecidas e que possuem
características semelhantes são denominados gêneros de
textos. Dessa forma, a sequência didática tem a finalidade
de contribuir para a aprendizagem do gênero pelo aluno,
ajudando-o a escrever e falar de forma adequada a uma
situação específica de comunicação.
Observe a estrutura de base de uma sequência

20 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

didática proposta por Dolz et al (2004, p. 98), representada

1
pelo seguinte esquema:

Aula
A seguir, descreveremos, de forma sucinta, como
os autores explicitam os passos de uma sequência didática.
a) Apresentação da situação – Descrição detalhada da
tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos
deverão realizar.

b) Produção inicial – Nessa etapa do trabalho, os


alunos tentam elaborar um primeiro texto oral ou
escrito, no qual revelam as representações que têm
dessa atividade. Essa atividade permite observar
as capacidades que os alunos já possuem e detecta
o que ainda falta desenvolver, tendo como base a
avaliação formativa.

c) Os módulos – São desenvolvidos com base


nos problemas observados na etapa anterior,
decompondo essas dificuldades em elementos
que serão trabalhados separadamente, a fim
de proporcionar um conjunto de capacidades
necessárias ao domínio de um determinado gênero.

d) Produção final – A sequência termina com uma


produção final que possibilita ao aluno a prática

UESC Módulo 4 I Volume 7 21


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

das noções e instrumentos que foram trabalhados


nos módulos. Nesse momento, o professor poderá
fazer uma avaliação somativa.

5 LINGUÍSTICA TEXTUAL E A ANÁLISE


LINGUÍSTICA: PONTOS DE CONVERGÊNCIA

Tendo em vista o que foi explicitado até aqui, a


proposta de trabalho com Análise Linguística pressupõe
tarefas sistematizadas que levem em conta os objetivos
estabelecidos para o Ensino Fundamental e Médio, com
a finalidade de suscitar uma reflexão para a construção
progressiva de conhecimentos sobre os diversos
fenômenos linguísticos. Ao abarcar as dificuldades no uso
efetivo da língua, tanto em sua modalidade oral, quanto na
escrita, a Análise Linguística poderá englobar diferentes
problemas. Estes, por sua vez, poderão ser de ordem
sintática, morfológica, fonológica, textual e/ou estilística.
Devido à amplitude do tema, optamos por direcionar essa
proposta para os elementos de coesão e coerência textual,
fenômenos explicitados pela Linguística Textual, visto que
o seu objeto de investigação é o texto.
É importante ressaltar que a Linguística Textual
tem o texto como objeto de investigação da linguagem,
considerando-o como unidade básica de manifestação da
linguagem, em detrimento da palavra ou da frase isolada.
Koch (2010) afirma que “existem diversos fenômenos
linguísticos que só podem ser explicados no interior do
texto”.
Diante disso, de acordo com Mendonça (2006, p.
204) a Análise Linguística aliada ao texto favorece uma

22 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

reflexão crítica, posto que proporciona um mergulho nos

1
elementos linguísticos de forma consciente, conforme

Aula
citação a seguir:

A Análise Lingüística surge como alter-


nativa complementar às práticas de leitura
e produção de texto, dado que possibili-
taria a reflexão consciente sobre fenô-
menos gramaticais e textual-discursivos
que perpassam os usos lingüísticos, seja
no momento de ler/escutar, de produzir
textos ou de refletir sobre esses mesmos
usos da língua.

Dessa forma, a Análise Linguística direcionada


para elementos textuais poderá oferecer um suporte para
a compreensão dos principais mecanismos de coesão e
coerência utilizados na produção de textos portadores de
sentido.

5.1 Conceitos básicos da Linguística Textual:


coesão e coerência

Nesta parte do trabalho, faremos uma síntese


dos fundamentos teóricos da Linguística Textual, com a
finalidade de proceder à Análise Linguística de textos, com
base nessa teoria. Esclarecemos que essa revisão tem um
efeito didático, por isso será breve. Para melhor clareza em
relação a alguns conceitos, optamos por apresentá-los por
meio de tabelas. Os conceitos e exemplos relacionados à
coesão foram realizados com base em Koch (2010, p. 31-
66).
Iniciaremos esta síntese, apresentando os elementos
de coesão textual, classificados em coesão referencial e

UESC Módulo 4 I Volume 7 23


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

coesão sequencial.

5.2 Conceitos dos mecanismos de coesão


referencial

Segundo Koch (2010, p. 31), coesão referencial é


“aquela em que um componente da superfície do texto
faz remissão a outro(s) elemento(s) nela presentes ou
inferíveis a partir do universo textual” a que chama de forma
referencial ou remissiva, (primeiro elemento) e elemento
de referência ou referente textual, (segundo elemento).
Podemos encontrar duas formas de remissão, a
anáfora e a catáfora, que são feitas para trás ou para
frente, respectivamente. Vejamos no quadro 1, conforme
exemplos de Koch (2010, p. 31):

QUADRO 1

MECANISMOS
CONCEITO EXEMPLO
DE COESÃO

O homenzinho subiu
É anterior ao refe- correndo os três
rente. A anáfora tem lances de escadas. Lá
ANÁFORA
como função retomar em cima, ele parou
algo que já foi dito. diante de uma porta e
bateu furiosamente.

É posterior ao
referente. A catáfora,
Ele era tão bom, o
CATÁFORA ao contrário, tem a
meu marido!
função de anunciar o
que vai ser dito.

Na Língua Portuguesa há formas referenciais ou


remissivas que podem ser gramaticais ou lexicais. Koch

24 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

(2010) classifica essas formas em emissivas gramaticais

1
presas ou livres e remissivas lexicais. Vejamos:

Aula
Um conceito direto do que são formas remissivas
gramaticais presas (Quadro 2) é proposto por Koch (2010,
p. 34), que as classifica como “as que acompanham um
nome, antecedendo-o e também ao(s) modificador(es)
anteposto(s) ao nome dentro do grupo nominal”. Apesar
dessas formas não serem sempre artigos, quando se
encontram nessa posição (acompanhando um nome), elas
exercem a chamada “função artigo”. Observe com atenção
o Quadro 2 em que constam os mecanismos, conceitos e
exemplos expostos por Koch (2010, p. 36-43).

QUADRO 2

FORMAS REMISSIVAS GRAMATICAIS PRESAS

MECANISMOS CONCEITO EXEMPLO

O artigo indefinido re-


mete a informação que
ainda será dita, essa
Um índice importante
geralmente é a função
do descalabro da atual
Os artigos de- dessa classe, portanto
situação econômica
finidos e inde- funcionam como ele-
do país é o gradativo
finidos mento catafórico. Já
empobrecimento da
os artigos definidos,
classe média.
em modo geral, fazem
remissão à informação
que precede no texto.

O Estado é regido por


leis. Algumas leis são
constitutivas do pró-
Pronomes ad- São pronomes que exer-
prio Estado, formando,
jetivos cem a função-artigo.
assim, a Constituição.
Desta, decorrem todas
as outras leis.

UESC Módulo 4 I Volume 7 25


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Preciso de alguns alu-


nos para ajudar na
pesquisa. Dois alunos
procederão ao levan-
Numerais car- Também os numerais tamento de corpus e
dinais e ordi- podem exercer a função três alunos farão uma
nais artigo. resenha da literatura
pertinente. O primeiro
aluno que se apresen-
tar como voluntário
será coordenador.

As formas remissivas gramaticais livres são


classificadas por Koch (2010, p. 38) como “aquelas que
não acompanham um nome dentro do grupo nominal, mas
que podem ser utilizadas para fazer remissão, anafórica ou
cataforicamente, a um ou mais constituintes do universo
textual”. Para uma maior compreensão, um exemplo dessas
formas são os pronomes pessoais de 3ª pessoa (ele, ela,
eles, elas). Esses elementos linguísticos funcionam como
conexão entre o leitor/ouvinte e o elemento de referência.
O Quadro 3, apresentado a seguir, foi elaborado a partir
de Koch (2010 p. 39-52) e traz mecanismos, conceitos
e exemplos das formas remissivas gramaticais livres. É
importante que você absorva bem esta parte da teoria
para que possa reconhecê-la e/ou aplicá-la nas análises
posteriores:

QUADRO 3

FORMAS REMISSIVAS GRAMATICAIS LIVRES


MECANISMOS CONCEITO EXEMPLO
Estes pronomes for-
necem instruções de
Pronomes pesso- conexão ao leitor/
As crianças estão via-
ais de 3ª pessoa: ouvinte acerca do ele-
jando. Elas só volta-
Ele, ela, eles e mento de referência
rão no final do mês.
elas com o qual tal cone-
xão deve ser realiza-
da.

26 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

É a substituição por

1
zero: omite-se uma
Os convidados che-
palavra, uma frase,

Aula
garam atrasados.
uma oração ou todo
Ø Tinham errado o
Elipse um enunciado, facil-
caminho e custaram
mente recuperável
a encontrar alguém
pelo contexto. A elip-
que os orientasse.
se é representada
pelo símbolo Ø.
Um encapuzado
atravessou a praça
Podem ser demons- e sumiu ao longe.
Pronomes subs- trativos, possessivos, Que vulto era aquele
tantivos indefinidos, interroga- a vagar, altas horas
tivos e relativos. da noite, pelas ruas
desertas? (demons-
trativo)
Na semana passada,
Podem ser cardinais, Renata ganhou 100
Numerais ordinais, multiplicati- reais na Loteca. Hoje,
vos e fracionários. Mariana ganhou o do-
bro. (multiplicativo)
São formas remissi- Perto do parque há
Advérbios prono- vas que se reportam um pequeno restau-
minais: lá, aí, ali, a grupos nominais rante. Lá se reúnem
aqui, onde. portadores de traço muitos jovens ao en-
semântico. tardecer.
São formas dêiticas
que atuam anafórica Luciano acha que a
Expressões adver- ou cataforicamente, desonestidade não
biais como: acima, geralmente, reme- compensa. Pena é
abaixo, a seguir, tem a partes maiores que sua mulher não
assim, desse mo- do texto, como por pense {assim, desse
do etc. exemplo, predicados, modo, de modo se-
orações, enunciados melhante}.
anteriores.
É importante observar
que essas formas vêm
acompanhadas de O presidente resolveu
Formas verbais uma forma pronomi- reduzir os gastos da
remissivas (Pró- nal do tipo: o mesmo, administração públi-
formas verbais) o, isto, assim etc. E ca. Os governadores
remetem a todo o fizeram o mesmo.
predicado e não ape-
nas ao verbo.

As formas remissivas lexicais são formas que


remetem a elementos extralinguísticos e também trazem
instruções de conexão. Observe no quadro 4, conforme
Koch (2010, p. 48- 50):

UESC Módulo 4 I Volume 7 27


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

QUADRO 4

FORMAS REMISSIVAS LEXICAIS


MECANISMOS CONCEITO EXEMPLO
Reagan perdeu a
Exercem função re-
batalha no Congres-
missiva e em geral
Expressões ou so. O presidente dos
são introduzidos pelo
grupos nominais Estados Unidos vem
artigo definido ou
definidos sofrendo sucessivas
pelo pronome de-
derrotas políticas.
monstrativo.

Os grevistas parali-
Trata-se de formas
saram todas as ati-
nominalizadas que se
vidades da fábrica. A
Nominalizações remetem ao verbo e
paralisação durou uma
argumentos da ora-
semana.
ção anterior.

Incluem também A porta se abriu e


expressões com no- apareceu uma meni-
Expressões sinô-
mes genéricos (ex: na. A garotinha tinha
nimas ou quase
coisa, pessoa, fato, olhos azuis e longos
sinônimas
fenômeno). cabelos dourados.

Vimos o carro do mi-


Palavras de um mes-
nistro aproximar-se.
Hiperônimos ou mo campo semânti-
Alguns minutos de-
indicadores de co, porém com um
pois, o veículo estacio-
classe sentido mais abran-
nava adiante do Palá-
gente.
cio do Governo.

Podemos concluir que a noção de elemento de


referência é bastante ampla; e, nas palavras de Koch
(2010), o mesmo pode ser representado por um nome, um
sintagma, um fragmento de oração, uma oração ou todo
um enunciado.
É importante citar Kallmeyer (1974) apud Koch
(2010) pois afirma que a relação de referência (ou remissão)
não se estabelece apenas entre a forma remissiva e o
elemento de referência, mas também entre os contextos
que envolvem a ambos.
Como já vimos a coesão referencial, a seguir,
trataremos da coesão sequencial:

28 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

1
5.3 Conceitos de mecanismos de coesão

Aula
sequencial

Você já teve a oportunidade de ver os principais


mecanismos de coesão referencial sintetizados em
quadros. Agora, iremos tratar da coesão sequencial para
darmos seguimento à revisão teórica, utilizando a mesma
metodologia. Koch (2010, p. 53) apresenta a coesão
sequencial como importante modalidade de coesão
textual. Segundo a autora, esse mecanismo se faz através
de “procedimentos linguísticos por meio dos quais se
estabelecem, entre segmentos do texto (enunciados, partes
de enunciados, parágrafos e mesmo sequências textuais)
diversos tipos de relações semânticas e ou pragmáticas”.
Em outras palavras, alguns mecanismos permitem que
haja sequência ou progressão no texto. Quanto aos tipos,
ela pode ser parafrástica ou frástica.

5.3.1 Tipos de sequenciação

PARAFRÁSTICA – Observe que nesse tipo de


sequenciação ocorre a utilização de recursos linguísticos,
com procedimentos de recorrência de termos, com o
objetivo de tornar lenta a progressão do texto, a partir
da intencionalidade do seu produtor. É o que veremos no
Quadro 5, elaborado a partir de Koch (2010, p. 54-58).

UESC Módulo 4 I Volume 7 29


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

QUADRO 5

SEQUENCIAÇÃO
PARAFRÁSTICA –
CONCEITO EXEMPLO
PROCEDIMENTOS
DE RECORRÊNCIA

RECORRÊNCIA DE Reiteração de um E o trem corria, cor-


TERMOS mesmo item lexical. ria, corria...

Nosso céu tem mais


RECORRÊNCIA DE Utilização da mesma
estrelas, Nossas
ESTRUTURAS – PA- estrutura sintática
várzeas têm mais
RALELISMO SINTÁ- preenchida com itens
flores... (Gonçalves
TICO lexicais diferentes.
Dias)

Em todo enunciado,
fala-se de um deter-
minado estado de
O mesmo conteúdo
RECORRÊNCIA DE coisas, de uma de-
semântico é apresen-
CONTEÚDOS - PA- terminada maneira:
tado sob formas es-
RÁFRASE isto é, ao lado da-
truturais diferentes.
quilo que se diz, há
o modo como aquilo
que se diz é dito.

O poeta é um fingi-
dor: finge tão com-
RECORRÊNCIA DE Existência de uma
pletamente
RECURSOS FO- invariante, como
Que chega a fingir
NOLÓGICOS SEG- igualdade de metro,
que é dor
MENTAIS E/OU SU- rima, assonâncias,
A dor que deveras
PRASSEGMENTAIS aliterações etc.
sente. (Fernando
Pessoa)

O recanto era apra-


São três característi-
zível. O vento balan-
cas que constituem o
çava suavemente as
sistema temporal:
copas das árvores,
A atitude comuni-
os raios do sol refle-
cativa (comentar e
tiam-se nas águas do
narrar)
RECORRÊNCIA DE riacho e um perfume
A perspectiva (tem-
TEMPO E ASPECTO de flores espalhava-
pos-zero e tempos
VERBAL se pela clareira onde
retrospectivos e
descansavam os
prospectivos);
viandantes. De sú-
O relevo (divide o
bito, ouviu-se um
texto em primeiro
grande estrondo e
plano e segundo pla-
todos se puseram de
no).
pé, sobressaltados.

30 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

FRÁSTICA – Essa progressão se realiza saiba mais

1
através de encadeamentos que garantem a Na recorrência de conte-

Aula
manutenção do tema e o estabelecimento de údos poderá haver altera-
ção que consiste em ajus-
relações semânticas e/ou pragmáticas, assinaladas tar, sintetizar, desenvolver
ou ampliar o sentido pri-
por marcas linguísticas, sem a necessidade de meiro. Outros exemplos
de expressões linguísticas
retornos no fluxo da informação. Ela acontece que introduzem paráfrases
são: em outras palavras,
através de procedimentos de manutenção quer dizer, ou seja, em re-
temática, progressão temática e encadeamento sumo, em síntese, ou me-
lhor etc.
que serão explicitados a seguir:
Quanto à recorrência de
tempo e aspecto verbal,
no exemplo apresentado,
PROCEDIMENTOS DE MANUTEN- Koch baseia-se em Weinri-
ch (1964,1971) que abor-
ÇÃO TEMÁTICA - Garantem a continuidade da essa questão dentro
de uma “macrossintaxe
de sentidos do texto por meio de termos que textual”. A partir dessas
pertencem ao mesmo campo lexical, ativando características, o exemplo
poderá ser analisado da
um frame (modelo cognitivo) na memória do seguinte forma: na pri-
meira parte do texto, há a
receptor, conforme exemplo de koch (2010, recorrência do imperfeito
do indicativo, chamada de
p. 62) “O desabamento de barreiras provocou transições homogêneas,
indicando que se refere ao
sérios acidentes na estrada. Diversas ambulâncias segundo plano de um re-
transportaram as vítimas para o hospital da cidade lato.

mais próxima”. Atente para o sentido dos termos Quando acontece a mu-
dança do imperfeito para
acidentes, ambulâncias e vítimas que contribuem o perfeito do indicativo,
observa-se uma mudança
para a manutenção do tema. de perspectiva que aponta
para o primeiro plano do
relato, dando continuidade
à sequenciação parafrásti-
PROGRESSÃO TEMÁTICA – ca.
Concretiza-se a partir de blocos comunicativos
O presente do indicativo, o
denominados de tema (tópico, dado) e rema pretérito perfeito simples
e composto assim como o
(foco, comentário, novo). Danes (1970 apud futuro do presente perten-
cem ao chamado mundo
KOCH, 2010, p. 62-65) classificou o “esqueleto” comentado. Já o pretérito
perfeito simples, o pre-
da estrutura textual em cinco tipos, conforme térito imperfeito, o mais-
descritos no quadro 6, apresentado a seguir: que-perfeito e o futuro
do pretérito do indicativo
pertencem aos tempos do
mundo narrado.

UESC Módulo 4 I Volume 7 31


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

QUADRO 6

TIPOS DE PRO-
GRESSÃO TEMÁ- DEFINIÇÃO EXEMPLO
TICA

A “Eneida” é um poema
Quando o rema de
épico. Os poemas épicos
um enunciado passa
Progressão te- contêm longas narrati-
a tema do seguinte
mática linear vas. Tais narrativas in-
e o rema deste, a
cluem sempre elementos
tema do seguinte.
convencionais...

O cão é um animal qua-


Novas informações drúpede. Ele tem o corpo
Progressão te-
(remas) são acres- coberto de pelos. O cão é
mática com um
centadas a um mes- um excelente guarda pa-
tema constante
mo tema. ra as nossas casas. (ᴓ)
É um animal muito fiel.

O Brasil é o maior país


da América do Sul. A
A partir de um “hi- região Norte é ocupada
pertema” são ori- pala bacia Amazônica e
Progressão com
ginados outros te- pelo Planalto das Guia-
tema derivado
mas, denominados nas. A região Nordeste
parciais. caracteriza-se, em gran-
de parte, pelo clima se-
miárido...

O corpo humano divide-


se em três partes:
Progressão com Ocorre a progres-
A cabeça é formada de
desenvolvimento são, quando as
crânio e face. O tronco
de um tema por partes de um rema
compõe-se de tórax e
meio da subdi- superordenado são
abdômen. Os membros
visão subdivididas.
dividem-se em superio-
res e inferiores.

Toda epopeia contém


Através do contex- elementos convencio-
to, é possível dedu- nais. Um desses ele-
Progressão com zir a omissão de um mentos é o herói. ≠ ≠
salto temático segmento interme- Representante dos ideais
linear diário da cadeia de de uma nacionalidade,
progressão temá- passa por uma série de
tica. peripécias e acaba sendo
glorificado.

ENCADEAMENTO – É o mecanismo que


permite estabelecer relações semânticas e/ou discursivas

32 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

entre orações, enunciados ou sequências maiores. saiba mais

1
Para Koch (2010), a
Poderá ocorrer por justaposição ou conexão. Devido justaposição poderá

Aula
à extensão do tema e de acordo com a proposta desse ocorrer com ou sem o
uso de elementos se-
módulo, para a Análise Linguística serão privilegiados quenciadores. Dessa
forma, no texto escri-
os procedimentos de recorrência sequencial parafrástica to, a justaposição sem
partículas ultrapassa
e a recorrência sequencial frástica, apenas no que se o âmbito da coesão
textual, ou seja, dos
refere aos procedimentos de manutenção temática. elementos linguísti-
Agora que já vimos os elementos de coesão, cos, cabendo ao leitor
construir a coerência
abordaremos, a seguir, os fatores de coerência, do texto por meio de
relações semânticas e/
explicitados nos Quadros 7 e 8, com base em Koch; ou discursivas, esta-
belecidas mentalmen-
Travaglia (2011, p. 71- 100). te. A justaposição por
conexão dar-se-á por
meio de conjunções,
advérbios sentenciais
QUADRO 7
ou advérbios de texto
e com outras palavras
FATORES DE estabelecem tipos di-
CONCEITO EXEMPLO
COERÊNCIA versificados de relação
relações semânticas e/
Servem como pistas para ou pragmáticas, entre
Texto “O show” as orações, enunciados
ELEMENTOS a ativação dos conheci-
(Koch e Travaglia, ou partes do texto.
LINGUÍSTICOS mentos arquivados na
2011, p. 10)
memória.

Conhecimento que ad-


CONHECIMEN- quirimos ao longo da Esquemas, planos,
TO DE MUNDO vida em forma de mode- scripts e frames.*
los cognitivos.

Conhecimento que o Aqueles que são de


CONHECI-
produtor e receptor de conhecimento geral
MENTO COM-
um texto deve ter em de determinada
PARTILHADO
comum. cultura.

Paulo comprou um
Kadett novinho em
folha.
É operação pela qual,
utilizando seu conhe-
Inferências:
cimento de mundo, o
1 – Paulo tem um
receptor estabelece rela-
carro.
INFERÊNCIAS ções não explícitas entre
2 – Paulo tinha
segmentos de texto e os
recursos para com-
conhecimentos necessá-
prar um carro. 3 -
rios para sua compreen-
Paulo é rico.
são.
4 – Paulo é melhor
companhia que
você.

UESC Módulo 4 I Volume 7 33


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

FATORES DE Ancoram o texto em uma


As informações na
CONTEXTUA- situação comunicativa
capa de um livro.
LIZAÇÃO determinada.

Um texto que é
SITUACIONA- Adequação do texto à coerente em dada
LIDADE situação comunicativa. situação pode não
ser em outra.

O oceano é água.
Mas ele se com-
põe, na verdade,
Diz respeito ao grau de de uma solução de
INFORMATI- previsibilidade (ou ex- gases e sais.
VIDADE pectabilidade) da infor- O oceano não é
mação contida no texto. água. Na verdade,
ele é composto de
uma solução de
gases e sais.

Um mesmo texto,
É a concentração dos
dependendo da
FOCALIZA- usuários (produtor e re-
focalização, pode
ÇÃO ceptor) em apenas uma
ser lido de modos
parte do seu conheci-
totalmente diferen-
mento.
tes.

É quando o processa-
mento cognitivo (pro-
Hino Nacional Bra-
INTERTEXTU- dução/recepção) de
sileiro e Canção do
ALIDADE um texto recorre-se ao
Exílio.
conhecimento prévio de
outros textos.

A propaganda pu-
Modo como os emissores
blicitária tem a
INTENCIO- usam o texto para perse-
intenção de persu-
NALIDADE E guir e realizar suas in-
adir o consumidor
ACEITABILI- tenções. A aceitabilidade
a comprar o pro-
DADE constitui a contraparte
duto ou usufruir do
da intencionalidade.
serviço.

Numa conversação
podem existir di-
versos tópicos que
Cada enunciado de um podem ou não ser
texto deve ser consisten- englobados num
CONSISTÊN- te como os anteriores. E tópico mais amplo,
CIA E RELE- os enunciados que com- assim como os
VÂNCIA põem um texto sejam parceiros devem
relevantes para um mes- contribuir para a
*Estes são os tipos de mo tópico discursivo. manutenção do tó-
modelos cognitivos que pico conversacional
serão explicitados no com informações
quadro 8 a seguir. relevantes.

34 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

QUADRO 8

1
CONHECIMENTO
CONCEITO EXEMPLOS

Aula
DE MUNDO

Conjuntos de conheci-
mentos armazenados
na memória sob certo Carnaval, natal, via-
OS FRAMES
“rótulo”, sem que haja gem de turismo.
qualquer ordenação
entre eles.

Conjuntos de conheci- A rotina de um profis-


mentos armazenados sional, como pôr um
OS ESQUEMAS
em sequência temporal aparelho para funcio-
ou casual. nar;

Conjunto de conhe-
Como vencer uma
cimentos sobre como
OS PLANOS partida de xadrez.
agir para atingir deter-
minado objetivo.

Conjuntos de conheci-
Os rituais religiosos,
mentos sobre modos
as fórmulas de corte-
de agir altamente es-
OS SCRIPTS sia, as praxes jurídi-
tereotipados em dada
cas.
cultura, inclusive em
termos de linguagem.

Conjunto de conheci-
mentos sobre os di-
versos tipos de textos,
AS SUPERES-
que vão sendo adqui- O texto “Circuito Fe-
TRUTURAS OU
ridos à proporção que chado” Koch e Trava-
ESQUEMAS TEX-
temos contato com glia (2011, p. 73).
TUAIS
esses tipos e fazemos
comparações entre
eles.

UESC Módulo 4 I Volume 7 35


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

ATIvIDADES
ATIVIDADES

1 Com base no que foi apresentado nesta aula, defina o


objeto de estudo da Análise Linguística.

2 Explique a seguinte afirmação “o texto passa a ser visto


como unidade de ensino e a gramática é inerente aos
conhecimentos que o falante tem de sua língua”.

3 Defina os conceitos relacionados às seguintes atividades:

a) Atividade epilinguística.
b) Atividade metalingüística.

4 De acordo com o conteúdo explicitado, que relação você


consegue perceber entre a Análise Linguística e os gêneros
do discurso?

5 De forma sucinta, descreva os passos de uma sequência


didática:
a)

b)

c)

d)

36 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

6 Você viu nessa aula que o mecanismo de coesão anterior

1
ao referente chama-se anáfora e o posterior recebe o

Aula
nome de catáfora. Leia com atenção os exemplos citados e
elabore um exemplo diferente para cada mecanismo.

7 Leia com atenção o poema Não há vagas, de Ferreira


Gullar, e responda a questão explicitada a seguir:

NÃO HÁ VAGAS   

 (Ferreira Gullar)

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabem no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

- porque o poema, senhores

UESC Módulo 4 I Volume 7 37


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

está fechado:
“não há vagas”

Só cabem no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema senhores,
não fede
nem cheira
Antologia poética. Rio de Janeiro, Fontana/Summus, 1977.

a) De acordo com o Quadro 2 (pg. 25), identifique no


poema a forma remissiva gramatical presa e explique
como ela influencia na construção do significado
do texto.

8 Observe o poema “Quadrilha”, de Drummond, e


identifique os tipos de sequenciação existentes no texto.
Em seguida, confronte o texto com os fatores de coerência
e faça uma interpretação do sentido dele.

QUADRILHA
Carlos Drummond de Andrade

João amava Teresa que amava Raimundo 


que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili 
que não amava ninguém.  João foi para os
Estados Unidos, Teresa para o convento, 
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, 
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes 
que não tinha entrado na história.

38 Letras Vernáculas EAD


ANáLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

1
RESUMINDO

Aula
7Nesta aula, vimos que:
• a reflexão sobre a linguagem veicula a ideia de como
atividade discursiva e o texto como unidade de
ensino;

• uma atividade de Análise Linguística trata do


planejamento de situações didáticas que possibilitem
a reflexão sobre os diferentes recursos expressivos
utilizados pelo autor do texto e sobre a forma pela
qual a seleção de tais recursos reflete as condições
de produção do discurso e as restrições impostas
pelo gênero e pelo suporte;

• a atividade epilinguística é inerente ao conhecimento


que permite ao falante operar sobre a linguagem e a
metalinguística envolve atividades de categorização
e sistematização de elementos linguísticos;

• a Análise Linguística não deve acontecer de forma


descontextualizada, e o trabalho com o texto,
centrado nos gêneros do discurso, deve servir de
base para que se proceda a uma Análise Linguística
significativa;

• “Sequência didática” é um conjunto de atividades


escolares organizadas, de maneira sistemática, em
torno de um gênero textual oral ou escrito.

• a Análise Linguística aliada à Linguística Textual


favorece uma reflexão crítica porque proporciona
um mergulho nos elementos linguísticos textuais
de forma consciente.

8 REFERÊNCIAS

UESC Módulo 4 I Volume 7 39


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

leitura recomendada
REFERÊNCIAS
Para complementar o
conteúdo do tema da
coesão, recomenda-
mos a leitura do capítu- BAKHTIN, Mikail Mikahailovitch. Os gêneros do
lo que trata da Coesão
Sequencial em KOCH,
discurso. In. BAKHTIN, M. M. Estética da criação
Ingedore Villaça. A coe- verbal. Tradução feita a partir do francês por Maria
são textual. 22. ed. São Ermantina Galvão Gomes Pereira; revisão de tradução
Paulo: Contexto, 2010 Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
e PRESTES, Maria Luci
de Mesquita. Leitura
e (re)escritura de tex- BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros
tos: subsídios teóricos Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC,
e práticos para o seu 2000.
ensino. 4. ed. Catandu-
va, SP: Editora Rêspel,
2001. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto
Para a aula que trata da
coerência, recomenda-
ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa.
mos a leitura do capítu- Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/
lo 4 Fatores de coerên- SEF, 1998.
cia em KOCH, Ingedore
Grunfeld Villaça; TRA-
VAGLIA, Luiz Carlos. A
GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo:
coerência textual. 18. Martins Fontes, 1997.
ed. São Paulo: Contex-
to, 2011. MENDONÇA, Márcia. Análise Linguística no ensino
É importante que você
médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN,
leia, na íntegra, o tex- Clecio; MENDONÇA, Márcia (Org.). Português no
to Sequências didáticas ensino médio e formação do professor. São Paulo:
para o oral e a escri-
ta: apresentação de
Parábola, 2007. p. 199-226.
um procedimento. In.
SCHNEUWLY, Bernard KOCH, Ingedore G. Villaça. A coesão textual. 22. ed.
e colaboradores; DOLZ, São Paulo: Contexto, 2010.
Joaquim. Gêneros orais
e escritos na escola.
Tradução e organização KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; TRAVAGLIA,
de Roxane Rojo e Glaís Luiz Carlos. A coerência textual. 18. ed. São Paulo:
Sales Cordeiro. Campi- Contexto, 2011.
nas, SP: Mercado de le-
tras, 2004. p. 95-128.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Sequências didáticas para
o oral e a escrita: Apresentação de um procedimento. In:
Gêneros orais e escritos: Estudo e ensino. Campinas:
Mercado de Letras, 2004.

40 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICA: ORIGEM CONCEITUAL, OBJETO DE ESTUDO E RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES

1
Aula

UESC Módulo 4 I Volume 7 41


Suas anotações

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.......................................................................................................................
aula

2
ABORDAGEM DE MÉTODOS E
TÉCNICAS DE TRABALHO COM
ANÁLISE LINGUÍSTICA

Objetivos:
Ao final da aula, você deverá ser capaz de:

• utilizar o que orienta os PCNs sobre o uso da Análise Linguística nas aulas
de Língua Portuguesa;
• definir objetivos para as aulas, estabelecendo que competências devem
ser alcançadas;
• elaborar atividades de prática da Análise Linguística com base nos PCNs;
• diferenciar atividades de ensino tradicional de gramática e as de práti-
ca de Análise Linguística.
ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

2
Aula
1 INTRODUÇÃO

Você certamente já ouviu falar sobre o trabalho com


Análise Linguística na sala de aula. Afinal, é o que orienta
os Parâmetros Curriculares Nacionais, o que coloca essa
proposta em evidência no meio escolar e acadêmico.
Porém, como já dissemos antes, essa questão é, sem
dúvida, um desafio para professores e estudiosos da área.
Isso porque, apesar de amplas teorias nesse
sentido, o ensino de Língua Portuguesa ainda enfrenta
muitas dificuldades, principalmente no que se refere à
metodologia, isto é, maneira de abordar os conteúdos.
Então surge uma questão: como dar forma a essa Análise
Linguística em atividades de ensino e aprendizagem?
Nessa aula, vamos apresentar o que os PCNs
orientam para o trabalho com Análise Linguística no
Ensino Fundamental II e no Ensino Médio. E ainda
trazemos como sugestão uma proposta metodológica
feita por Mendonça (2006).

UESC Módulo 4 I Volume 7 45


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

2 O QUE ORIENTAM OS PARÂMETROS


CURRICULARES NACIONAIS SOBRE A
ANÁLISE LINGUÍSTICA?

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são


referenciais de qualidade; elaborados pelo Governo
Federal em 1996, não são leis, funcionam como
orientações para a formulação e reformulação dos
currículos escolares em todo país. Essas diretrizes são
obrigatórias para instituições públicas e facultativas
para a rede particular e têm como objetivo padronizar o
ensino no Brasil, sugerindo princípios para direcionar a
educação formal e a relação da escola com a sociedade.

2.1 O que sugerem os PCNs do Ensino


Nessa perspectiva, não Fundamental II?
é possível tomar como
unidades básicas do pro-
cesso de ensino as que
decorrem de uma aná- A prática de Análise Linguística proposta pelos
lise de estratos. letras/
fonemas, sílabas, pala- PCNs (1998) aponta para um ensino pautado na
vras, sintagmas, frases
que, descontextualiza-
criação de contextos efetivos de uso da linguagem que
dos, são normalmente
abarque aspectos gramaticais e também semânticos e
tomados como exemplos
de estudo gramatical e pragmáticos que categorizam o texto em determinado
pouco têm a ver com a
competência discursiva. gênero discursivo/textual.  A língua precisa ser
Dentro desse marco, a
unidade básica do ensi- trabalhada para fortalecer as práticas sociais dos alunos
no só pode ser o texto.
Os textos organizam-se em contextos que fazem parte do seu cotidiano em
sempre dentro de certas
restrições de natureza
vários espaços sociais.
temática, composicional Contrapõe-se ao ensino baseado em unidades
e estilística, que os ca-
racterizam como perten- menores como frases e classes de palavras, o que
centes a este ou àquele
gênero. Desse modo, a caracteriza a metodologia tradicional da classificação e
noção de gênero, cons-
titutiva do texto, precisa sugere a análise de uma unidade maior: o texto.
ser tomada como objeto
de ensino. (PCNs, 1998)
Nesse sentido, é necessário articular, nas atividades

46 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

de ensino, textos de diversos gêneros, considerando sua


relevância social e também suas diferentes estruturas.
Entendeu como é importante relacionar o que é estudado
na escola com aspectos da vida social do aluno?
Até aqui você já deve ter entendido que o primeiro
passo para a elaboração de uma proposta de Análise

2
Linguística é a escolha do texto/gênero, seja ele oral ou

Aula
escrito; em seguida, deve-se praticar a escuta e/ou leitura
do gênero e, por fim, permitir a reflexão e análise dos
aspectos envolvidos no texto. Os PCNs (1998) orientam
que não podemos reduzir esse processo ao trabalho
sistemático com a matéria gramatical e acrescenta que não
é justificável tratar o ensino gramatical desarticulado das
práticas de linguagem.
Reiterando o que foi dito na aula anterior, a Análise
Linguística tem o seu foco voltado para o planejamento
de questões didáticas, promove uma reflexão sobre o uso
de recursos expressivos na construção das condições de
produção do discurso e os limites impostos pelo gênero
ou suporte. Como o trabalho com a Análise Linguística
pressupõe planejamento, elaboração e refacção de textos,
vale a pena nos determos um pouco mais nesse ponto.
O termo refacção dos textos revela uma prática
pouco utilizada nas salas de aula, mas que tem efeitos
significativos na formação do aluno e no uso que ele faz
da língua. Essa prática consiste em o aluno atuar sobre
a própria linguagem, na reelaboração do próprio texto:
acrescentando, apagando, ajustando, modificando etc. Em
outras palavras, os PCNs afirmam que:

A atividade mais importante, pois, é a de


criar situações em que os alunos possam
operar sobre a própria linguagem (...). É

UESC Módulo 4 I Volume 7 47


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

a partir do que os alunos conseguem


intuir nesse trabalho epilingüístico,
tanto sobre os textos que produzem
quanto sobre os textos que lêem
que poderão falar e discutir sobre a
linguagem, registrando e organizando
essas intuições: uma atividade
metalingüística, que envolve a descrição
dos aspectos observados por meio da
categorização e tratamento sistemático
dos diferentes conhecimentos
construídos. (PCNs, 1998: 28)

Observe que os PCNs propõem uma articulação


entre as habilidades epilinguísticas e as metalinguísticas.
As primeiras consistem em comparar, reescrever,
transformar etc. seus próprios textos ou os outros textos
lidos; a segunda caracteriza-se pela sistematização dos
conhecimentos construídos, por meio da categorização,
Manini (2006) escla-
rece que, nos ciclos nomenclaturas, descrição gramatical.
anteriores [1ª. a 6ª.
séries], priorizavam-se Manini (2006) esquematizou o percurso
as atividades epilin-
güísticas, havendo de-
metodológico proposto pelos PCNs da seguinte
sequilíbrio claro entre
estas e as metalinguís-
forma: USO REFLEXÃO USO. Nesse
ticas, nesse momen- percurso, as práticas de Análise Linguística estão no
to [7ª. e 8ª. séries]
já pode haver maior eixo da reflexão e, nas palavras da autora, devem partir
equilíbrio: sem signifi-
car abandono das pri- de atividades que envolvam o  uso  da língua, como
meiras ou uso exaus-
tivo das segundas, os produção e compreensão de textos orais e escritos em
diversos aspectos do
conhecimento linguís-
diferentes gêneros discursivos/textuais, seguidas de
tico podem, principal- atividades de  reflexão  sobre a língua e a linguagem, a
mente no quarto ciclo,
merecer tratamento fim de aprimorar as possibilidades de uso.
mais aprofundado na
direção da construção
de novas formas de
organizá-lo e represen-
tá-lo que impliquem a
construção de catego-
rias, intuitivas ou não.
(PCNs, 1998)

48 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

2.2 E o que dizem os PCNs do Ensino Os PCNs dão um ex-


Médio? celente exemplo prá-
tico de como funcio-
na o ensino de Língua
Portuguesa: Tomemos
Os PCNs do Ensino Médio apontam também como exemplo um
acontecimento escolar.
para uma reflexão sobre o uso da língua na vida e na Uma professora ensi-
nou que “azul, verde,
sociedade. Instituem como princípio das ações fazer branco, as cores em

2
um diagnóstico do que o aluno sabe e do que ele ainda geral” eram adjetivos e
solicitou que os alunos

Aula
precisa aprender. E os objetivos devem visar um saber construíssem frases
com as palavras. Um
linguístico amplo, baseando-se na comunicação. Em dos alunos escreveu:
O azul do céu é bonito.
outras palavras, o que é ensinado na escola não pode O branco significa paz
etc. Logicamente um
estar dissociado do contexto social no qual o aluno está X foi colocado sobre as
frases. O porquê, o alu-
inserido.
no nunca sabe.
Com certeza, você já sabe que o ensino
tradicional de Língua Portuguesa não tem garantido
bons resultados. O aluno estuda as nomenclaturas desde
as séries iniciais e chega ao Ensino Médio sem dominá-
las. E, novamente, surge uma crítica ao conteúdo
gramatical ensinado na maioria das escolas, aquele
onde o eixo principal é descrição e norma, com base na
análise de frases e períodos deslocados da função, do
uso e do texto. Mas, se a gramática é tão estereotipada,
por que ensiná-la? O problema não está em ensiná-la,
mas sim em como ensiná-la. A gramática vai além de
um conjunto de frases deslocadas do texto, portanto
deve ser trabalhada em função da comunicação. Sobre
esse aspecto esclarecem os PCNs:

Comunicação aqui entendida como um


processo de construção de significados
em que o sujeito interage socialmente,
usando a língua como instrumento que
o define como pessoa entre pessoas. A
língua compreendida como linguagem
que constrói e ‘desconstrói’ significa-
dos sociais. (2000, p.17)

UESC Módulo 4 I Volume 7 49


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Nesse sentido, se institui o texto como a unidade


básica da linguagem verbal e deve estar inserido na sociedade,
ou seja, contextualizado. Segundo os PCNS, ele deve ser o
único objeto de análise/síntese, pois é múltiplo enquanto
possibilidade aberta à atribuição de significados. Ou seja,
o texto possibilita construção de significações por estar
inserido na sociedade, por ser resultado de uma história
cultural e social, exclusivo em cada contexto. Para melhor
compreender, vamos aos PCNs:

O processo de ensino/aprendizagem de
Língua Portuguesa, no Ensino Médio, deve
pressupor uma visão sobre o que é linguagem
verbal. Ela se caracteriza como construção
humana e histórica de um sistema linguístico
e comunicativo em determinados contextos.
Assim, na gênese da linguagem verbal
estão presentes o homem, seus sistemas
simbólicos e comunicativos, em um mundo
sociocultural (2000, p.18).

Devido a esse caráter sociointeracionista da linguagem,


a língua deve ser trabalhada centrada no eixo principal de sua
atuação, que é a função comunicativa. Nessa concepção, o
aluno deve ser considerado como produtor de textos, como
interlocutor que pode ser compreendido por meio dos textos
que produz, como a fala e a escrita. É o que podemos chamar
de “processo de adequação da língua às situações de uso”. É a
interação que dá caráter comunicativo à linguagem.

50 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

2.2.1 Competências e habilidades a serem


desenvolvidas em Língua Portuguesa

Os PCNs do Ensino Médio sugerem que o processo


de ensino/aprendizagem da Língua Portuguesa deve basear-
se em propostas interativas língua/linguagem, linguagem

2
no sentido de capacidade humana de articular significados

Aula
e compartilhá-los. Na intenção de destacar a natureza
interativa e social da linguagem, o documento estabelece
competências e habilidades a serem desenvolvidas em
alunos de Língua Portuguesa:

1- Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação


de acordos e condutas sociais e como representação simbólica
de experiências humanas manifestas nas formas de sentir,
pensar e agir na vida social. (Brasil, 2000, p. 20)

Trata-se aqui da construção da identidade por meio


da variedade linguística, sugerindo que a escola abra espaço
para essas diferenças, reconhecendo-as como válidas e
existentes no espaço público. O documento acrescenta:
“Compreender as diferenças não pelo seu caráter
folclórico, mas como algo com o qual nos identificamos
e que faz parte de nós como seres humanos, é o princípio
para aceitar aquilo que não sabemos”. (Brasil, 2000, p. 20)

2 – Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,


relacionando textos/contextos, mediante a natureza, função,
organização, estrutura, de acordo com as condições de
produção/recepção (intenção, época, local, interlocutores
participantes da criação e propagação de idéias e escolhas)
(Brasil, 2000, p. 20).

UESC Módulo 4 I Volume 7 51


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Fala-se aqui da capacidade humana de produzir


textos e promover diálogos com outros textos, gerando
intertextos diversos que geralmente não são intencionais.
Há uma multiplicidade de vozes em um mesmo texto
e, dependendo da intenção do interlocutor, estruturas
linguísticas iguais assumem significados diferentes.
Outro aspecto abordado é a necessidade de o aluno
reconhecer os gêneros discursivos e produzir textos
inseridos em um gênero. Os PCNs orientam que:

Toda e qualquer análise gramatical, es-


tilística, textual deve considerar a dimen-
são dialógica da linguagem como ponto
de partida. O contexto, os interlocutores,
gêneros discursivos, recursos utilizados
pelos interlocutores para afirmar o dito/
escrito, os significados sociais, a função
social, os valores e o ponto de vista deter-
minam formas de dizer/escrever (Brasil,
2000, p. 21).

3 – Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes


manifestações da linguagem verbal.

Chama-se atenção para a importância de promover


a liberdade de expressão do aluno. O indivíduo deve optar
por um ponto de vista em situações determinadas, expondo
seu pensamento, debatendo opiniões e formulando ideias.
A escola deve promover o diálogo:

Não enxergamos outra saída, senão o


diálogo, para que o aluno aprenda a con-
frontar, defender, explicar suas idéias de
forma organizada, em diferentes esferas
de prática da palavra pública, compreen-
dendo e refletindo sobre marcas de atu-
alização da linguagem (a posição dos in-

52 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

terlocutores, o contexto extraverbal, suas


normas, de acordo com as expectativas
em jogo, à escolha dos gêneros e recur-
sos) (Brasil, 2000, p. 22).

Assim, o aluno fará escolhas adequadas na fala


e na escrita, construirá uma visão crítica sobre o texto,
ampliando seus significados. Na íntegra, “poderá ver-

2
se no texto e ver o texto como objeto, dialogar com o

Aula
‘outro’ que o produziu, criar seu próprio texto”. (Brasil,
2000, p.22)

4 – Compreender e usar a Língua Portuguesa como


língua materna, geradora de significação e integradora da
organização do mundo e da própria identidade.

O uso da língua depende do conhecimento que


se tem do que se diz, do que se escreve e da escolha de
gêneros e tipos de discurso. Daí surge a necessidade de
desenvolver a competência escritora do aluno, reforçando
que ele merece ser lido e ouvido. O documento orienta:
“fazer o aluno se compreender como um texto em diálogo
constante com outros textos” (Brasil, 2000, p.23).
Você observou que os PCNs do Ensino Médio
não utilizam o termo “Análise Linguística”? Ainda assim,
podemos perceber sua presença em passagens como:
definição dos objetivos, escolha do texto/gênero, toda
análise (seja gramatical, seja estilística etc.) deve ser
centrada no texto. O texto deve estar inserido no contexto
social, o aluno deve ser considerado como produtor de
textos, e ainda propõem uma reflexão sobre a língua em
seu contexto e possibilidades de uso na sociedade. O que
seria essa proposta senão a prática de Análise Linguística?

UESC Módulo 4 I Volume 7 53


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

3 QUE ANÁLISE LINGUÍSTICA UTILIZAR


NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA?

O primeiro desafio enfrentado pelo professor


é definir que tipo de Análise Linguística utilizar. Isso
mesmo! Existe mais de um tipo de análise possível e
consequentemente leva a resultados diferentes, o que
torna mais embaraçosa ainda a atuação do professor.
Sabe por onde podemos começar? Definindo o que
se pretende alcançar com essa proposta, ou seja,
estabelecendo objetivos. Por exemplo, se você pretende
formar um falante mais competente, esse princípio vai
nortear a proposta a ser realizada.
Mendonça (2007) cita
um exemplo relatado Já está mais que provado que o ensino da língua
por uma professora do
Ensino Médio: ao mes-
pautado apenas em exercícios estruturais de gramática
mo tempo em que ela não apresenta resultados satisfatórios. Estamos
abordava os pronomes
a partir da classe e de vivendo uma fase de transição, onde as práticas de
suas subclassificações
e nomenclaturas es- ensino de língua portuguesa evidenciam um misto de
pecíficas - ensino de
gramática -, começou perspectivas: ainda existe a metodologia tradicional,
também a fazer uma
reflexão sobre a função
mas outras práticas também estão ocupando espaço.
textual como recurso
É compreensível a dificuldade dos professores
coesivo de retomadas
diferentes - Análise em aceitar e utilizar uma nova perspectiva de ensino,
Linguística. Essa pro-
fessora ainda revelou devido à proposta teórico-metodológica ser diferente
sentir certa angústia,
uma vez que não con- da prática diária. Diante desse contexto, emerge a
seguia fazer o mesmo
com outros conteúdos proposta da prática da Análise Linguística no lugar das
curriculares.
aulas tradicionais de gramática.

54 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

3.1 Uma proposta metodológica para prática


de Análise Linguística

A Análise Linguística evidencia a necessidade de


refletir sobre a linguagem e seus usos. Você acha que para
trabalhar com Análise Linguística é preciso eliminar a

2
gramática da sala de aula? Se responder que não, está certo!

Aula
Ao contrário do que muitos pensam, a Análise Linguística
não desconsidera a gramática, até porque é impossível
fazer uso da língua ou refletir sobre ela sem gramática.
Mas, como funciona a Análise Linguística na
prática? Essa proposta abarca vários aspectos, inclusive
os estudos gramaticais, porém de um ponto de vista
diferente, pautado nos objetivos a serem alcançados. Para
você entender melhor, vamos a uma citação de Geraldi
(1997, p. 74):

A Análise Lingüística inclui tanto o tra-


balho sobre questões tradicionais de
gramática quanto questões amplas a
propósito do texto, [...] entre as quais
vale a pena citar: coesão e coerência in-
ternas do texto; adequação do texto aos
objetivos pretendidos; análise dos recur-
sos expressivos utilizados (metáforas,
paráfrases, citações, discursos direto e
indireto etc.); organização e inclusão de
informações etc.

Essa ideia de que a prática de Análise Linguística


elimina o trabalho com a gramática se justifica pela
dificuldade que se tem de articular as duas propostas,
as aulas de português são realizadas, geralmente, numa
perspectiva ou em outra, dificilmente são integradas. É
necessário ficarmos atentos para não reduzirmos e/ou

UESC Módulo 4 I Volume 7 55


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

simplificarmos o ensino da língua, no sentido de limitá-lo,


sobre essa questão Geraldi (1997, p. 74) comenta:

Essencialmente, a prática de Análise


Lingüística não poderá limitar-se à
higienização do texto do aluno em seus
aspectos gramaticais e ortográficos,
limitando-se a ‘correções’. Trata-se de
trabalhar com o aluno o seu texto para
que ele atinja seus objetivos junto aos
leitores a que se destina.

Entendeu como é importante a definição de


objetivos? É o que pretendemos alcançar e que norteará a
proposta a ser realizada.

3.1.1 Ensino de gramática X prática de


Análise Linguística

Para melhor esclarecer as diferenças básicas entre


o ensino exclusivo de gramática e a prática de Análise
Linguística, Mendonça (2007, p. 207) elaborou um quadro
ilustrativo:

QUADRO 9

ENSINO DE PRÁTICA DE
GRAMÁTICA ANÁLISE LINGUÍSTICA

Concepção de língua como Concepção de língua como ação


sistema, estrutura inflexível e interlocutiva situada, sujeita às
invariável. interferências dos falantes.

Fragmentação entre os eixos


Integração entre os eixos de en-
de ensino: as aulas de gramá-
sino: a Análise Linguística é ferra-
tica não se relacionam neces-
menta para leitura e a produção
sariamente com as leituras e
de textos.
de produção textual.

56 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

Metodologia transmissiva, ba-


Metodologia reflexiva, baseada na
seada na exposição dedutiva
indução (observação dos casos
(do geral para o particular, is-
particulares para a conclusão das
to é, das regras para o exem-
regularidades/regras).
plo) mais treinamento.

Privilégio das habilidades me- Trabalho paralelo com habilidades


talingüísticas. metalingüísticas e epilingüísticas.

Centralidade da norma-pa- Centralidade dos efeitos de sen-

2
drão. tido.

Aula
Ausência de relação com as
especificidades dos gêneros,
Fusão com o trabalho com os
uma vez que a análise é mais
gêneros, na medida em que con-
de cunho estrutural e, quan-
templa justamente a interseção
do normativa, desconsidera o
das condições de produção dos
funcionamento desses gêne-
textos e as escolhas lingüísticas.
ros nos contextos de interação
verbal.

Unidades privilegiadas: a pa-


Unidade privilegiada: o texto.
lavra, a frase e o período.

Preferência pelos exercícios


Preferência por questões abertas
estruturais de identificação
e atividades de pesquisa, que exi-
e classificação de unidades/
gem comparação e reflexão sobre
funções morfossintáticas e
adequação e efeitos de sentido.
correção.

É possível notar alguma diferença? Está claro


que sim! Observe que a prática de Análise Linguística é
muito mais ampla, abarca várias possibilidades, substitui
categorização/classificação por reflexão, parte do
texto/gênero para a conclusão das regularidades/regras
e não das regras para o exemplo, isso quer dizer que Segundo Geraldi (1997),
centrar o ensino no tex-
o trabalho é centrado no texto de diferentes gêneros, to é ocupar-se e preo-
considerando o contexto de uso, em vez de privilegiar o cupar-se com o uso da
língua. Trata-se de pen-
trabalho com a palavra, a frase e o período apenas. sar a relação de ensino
como o lugar de práticas
Privilegia, também, questões abertas e pesquisa de linguagem e, a partir
delas, com a capacidade
que exigem comparação e reflexão sobre os efeitos de de compreendê-las, não
para descrevê-la como
sentido, ao invés de optar pelos exercícios estruturais. faz o gramático, mas
para aumentar as possi-
E ainda agrupam as habilidades epilinguísticas que bilidades de uso exitoso
seriam comparar, transformar, reinventar, reescrever da língua.

UESC Módulo 4 I Volume 7 57


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

etc., as habilidades metalinguísticas que são voltadas


para sistematização dos conhecimentos, fazendo o uso
de nomenclatura. Pode-se dizer, então, que a Análise
Linguística funciona como auxílio para as práticas de
ensino de língua materna.
Como sugestão metodológica para organização
das atividades de Análise Linguística, Mendonça (2007,
p. 209) sugere a seguinte sequência: leitura, produção
escrita, Análise Linguística e reescrita com o mesmo
objetivo proposto por Geraldi (1997): detectar o
problema na produção textual, para então decidir o que
será o objeto da análise. Essa estratégia se resume no
Quadro 10:

QUADRO 10

ORDEM DAS ATIVIDADES OBJETIVOS

USO DA Detectar os problemas


LÍNGUA no texto e definir qual
será o objetivo da Aná-
lise Linguística para
Análise Reescrita/ melhoria da produção
Leitura
Linguística Refacção escrita.
(Geraldi, 1997)
revisando conceito

O que é sequência
didática?
A sequência didática
Esse esquema de ordem das atividades se alia
é definida como “um ao que é proposto por Schneuwly; Dolz (2004) como
conjunto de ativida-
des escolares orga- solução para a parte metodológica, o procedimento
nizadas, de maneira
sistemática, em torno “sequência didática”, com intuito de oferecer uma
de um gênero textual
oral ou escrito.” (SCH- maneira precisa e, de certa forma, sistemática de
NEUWLY; DOLZ, 2004,
p. 97). Uma sequência
trabalhar a língua portuguesa em sala de aula, mas sem
didática tem como ob-
jetivo auxiliar o aluno
a pretensão de esgotar as possibilidades desse trabalho
a produzir textos orais com o texto.
e escritos adequados
ao contexto e às prá- Mas por que usar esta organização? É simples,
ticas de comunicação.
a reflexão organizada e esquematizada sobre a língua

58 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

ajuda o aluno a desenvolver habilidades essenciais para sua


formação de falante competente e leitor eficiente. Observe
também que nesse esquema a Análise Linguística funciona
como ferramenta para as práticas na sala de aula e se situa no
eixo da reflexão junto com a reescrita. Em resumo, o aluno
faz uso da língua com a leitura, interpretação e a escrita,

2
reflete sobre a língua com a Análise Linguística e com a

Aula
reescrita do texto e, por fim, volta a fazer uso consciente
da linguagem em seus contextos comunicativos.
Ficou clara a diferença entre o ensino tradicional
de gramática e a prática de Análise Linguística? Para
esclarecer melhor, Mendonça (2007, p. 210) elaborou
uma tabela resumindo as principais diferenças entres essas
práticas.

QUADRO 11

ENSINO DE GRAMÁTICA
Objeto de Estratégia mais
Competência esperada
ensino usada
- Exposição de
frases e períodos
Sujeito e - Identificar e classificar os ter-
para identificação
predicado mos em orações e períodos.
e classificação dos
termos.
- Resolução de - Utilizar as formas verbais cor-
exercícios com retas em frases e períodos, ge-
Concordân- frases e períodos ralmente preenchendo lacunas.
cia verbal para escrita da - Justificar a concordância, ex-
forma verbal cor- plicitando a regra prescrita pela
reta. gramática normativa.
ANÁLISE LINGUÍSTICA
Objeto de Sugestão de estra-
Competência esperada
ensino tégias

UESC Módulo 4 I Volume 7 59


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

- Análise e com-
- Perceber a que termo o ver-
paração de textos,
bo se refere (qual é o sujeito),
especialmente
para efetuar a concordância, de
produções dos alu-
acordo com a norma-padrão.
nos com posterior
- Habituar-se a consultar gra-
Concordân- reescrita; consulta
máticas para tirar dúvidas nos
cia verbal e a gramáticas para
casos menos comuns.
referência compreender por
- Compreender as regras aí
que determinada
apresentadas para ser capaz
concordância se
de recorrer às gramáticas com
faz de certa forma
autonomia em momentos de
etc.
dúvidas.

Preste atenção ao fato de que os conteúdos


trabalhados são os mesmos, tanto em uma perspectiva
como na outra. Então o que tem de diferente? Observe
que os objetivos se diferem, o que leva à utilização de
estratégias também distintas. Isso torna o tratamento dos
mesmos fenômenos em práticas pedagógicas diferentes. E,
novamente, não deixe de observar que a Análise Linguística
não descarta a gramática normativa como muitos pensam.
Se a Análise Linguística propõe a reflexão sobre a língua e
seu uso de forma competente, como poderíamos fazê-lo
sem a utilização da gramática?

4 ATIVIDADES
ATIvIDADES

1 Faça um breve resumo em tópicos do que propõem os


PCNs para o Ensino Fundamental II.

2 Você acha possível descartar a gramática das aulas de


Língua Portuguesa? Justifique.

3 A proposta metodológica sugerida por Mendonça (2007)


tem base nos PCNs? Justifique com fragmentos do texto.

60 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

4 Observe a proposta de atividade a seguir. Identifique


e classifique os verbos encontrados na música Todos os
verbos de Zélia Duncan, de acordo com os tempos verbais
encontrados.

2
a) Agora responda: essa proposta de atividade é

Aula
voltada para a Gramática Tradicional ou para a
Análise Linguística? Justifique sua resposta.
b) Ouça a música, encontre os verbos que estão
presentes e explique o que eles representam no
contexto do texto.

Todos os Verbos – Zélia Duncan

Errar é útil
Sofrer é chato
Chorar é triste
Sorrir é rápido
Não ver é fácil
Trair é tátil
Olhar é móvel
Falar é mágico
Calar é tático
Desfazer é árduo
Esperar é sábio
Refazer é ótimo
Amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo
E nele sempre cabem
de vez

UESC Módulo 4 I Volume 7 61


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Abraçar é quente
Beijar é chama
Pensar é ser humano
Fantasiar também
Nascer é dar partida
Viver é ser alguém
Saudade é despedida
Morrer um dia vem
Mas amar é profundo
E nele sempre cabem de vez
Todos os verbos do mundo

c) Contextualize o texto com dados sobre a produção


da música: período de composição, compositor
(a) e alguma informação adicional que você puder
encontrar; como, por exemplo, se ela(e) compôs a
música em algum momento especial de sua vida ou
se é uma homenagem a alguém.
d) Após a audição da música, identifique o tema
central, as ideias que a música traz sobre o amor
e qual a frase que traz a ideia central da música.
Justifique sua resposta.
e) Indique e exemplifique qual é o elemento linguístico
que está em destaque no texto.
f) De que forma esses verbos influenciam para que a
música retrate as questões que dizem respeito ao
relacionamento amoroso?
g) Você conhece as formas nominais verbais? O verbo
dessa forma ajuda a construir a interpretação do
texto? Justifique.
h) O que você achou dessas atividades? Elas são
epilinguísticas ou metalinguísticas? Reflita e

62 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANáLISE LINGUÍSTICA

justifique sua resposta.


i) Agora é sua vez. Escolha um texto e elabore
uma proposta com base em Análise Linguística
com atividades epilinguísticas, de acordo com
as orientações dos PCNs. Escolha um gênero,
estabeleça os objetivos a serem alcançados e elabore

2
as estratégias de análise textual.5 RESUMINDO

Aula
RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:

• os PCNs (Fundamental II e Ensino Médio)


apontam para uma reflexão sobre o uso da língua
em seu contexto social. Adotam um percurso
metodológico que se resume em: uso-reflexão-uso;
• a Análise Linguística está no eixo reflexão;
• a prática de Análise Linguística não descarta a
gramática tradicional, apenas não a tem como
prioridade de ensino. O problema não está em
ensiná-la, mas em como ensiná-la;
• é importante articular o trabalho com atividades
epilinguísticas e metalinguísticas;
• a diferença entre o ensino de gramática e a prática
de Análise Linguística não está no conteúdo, mas
sim nos objetivos e nas estratégias adotadas para
uma prática pedagógica diferente.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros


Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC,
2000.

______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros

UESC Módulo 4 I Volume 7 63


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do


ensino fundamental: Língua Portuguesa. Secretaria
de EducaçãoFundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. São Paulo:


Martins Fontes, 1997.

MANINI, Daniela. Eixo da reflexão, conhecimentos


linguísticos, Análise Linguística ou... Ensino de
gramática: o que propõem os PCNS, o que trazem os
LDPS. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/
site/alunos/publicacoes/textos/e00013.htm>. Acesso
em 06 nov 2012, às 23:17h.

MENDONÇA, Márcia. Análise Linguística no ensino


médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN,
Clecio; MENDONÇA, Márcia (Org.). Português no
ensino médio e formação do professor. São Paulo:
Parábola, 2007. p. 199-226.

SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. Sequências didáticas para


o oral e a escrita: Apresentação de um procedimento. In:
leitura recomendada Gêneros orais e escritos: Estudo e ensino. Campinas:
Para complementar esta Mercado de Letras, 2004.
nossa aula, recomendo a
leitura do capítulo “Prá- TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Que Análise Linguística
ticas de sala de aula”, do
livro de GERALDI et al.
operacionalizar no ensino de Língua Portuguesa? In:
O texto na sala de aula. Anais do II Seminário Nacional sobre Linguística e
São Paulo: Martins Fon- Ensino de Língua Portuguesa – O ensino de língua
tes, 1997. p. 59-79.
Portuguesa no séc. XXI: desafios e possibilidades. Rio
Grande do Sul: FURG, 2010. Disponível em: <http://
www.senallp.furg.br/index.php?option=com_con
tent&view=article&id=30:queanalise-linguistica-
operacionalizar-no-ensino-de-lingua-portuguesa-luiz-
carlostravaglia-ileelufu&catid=1:2010&Itemid=14>.
Acesso em 3 jul 2012, às 15:30h.

64 Letras Vernáculas EAD


ABORDAGEM DE MÉTODOS E TÉCNICAS DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

2
Aula

UESC Módulo 4 I Volume 7 65


Suas anotações

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aula

3
COESÃO REFERENCIAL:
ANÁLISE DE TEXTOS

Objetivos:
Ao final da aula, você deverá ser capaz de:

• identificar mecanismos de coesão referencial no texto;


• analisar textos-gêneros com base nos fatores de coesão referencial;
• compreender como os mecanismos de coesão referencial contribuem
para o sentido do texto.
COESÃO REFERENCIAL: ANÁLISE DE TEXTOS

1 INTRODUÇÃO

3
Na aula passada, você viu a abordagem de métodos

Aula
e técnicas de trabalho com Análise Linguística de forma
bastante detalhada. Nesta aula, você estudará a coesão
referencial e seus mecanismos. Os elementos de referência,
com base em Koch (2010), são os itens da língua que não
podem ser interpretados semanticamente por si mesmos,
mas remetem a outros itens do discurso necessários à sua
interpretação.
Vamos analisar, à luz dos fatores de coesão
referencial, o editorial “Disparidade educacional”, do
jornal “A Tarde” e os textos “Quem salva o Jorge?” e “E
para promotor, situação de Bruno piorou com condenação
de macarrão” do jornal “Folha de São Paulo”. Na intenção
de reforçarmos a teoria do gênero, utilizaremos gêneros
jornalísticos. Vamos tomar como parâmetro os conceitos
propostos por Koch (2010) em seu livro “A coesão textual”,
desta forma, utilizaremos, em boxe, exemplos dados pela
autora, a fim de facilitar a sua compreensão. Salientamos
que a proposta aqui realizada não tem a pretensão de
esgotar os textos analisados, nem os mecanismos de
coesão referencial.

UESC Módulo 4 I Volume 7 69


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

2 COESÃO REFERENCIAL: MECANISMOS DE


REFERÊNCIA QUE CONSTROEM O SENTIDO
DO TEXTO

DISPARIDADE EDUCACIONAL

Os resultados do Enem (Exame Nacional de


Ensino Médio), divulgados na quinta-feira, estão
longe de ser um perfeito indicador de qualidade das
escolas brasileiras.
Afinal, uma instituição de ensino (1) não serve
apenas para preparar alunos para um exame que define
aqueles estudantes que vão ser aceitos em determinadas
faculdades. Sua principal função é prepará-los para a
vida (2). Algo muito mais fácil de mensurar.
Isso (3) não significa que não possa fazer um
diagnóstico a partir das notas médias (4) alcançadas
pelas escolas. Com elas (5), educadores podem
identificar falhas no processo de ensino e redefinir
prioridades.
Ficou claro que quem precisa analisar os dados
(6) com mais atenção são os governos estaduais. É
gritante a diferença de pontuação (7) obtida pelas
escolas públicas e privadas no país.
A primeira escola estadual a aparecer no
ranking nacional é o Instituto de Aplicação Fernando
Rodrigues da Silveira, do Rio de Janeiro, na 60ª
colocação.
A situação encontrada na Bahia é ainda mais
grave. A instituição mantida pelo governo do Estado
melhor colocada é a Thales de Azevedo, de Salvador,

70 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANÁLISE DE TEXTOS

na 4973ª posição entre 10.076 escolas.


Os alunos da Thales de Azevedo obtiveram
uma nota média de 511,52 na prova. Já os Ø (8) dos
Colégios Helyos, de Feira de Santana, melhor baiana
no ranking nacional (11ª posição), alcançaram 694,52.
A discrepância se dá nas notas obtidas na prova
de matemática. Enquanto os estudantes da escola
particular obtiveram média de 782,62, os Ø (9) da
estadual não passaram dos 534,87.
Muitos vão dizer que há aí (10) um componente

3
familiar. Pais de escolas particulares tendem a

Aula
participar mais da vida escolar dos filhos, o que
comprovadamente ajuda no processo pedagógico.
Mas isso (11) não basta para explicar as diferenças.
Para sobreviver à concorrência (12), as escolas
privadas (13) têm mesmo oferecido um ensino
melhor. Cabe aos estados um grande esforço para não
permitir que o fosso entre as duas realidades fique
ainda maior.
(Jornal “A Tarde”, Salvador, 25 de novembro de
2012). Grifos nossos.

Observem no texto acima os elementos destacados.


Todos eles desenvolvem funções específicas, pois de
alguma forma fazem remissão a outro elemento no texto.
Assim, sua principal função é prepará-los para a vida de (2)
remete a uma instituição de ensino de (1).
O termo isso de (3) retoma a ideia do parágrafo
anterior de que uma escola não serve apenas para preparar
alunos para um exame que define aqueles que vão ser

UESC Módulo 4 I Volume 7 71


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

aceitos em determinadas faculdades. Em seguida, Com


elas de (5) faz remissão a notas médias de (4).
Em (6), os dados referem-se à pontuação em
(7). Assim, (8) e (9) suprimem os sintagmas nominais
alunos e estudantes, respectivamente. Aí, em (10),
remete à situação de discrepância do parágrafo anterior.
Isso, em (11), retoma o período anterior. E, por fim,
as escolas privadas em (13) completa para sobreviver à
concorrência de (12), citado anteriormente.
saiba mais
Todos os elementos destacados em itálico
Para compreender me-
lhor os conceitos de funcionam no texto como mecanismos de coesão
anáfora e catáfora, Koch
(2010, p.31) exempli- referencial que, nas palavras de Koch (2010), é aquela em
fica com as seguintes
frases:
que o componente da superfície do texto faz remissão

1. O homenzinho subiu
a outro (s) elemento(s) nela presentes ou inferíveis
correndo os três lan- a partir do universo textual. O primeiro elemento é
ces de escadas. Lá em
cima, ele parou diante chamado de forma referencial ou remissiva, e o segundo,
de uma porta e bateu
furiosamente. (anáfora) elemento de referência ou referente textual.
2. Ele era tão bom, o
meu marido! (catáfora) Podemos encontrar duas formas de remissão,
a anáfora e a catáfora, que são feitas para trás ou para
frente, respectivamente.

2.1 Análise do editorial “Disparidade


educacional”

No texto “Disparidade educacional” encon-


tramos várias formas de remissão ao referente. No
trecho “Afinal, uma instituição de ensino (1) (...) Sua
principal função é prepará-los para a vida (2)” observe
que o termo (2) é a forma remissiva do referente textual
em (1), ou seja, ao elemento anterior, nesse caso temos
uma anáfora. A anáfora tem como função retomar algo

72 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANÁLISE DE TEXTOS

que já foi dito.


Já em “Para sobreviver à concorrência (12), as
escolas privadas (13)”, o termo (12) é a forma referencial
do elemento de referência em (13), então temos, nesse
caso, uma catáfora, pois o referente vem depois da
forma remissiva. A catáfora, ao contrário da anáfora,
tem a função de anunciar o que vai ser dito.
Ao elaborar um texto, utilizamos mecanismos de
referência e os artigos definidos e indefinidos englobam
essa categoria, observem: “Muitos vão dizer que há aí
um componente familiar. Pais de escolas particulares

3
tendem a participar mais da vida escolar dos filhos, o

Aula
que comprovadamente ajuda no processo pedagógico”.
O artigo indefinido destacado nesse trecho remete
à informação que ainda será dita, essa geralmente é a
função dessa classe, portanto, funciona como elemento
catafórico.
Em outro trecho do texto “A situação
encontrada na Bahia é ainda mais grave. A instituição
mantida pelo governo do Estado melhor colocada é
a Thales de Azevedo, de Salvador, na 4973ª posição
entre 10.076 escolas”. Nesse caso, estão em destaque É importante saber que
Weinrich (1971,1973),
os artigos definidos que fazem remissão à informação citado por Koch (2010,
p. 36)
que precede no texto, que trata da péssima posição das
escolas estaduais no ranking nacional. De modo geral, [...] mostra que o arti-
go definido pode não só
os artigos definidos têm função anafórica. remeter a informações
do contexto preceden-
Koch (2010) ressalva que a remissão, por meio te, como a elementos
da situação comunica-
de artigo, à informação subsequente (catafórica) só tiva e ao conhecimento
prévio – culturalmente
pode ocorrer dentro do mesmo enunciado, ao passo partilhado – dos inter-
locutores, como, por
que a remissão à informação anterior (anafórica) pode exemplo, em o sol, o
ultrapassar – e geralmente ultrapassa – os limites do cristianismo etc.; a
classes, gêneros ou ti-
enunciado que o contém. pos [...]

UESC Módulo 4 I Volume 7 73


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

atenção É importante destacar outras formas remissivas


É importante saber que também exercem a função-artigo. No trecho a
que além de pronomes
demonstrativos (este, seguir, fica evidenciado “Afinal, uma instituição de
esse, aquele, tal) ou-
tros também podem
ensino não serve apenas para preparar alunos para
ser pronomes adjeti- um exame que define aqueles estudantes que vão ser
vos. Verifiquem a clas-
sificação e os exem- aceitos em determinadas faculdades”. O pronome
plos dados por Koch
(2010, p.37-38): demonstrativo “aqueles” exerce função de artigo. Nessa
Possessivos: meu, frase, ele pode ser facilmente substituído por “os” sem
teu, seu, nosso, vosso,
dele.
prejudicar o sentido da oração.
13. Joana vendeu a
casa. Depois que seus
Na construção de um texto, utilizamos vários
pais morreram num mecanismos de coesão para não repetirmos palavras e
acidente, ela não quis
continuar vivendo lá. enunciados todo tempo. De outro modo, o nosso texto
Indefinidos: algum, ficaria circular e isso comprometeria o sentido. Neste
todo, outro, vários, di-
versos etc. enunciado: “Isso não significa que não possa fazer um
14. O Estado é regido
por leis. Algumas leis
diagnóstico a partir das notas médias (4) alcançadas pelas
são constitutivas do escolas. Com elas (5), educadores podem identificar
próprio Estado, for-
mando, assim, a Cons- falhas no processo de ensino e redefinir prioridades”.
tituição. Desta, decor-
rem todas as outras O termo (4) é recuperado pelo (5) posteriormente,
leis.
é uma forma de manter o sentido do texto, evitando
Interrogativos: quê?
qual?
a repetição lexical. Isso é feito através do pronome
15. Hoje vamos falar
sobre animais inverte-
pessoal “elas” que faz remissão a “notas médias”. Nesse
brados. Que animais caso, trata-se de uma referência anafórica, uma vez que
são esses?
o referente precede a forma remissiva.
Relativo: cujo.
16. É esta a árvore Outro mecanismo que contribui para não
cuja sombra os viajan-
tes costumavam des- circularidade do texto, consiste em se omitir uma
cansar.
palavra, uma frase, uma oração ou todo um enunciado
facilmente recuperáveis pelo contexto. Nota-se, por
exemplo, nessa frase: “Os alunos da Thales de Azevedo
obtiveram uma nota média de 511,52 na prova. Já os
Ø  dos Colégios Helyos, de Feira de Santana, melhor
baiana no ranking nacional (11ª posição), alcançaram
694,52”. Observe que o termo “os alunos” é omitido

74 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANÁLISE DE TEXTOS

na segunda oração, porém o período não perde o saiba mais

sentido. Os pronomes substanti-


vos, segundo Koch (2010,
O mesmo acontece nesse trecho: “A p.40-43) ainda se dividem
em:
discrepância se dá nas notas obtidas na prova de
Demonstrativos
matemática. Enquanto os estudantes da escola
particular obtiveram média de 782,62, os Ø da Grupo 1: este, esse, aque-
le, tal, o mesmo.
estadual não passaram dos 534,87”, na qual o termo Grupo 2: isto, isso, aqui-
lo, o.
“os estudantes” também é substituído sem perda
Os demonstrativos do
do significado. grupo 1 concordam em
gênero e número com o
Esse fenômeno é definido por Koch (2010) elemento de referência.
como uma substituição por zero, a chamada elipse, Exemplos:

3
ela é representada pelo símbolo Ø. Então “os alunos” 25. Um encapuzado atra-

Aula
vessou a praça e sumiu ao
e “os estudantes” são referentes e o elemento de longe. Que vulto era aque-
le a vagar, altas horas da
remissão é a elipse. noite, pelas ruas desertas?

Na constituição textual, existem elementos 26. Teria dinheiro, muito


dinheiro, carros de luxo e
que substituem orações inteiras dentro de um mulheres belíssimas. Tais
texto. Vejam: “Isso não significa que não possa eram as fantasias que lhe
passavam pela mente en-
fazer um diagnóstico a partir das notas médias quanto se dirigia para a
estação. (...)
alcançadas pelas escolas”. Nesse trecho o pronome
Sobre o grupo 1, Koch
demonstrativo “isso” remete ao período anterior, (2010) diz que este pode
ainda exercer função loca-
que traz a ideia de que a escola deve preparar os lizadora, ou seja, pode dar
alunos para a vida também e não só para um exame. ao leitor/ouvinte instru-
ções sobre a localização
O “isso” leva o leitor à oração anterior e deixa o dos respectivos referentes
no texto. Com relação ao
texto com sentido completo sem repetições. O grupo 2, a autora coloca
que este, geralmente, re-
mesmo acontece em: “Mas isso (11) não basta para mete a fragmentos, ora-
ções, enunciados ou todo
explicar as diferenças”. contexto anterior.
É indicada a leitura das
Outros elementos linguísticos também páginas 41 e 42 de Koch
substituem períodos inteiros, vejam um trecho (2010) que trazem exem-
plos de pronomes pos-
de “Disparidade educacional”: “Muitos vão dizer sessivos, indefinidos, in-
terrogativos e relativos
que há aí (10) um componente familiar. Pais de utilizados como formas re-
missivas empregadas em
escolas particulares tendem a participar mais da frases.

vida escolar dos filhos, o que comprovadamente

UESC Módulo 4 I Volume 7 75


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

saiba mais ajuda no processo pedagógico”. O termo (10) se refere


Segundo Koch (2010) à situação mencionada no parágrafo anterior que fala da
os advérbios pronomi-
nais: lá, aí, ali, aqui, discrepância entre as notas obtidas entre alunos da rede
onde são formas que
fazem remissão a gru-
pública e os da rede particular.
pos nominais dotados,
geralmente, de tra-
O texto “Disparidade educacional” está repleto
ço semântico. E ainda de formas remissivas das mais diferentes formas. Essas
afirma que expressões
adverbiais do tipo: aci- formas constroem o sentido do texto e cooperam para
ma, abaixo, a seguir,
assim, desse modo sua coerência global. A falta desses mecanismos resulta
etc. são formas dêiti-
cas que atuam anafóri- em um texto “truncado” com informações repetidas
ca ou cataforicamente,
geralmente, remetem
e irrelevantes comunicativamente, e, portanto,
a partes maiores do considerado incoerente.
texto, como por exem-
plo, predicados, ora-
ções, enunciados an-
teriores. Exemplo de
Koch (2010, p.47):
“Luciano acha que a
3 ANÁLISE DO TEXTO “QUEM SALVA O
desonestidade não JORGE?”
compensa. Pena é que
sua mulher não pense
assim.”
QUEM SALVA O JORGE?
A autora ainda fala das
formas verbais remis- Com repetições narrativas de outros trabalhos de
sivas (Pró-formas ver-
bais) e exemplifica:
Gloria Perez, atual novela das 21h da Globo tem
“O presidente resolveu pior audiência nos últimos 12 anos.
reduzir os gastos da
administração pública.
Os governadores fize-
ram o mesmo”. (Koch, ALBERTO PEREIRA JR. DE SÃO PAULO.
2010, p. 47)

É importante observar
que essas formas vêm
Batizada com nome de santo católico (1),
acompanhadas de uma
forma pronominal do
também cultuado em religiões afro-brasileiras, a
tipo: o mesmo, o, isto, novela “Salve Jorge” (2), da Globo, parece mesmo
assim etc. e remetem
a todo o predicado e precisar de ajuda divina.
não apenas ao verbo.
Há mais de um mês no ar, a trama (3) das
21h não emplacou. Os primeiros 26 capítulos do
folhetim (4) tiveram média de 30,8 pontos no Ibope
cada ponto equivale a 60 mil domicílios na Grande
São Paulo. É o pior índice entre novelas (5) do

76 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANÁLISE DE TEXTOS

horário no canal em 12 anos.


E não dá para culpar o horário eleitoral recém-
encerrado nem o horário de verão.
Quando sua (6) antecessora, “Avenida Brasil”,
entrou no ar, havia menos televisores (7) ligados em
São Paulo: 60,2% sintonizavam algum canal, hoje,
60,7% Ø (8) estão ligados.
Curiosamente, a Globo foi a rede que mais
perdeu fatia nesse bolo. Entre março e abril, tinha
59,6% do total de TVs ligadas (9). Em outubro e

3
novembro, caiu para 50,8%.
No período, o SBT foi o canal que mais cresceu.

Aula
Saltou de 4,5 para 7,8 pontos no Ibope, passando de
7,5% para 12,8% dos aparelhos ligados (10).
Discípula de Janete Clair, a autora Glória Perez
já está mexendo na história. Aumentou a participação
de Carolina Dieckmann, que morreria vítima do
tráfico humano logo no início. Veterana na TV, ela
dividirá espaço com Nanda Costa, que estreia como
protagonista.
O núcleo da Turquia, semelhante ao de “O
Clone” (2001) e “Caminho das Índias” (2009),
perderá espaço.

(Jornal “A folha de São Paulo”, São Paulo, 25 de novembro de 2012).


Grifos nossos.

Se você observar, irá perceber que o texto “Quem


salva o Jorge?” tem um início catafórico, o termo (1)
tem como referente a expressão “a novela Salve Jorge”.
Isso acontece porque o referente vem depois da forma
referencial. Nesse caso, o elemento de referência é

UESC Módulo 4 I Volume 7 77


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

saiba mais representado por uma oração, mas também pode ser
A autora cita as ex- composto por um nome, um sintagma etc. O sentido
pressões sinônimas ou
quase sinônimas como da oração (1) é recuperado pela (2).
forma remissiva lexical
e exemplifica:
No texto, o autor também faz uso de expressões

“A porta se abriu e
equivalentes em significados, observem: “Há mais de
apareceu uma menina. um mês no ar, a trama (3) das 21h não emplacou. Os
A garotinha tinha olhos
azuis e longos cabelos primeiros 26 capítulos do folhetim (4) tiveram média
dourados.”
de 30,8 pontos no Ibope. Cada ponto equivale a 60 mil
E ainda traz expres-
sões com nomes gené- domicílios na Grande São Paulo. É o pior índice entre
ricos (ex: coisa, pes-
soa, fato, fenômeno):
novelas (5) do horário no canal em 12 anos”. Os termos
(3), (4) e (5) são o que Koch (2010) chama de expressões
“A multidão ouviu o
ruído de um motor. sinônimas ou quase sinônimas que funcionam como
Todos olharam para o
alto e viram a coisa se recurso para a eliminação da repetição.
aproximando.” (KOCH,
2010, p.50) No trecho: “Quando sua (6) antecessora,
“Avenida Brasil”, entrou no ar, havia menos televisores
(7) ligados em São Paulo: 60,2% sintonizavam algum
canal, hoje, 60,7% Ø (8) estão ligados”. O pronome
possessivo “sua” se refere à “novela Salve Jorge”. O uso
desse mecanismo evita a redundância do texto. Já em
(8), o termo (7) é omitido, mas o sentido é mantido
e pode ser facilmente recuperado pelo contexto. A
palavra “televisores” é ocultada na intenção de deixar o
saiba mais
texto mais elegante e com maior fluência.
Koch (2010, p. 50)
classifica os itens lexi- Nessa produção escrita, encontramos palavras
cais que designam gê-
nero ou espécie como que designam gênero ou espécie com a finalidade de
Hiperônimos ou indica-
dores de classe. Veja
referenciar outro termo, vejam: “Curiosamente, a
o exemplo: “Vimos o Globo foi a rede que mais perdeu fatia nesse bolo. Entre
carro do ministro apro-
ximar-se. Alguns mi- março e abril, tinha 59,6% do total de TVs ligadas (9).
nutos depois, o veículo
estacionava adiante do Em outubro e novembro, caiu para 50,8%. No período,
Palácio do Governo.”
Neste exemplo, o ter- o SBT foi o canal que mais cresceu. Saltou de 4,5 para
mo “veículo” designa o
gênero e “carro” é es-
7,8 pontos no Ibope, passando de 7,5% para 12,8%
pécie.
dos aparelhos ligados (10)”. O item lexical “aparelhos”

78 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANÁLISE DE TEXTOS

designa o gênero de que TV é espécie.

4 ANÁLISE DO TEXTO “PARA PROMOTOR,


SITUAÇÃO DE BRUNO PIOROU COM A
CONDENAÇÃO DE MACARRÃO”

PARA PROMOTOR, SITUAÇÃO DE BRUNO


PIOROU COM A CONDENAÇÃO DE
MACARRÃO

3
Aula
PAULO PEIXOTO
ENVIADO ESPECIAL A CONTAGEM (MG)

O julgamento e a condenação de Macarrão, ex-


amigo do goleiro Bruno, serviu para mostrar que Eliza
Samúdio morreu, afirma o promotor do caso Henry
Wagner de Castro. “O próximo passo é constatar quem
a matou”, diz.
O corpo de Eliza, que desapareceu em 2010,
nunca foi encontrado. Por isso, a principal tese da defesa
de Bruno (1) é que a morte não havia ocorrido. Em
seu julgamento, porém, Macarrão afirmou que levou a
vítima até seu assassino a mando do atleta (2).
A condenação de Macarrão tornou a situação
mais difícil para Bruno se defender (3). A defesa (4) do
ex-goleiro, entretanto dá sinais de que deve manter
o questionamento. Para o novo defensor do goleiro,
Lúcio Adolfo da Silva, apesar de Macarrão ter admitido a
existência do crime, a comprovação de que o assassinato
de Eliza ocorreu não consta no processo.

UESC Módulo 4 I Volume 7 79


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

“Não se trata de discutir se ela está viva ou morta.


Para a defesa, a questão é que não há prova nos autos”,
diz o advogado, para quem há uma “martirização” do
goleiro pelo fato de ele ter sido um ídolo do futebol.
“A defesa não tem que provar que ela está viva, a
Promotoria é que precisa provar que ela está morta”, diz
Silva, que assumiu na quarta-feira a defesa de Bruno, após
a destituição e substituição dos defensores anteriores.
Por conta dessas manobras, o julgamento dele foi
desmembrado, a exemplo do júri do ex-policial Marcos
Aparecido dos Santos, o Bola, o suposto matador, e o
da ex-mulher do goleiro, Dayanne Souza, acusada de
sequestro e cárcere. Os três serão julgados em março
de 2013.
Além de Macarrão, também foi julgada no
mesmo dia a ex-namorada de Bruno, Fernanda Castro,
condenada a cinco anos em regime aberto pelo sequestro
e cárcere privado de Eliza e do bebê, que atualmente
tem dois anos e dez meses e vive com a avó materna,
Sônia Moura.
Macarrão ficará na mesma penitenciária em que
Bruno está preso, em Contagem.
Ao proferir a sentença de Macarrão e Fernanda,
a juíza do caso, Marixa Rodrigues, destacou a situação
do bebê diante da morte da mãe, que tinha 25 anos na
época.
“As consequências do homicídio foram graves.
Eis que a jovem Eliza teve a sua vida ceifada de modo
brutal, deixando órfã uma criança.”
(Jornal “A folha de São Paulo”, São Paulo, 25 de
novembro de 2012). Grifos nossos

80 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANÁLISE DE TEXTOS

Nessa análise, vamos nos limitar às formas saiba mais

remissivas não encontradas nos outros textos Essa forma remissiva


lexical é classificada
analisados. Nesse texto, podemos encontrar formas por Koch (2010, p.48)
como “expressões ou
que remetem a elementos extralinguísticos e também grupos nominais de-
finidos” que exercem
trazem instruções de conexão. Notem: “O corpo de função remissiva e em
Eliza, que desapareceu em 2010, nunca foi encontrado. geral são introduzidos
pelo artigo definido ou
Por isso, a principal tese da defesa de Bruno é que a pelo pronome demons-
trativo. A autora dá o
morte não havia ocorrido. Em seu julgamento, porém, seguinte exemplo: (...)
“Reagan perdeu a ba-
Macarrão afirmou que levou a vítima até seu assassino a talha no Congresso. O
presidente dos Estados
mando do atleta”. Unidos vem sofrendo
A palavra “atleta” causa no texto o que Koch sucessivas derrotas

3
políticas (KOCH, 2010,
(2010) define como “ativação parcial” de propriedades p. 48).

Aula
e características do elemento de referência que a
precede. Nesse caso, o dado referente seria “Bruno”,
que é caracterizado pela forma remissiva “atleta” que
remete a sua profissão. saiba mais
Ainda nesse texto identificamos: “A condenação Koch (2010, p. 49)
de Macarrão tornou a situação mais difícil para Bruno chama de Nominaliza-
ções o que se trata de
se defender (3). A defesa (4) do ex-goleiro, entretanto formas nominalizadas
que “se remetem ao
dá sinais de que deve manter o questionamento”. O verbo e argumentos da
oração anterior”. A au-
termo (4) é a forma nominalizada do verbo anterior, ou tora ratifica a definição
com o seguinte exem-
seja, faz remissão ao termo (3). plo: (...) “Os grevistas
Ao longo dessa aula pudemos observar que a paralisaram todas as
atividades da fábrica.
noção de elementos de referência é bastante ampla, e, A paralisação durou
uma semana” (KOCH,
nas palavras de Koch (2010), podem ser representados 2010, p. 50).

por um nome, um sintagma, um fragmento de oração,


uma oração ou todo um enunciado. O referente vai se
desenvolvendo no decorrer do texto, “vai incorporando
traços que lhe vão sendo agregados à medida que o texto
se desenvolve”. E é importante citar Kallmeyer (1974)
apud Koch (2010) que diz que a relação de referência
(ou remissão) não se estabelece apenas entre a forma

UESC Módulo 4 I Volume 7 81


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

remissiva e o elemento de referência, mas também entre


os contextos que envolvem a ambos.
Fica claro que para o emprego de mecanismos
como os que foram aqui abordados é preciso saber mais
do que nomenclatura gramatical, é necessário estabelecer
articulações que fazem sentido remetendo ao ponto certo,
cada retomada pronominal, cada elipse criada ou cada
mecanismo de coesão referencial utilizado. Nas palavras
de Travaglia (2003, p. 107), é “impossível, pois, usar a
língua e aprender a língua sem reflexão sobre ela”. Essa
afirmação constitui a tese central da Análise Linguística
de textos.

82 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANáLISE DE TEXTOS

ATIvIDADES
5 ATIVIDADES

Observe o texto a seguir:

INSERIR MOLDURA
Pior escola do Enem diz que falta de professores e
‘ressaca’ justificam resultado

“Eu chorei, a diretora chorou, todo mundo

3
chorou”, assim Carina Gomes dos Santos, 16, descreveu

Aula
a reação dos alunos e professores do Colégio Aquiles
Lisboa, em São Domingos do Azeitão (MA), que
obteve a pior nota no Enem 2011.
A diretora do colégio, Leia Barbosa da Silva,
atribui o mau desempenho à realidade socioeconômica
local, ao descaso do Estado em relação à educação e à
ressaca dos alunos no dia do exame.
Entre os alunos, poucos têm condição de fazer
um curso superior. Não há faculdade na cidade, e a opção
mais próxima é um centro da Universidade Estadual do
Maranhão que fica a 180 km da cidade.
Além do perfil dos estudantes, problemas de
falta de professores contribuíram para o resultado no
Enem. A diretora diz que, no ano passado, os alunos
permaneceram sem professor de química, filosofia e
sociologia até junho. Neste ano, quatro dos professores
concursados estão dando aulas em disciplinas nas quais
não são formados. Destes, três vêm de outras cidades
para lecionar.

UESC Módulo 4 I Volume 7 83


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

De acordo com a diretora, os alunos que


prestaram o exame no ano passado não estavam em
condições de fazer a prova. Ela conta que eles viajaram
a São João dos Patos, a 140 km da cidade, para fazer
o Enem e lá participaram de uma festa com música e
bebida alcoólica.
Leonardo Dina da Silva, 19, um dos alunos que
prestou o Enem no ano passado, confirmou: “A maioria
nem compareceu para a prova no primeiro dia porque
estava de ressaca”, lembra.
“Estamos tristes porque essa nota não representa
a realidade da nossa escola”, afirma a diretora, que diz
que o colégio é um dos mais organizadas do Estado, com
biblioteca, laboratório de ciências e até ar condicionado.
Em nota, a Secretaria de Educação do Maranhão
informou que vem realizando investimentos para
alavancar os índices educacionais do Estado.
(Folha de São Paulo, 26 de novembro de 2012, disponível em: http://
www1.folha.uol.com.br/educacao/1191200-pior-escola-do-enem-diz-que-
falta-de-professores-e-ressaca-justificam-resultado.shtml)

1- Leia o texto, “Pior escola do Enem diz que falta


de professores e ‘ressaca’ justificam resultado”,
da folha de São Paulo, visando os mecanismos de
coesão referencial. Para relembrar os conceitos,
apresentamos uma síntese logo a seguir:

Anáfora e catáfora

Formas gramaticais presas (os artigos definidos e


indefinidos, pronomes adjetivos e numerais cardinais e
ordinais).

84 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANáLISE DE TEXTOS

Formas gramaticais livres (pronomes pessoais de 3ª


pessoa: ele, ela, eles e elas, elipse, pronomes substantivos,
numerais e advérbios pronominais, expressões adverbiais do
tipo: acima, abaixo, a seguir, assim, desse modo etc. e formas
verbais remissivas - pró-formas verbais).
Formas gramaticais lexicais (expressões ou grupos
nominais definidos, nominalizações, expressões sinônimas
ou quase sinônimas e hiperônimos ou indicadores de classe).

2- Destaque, no texto lido, as formas remissivas e seus


respectivos elementos de referência ou referente

3
textual. Explique e exemplifique com trechos do texto
como acontece esse processo de coesão.

Aula
6 RESUMINDO
RESUMINDO

Nesta aula, você viu que:

• A coesão referencial é aquela em que o componente


da superfície do texto faz remissão a outro (s)
elemento(s) nela presente (s) a partir do universo
textual. O primeiro elemento é chamado de forma
referencial ou remissiva, e o segundo elemento, de
referência ou referente textual.

• Podemos encontrar duas formas de remissão, a anáfora


e a catáfora, que são feitas para trás ou para frente,
respectivamente.

• Um conceito direto do que são formas remissivas

UESC Módulo 4 I Volume 7 85


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

gramaticais presas é proposto por Koch (2010). Estas


vêm relacionadas ao nome com o qual concordam
em gênero e/ou grau, antecedendo-o e ao(s) possível
(is) modificador (es) do nome dentro do grupo
nominal, e que, embora não sendo sempre artigos,
exercem, nessas condições, a “função-artigo”. Ex: os
artigos definidos e indefinidos, pronomes adjetivos e
numerais cardinais e ordinais.

• As formas remissivas gramaticais livres, segundo


Koch (2010), são aquelas que não acompanham um
nome dentro do grupo nominal, mas que podem
ser utilizadas para fazer remissão, anafórica ou
cataforicamente, a um ou mais constituintes do
universo textual. Ex: pronomes pessoais de 3ª pessoa:
ele, ela, eles e elas, elipse, pronomes substantivos,
numerais e advérbios pronominais, expressões
adverbiais do tipo: acima, abaixo, a seguir, assim,
desse modo etc. e formas verbais remissivas (pró-
formas verbais).

• As formas remissivas lexicais remetem a elementos


extralinguísticos e também trazem instruções
de conexão. Ex: expressões ou grupos nominais
definidos, nominalizações, expressões sinônimas ou
quase sinônimas e hiperônimos ou indicadores de
classe.

• A noção de elementos de referência é bastante ampla, e


nas palavras de Koch (2010), podem ser representados
por um nome, um sintagma, um fragmento de oração,
uma oração ou todo um enunciado.

86 Letras Vernáculas EAD


COESÃO REFERENCIAL: ANáLISE DE TEXTOS

REFERÊNCIAS
7 REFERÊNCIAS

ARAI, Daniela. Pior escola do Enem diz que falta de


professores e ‘ressaca’ justificam resultado.
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/
educacao/1191200-pior-escola-do-enem-diz-que-falta-
de-professores-e-ressaca-justificam-resultado.shtml>.
Acesso em: 06 dez 2012.

CARDOSO, Jary. Disparidade educacional. Jornal A


tarde. Salvador em 25 de novembro de 2012, p. 3.

KOCH, Ingedore G. Villaça. A coesão textual. 22. ed.


São Paulo: Contexto, 2010.

3
Aula
PEREIRA, Alexandre Jr. Quem salva o Jorge? Folha de
São Paulo. São Paulo em 25 de nov 2012. Ilustrada, p. 1.

PEIXOTO, Paulo. Para promotor, situação de Bruno


piorou. Folha de São Paulo. São Paulo em 25 de nov 2012.
Cotidiano, p. 17.

TRAVAGLIA. Luiz Carlos. Gramática e interação: uma


proposta para o ensino de gramática. 9 ed rv. São Paulo:
Cortez, 2003.

UESC Módulo 4 I Volume 7 87


Suas anotações

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aula

4
ANÁLISE LINGUÍSTICA DE
TEXTOS COM BASE NA COESÃO
SEQUENCIAL

Objetivos:
Ao final da aula, você deverá ser capaz de:

• proceder à Análise Linguística de textos com ênfase na coesão se-


quencial;
• identificar e analisar os procedimentos linguísticos utilizados para a
progressão textual;
• diferenciar a sequenciação parafrástica da sequenciação frástica e
sua utilização em textos diversos.
ANÁLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

1 INTRODUÇÃO

Para que você possa compreender melhor como se


procede a Análise Linguística, a proposta de análise textual
apresentada nessa aula tem como base os procedimentos
linguísticos utilizados para a progressão textual,
denominados sequenciação parafrástica e sequenciação
frástica, centrada nos procedimentos de manutenção
temática, de acordo com o que foi explicitado na aula 1.

4
Aula
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DA MÚSICA

Escolhemos para essa análise, a música Muito Tudo


do RPM. Para início de conversa, vale ressaltar que a banda
RPM, uma banda de rock brasileiro surgida em 1985 e
que fez grande sucesso em 1986 e 1987, voltou aos palcos
em 2011, com Paulo Ricardo, Luiz Schiavon, Fernando
Deluqui e Paulo Pagni, depois de aproximadamente 23
anos sem gravar. A música “Muito Tudo” faz parte do
novo álbum, denominado “Elektra”, produzido por
Paulo Ricardo e Luiz Schiavon, que traz letras leves,
com exceção para duas canções: “Problema Seu” e Muito
Tudo”, que trazem tema reflexivo, e de cunho político
respectivamente.

UESC Módulo 4 I Volume 7 91


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DA MÚSICA


“MUITO TUDO” DO RPM

A seguir, apresentamos a música “Muito Tudo”


que será utilizada para a Análise Linguística centrada
na coesão sequencial. Essa abordagem está priorizando
aspectos globais do texto que, segundo Antunes (2010,
p. 23) representa “aquilo que lhe confere centralidade e
unidade semântico-pragmática, como sua concentração
temática ou a finalidade comunicativa predominante”.
Para tanto, faz-se necessário atentar para o todo em
detrimento das partes, com vistas a abarcar a atividade
epilinguística, cujo conceito foi apresentado, na aula
1, como um conhecimento que permite ao falante
operar sobre a linguagem e abarcar também a atividade
metalinguística que envolve atividades de categorização
e sistematização de elementos linguísticos, mas com a
finalidade de apreender o sentido do texto e não a título
de exemplificação de questões gramaticais isoladas.

Muito Tudo
RPM

Eu não quero mais falar da violência nas cidades (1)


Eu não quero nem saber qual é a grande novidade (2)
Eu não tenho paciência pra política e o poder (3)
Eu não vou dizer mais nada se eu não sei o que dizer
(4)

É muita informação e pouco conteúdo (5)


É muito grave, muito médio e muito agudo (6)
É muita pretensão e muito pouco estudo (7)
É muita festa, muita coisa, muito tudo (8)

92 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

E eu queria mudar o mundo, o mundo... Pra você


Mas às vezes sinto que o mundo me muda...

Eu não tenho saco pra gente que só pensa em dinheiro


(9)
E não se dá conta de que tudo isso é passageiro (10)
Essa euforia, essa angústia, esse desespero (11)
De emergente, de pré-sal, de BRIC e o sonho brasileiro
(12)

É muita informação e pouco conteúdo (13)


É muita informação e pouco conteúdo (14)
É muita pretensão e muito pouco estudo (15)
É muita festa, muita coisa, muito tudo (16)
E eu queria mudar o mundo, o mundo... Pra você
Mas às vezes sinto que o mundo me muda... (17)

4
Tanta dor, tanta notícia, tanto sofrimento em vão (18)

Aula
Tanto site, tanta mídia, muita ofensa e pouco pão (19)

Tanta oferta, tanto anúncio e um Picasso no leilão (20)


Quem dá mais, quem pode mais se tudo está em
liquidação? (21)

É muita informação e pouco conteúdo


É muito grave, muito médio e muito agudo
É muita pretensão e muito pouco estudo
É muita festa, muita coisa, muito tudo
E eu queria mudar o mundo, o mundo... Pra você (22)
Mas às vezes sinto que o mundo me muda
E eu queria mudar o mundo, o mundo... Pra você (23)
Mas às vezes eu me pergunto, pergunto... “Por quê?” (24)

(grifos nossos)

UESC Módulo 4 I Volume 7 93


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Vimos, na exposição do Quadro 5, que um dos


procedimentos da sequenciação frástica diz respeito à
recorrência de termos a partir da reiteração de um mesmo
item lexical. Observe no exemplo (1) e (2) a repetição
de “Eu não quero...”, no primeiro e no segundo versos.
Trata-se de um recurso expressivo bastante utilizado em
composições musicais, que atende à intencionalidade
do compositor da música com fins de enfatizar
determinados elementos recorrentes. Segundo Koch
(2010, p. 55), “cada um deles traz consigo novas
instruções de sentido que são acrescentadas às do termo
anterior”. É perceptível que, enquanto o primeiro verso
aborda a violência das cidades, o segundo repete “Eu não
quero...”, entretanto, acrescenta uma nova informação,
dizendo que não quer saber qual é a grande novidade.
Observe também no exemplo (1) Eu não quero
mais falar da violência nas cidades e (2) Eu não quero
nem saber qual é a grande novidade a existência da
recorrência de estruturas, denominadas de paralelismo
sintático, assim como nos exemplos (13), (14), (15) e
(16). Conforme vimos anteriormente, nesse tipo de
recorrência ocorre a utilização de mesma estrutura
sintática, preenchida com itens lexicais diferentes, que
faz o texto progredir ao acrescentar novas informações,
diferentemente da recorrência de um conteúdo
semântico igual, apresentado sob formas estruturais
diferentes, que também é chamado de paráfrase.
Segundo Bentes (2001, p. 280)

A reiteração dos termos desempenha


um papel fortemente argumentativo,
como se a repetição das estruturas

94 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

funcionasse de forma que registrasse,


de maneira definitiva na memória do
leitor, as críticas feitas aos referentes
textuais.

Esse recurso foi bastante utilizado ao longo dessa


canção, como nos exemplos (5), (6), (7) e (8).
Outro tipo de sequenciação frástica utilizado para
a construção do sentido do texto foi a recorrência de
recursos fonológicos segmentais e/ou suprassegmentais
que se atualizam a partir da existência de metro, ritmo,
assonâncias, aliterações etc.
É possível observar que na música “Muito Tudo”
foi utilizado o recurso da rima, presente em todos os
versos do poema/música, trazendo a beleza estética do
texto literário através do jogo de sonoridade que poderá
ser explicitado pelos exemplos nos finais dos versos

4
(1) ao (21). De acordo com a versificação, poderemos

Aula
afirmar que, na primeira estrofe, foi utilizado o recurso
da rima emparelhada, do tipo AABB, e que, nas
demais, a rima ficou por conta da semelhança sonora
de segmentos externos, terminados em /u/, recurso
chamado de aliteração por se tratar da repetição de um
segmento vocálico.

saiba mais
Para entender melhor a organização dos recur-
sos musicais, sonoros e rítmicos das palavras é
preciso conhecer sobre a função poética da lin-
guagem, expressa pelo recurso expressivo da
conotação que não é exclusivo da Literatura,
sendo usada também em letras de músicas. O
estudo desses recursos é chamado de versifi-
cação.

UESC Módulo 4 I Volume 7 95


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

saiba mais

Os elementos suprassegmentais são recursos fonológicos ou prosódicos, que são verificados


no nível da entoação como a duração, os acentos. Esses fatos de natureza fônica que não
entram na segmentação monemática e fonética.

Para esclarecer melhor o tema da versificação, LISLOPES (2008) diz que:

VERSIFICAÇÃO é o estudo de recursos musicais utilizados na construção de textos poéticos.


(...) O VERSO E SEUS RECURSOS MUSICAIS: verso é uma sucessão de sílabas ou fone-
mas que formam uma unidade rítmica e melódica em geral correspondente a uma linha do
poema. Os versos se organizam em estrofes. Estrofes ou estância é um agrupamento de
versos. De acordo com o número de versos que apresentam, as estrofes recebem a seguinte
denominação:

Dístico - dois versos


Terceto – três versos
Quadra ou quarteto – quatro versos
Quintilha – cinco versos
Sextilha ou sexteto – seis versos
Septilha ou sétima – sete versos
Oitava – oito versos
Nona – nove versos
Décima – dez versos

A melodia que caracteriza o verso é o resultado de alguns recursos presentes na poesia: a


métrica, o ritmo, a rima a aliteração e a assonância.
A métrica: a métrica é a medida dos versos, isto é, o número de sílabas poéticas que apre-
sentam. Para determinar a medida de um verso, divide-se em sílabas poéticas, esse processo
chama-se escansão.
A divisão poética é diferente da divisão silábica gramatical, pois as vogais átonas são agru-
padas numa única sílaba e a contagem de sílabas deve ser feita até a última sílaba tônica.
Compare a divisão silábica gramatical com a divisão poética de um verso:

Divisão silábica: Dor/me/  ru/a/zi/nha ... É/ tu/do/  es/cu/ro...


E/ os/ meus/ pas/sos/, quem/ é/  que/ po/de/ ou/ vi/-/los?

Divisão poética: Dor/me,/ ru/a/zi/nha... É/ tu/do  es/ cu/ro... 10


E os / meus/ pas/sos,/ quem/ é/ que/ po/de ou/ vi-/los? 10   versos decassílabos

Há o encontro de duas vogais tônicas ou átonas no final da palavra e início da outra. Além dis-
so, na divisão silábica poética, a contagem para na última sílaba tônica. De acordo com o nú-
mero de sílabas poéticas, os versos recebem o nome de: monossílabo – dissílabo – trissílabo
...redondilha menor ou pentassílabo (cinco sílabas) – redondilha maior ou heptassílabo (sete
sílabas) o octossílabo (oito sílabas) – decassílabo (dez sílabas), e alexandrino (doze sílabas).

RITMO: Um poema também tem um ritmo, que lhe é dado pela alternância das sílabas acen-
tuadas e não acentuadas, com maior ou menor intensidade.

RIMA: É o recurso musical baseado na semelhança sonora das palavras. Rima externa (no
final dos versos), e às vezes rima interna (no interior dos versos). As rimas classificam-se
segundo sua organização em esquemas: Interpoladas: ABBA;  intercaladas: ABAB; em-
parelhadas: AABB. Os versos que não apresentam rimas são chamados de versos brancos.

Outros recursos sonoros


Aliteração – é a repetição constante de um mesmo fonema consonantal.
Assonância - é a repetição constante de um mesmo fonema vocálico.

96 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

Observou-se no texto a recorrência de tempo e


aspecto verbal da seguinte forma: como o texto apresenta,
em sua quase totalidade, verbos no tempo presente do
modo indicativo, podemos dizer que se situam como
verbos do mundo comentado; entretanto, quando ocorre
a mudança no refrão da música para a forma: “Eu queria
mudar o mundo, o mundo pra você...”, pertence ao pretérito
imperfeito do modo indicativo, portanto passa a pertencer
ao mundo narrado. Para Koch (2010), a recorrência do
tempo verbal é importante porque tem função coesiva,
indicando a função comunicativa, a perspectiva da atitude
do falante e os planos em que ocorrem os relatos.
De acordo com essa proposta de análise, os recursos
utilizados para a construção do texto contribuíram
significativamente para a construção do seu significado. A
análise desse texto privilegiou a sequenciação parafrástica.

4
A partir do título “Muito Tudo”, formado por um advérbio

Aula
de intensidade (muito) e por um pronome indefinido
(tudo), que, de acordo com o contexto apresentado,
tem a intenção de retratar essa invasão provocada pela
globalização que valoriza a quantidade e a rapidez da
informação, o poder, a mídia e o dinheiro que, na visão do
compositor, é como se fossem ruídos dissonantes e que
redundam na fome e no sofrimento de muitos.
Percebeu-se pelos 2 últimos versos da segunda
estrofe em forma de refrão que o eu lírico da música
expressa o desejo de mudar o mundo, mas é o mundo que
o muda. No último verso do refrão, no final da música,
ocorre uma mudança em que o eu lírico repete o que
foi dito antes: E eu queria mudar o mundo, o mundo...
prá você/ Mas às vezes eu me pergunto... “Por quê”? Essa
pergunta, acompanhada de interrogação, demonstra uma

UESC Módulo 4 I Volume 7 97


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

crise existencial em que ele mesmo não sabe o porquê


dessa necessidade de mudança.
Para levar a cabo a sua crítica/denúncia do atual
estado das coisas, o compositor utilizou inúmeros
recursos, que foram desde o contexto até os elementos
linguísticos lexicais e gramaticais. De acordo com essa
ótica, para se chegar ao sentido do texto, é preciso
atentar para a utilização de recursos linguísticos e itens
gramaticais. Segundo Antunes (2010, p. 18), tudo o que
um texto significa é formado por um conjunto de diversos
fatores como:

• Resulta dos elementos contextuais em


que esse texto funciona como parte
de um evento comunicativo.

• Resulta de um conhecimento de
mundo ativado pelo conjunto de
elementos contextuais e textuais.

• Resulta de unidades lexicais postas ou


pressupostas na superfície do texto.

• Resulta das unidades gramaticais em


suas múltiplas categorias, relações e
funções.

Portanto o seu significado é construído com a soma


de inúmeros fatores que dizem respeito não somente
ao texto em si, mas também ao leitor desse texto, cuja
posse de determinados conhecimentos favorecerá uma
interpretação mais significativa. Cabe ressaltar que
essa proposta de análise não pretende esgotar todas as
possibilidades que o texto oferece, entretanto discorre,

98 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

de forma sistematizada e com finalidade didática, sobre a


coesão sequencial parafrástica, sendo necessário, para que
você tenha um melhor entendimento dessa abordagem,
retornar aos conceitos pré-estabelecidos na aula1, no que
se refere a esse conteúdo.

4 ANÁLISE DO TEXTO “DEGRAUS DA


ILUSÃO” COM BASE NA SEQUENCIAÇÃO
FRÁSTICA

DEGRAUS DA ILUSÃO
(Artigo publicado na edição impressa de VEJA)

Lya Luft

4
Aula
1. Fala-se muito na ascensão das classes menos
favorecidas, formando uma “nova classe média”,
realizada por degraus que levam a outro patamar
social e econômico (cultural, não ouço falar).
Em teoria, seria um grande passo para reduzir a
catastrófica desigualdade que aqui reina.

2. Porém receio que, do modo como está se


realizando, seja uma ilusão que pode acabar em
sérios problemas para quem mereceria coisa
melhor. Todos desejam uma vida digna para os
despossuídos, boa escolaridade para os iletrados,
serviços públicos ótimos para a população
inteira, isto é, educação, saúde, transporte,
energia elétrica, segurança, água, e tudo de que

UESC Módulo 4 I Volume 7 99


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

precisam cidadãos decentes.

3. Porém, o que vejo são multidões consumindo,


estimuladas a consumir como se isso constituísse
um bem em si e promovesse real crescimento
do país. Compramos com os juros mais altos
do mundo, pagamos os impostos mais altos do
mundo e temos os serviços (saúde, comunicação,
energia, transportes e outros) entre os piores do
mundo. Mas palavras de ordem nos impelem a
comprar, autoridades nos pedem para consumir,
somos convocados a adquirir o supérfluo, até o
danoso, como botar mais carros em nossas ruas
atravancadas ou em nossas péssimas estradas.

4. Além disso, a inadimplência cresce de


maneira preocupante, levando famílias que
compraram seu carrinho a não ter como pagar
a gasolina para tirar seu novo tesouro do pátio
no fim de semana. Tesouro esse que logo vão
perder, pois há meses não conseguem pagar as
prestações, que ainda se estendem por anos.

“Somos convocados a adquirir o supérfluo, até o danoso, como


botar mais carros em nossas ruas atravancadas ou em nossas
péssimas estradas” (Foto: VEJA.com)

100 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

5. Estamos enforcados em dívidas impagáveis, mas


nos convidam a gastar ainda mais, de maneira
impiedosa, até cruel. Em lugar de instruírem,
esclarecerem, formarem uma opinião sensata e
positiva, tomam novas medidas para que esse
consumo insensato continue crescendo – e,
como somos alienados e pouco informados,
tocamos a comprar.

6. Sou de uma classe média em que a gente


crescia com quatro ensinamentos básicos: ter
seu diploma, ter sua casinha, ter sua poupança
e trabalhar firme para manter e, quem sabe,
expandir isso. Para garantir uma velhice
independente de ajuda de filhos ou de estranhos;
para deixar aos filhos algo com que pudessem

4
começar a própria vida com dignidade.

Aula
7. Tais ensinamentos parecem abolidos,
ultrapassadas a prudência e a cautela, pouco
estimulados o desejo de crescimento firme e a
construção de uma vida mais segura. Pois tudo
é uma construção: a vida pessoal, a profissão, os
ganhos, as relações de amor e amizade, a família,
a velhice (naturalmente tudo isso sujeito a
fatalidades como doença e outras, que ninguém
controla). Mas, mesmo em tempos de fatalidade,
ter um pouco de economia, ter uma casinha, ter
um diploma, ter objetivos certamente ajuda a
enfrentar seja o que for. Podemos ser derrotados,
mas não estaremos jogados na cova dos leões do
destino, totalmente desarmados.

UESC Módulo 4 I Volume 7 101


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

8. Somos uma sociedade alçada na maré do consumo


compulsivo, interessada em “aproveitar a vida”,
seja o que isso for, e em adquirir mais e mais
coisas, mesmo que inúteis, quando deveríamos
estar cuidando, com muito afinco e seriedade,
de melhores escolas e universidades, tecnologia
mais avançada, transportes muito mais eficientes,
saúde excelente, e verdadeiro crescimento do
país. Mas corremos atrás de tanta conversa vã,
não protegidos, mas embaixo de peneiras com
grandes furos, que só um cego ou um grande
tolo não vê.

9. A mais forte raiz de tantos dos nossos males


é a falta de informação e orientação, isto é,
de educação. E o melhor remédio é investir
fortemente, abundantemente, decididamente,
em educação: impossível repetir isso em demasia.
Mas não vejo isso como nossa prioridade.

10. Fosse o contrário, estaríamos atentos aos


nossos gastos e aquisições, mais interessados
num crescimento real e sensato do que em itens
desnecessários em tempos de crise. Isso não é
subir de classe social: é saracotear diante de uma
perigosa ladeira. Não tenho ilusão de que algo
mude, mas deixo aqui meu quase solitário (e
antiquado) protesto.

102 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

4.1 Análise textual

Através da análise dos elementos textuais, é


possível perceber que foram utilizados inúmeros recursos
de coesão e fatores de coerência para a construção do
sentido. Entretanto, para essa análise, nos deteremos
na Sequenciação Frástica, a qual se realiza através de
encadeamentos que visam garantir a manutenção do
tema e o estabelecimento de relações semânticas e/ou
pragmáticas, assinaladas por marcas linguísticas. Já é
sabido que nesse tipo de progressão não há necessidade de
retorno no fluxo da informação.
No texto “Degraus da ilusão”, de Lya Luft, observou-
se a utilização, além de outros recursos, de procedimentos
de sequenciação frástica analisados a seguir:
No primeiro parágrafo do texto, em conformidade

4
com o Quadro 6 da aula 1, é perceptível a utilização de

Aula
procedimentos de manutenção temática, ou seja, aqueles que
garantem a continuidade de sentido do texto por meio de
termos que pertencem ao mesmo campo lexical, ativando
um frame ou modelo cognitivo na memória do receptor.
Observe o tema central do texto referente à
“ascensão das classes menos favorecidas” abordado no
início do primeiro parágrafo. Esse tema é mantido através
de um frame (modelo cognitivo) que o relaciona a outros
termos lexicais como: “nova classe média”, “degraus” e
“patamar social e econômico”.
No segundo parágrafo, a autora utiliza o mesmo
procedimento quando apresenta o que seria uma vida
digna para os despossuídos, a saber, boa escolaridade para
os iletrados, serviços públicos ótimos para a população
inteira, educação, saúde, transporte, energia elétrica,

UESC Módulo 4 I Volume 7 103


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

segurança, água, ou seja, tudo o que representa as


verdadeiras necessidades dos cidadãos decentes.
É claro que, ao pensarmos no exercício pleno da
cidadania em relação aos nossos direitos, todas essas
questões vêm à tona. Portanto esse mecanismo de
progressão contribui para a organização textual.
Outros procedimentos de sequenciação frástica
utilizados nesse texto foram a progressão com tema derivado
(um hipertema origina outros temas considerados parciais)
e a progressão com desenvolvimento (as partes de um rema
superordenado são divididas).
A progressão com tema derivado foi verificada a
partir do título do texto “Degraus da ilusão”; ao abordar a
ilusão em que vive a “nova classe média”, Lya Luft constrói
a textualidade através de argumentos desenvolvidos e
encadeados ao longo do texto. No segundo parágrafo, ela
retrata o que seria uma vida digna para essa classe social;
no terceiro, retoma o tema da ilusão implícito no que
está acontecendo de fato. Enfoca os inúmeros problemas
existentes em nosso país, com multidões consumindo,
juros e impostos altos, serviços como saúde, comunicação,
energia e transporte como os piores do mundo. No quarto,
traz outro problema relacionado ao tema, quando fala da
inadimplência em relação ao pagamento de contas como
a prestação do carrinho. No quinto, trata das “dívidas
impagáveis” e acrescenta a “falta de informação” para
solucionar essas questões.
Como exemplo de progressão com desenvolvimento,
podemos citar o sexto parágrafo, quando, ao tratar dos
“quatro ensinamentos básicos” em que se fundamentava a
antiga classe média, a autora apresenta na sequência: “ter
seu diploma, ter sua casinha, ter sua poupança e trabalhar

104 Letras Vernáculas EAD


ANáLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

firme para manter e, quem sabe, expandir isso”.


Observe que primeiro foi apresentado o tema,
“os quatro ensinamentos básicos”, em seguida subdivide
esses ensinamentos, fazendo a progressão por meio da
subdivisão do mesmo.
Quanto ao plano geral do texto, poderemos dizer
que a autora o inicia mostrando a ascensão da classe média
(o que é veiculado atualmente na mídia) e a ilusão existente
em torno dessa ascensão (sua opinião pessoal) com base
em argumentos que justificam sua opinião. A forma como
essa ilusão é construída é mostrada em argumentos que são
desenvolvidos nos terceiro, quarto e quinto parágrafos.

4
Aula
ATIVIDADES
ATIvIDADES

1. Ouça a música “Gente” de Jauperi, leia com atenção


e responda às questões propostas, após análise dos
recursos sequenciais parafrásticos utilizados para
sua elaboração e construção do sentido:

Gente
Jauperi

Eu não gosto de gente que gosta um pouquinho


Eu não gosto de gente fingida
Eu não gosto de gente que não olha no olho
Gente que reclama da vida
Gente que aperta a mão assim sem apertar
Gente que foge e não encara o olhar

UESC Módulo 4 I Volume 7 105


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Gente que tem medo, gente que enfraquece


Gente que maltrata, gente que aborrece
Gente que não sabe ser gente
Gente, gente, gente
Ô, gente! a gente precisa ser gente
Oxente, a gente precisa de gente
Que abrace, que sorria
Dê a mão, dê alegria
Que abrace, que sorria
Dê a mão, dê alegria
E amor todo dia

a) Quais as primeiras impressões que você tem acerca


desse texto?

b) Explique o que vem a ser paralelismo sintático e


discorra sobre os efeitos que ele causa no texto.

c) No refrão da música ocorre a seguinte repetição


“Gente, gente, gente” . De acordo com o contexto
da canção, como você interpreta a utilização desse
recurso para a construção do sentido do texto?

d) Quais recursos fonológicos foram utilizados e qual


a importância desses elementos no texto?

e) Com base no que foi exposto e a partir da leitura


do texto, quais os tipos de sequenciação você pode
identificar? Elas influenciam na construção do
sentido do texto? De que forma?

f) Reflita sobre a intencionalidade do compositor


e sobre a sua recepção em relação ao texto. Você
concorda ou discorda dessa abordagem?

106 Letras Vernáculas EAD


ANÁLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

2) O texto a seguir aborda outra temática. Leia com


atenção para proceder à reflexão sobre o mesmo:

SEXA
Luís Fernando Veríssimo

- Pai...
- Hmmmm?
- Como é o feminino de sexo?
- O quê?
- O feminino de sexo.
- Não tem.
- Sexo não tem feminino?
- Não.
- Só tem sexo masculino?
- É. Quer dizer, não. Existem dois sexos. Masculino e

4
feminino.

Aula
- E como é o feminino de sexo?
- Não tem feminino. Sexo é sempre masculino.
- Mas tu mesmo disse que tem sexo masculino e
feminino...
- O sexo pode ser masculino ou feminino. A palavra
“sexo” é masculina. O sexo masculino, o sexo feminino.
- Não devia ser “a sexa”?
- Não.
- Por que não?
- Porque não! Desculpe, porque não. “Sexo” é sempre
masculino.
- O sexo da mulher é masculino?
- Sexo mesmo. Igual ao do homem.
- O sexo da mulher é igual ao do homem?
- É. Quer dizer... Olha aqui: tem sexo masculino e o sexo
feminino, certo?
- Certo.
- São duas coisas diferentes.

UESC Módulo 4 I Volume 7 107


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

- Então como é o feminino de sexo?


- É igual ao masculino.
- Mas não são diferentes?
- Não. Ou, são! Mas a palavra é a mesma. Muda o sexo,
mas não muda a palavra.
- Mas então não muda o sexo. É sempre masculino.
- A palavra é masculina.
- Não. “A palavra” é feminino. Se fosse masculino seria
“o pal...”
- Chega! Vai brincar, vai...
O garoto sai e a mãe entra. O pai comenta:
- Temos que ficar de olho nesse guri...
- Por quê?
- Ele só pensa em gramática...

Conforme descrita na aula 1, a progressão temática se


concretiza a partir de blocos comunicativos denominados
de tema (tópico, dado) e rema (foco, comentário, novo).
Observe o Quadro 6 da aula 1 e discuta sobre como isso
ocorre no texto Sexa, de Luís Fernando Veríssimo.

RESUMINDO
RESUMINDO

Nesta aula, vimos que:


• um dos procedimentos da sequenciação frástica
diz respeito à recorrência de termos a partir da
reiteração de um mesmo item lexical;

• a existência da recorrência de estruturas é


denominada de paralelismo sintático. Nesse
tipo de recorrência, ocorre a utilização de

108 Letras Vernáculas EAD


ANáLISE LINGUÍSTICADE TEXTOS COM BASE NA COESÃO SEQUENCIAL

mesma estrutura sintática, preenchida com


itens lexicais diferentes;

• Para se chegar ao sentido do texto é preciso


atentar tanto para a utilização de recursos
linguísticos quanto de itens gramaticais;

• a utilização de procedimentos de manutenção


temática garante a continuidade de sentido do
texto por meio de termos que pertencem ao
mesmo campo lexical, ativando um frame ou
modelo cognitivo na memória do receptor.

REFERÊNCIAS

4
leitura recomendada

Aula
Para aprofundar o co-
ANTUNES, Irandé. Análise de textos: fundamentos e nhecimento sobre seg-
mentos fonéticos, in-
práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.
dicamos a leitura do
capítulo “Fonética” do
RPM. Muito Tudo. Disponível em <http://letras.mus. livro SILVA, Thaïs Cris-
br/rpm/1887499/>.Acesso em: 12 nov. 2012. tófaro. Fonética e Fo-
nologia do Português
Brasileiro: roteiro de
BENTES, Anna Christina. Linguística Textual. In. estudo e guia de exer-
MUSSALIN, Fernanda; BENTES, Anna Christina cícios. São Paulo: Con-
(Orgs.). Introdução à Linguística: domínios e texto, 1999.

fronteiras. v. 1. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001.

KOCH, Ingedore G. Villaça. A coesão textual. 22. ed.


São Paulo: Contexto, 2010.

LISLOPES. VERSIFICAÇÃO. Disponível em:


<http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/
1284148>. Acesso em: 26 nov. 2012.

LUFT LYA. Degraus da Ilusão. Disponível em:<http://


veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/
lya-luft-vejo-multidoes-consumindo-estimuladas-a-

UESC Módulo 4 I Volume 7 109


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

consumir-como-se-isso-constituisse-um-bem-em-si-e-
promovesse-real-crescimento-do-pais-isso-nao-e-subir-
de-classe-social/>Acesso em: 26 nov. 20012.

VERÍSSIMO, Luís Fernando. Sexa. In. VERÍSSIMO.


Luís Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2001.

110 Letras Vernáculas EAD


Suas anotações

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aula

5
COERÊNCIA TEXTUAL:
ANÁLISE DE TEXTOS

…é na linguagem e pela
linguagem que o homem
se constitui como sujeito”.
Benveniste

Objetivos:
Ao final da aula, você deverá ser capaz de:

• identificar os fatores que contribuem para a coerência de um texto;


• reconhecer o funcionamento desses fatores para a construção do sen-
tido.
COERÊNCIA TEXTUAL: ANÁLISE DE TEXTOS

1 INTRODUÇÃO

Na aula passada, você viu a utilização dos


mecanismos de coesão sequencial encontrados nos textos
que foram analisados. Nesta aula, vamos fazer análise de
textos com base nos fatores de coerência apresentados no
Quadro 7, da aula 1. Ressaltamos que não existe aqui a
intenção de esgotar os textos analisados e nem os fatores
de coerência apresentados. Tomamos como base o livro
“A coerência textual” de Koch e Travaglia (2011).
Nesta aula, faremos a análise do texto “Como se
conjuga um empresário” e da propaganda “Todo mundo
tem seu lado Devassa”. Analisaremos esses textos de
acordo com os fatores de coerência que eles apresentam

5
em sua estrutura e funcionamento. Não temos a intenção

Aula
de apresentar aqui todos os fatores. Apresentaremos
aqueles que mais se destacaram.

2 O QUE É COERÊNCIA TEXTUAL NA PRÁTICA


DE ANÁLISE DE TEXTOS?

Observem o texto a seguir:

O quarto zagueiro Edinho Baiano, do Paraná


Clube, foi entrevistado por um repórter da rádio Cidade.

UESC Módulo 4 I Volume 7 115


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

O Paraná tinha tomado um balaio de gols do Guarani


de Campinas, alguns dias antes. O repórter queria saber
o que tinha acontecido. Edinho não teve dúvidas sobre
os motivos:
- Como agente já esperava, fomos surpreendidos pelo
ataque do Guarani.
(http://www.slideshare.net/isj/coerncia-e-
coeso-textual)

O que se pode notar no sentido do texto?


Faz sentido o que foi dito pelo zagueiro? Quando
observamos, percebemos que não! Notamos que o
“agente já esperava” não tem relação de sentido com
“fomos surpreendidos”, o que torna o texto incoerente.
saiba mais
Como é possível esperarmos certa atitude de alguém
É muito difícil estabe-
lecer um conceito para e, quando ela acontece, ficarmos surpresos? Não faz
dizer o que é coerência,
nas palavras de Koch sentido! É contraditório!
e Travaglia (2011),
ela está ligada direta-
Certamente, você já ouviu alguém dizer: “o que
mente à possibilidade você falou é incoerente”, “esse texto não tem sentido”
de se estabelecer um
sentido para o texto, ou “isso não tem coerência”. Esses comentários, quase
ou seja, a coerência é
o que faz com que o sempre, estão ligados a contradições entre uma ideia e
texto faça sentido para
os usuários, devendo, outra do texto, questões de raciocínio lógico ou relações
portanto, ser entendi-
da como um princípio
mal estabelecidas entre o texto e o conhecimento que
de interpretabilidade,
se tem das coisas.
ligada à inteligibilidade
do texto numa situação Em outras palavras, o que dá sentido ao texto numa
de comunicação e à ca-
pacidade que o recep- situação comunicativa é a coerência, que se caracteriza
tor tem para calcular
o sentido deste texto. pela possibilidade de um texto ser interpretado e
Este sentido, eviden-
temente, deve ser do compreendido, pela capacidade do receptor captar esse
todo, pois a coerência é
global.
sentido e pelo processo cooperativo entre produtor e
destinatário. Vamos a outro exemplo:

116 Letras Vernáculas EAD


COERÊNCIA TEXTUAL: ANÁLISE DE TEXTOS

No rádio toca um samba. O samba é um ritmo


antigo. O coração também tem ritmo. Ele é
um músculo composto de duas aurículas e
dois ventrículos.

Esse texto parece coerente para você? Você


consegue estabelecer um sentido? O texto começa
falando de samba, continua com ritmo, passa para
coração e termina descrevendo o músculo e tudo isso
sem correspondência entre as ideias de forma lógica. atenção
Koch e Travaglia (2011), na página 22, apresentam Para Koch e Travaglia
(2011), para haver co-
uma lista de convidados para uma festa, neste exemplo erência é preciso que
que elaboramos temos uma lista de compras: haja possibilidade de
estabelecer no texto al-
guma forma de unidade
ou relação entre seus
Lista de compras para supermercado: elementos.

• açúcar;
• sabonete;
• papel higiênico;
• canetas;

5
• cotonetes;

Aula
• esponja de aço;
• refrigerante;
• ...
• ...
• ...
• perecíveis;
• produtos de limpeza;

Nesse texto, a sequência de palavras seria um


agrupamento aleatório se não formassem uma lista
de compras para o supermercado, fato que possibilita

UESC Módulo 4 I Volume 7 117


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

saiba mais uma relação entre os nomes, formando uma unidade de


Mesmo sem poder ser sentido.
definida apenas por um
conceito, fica claro que Como é difícil definir coerência apenas por meio
a coerência se cons-
trói no texto por meio de conceito, analisaremos textos, focalizando os fatores
de vários fatores de
múltiplas ordens: lin-
que estabelecem coerência no texto. Esses fatores se
guísticos, discursivos,
cognitivos, culturais e
manifestam por vários traços que juntos dão noção do
interacionais. Koch e significado do todo.
Travaglia (2011) desta-
cam os principais des-
ses fatores.

3 PRÁTICA DE ANÁLISE DE TEXTOS

Voltamos a insistir que um ensino centrado na


análise de frases e partes de frases soltas é irrelevante.
Partimos do princípio de que muitos aspectos da língua
não cabem nos limites de uma frase, basta citar recursos
relativos a seu funcionamento como a coesão que vai
além da estrutura sintática da frase.
Queremos evidenciar que as análises devem ser
de textos, pois estes possibilitam a visão da imensa
complexidade do funcionamento sociocomunicativo
da linguagem. É imprescindível a utilização de textos
que constituam gêneros com contextos reais de uso.
Desenvolveremos a análise de alguns textos,
com base nos fatores de coerência de sua organização e
construção.

118 Letras Vernáculas EAD


COERÊNCIA TEXTUAL: ANÁLISE DE TEXTOS

3.1 Análise do texto “Como se conjuga um


empresário”.

Como se conjuga um empresário


Autor: Mino

Acordou. Levantou-se. Aprontou-se. Lavou-


se. Barbeou-se. Enxugou-se. Perfumou-se.
Lanchou. Escovou. Abraçou. Beijou. Saiu. Entrou.
Cumprimentou. Orientou. Controlou. Advertiu.
Chegou. Desceu. Subiu. Entrou. Cumprimentou.
Assentou-se. Preparou-se. Examinou. Leu. Convocou.
Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou.
Conferiu. Vendeu. Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou.
Lucrou. Lucrou. Lucrou. Lesou. Explorou. Escondeu.
Burlou. Safou-se. Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou.
Depositou. Depositou. Depositou. Associou-se.
Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou.
Repreendeu. Suspendeu. Demitiu. Negou. Explorou.
Desconfiou. Vigiou. Ordenou. Telefonou. Despachou.

5
Esperou. Chegou. Vendeu. Lucrou. Lesou. Demitiu.

Aula
Convocou. Elogiou. Bolinou. Estimulou. Beijou.
Convidou. Saiu. Chegou. Despiu-se. Abraçou. Deitou-
se. Mexeu. Gemeu. Fungou. Babou. Antecipou. Frustrou.
Virou-se. Relaxou-se. Envergonhou-se. Presenteou.
Saiu. Despiu-se. Dirigiu-se. Chegou. Beijou. Negou.
Lamentou. Justificou-se. Dormiu. Roncou. Sonhou.
Sobressaltou-se. Acordou. Preocupou-se. Temeu.
Suou. Ansiou. Tentou. Despertou. Insistiu. Irritou-se.
Temeu. Levantou. Apanhou. Rasgou. Engoliu. Bebeu.
Rasgou. Engoliu. Bebeu. Dormiu. Dormiu. Dormiu.
Acordou. Levantou-se. Aprontou-se...

UESC Módulo 4 I Volume 7 119


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

Você conseguiu perceber o que descreve o texto?


Fala de coisas que você conhece? Você conseguiu
atribuir-lhe sentido? Aposto que sim! Pois o texto
fornece a sequência da rotina diária de um empresário.
Na sua opinião, como essa compreensão acontece?
Nesse texto há uma série de verbos justapostos,

saiba mais
sem elementos de ligação e nem mesmo chegam a formar
Nesse sentido, nosso co-
frases completas. Porém, ao observar os elementos
nhecimento de mundo linguísticos explícitos, estabelecemos as relações de
desempenha papel impor-
tante no estabelecimento sentido e compreendemos o texto.
de coerência “se o texto
falar de coisas que abso- É indiscutível a importância dos elementos
lutamente não conhece-
mos, será difícil calcular- linguísticos do texto para o estabelecimento de
mos o seu sentido e ele
nos parecerá destituído
coerência. A seleção lexical de um texto, além de
de coerência”. (KOCH e
possibilitar relações de sentido define a sua unidade
TRAVAGLIA, 2011, p.72).
Esse conhecimento é ad- semântica e ainda adéqua o texto a suas condições
quirido por nós ao longo
de nossa vida por meio sociais de seus contextos de usos.
do nosso contato com o
mundo. Vamos armaze- Nesse texto, a sequência linguística que estabelece
nando esse conhecimento
em blocos que Koch e Tra- a unidade de sentido possibilita a compreensão do
vaglia (2011) denominam
modelos cognitivos.
mesmo. Apesar de as palavras não apresentarem
ligações sintáticas ou qualquer ligação explícita entre
elas, o leitor percebe que os elementos linguísticos se
relacionam entre si: nota-se que é uma narração do dia
de um homem de negócios.
Como isso é possível? Primeiro, a sequência
é proposta como um texto, ou seja, o autor do texto
tem uma intenção comunicativa. O receptor o aceita
como texto, atribuindo-lhe sentido. Esse sentido é
alcançado por meio da associação semântica entre as
palavras do texto, ou seja, são palavras com sentidos
afins e pertencentes ao campo semântico “Empresário”,
podemos destacar: vendeu, sacou, depositou, lucrou,
lesou.

120 Letras Vernáculas EAD


COERÊNCIA TEXTUAL: ANÁLISE DE TEXTOS

É interessante notar o papel das palavras nesse


texto. Observe que as ações mais frequentes na vida do
empresário são repetidas sequencialmente: “Vendeu.
Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou. Lucrou. Lucrou.
Lucrou”. Em contrapartida, as ações menos recorrentes
não são repetidas na sequência como, por exemplo:
“Sacou”. Esse mecanismo nos permite perceber a
dinâmica diária de um homem de negócios.
No texto “Como se conjuga um empresário” saiba mais

as palavras ativam no leitor o conhecimento prévio Nessa perspectiva, pa-


ra Antunes (2010), a
do que é a vida diária de um homem desse nível, no escolha das palavras
já está definida des-
que se refere à sequência de acontecimentos (acordar, de a seleção do tema,
arrumar-se, rotina de trabalho, volta pra casa etc.). desde a direção da ar-
gumentação ou do ob-
As palavras do texto ativam um esquema que temos jetivo pretendido. Na
etapa de seleção lexical
em nosso cérebro relativo à rotina de um empresário, certas palavras já são
excluídas pelo fato de
como por exemplo, “Examinou. Leu. Convocou. “não terem nada a ver”
com a direção de senti-
Leu. Comentou. Interrompeu. Leu. Despachou. dos pretendidos.
E ainda, para Koch e
Conferiu. Vendeu. Vendeu. Ganhou. Ganhou. Ganhou.
Travaglia (2011), os
Lucrou. Lucrou. Lucrou. Lesou. Explorou. Escondeu. elementos linguísticos
também servem como
Burlou. Safou-se. Comprou. Vendeu. Assinou. Sacou. pistas para a ativação

5
dos conhecimentos ar-
Depositou. Depositou. Depositou. Associou-se. quivados na memória,

Aula
e que constituem o
Vendeu-se. Entregou. Sacou. Depositou. Despachou. ponto de partida para a
compreensão e para a
Repreendeu. Suspendeu. Demitiu”. elaboração de interfe-
Tal esquema, quando ativado, nos permite rências ajuda a captar
a orientação argumen-
compreender o texto. Assim, a sequência “aleatória” tativa que compõem o
texto etc.
de verbos passa a fazer sentido para nós e acabamos
considerando o texto coerente.
Podemos, nesse texto, fazer uma série de
inferências. Podemos inferir que ele tem uma amante,
com base no seguinte trecho: Chegou. Despiu-
se. Abraçou. Deitou-se. Mexeu. Gemeu. Fungou.
Babou. Antecipou. Frustrou. Virou-se. Relaxou-se.

UESC Módulo 4 I Volume 7 121


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

você sabia? Envergonhou-se. Presenteou. “Saiu”. Esse trecho é


Que todo texto possui relatado depois da saída do escritório e antes da chegada
várias informações que
vão além do que é es- em casa.
crito ou dito. Se não
fosse assim, nossos E o trecho “Chegou. Beijou. Negou. Lamentou.
textos seriam imensos
e cheios de detalhes Justificou-se. Dormiu” deixa claro que sua esposa
para podermos expli-
car o que queremos
desconfia do seu caso extraconjugal e se irrita com ele,
comunicar. Essas infor- em especial os verbos “Negou, lamentou e justificou-
mações implícitas são
a bagagem de conhe- se”.
cimento que cada in-
terlocutor possui e que Podemos inferir também que ele é desonesto
podem ser ativadas a
partir de mecanismos também nos negócios: “Lesou. Explorou. Escondeu.
linguísticos utilizados
no decorrer da intera-
Burlou. Safou-se”. Tudo isso podemos perceber por
ção. meio dos elementos linguísticos que nos dão pistas para
A utilização desse co-
nhecimento de mundo fazermos essas inferências.
para compreender e
interpretar o texto, por O texto apresenta também um importante
meio de elementos não
explícitos, chama-se in- fator de contextualização, o título “Como se conjuga
ferência. Nas palavras
de Koch e Travaglia
um empresário”. Este ancora o texto nessa situação
(2011), quase todos
os textos que lemos ou
comunicativa. Quando lemos o título, podemos prever
ouvimos exigem que sobre o que o texto fala que obviamente falaria de algo
façamos uma série de
inferências para poder- ligado a um empresário. E ainda a palavra “conjuga” nos
mos compreendê-los
integralmente. remete à classe gramatical dos verbos, o que justifica as
condições de produção do texto.

3.2 Análise da propaganda “Todo mundo


tem seu lado Devassa”.

Fonte: mundodasmarcas.blogspot.com.

122 Letras Vernáculas EAD


COERÊNCIA TEXTUAL: ANÁLISE DE TEXTOS

Você conseguiu compreender esta propaganda?


Por que usaram a cantora Sandy para fazer esse
comercial? E o que significa a frase central da
propaganda? Bem vamos lá! Para compreender esta
propaganda é necessário fazer uso do conhecimento
que temos armazenado na memória, que adquirimos
por meio de experiências vividas.
Imagino que grande parte das pessoas desta
geração acompanhou a carreira da cantora Sandy.
Ainda menina, começou a cantar em dupla com seu
irmão Júnior. Durante muitos anos, Sandy teve fama
de menininha, inocente, pura. Com o passar dos anos, a
cantora cresceu, amadureceu, casou-se e seguiu carreira
saiba mais
solo. Recentemente, Sandy fez declarações na imprensa
Sobre essa questão
sobre sua vida sexual que chocaram os fãs que ainda Koch e Travaglia (2011)
pontuam: “É preciso, no
viam a cantora como aquela menininha. entanto, que o produtor
É preciso ter esse conhecimento para e receptor de um texto
possuam, ao menos,
compreender o sentido da frase “Todo mundo tem um uma boa parcela de co-
nhecimentos comuns.
lado Devassa”. Devassa se refere ao nome da cerveja e Quanto maior for essa
parcela, menor será a
à atitude da cantora depois de adulta. É necessário que necessidade de expli-

5
citude do texto, pois o
o produtor dessa propaganda e os receptores tenham receptor será capaz de

Aula
suprir as lacunas, por
esses conhecimentos em comum, o que Koch e Travaglia
exemplo, através de in-
(2011) chamam de conhecimento compartilhado. ferências”.

O conhecimento compartilhado é essencial para


que o texto se torne coerente para os interlocutores
(produtor/receptor). Esse mecanismo funciona da
seguinte forma: os elementos textuais que remetem ao
conhecimento partilhado compõem a informação dada
(aquela que já é conhecida pelos interlocutores) e o que
for trazido pelo texto, a partir das velhas informações,
constituirá a informação nova. É necessário que haja
equilíbrio entre essas informações para que o texto seja

UESC Módulo 4 I Volume 7 123


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

coerente.
Nessa propaganda, o produtor, notadamente,
está carregado de intenções. O objetivo, nesse caso, é
persuadir o receptor a consumir a bebida. A estratégia
de usar a imagem de Sandy e a expressão “Todo mundo
tem seu lado Devassa” consiste no propósito de alcançar
o público que, como a cantora, também tem estereótipos
de mocinhos e mocinhas.
A propaganda dá pistas ao receptor, que permitem
que ele construa o sentido desejado. Nesse sentido, o
público alvo da propaganda vai tentar estabelecer sua
coerência, dando-lhe a interpretação cabível, construindo,
assim, a aceitabilidade, a contrapartida da intencionalidade.
Outros fatores também contribuem para tornar
o texto coerente ao leitor/consumidor como a roupa da
moça, a posição, a postura corporal e a expressão facial.
Esses elementos contextualizam a propaganda e auxiliam
na construção dos sentidos.

Fonte:conhecimentolivrepublico.blogspot.com

124 Letras Vernáculas EAD


COERÊNCIA TEXTUAL: ANáLISE DE TEXTOS

ATIVIDADES
ATIvIDADES

Leia o texto a seguir:


O gato comeu o peixe que meu pai pescou. O peixe
era grande. Meu pai é alto. Eu gosto de meu pai.
Minha mãe também gosta. O gato é branco. Tenho
muitas roupas brancas.

1 - Você considera este texto coerente? Você consegue


atribuir-lhe sentido? Justifique.
2 - Que elementos linguísticos presentes no texto
contribuem para sua impressão sobre o texto?
3 - Se considera o texto incoerente, que fatores de coerência
faltam para construir o sentido desse texto? Exemplifique
com passagens do texto.
4 - Reescreva o texto de forma que a coerência seja
recuperada. Utilize os fatores que julgar necessários.
5 - Se o considera coerente, que fatores de coerência
constroem o sentido desse texto? Exemplifique com
passagens do texto.

6 - Observe os textos abaixo e explique se eles são coerentes

5
ou não, justificando sua resposta.

Aula
a)

Fonte: papeladas. blogspot.com

UESC Módulo 4 I Volume 7 125


Prática Educativa IV – Análise Linguística na prática escolar

b)

Fonte: profjosemaria.com.br

RESUMINDO
RESUMINDO

Nesta aula, vimos que:

• a coerência textual dá sentido ao texto numa


situação comunicativa;
• as análises devem ser de textos, pois estes possibilitam
a visão da imensa complexidade do funcionamento
sociocomunicativo da linguagem. É imprescindível
a utilização de textos que constituam gêneros com
contextos reais de uso.

126 Letras Vernáculas EAD


COERÊNCIA TEXTUAL: ANáLISE DE TEXTOS

REFERÊNCIAS

ERÊCIAS
ANTUNES, Irandé. Análise de textos: fundamentos e
práticas. São Paulo. Parábola Editorial, 2010.

KOCH, Ingedore G. Villaça; TRAVAGLIA, Luiz


Carlos. A coerência textual. 18. ed. São Paulo.
Contexto, 2011.

leitura recomendada

Para saber mais sobre


as questões de constru-
ção de sentido no texto
recomendamos a leitu-
ra do artigo “A cola das
ideias”.
Disponível em: http://
revistalingua.uol.com.
br/textos/62/artigo
248996-1.asp

5
Aula

UESC Módulo 4 I Volume 7 127


Suas anotações

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Palavras finais das autoras

Trabalhar sob a perspectiva da Análise Linguística


é algo muito interessante e que dá margem a diversas
abordagens, conforme você teve a oportunidade de ver
ao longo deste módulo. Entretanto, o mais significativo
é que você tenha em mente a importância do trabalho
com textos em sala de aula, principalmente aqueles
que são utilizados no dia a dia dos alunos. O desafio
foi lançado, e o nosso desejo é que seja apenas o passo
inicial de um longo processo de revisão de práticas e
inovação do trabalho em sala de aula.
Desejamos sucesso em seu processo de formação.

As autoras,
Lenilza Teodoro dos Santos Mendes
Miame Chan Souza Santos

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