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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano

ADRIANA MARA LEOPOLD

O ENVELHECER NA PERCEPÇÃO DE MULHERES IDOSAS SOLTEIRAS E SEM


FILHOS: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

São Paulo
2017

1
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
INSTITUTO DE PSICOLOGIA

Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano

ADRIANA MARA LEOPOLD

O ENVELHECER NA PERCEPÇÃO DE MULHERES IDOSAS SOLTEIRAS E SEM


FILHOS: UM ESTUDO NA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA ANALÍTICA

Versão corrigida

Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de


São Paulo para obtenção do título de Mestre em Psicologia Escolar e do
Desenvolvimento Humano.

Orientador: Prof. Dr. Lineu Norio Kohatsu

São Paulo
2017
2
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

Catalogação na publicação
Biblioteca Dante Moreira Leite
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Dados fornecidos pelo(a) autor(a)

3
Nome: LEOPOLD, Adriana Mara
Título: O envelhecer na percepção de mulheres idosas solteiras e sem filhos: um estudo na
perspectiva da Psicologia Analítica

Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo para obtenção


do título de Mestre em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano.

Aprovada em:________________________

Banca examinadora

Prof. Dr.________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: _____________________ Assinatura:____________________________

Prof. Dr.________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: _____________________ Assinatura:____________________________

Prof. Dr.________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: _____________________ Assinatura:____________________________

Prof. Dr.________________________ Instituição: ___________________________

Julgamento: _____________________ Assinatura:____________________________

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Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha e
não nos deixa só porque deixa um pouco de si e leva
um pouquinho de nós.

Anônimo

5
AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Lineu Norio Kohatsu, por acreditar e iluminar os caminhos desta pesquisa
com suas orientações, presença e apontamentos sempre tão pertinentes.
À Profa Dra Laura Villares de Freitas e à Profa Dra Ruth Gelehrter da Costa Lopes, pelas
ricas contribuições no exame de qualificação que permitiram o crescimento deste trabalho.
À minha mãe, meu exemplo e minha inspiração, que sempre me mostrou que não devemos
seguir os padrões, nem baixar a cabeça por ser mulher.
Ao Francisco, meu marido, pois sua presença foi fundamental desde muito antes desta
minha jornada iniciar. Obrigada por seu apoio, incentivo e por me fazer acreditar ser possível.
Às minhas Miyuki e Jujuba, companheirinhas felinas que estiveram sempre perto com suas
gracinhas e carinhos, trazendo-me alegrias.
Às amigas, aos amigos e aos familiares, por estarem ao meu lado, torcendo por mim antes
e durante este processo.
À amiga Fabiana Haddad Kurbhi, pelas ricas tardes de Jung regadas a deliciosos cafés,
pelas noites com Schopenhauer e pelos apontamentos teóricos e práticos que enriquecem tanto
minha formação.
Às amigas e amigos do Espaço Alanna, por me abrirem tantas portas, por me emprestarem
os ouvidos e os ombros nos momentos de dúvidas e incertezas e também por me indicarem
caminhos.
À Camila, minha analista, por todo o suporte que tem dado em minha trajetória pessoal e
profissional.
Às minhas colegas e aos meus colegas desta pós-graduação, pela troca e pelo
compartilhamento. Em especial, à Lia e à Denise, pelas trocas ao longo das reuniões e por seus
trabalhos tão inspiradores.
Às professoras e aos professores por me proporcionarem tanto conhecimento e ampliar
meus horizontes.
À Liane Pilon, por seu excelente trabalho de revisão.
À Sônia Rusche, por ter me apresentado às minhas queridas idosas.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo apoio
financeiro.
A todas as pessoas idosas que me ensinam tanto sobre a vida todos os dias!

6
A vida de uma árvore, a vida de uma mulher, não
precisava e não precisa ser assim, tolhida e retalhada
para abrir caminho para outra coisa de valor
duvidoso. Há outros modos de viver sua vida e deixar
outras vidas em paz; de se harmonizar, de chegar ao
pleno florescimento por toda parte.
Clarissa Pinkola Estés

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Nomes (fictícios) das participantes, idades e datas das entrevistas.

8
RESUMO
O processo de envelhecimento vem ganhando destaque em pesquisas de diferentes áreas do
conhecimento. A cronologização da vida é uma realidade em todas as sociedades, mas não
necessariamente representa a ideia subjetiva que o indivíduo tem sobre o próprio
envelhecimento. O aumento da expectativa de vida tem resultado em fenômenos como maior
número de mulheres que vivem a fase da velhice e que têm dado um novo significado a essa
experiência. As mulheres da pesquisa, que hoje são idosas, vivenciaram uma época em que o
matrimônio e maternidade eram tidos como sinônimo de felicidade. Contudo, pouco se fala a
respeito de mulheres que não seguiram tais padrões. Assim, foram realizadas entrevistas com
quatro mulheres idosas solteiras e sem filhos, de idades entre 72 e 91 anos, a fim de verificar
suas percepções de envelhecimento. A partir do relato das histórias de vida, verificou-se que,
em relação a elas, o imaginário de uma velhice solitária e sem apoio não é válido. A família e
a comunidade exercem uma rede de suporte informal que fornece atenção e suporte. O
casamento não foi desejado e muitas vezes foi tratado como algo negativo. O trabalho revelou
ser um marcador importante e garantia de subsídios na vida adulta e, após a aposentadoria, na
velhice. Do ponto de vista simbólico, a Psicologia Analítica contribuiu para o entendimento
subjetivo da experiência de envelhecimento. Imagens arquetípicas das deusas gregas auxiliaram
na compreensão das diferentes formas de ser mulher em todas as etapas da vida.

Palavras-chave: envelhecimento; psicologia junguiana; mulheres; solteira; não-maternidade.

ABSTRACT
The aging process has been gaining prominence in research from several different fields of
knowledge. The chronologization of life is a reality in all societies, but it does not necessarily
represent the subjective idea that the individual has regarding his own aging. The increase in
life expectancy has resulted in phenomena such as a higher number of elderly women, who
have given new meaning to this experience. They lived through a time when marriage and
maternity were synonymous to happiness. However, little is said about those women who did
not follow these patterns. Therefore, interviews were conducted with four women, aged 72 to
91, in order to verify which is the perception of aging for these never-married, childless elders.
From their life story accounts, one can perceive the notion of a solitary and forsaken old age
does not apply to them. Marriage was not desired and was many times seen as something
negative. Instead, work was an important livelihood marker both in adult life and in old age,
after retirement. From a symbolic standpoint, analytical psychology contributed to the
subjective understanding of the aging experience. Archetypical images of Greek goddesses
helped comprehend the different ways of being a woman in all stages of life.

Keywords: aging; old age; junguian psychology; elderly; never-married; childless.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 12

INTRODUÇÃO 15

1 ENVELHECER E SER VELHA 20

1.1 AQUISIÇÕES E PERDAS NA VELHICE 23


1.2 ENVELHECER SENDO MULHER 26

2. O ENTARDECER DA VIDA E A PSICOLOGIA ANALÍTICA 34

2.1 DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO E INDIVIDUAÇÃO 35


2.2 SENEX E PUER 41
2.3 A VELHICE 42
2.4 DA BRUXA À VELHA SÁBIA 45

3. MÉTODO 49

OBJETIVO GERAL 49
OBJETIVOS ESPECÍFICOS 49
AS PARTICIPANTES 51
PROCEDIMENTO DE ANÁLISE 53
PROCEDIMENTOS ÉTICOS 53

4. RESULTADOS 54

4.1 JUSTINA: UMA VIDA SOSSEGADA... 54


4.2 NINA: O TREM DA VIDA, À ESPERA DA ESTAÇÃO 62
4.3 CARMEM: DA AVIAÇÃO AO CUIDADO 67
4.4 DALVA: A MINHA VIDA É UM FILME DE RIR E CHORAR 82

5. DISCUSSÃO 97

5.1 CASAMENTO E FILHOS: HERA E DEMÉTER 98


5.2 REDES E LAÇOS 101
5.3 VELHICE 104
5.4 TORNAR-SE ÚNICA 110

10
CONSIDERAÇÕES FINAIS 114

REFERÊNCIAS 119

APÊNDICES 127

APÊNDICE A 127

ANEXOS 130

ANEXO A 130
ANEXO B 134

11
APRESENTAÇÃO

O contato com pessoas mais velhas sempre me remeteu a outros tempos, tempos estes
em que a cidade ainda se construía como futura selva de pedra. Por meio das narrativas que eu
ouvia, transportava-me para outras épocas na história. Tenho em mim mesma o maior exemplo
disso.
Minha mãe nasceu em 1939, ano marcado – entre outras coisas – pelo início da Segunda
Guerra Mundial e pelo falecimento de Freud. Parar e pensar nesses acontecimentos com os
olhos de hoje, pensar em quanta coisa mudou desde então é quase uma viagem no tempo.
Costumava ela me contar suas memórias de uma São Paulo antiga, por onde bondes desfilavam
nas avenidas, e isso sempre me marcou muito. Até hoje, ao ouvir as histórias das pessoas velhas,
penso no quanto foram testemunhas da história que remetem às transformações do mundo.
Esses pensamentos me levaram ao encantamento à primeira vista com o trabalho da
Profa Ecléa Bosi de dar voz aos velhos como testemunhas de uma história que não se lê nos
livros oficiais. Essas histórias me interessavam. Vi nos relatos de vida presentes em seu livro
parte da minha própria história pessoal. Era como me conectar a esse outro tempo.
Busquei me debruçar mais sobre esse encanto e optei por buscar histórias de vida, pois
ali estão os tesouros que nos conectam ao coletivo e à dimensão arquetípica de estar no mundo.
Percebi que trabalhar com idosos seria uma possibilidade quando na minha graduação
em Psicologia pude ter contato com esse público nos estágios da clínica. Até então, isso não me
passara na cabeça e eu ainda não sabia bem qual rumo tomar depois de formada. Na época,
quase nada se falava sobre o envelhecimento, a população idosa e suas especificidades.
Sou fruto de uma maternidade tardia, nasci quando minha mãe completou 43 anos de
idade. Ao longo do meu próprio desenvolvimento, fui acompanhando suas transformações
sociais e físicas. A menopausa, a aposentadoria, os cabelos brancos, a cirurgia de catarata, entre
outras.
O interesse que me foi despertado em relação aos idosos me ajudou a escolher a pós-
graduação em Arteterapia. Na pós, tive oportunidade de estagiar no Centro Dia do Idoso com
pacientes com Alzheimer do IPq da USP. Depois, junto com uma colega, desenvolvemos
oficinas de Arteterapia em uma instituição de longa permanência para idosos (ILPI). Essas
experiências me surpreenderam e me mostraram que cada pessoa é um universo, com infinitos
potenciais e que, muitas vezes, não conseguem ser percebidos por quem está em volta no dia a
dia.

12
Tanto a prática quanto as leituras da teoria junguiana estiveram lado a lado nesse
processo, no qual eu me percebia mais mergulhada.
Tempos depois, em 2012, ingressei como técnica em um Núcleo de Convivência para
Idosos (NCI) – parceria das organizações sociais com a prefeitura de São Paulo. Atuei por três
anos como psicóloga, experiência que me proporcionou e proporciona até hoje muitas reflexões.
Percebi que, ali, grande parte dos frequentadores são mulheres, com seus 70 e poucos
anos. O perfil era bastante parecido: casadas ou viúvas, com filhos adultos, muitas avós e
bisavós. Trabalharam na adolescência e depois saíram do emprego quando casaram. Para
muitas, principalmente para as viúvas, aquele espaço proporciona um bem enorme e a
possibilidade de serem quem realmente são e de descobrirem novos gostos e talentos.
Contudo, um pequeno grupo de pessoas parecia destoar, pois nunca tinham se casado e
não tinham filhos, nem netos para cuidar. Isso atiçou minha curiosidade e levantou as questões:
quais são os marcadores de entrada na velhice para aquelas mulheres que “fugiam à regra”?
Como é ser solteira e sem filhos na velhice? Essas perguntas ficaram guardadas e outras vieram
posteriormente à tona, durante as reuniões de orientação do mestrado.
A presente pesquisa é fruto dessas indagações que vieram de uma experiência prática e
também de anos de estudo, sempre buscando correlações teóricas com a Psicologia Analítica.
As perguntas que originaram os objetivos deste trabalho também têm influência de mitos e
lendas. Por meio de meu marido me aproximei da cultura japonesa, que é seu objeto de estudo
e, nesse caminho, interessei-me também pelas histórias e folclore desse país. Não me aprofundei
nestes estudos, mas tive contato com esse material e fui atraída diretamente pela lenda de
Urashima Tarô.
Era uma vez um jovem rapaz chamado Urashima Tarô. Um dia, ele resgatou
uma tartaruga que estava sendo atacada por crianças. Passados alguns dias, a
tartaruga levou Urashima para o palácio do dragão no fundo do mar como uma
recompensa por sua gentileza. Urashima foi levado ao lindo palácio. A
princesa Otohime o recepcionou com belas serviçais. Urashima ficou muito
feliz por permanecer no palácio por três dias. Quando ele desejou voltar, a
princesa o deu uma pequena caixa e disse que ele não deveria abri-la em
nenhuma circunstância. Quando retornou à casa, ficou chocado ao ver que
tinham se passado 300 anos desde que ele havia partido. Completamente
desesperado, ele abriu a caixa, apesar da proibição da princesa, de onde saiu
uma fumaça branca e Urashima se tornou um homem velho. (KAWAI, 1995,
p. 99, tradução livre)

13
Trata-se de uma lenda muito famosa e me chamou atenção os anos contidos dentro de
uma pequena caixa. Naquela caixinha, estava contido todo o tempo de uma vida e, ao abri-la,
Urashima se viu surpreendido pela velhice.
Diante de tudo isso, perguntei-me em que momentos abrimos essa caixinha. É de uma
única vez? É em um momento de tristeza? É quando sentimos saudades de algo que já não
temos? Eram muitas perguntas que intrigavam, e esta pesquisa é uma tentativa de respondê-las
dentro de uma perspectiva junguiana.

14
INTRODUÇÃO

A mudança no quadro populacional revelou um aumento significativo da população


idosa no mundo todo. Os processos de urbanização, industrialização e avanços tecnológicos e
científicos na área da saúde são fatores associados a este aumento da expectativa de vida, uma
vez que diminuíram a mortalidade com melhores condições nutricionais, sanitárias e ambientais
(SOCORRO; DIAS, 2010). Este quadro revela que o número da população idosa no mundo só
tende a aumentar; entre 2015 e 2050, a proporção de pessoas com mais de 60 anos de idade
deverá passar de 12% para 22% (WORLD..., 2015).
Isso concorda com a afirmação de Jung (2006a), de 1934, que defende que o aumento
significativo da longevidade é fruto dos próprios processos da civilização. Assim, envelhecer
não é nenhum acidente, escreveu Hillman (1999). Pelo contrário, é necessária uma condição
humana para que o ato de envelhecer se concretize. Para nosso espanto, a vida humana se
prolonga para além da fertilidade e supera a utilidade muscular e a precisão sensorial. Desse
modo, são necessárias ideias imaginativas que podem enriquecer o envelhecimento e falar-lhe
diretamente com a inteligência que merece.
A Organização Mundial de Saúde (WORLD..., 2015) elenca quatro principais desafios
que se colocam perante o envelhecimento populacional. O primeiro destes se relaciona com a
necessidade de atentar para a diversidade no modo de envelhecer, ao invés de se pensar a velhice
como categoria homogênea. As capacidades físicas e mentais de cada indivíduo são
consideravelmente distintas, independentemente da idade. Ligado a este ponto, temos também
as desigualdades no âmbito da saúde, advindas de fatores como família, gênero, situação sócio-
econômica ou etnia. O terceiro aspecto é a superação de estereótipos ultrapassados sobre o que
é ser velho, predominantemente negativos. Por fim, em um mundo em constantes
transformações culturais, socais e tecnológicas, cada vez mais globalizado e com todas as
implicações que isso acarreta, essas tendências precisam ser acompanhadas a todo momento,
para que se possa dar a elas a melhor resposta possível. As políticas públicas precisam abarcar
toda essa gama de experiências e necessidades.
No Brasil, o Estatuto do Idoso (BRASIL, 2013), instituído em 2003, é fruto da
organização e mobilização popular. Nele, é considerada idosa a pessoa com mais de 60 anos de
idade. Além de formatar essa questão, o estatuto foi criado a fim de assegurar os direitos das
pessoas idosas e também de garantir que se criem políticas e aparelhos públicos que atendam à

15
demanda dessa população, impedindo o abandono, isolamento e o desrespeito de direitos
básicos idosos.
Parâmetros que determinam a entrada na velhice existem em diversas sociedades. Esse
marco, que é também dado pela idade cronológica, rege e ordena a vida das pessoas. Há uma
determinada idade para tirar a carteira de motorista, para ingressar na escola, para votar,
aposentar-se, etc. Mas será que todos sentem-se da mesma forma?
A questão da percepção subjetiva do envelhecimento foi apontada por Tanaba (1996)
em seu estudo, que levou em consideração fatores psicológicos e sociais nas diferentes
compreensões do envelhecimento. Para a autora, o envelhecimento é internalizado antes de nos
tonarmos velhos, muito provavelmente na fase adulta. Sua pesquisa realizada com profissionais
de um hospital de saúde mental, onde residiam muitos idosos, revelou que esses profissionais,
de alguma forma, já experienciaram o sentimento de envelhecer, independentemente da idade
e do sexo do pesquisado. As relações com a comunidade, com a família e com o trabalho
realizado influenciaram nessa percepção sobre o envelhecimento. É interessante verificar que,
nesse estudo, os sujeitos atentaram para o próprio envelhecer ao darem-se conta às alterações
físicas suas e das pessoas mais novas que viram crescer.
A forma como se percebe a velhice é diferente entre homens e mulheres, conforme
constatou Goldenberg (2015). Sua pesquisa revelou diferenças de gênero quando se pensa uma
velhice bem ou malsucedida. Os pesquisados quase não associaram mau envelhecimento aos
homens; contudo, as mulheres são mais julgadas pela aparência e comportamento.
As mulheres brasileiras estão associadas a um modelo de feminino ligado ao casamento
e à maternidade. O casamento era visto como um objetivo maior, sinônimo de realização, e a
não concretização disso implicava em fracasso social. O século XX marca a mudança efetiva
no papel da mulher para uma presença maior na participação social e do trabalho (CARDOSO
apud SOCORRO; DIAS, 2010).
O meu contato direto com mulheres idosas por meio do trabalho como psicóloga
permitiu-me, enquanto pesquisadora, observar no cotidiano os impactos da viuvez e da saída
dos filhos de casa na vida dessas pessoas, sendo possível perceber no dia a dia o que Bowlby
(1998 apud SUZUKI; FALCÃO, 2010) apontou sobre a viuvez. Para o autor, a viuvez pode ser
um momento de reinvenção de si mesma e uma oportunidade para refletir sobre novos padrões
de vida e adotar diferentes papéis. Nesse contexto, também não era raro escutar dessas mulheres
um “viúva, graças a Deus!”, o que indicava inclusive uma vida de sofrimento e submissão ao
casamento e ao marido, da qual somente sentiram-se libertas após o falecimento do marido.

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Essa percepção da minha prática corrobora com a pesquisa de Goldenberg (2015), que
revelou falas muito parecidas com as escutadas no dia a dia de mulheres idosas que se
redescobriram em atividades prazerosas que haviam abandonado por causa do compromisso
com marido e filhos.
As ideias de reinventar-se, redescobrir-se, apareceram nos discursos das
mulheres mais velhas, sempre associadas ao fato de elas fazerem, hoje, as
coisas de que mais gostam: estudar, ler, sair, conversar com as amigas, ter
tempo para si, viajar. Elas dizem que a felicidade e o prazer podem estar em
coisas simples, como dar risadas com as amigas, brincar com os netos,
caminhar na praia, ler um bom livro, ir ao cinema ou ao teatro. Muitas
disseram que redescobriram prazeres deixados de lado em função do
casamento e da maternidade. (GOLDENBERG, 2015, p. 46)

No entanto, esse contato diário com pessoas idosas chamou atenção para aquelas idosas
cujo padrão de casamento, viuvez e maternidade não se encaixavam. Este fato levantou o
questionamento a respeito desta temática: como as mulheres que não se casaram e não tiveram
filhos encaram a velhice e as mudanças ocorridas ao longo da vida? Do ponto de vista da
Psicologia Analítica, como pensar a segunda metade da vida e o processo de individuação para
estas pessoas?
Pensando nessas questões, esta pesquisa se propôs a questionar os significados do
envelhecimento para mulheres que fogem ao padrão imposto do matrimônio e maternidade
como sinônimos de felicidade. Para tanto, buscou lançar luz sobre autores que tratam da
subjetividade e do envelhecimento enquanto curso do desenvolvimento humano, no qual a
velhice está inserida enquanto etapa deste processo.
São poucas as pesquisas encontradas que tratam do tema de mulheres idosas, solteiras e
sem filhos especificamente enquanto categoria única, pois grande parte dos estudos costumam
priorizar uma das duas variáveis (“solteiros”1 ou “sem filhos”2). Também foram encontradas
autoras3 buscaram compreender o impacto do envelhecimento nas mulheres, trazendo à tona a
questão da viuvez, avosidade e saída dos filhos de casa.
Os estudos que tratam do tema de mulheres idosas solteiras e sem filhos ainda se
encontram em número reduzido, apesar destas características as incluírem no grupo de maior
vulnerabilidade pela suposta ausência da rede de suporte, constituída geralmente pela família
(UNITED NATIONS, 2002).

1
Como nas obras de O’Brien (1991); Pudrovska, Schieman e Carr (2006); e Band-Winterstein e
Machik-Rimon (2014).
2
Conforme Allen e Wiles (2013).
3
Como Baldin e Fortes (2008); e Oliveira, Viana e Cárdenas (2010).
17
Pretende-se, portanto, que esta pesquisa possa deixar registradas trajetórias de vida para
compreender como essas gerações foram organizando suas próprias vidas a partir de um modelo
diferente do imposto, procurando deixar impresso um legado para futuras gerações que, tendo
em vista as transformações da sociedade, vivenciarão a velhice de outras maneiras.

Neste trabalho, o primeiro capítulo – “Envelhecer e ser velha” – trata do tema do


envelhecimento e da questão da velhice para a mulher. A exposição do tema ocorre a partir de
autores e autoras de diferentes áreas do conhecimento, como a Antropologia e a Sociologia, e
também de outras abordagens da Psicologia que contribuem com pesquisas a respeito do
envelhecimento humano e da velhice, bem como seus impactos subjetivos e objetivos.
O segundo capítulo apresenta diferentes autores da Psicologia Analítica e suas
contribuições para o entendimento subjetivo do processo de envelhecer. Neste capítulo, são
discutidos os processos de desenvolvimento da personalidade e de individuação e a colaboração
dessa perspectiva teórica para pensar o feminino e os aspectos da mulher no contexto
arquetípico.
Em seguida, no capítulo três, está descrito o método utilizado na presente pesquisa.
Neste capítulo, são esclarecidos os objetivos (geral e específicos), a escolha pelo método
qualitativo de pesquisa, os instrumentos de coleta de dados, características das participantes e
procedimento para análise de dados.
O capítulo quatro expõe os resultados, com a apresentação das entrevistadas
individualmente e sistematizadas em quatro grupos: “casamento e filhos”, “relação com a
família”, “relações afetivas” e “velhice e futuro”. Junto com os resultados, também estão alguns
apontamentos encontrados na literatura voltados às questões da Gerontologia.
Em seguida, no capítulo cinco, trata-se a discussão aprofundada dos conteúdos que
surgiram das entrevistas. Aqui, procurou-se estabelecer a análise das experiências das idosas
participantes da pesquisa de acordo com a abordagem teórica da Psicologia Analítica. A
discussão está também subdividida por temas: “casamento e filhos: Hera e Deméter”, “redes e
laços”, “velhice” e “tornar-se única”.

18
Por fim, tem-se as considerações finais, reflexões que a discussão do presente trabalho
suscitou e sugestões para ramificações que podem surgir a partir dos resultados encontrados
nesta pesquisa e que não puderam ser contemplados por esta.

19
1 ENVELHECER E SER VELHA

A respeito da velhice, Beauvoir (1990) escreveu:


Ela é um fenômeno biológico: o organismo do homem idoso apresenta certas
singularidades. A velhice acarreta, ainda, consequências psicológicas: certos
comportamentos são considerados, com razão, como característicos da idade
avançada. Como todas as situações humanas, ela tem uma dimensão
existencial: modifica a relação do indivíduo com o tempo e, portanto, sua
relação com o mundo e com a sua própria história. Por outro lado, o homem
não vive nunca em estado natural; na sua velhice, como em qualquer idade,
seu estatuto lhe é imposto pela sociedade à qual pertence. O que torna a
questão complexa é a estreita interdependência desses diferentes pontos de
vista. (BEAUVOIR, 1990, p. 15)

Como coloca Beauvoir, a velhice é um fenômeno biológico, com suas consequências


psicológicas. Em sua vertente existencial, altera os vínculos do indivíduo com o mundo e com
sua própria trajetória de vida. No entanto, a forma como a velhice ou qualquer outra fase da
vida se constitui ocorre de acordo com a sociedade em que os sujeitos estão inseridos. A
dimensão dada pela sociedade sobre o que é envelhecer é o que torna a questão tão ampla e
complexa para quem estuda o envelhecimento e, claro, para a pessoa que já chegou a essa fase
da vida.
Desse modo, os parâmetros sociais também definem os momentos dos diferentes períodos
da vida. Conforme com Neri (2001), a organização do tempo torna-se também critério social.
Apesar de por si só não ser o fator causal do envelhecimento, a idade cronológica é uma variável
importante para organizar a conquista de etapas na sociedade, como a maioridade.
Nesse sentido, entende-se que um dos mais importantes critérios utilizados como crivo
para decidir se uma pessoa é idosa ou não são os critérios sociais. Destes, decorrem leis e
políticas públicas específicas para esse público, como a isenção das tarifas de ônibus, garantia
de benefícios como aposentadoria e até a participação nos grupos de convivência. No caso do
Brasil, é considerada idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos; já em países
desenvolvidos e mais longevos, a idade considerada sobe para 65 anos (BRASIL, 2013;
WORLD..., [2016?]).
Esses parâmetros vão organizando as idades, sendo critérios para aposentadoria e inserção
nos programas da chamada “Terceira Idade”. O mercado de previdência, criado a partir da
década de 1970, é citado por Debert (1999) como exemplo das mudanças que ocorreram na
visão que se tinha dos aposentados. Nessa época, na França, esse mercado procurava assegurar
o pagamento das aposentadorias mensalmente e também oferecia novos serviços como clubes,

20
férias e alojamentos. Surge então um novo público, capaz de se engajar socialmente e de
consumir serviços exclusivos.
Os signos do envelhecimento são invertidos e assumem novas designações:
“nova juventude”, “idade do lazer”. Da mesma forma, invertem-se os signos
da aposentadoria, que deixa de ser um momento de descanso e recolhimento
para tornar-se um período de atividade e lazer. Não se trata mais apenas de
resolver os problemas econômicos dos idosos, mas também proporcionar-lhes
cuidados culturais, psicológicos, de forma a integrar socialmente uma
população tida como marginalizada. (DEBERT, 1999, p. 61)

Porém, a ideia de que a pessoa equivale ao que produz ainda está fortemente presente nas
sociedades ocidentais. Ao idoso, que está fora do mercado de trabalho, recebendo sua
aposentadoria ou em situação de dependência, é atribuído o estigma de inútil. Ele mesmo, do
lado de fora da lógica da produção, abraça a ideia de inutilidade e de que o espaço pertence
somente aos jovens (BOSI, 1994).
Segundo Glascock e Feinman (1981), nas palavras de Danely (2012), o geronticídio e as
diversas formas de abandono de pessoas dependentes têm sido documentadas pela área da
Antropologia. A segregação e o descarte daqueles considerados mais fracos, que não têm
condições de trabalhar e se tornam um grande peso para a família, ainda são presente em
algumas sociedades.
Bosi (1994) aponta, em sentido inverso, que em outras sociedades a pessoa velha é um
bem social, tem privilégios e é respeitada. A autora conta uma lenda balinesa que fala
exatamente sobre o contraste da pessoa velha que é sacrificada e da necessidade de se preservar
a memória da comunidade por meio dos idosos:
Uma lenda balinesa fala de um longínquo lugar, nas montanhas, onde outrora
se sacrificavam os velhos. Com o tempo não restou nenhum avô que contasse
as tradições para os netos. A lembrança das tradições se perdeu. Um dia
quiseram construir um salão de paredes de troncos para a sede do Conselho.
Diante dos troncos abatidos e já desgalhados os construtores viam-se
perplexos. Quem diria onde estava a base para ser enterrada e o alto que
serviria de apoio para o teto? Nenhum deles poderia responder: há muitos anos
não se levantavam construções de grande porte, e eles tinham perdido a
experiência. Um velho, que havia sido escondido pelo neto, aparece e ensina
a comunidade a distinguir a base e o cimo dos troncos. Nunca mais um velho
foi sacrificado. (BOSI, 1994, p. 76-77)

Não podemos, no entanto, iludir-nos pela ideia de que os velhos sempre foram bem
tratados, pois os registros históricos revelam alguns fatos que mostram o contrário. O abuso
contra idosos é uma questão antiga e que permeia todos os tipos de sociedade. Os mais jovens,
apresentam uma tendência de discriminar e desvalorizar os mais velhos, encarando-os como

21
um fardo sem função social. Em muitos dos conflitos intergeracionais, vê-se expresso esse
desejo de aniquilamento em atos de maus-tratos e negligência (BRASIL, 2014).
O cinema retratou alguns desses dilemas da pessoa idosa em filmes como “A balada de
Narayama” (A BALADA..., 1983), “Era uma vez em Tóquio” (ERA UMA..., 1953) e “A arte
de viver” (A ARTE..., 1992).
Baseado na lenda tradicional japonesa Ubasuteyama, “A Balada de Narayama” aborda o
tema do geronticídio a partir da história de uma comunidade pobre do Japão feudal, pois,
segundo a tradição local, as pessoas que completassem 70 anos de idade deveriam ser levadas
ao alto de uma montanha e lá deixadas para morrer.
Em “Era uma vez em Tóquio”, Ozu retrata um casal de idosos que sai do interior do Japão
e vai visitar os filhos em Tóquio. A história discute o conflito de gerações e da vida na cidade
grande. O casal de idosos se vê como um fardo, diante da dificuldade de encontrar espaço na
vida dos filhos, sempre ocupados, sem tempo para lhes dar atenção, o que causa a impressão de
eles quererem sempre livrar-se deles.
Ang Lee, em “A arte de viver”, também aborda os conflitos de gerações e culturais em
que o idoso é exposto. No filme, o protagonista sai de Taiwan, seu país natal, para morar com
a família do filho em Nova Iorque. Além do estranhamento e das diferenças culturais, o filme
versa sobre o quanto ele se sente afastado desse mundo de jovens e de sua família, tornando-se
um incômodo para todos.
Os dois últimos filmes mencionados tratam da ideia expressa por Bosi (1994) a respeito
da expectativa sobre os mais velhos: “infinita tolerância, longanimidade, perdão, ou uma
abnegação servil pela família. Momentos de cólera, de esquecimento, de fraqueza são
duramente cobrados aos idosos e podem ser o início de seu banimento do grupo familiar”
(BOSI, 1994. p. 76).
Ou seja, essas histórias ajudam a pensar que as expectativas da comunidade de que a
família vai cuidar de seu membro mais velho ainda permanecem na ideia da maior parte das
pessoas. Em alguns casos, a tensão é grande quando os idosos vivem com seus filhos adultos.
Os atritos aumentam à medida que as pessoas vivem mais tempo, porque seus cuidados
geralmente consomem uma grande parcela do tempo e da renda familiar (UNITED NATIONS,
2002).
A velhice, ainda dentro do âmbito familiar, aos poucos vai se destacando dessa esfera
privada, a partir da “invenção” da Terceira Idade. Nos anos 1970, novas pesquisas dão outro
tom ao tema do envelhecimento. As produções mais recentes da Gerontologia inspiram os

22
programas da Terceira Idade e procuram ver a velhice não mais como uma situação de
decadência física e perdas dos papéis sociais, mas sim como um momento no qual os ganhos
que o envelhecimento potencialmente possibilita são realçados. Nas palavras da autora:
Uma nova linguagem pública empenhada em alocar o tempo dos mais velhos
faz-se presente na desconstrução das idades cronológicas como marcadores
pertinentes de comportamentos e estilos de vida. Uma parafernália de receitas
envolvendo técnicas de manutenção corporal, comidas saudáveis,
medicamentos e outras formas de lazer são propostas, desestabilizando
expectativas e imagens tradicionais associadas a homens e mulheres em
estágios mais avançados da vida. (DEBERT, 2013, p. 29)

Na Europa, os estudos realizados revelaram que existe uma tendência de os idosos


viverem sozinhos por consequência de um novo rearranjo familiar, o que não caracteriza
necessariamente abandono por parte dos familiares. Da mesma maneira, o fato de os idosos
morarem com os filhos não se torna uma garantia da presença de respeito, nem ausência de
violência ou maus-tratos. Estudos têm sido realizados no sentido de desmistificar a ideia de que
o bem-estar na velhice estaria ligado à intensidade das relações familiares e intergeracionais.
Essas pesquisas procuraram demonstrar que a família não é um lugar para os idosos, e que a
socialização na velhice deve ocorrer em outras esferas (DEBERT, 1999).
Por outro lado, familiares acusam falta de apoio do Estado às situações que vão se
modificando com os novos rearranjos, ainda mais quando o idoso é dependente. A Medicina vê
o idoso como fardo, devido ao fato de que seu custo de vida é mais elevado do que o da
população em geral no que se refere a tratamentos de saúde, pelo maior número de doenças
crônicas apresentados pelos idosos. Isso persiste, pois ainda se tem pelo menos três grandes
mitos a respeito da velhice: a redução do envelhecimento a um processo orgânico, a visão de
que o processo de envelhecer é uma decadência e a velhice vista como um problema. Isso tudo
acaba favorecendo a discriminação e delimitação do lugar do idoso no Brasil (MINAYO, 2006).

1.1 Aquisições e perdas na velhice

Neri (2001) pondera que a plasticidade comportamental do idoso tende a diminuir com o
envelhecimento, diminuindo também a sua resiliência. O constante jogo entre ganhos e perdas
ao longo da vida toma diferentes proporções na infância, período no qual a ênfase encontra-se
no ganho. Na velhice, existe a crença de que há predominância da perda.
A relação entre perdas e aquisições na vida adulta e na velhice muitas vezes está
relacionada com a dificuldade de substituir um objeto que se tornou ausente, e a maneira como
isso acontece vai depender diretamente de cada indivíduo. Pelo olhar da Psicanálise, o ego é
23
constituído pelos investimentos em objetos e entes queridos ao longo da vida; ou seja, a imagem
que um indivíduo tem de si é baseada no outro pelo qual desenvolvemos afetos. A noção de
aquisição ao longo da vida ocorre nessa relação narcísica entre ego e objeto. Por outro lado, a
perda decorre da retirada do objeto e isso acontece ao longo do ciclo da vida. Constantemente,
aquisição e perda estão presentes na vida das pessoas, mas não necessariamente há uma nova
aquisição a cada perda (MESSY, 1993).
Importante esclarecer a diferença existente entre envelhecer e ser velho. O primeiro trata
do processo iniciado no nascimento e que permanece ao longo da vida, independentemente de
idade. Velhice é o caráter de quem é velho, e não há como determinar uma idade em que esta
realmente comece.
Diferentemente do que foi apresentado no início do capítulo, que afirmava que as
concepções sociais procuram determinar um marco etário para as fases da vida, a percepção
subjetiva da velhice também encontra seu referencial social. Porém, essa percepção ocorre
somente quando o indivíduo é atingido por algo de fora que o faz tomar essa consciência. Isso
pode ocorrer de diversas formas: por meio da observação do crescimento dos filhos, da
comparação entre fotos antigas e novas, da fala “nossa, como ele envelheceu!” vinda de um
antigo colega de escola, entre outras. Sendo assim, para responder à questão “quando ficamos
velhos?”, é preciso voltar-se a esse repertório social, uma vez que a pessoa é capaz de
reconhecer-se “velha” a partir da percepção que tem do outro (MESSY, 1993).
Sobre a percepção do outro em relação ao envelhecimento do indivíduo, Beauvoir (1990)
diz:
Nenhuma impressão cenestésica nos revela as involuções da senescência. Aí
está um dos traços que distinguem a velhice da doença. Esta adverte sobre sua
presença, e o organismo se defende contra ela de um modo às vezes mais
nocivo do que o próprio estímulo; a doença existe com mais evidência para o
sujeito que dela é vítima, do que para as pessoas mais próximas que,
frequentemente, desconhecem a importância do mal; a velhice aparece mais
claramente para os outros, do que para o próprio sujeito; ela é um novo estado
de equilíbrio biológico: se adaptação se opera sem choques, o indivíduo que
envelhece não a percebe. (BEAUVOIR, 1990, p. 348)

Emerge aqui a ideia de que velhice é somente perda, pela dificuldade de aquisição de
novos investimentos. Vemos também o conflito gerado em não perceber-se velho e como esse
choque para o indivíduo também contribui para a visão negativa da velhice.
A velhice apresenta-se como uma vivência estigmatizada que revela o velho como um ser
desvalorizado e diminuído. Esse estigma apenas contribui para um sistema voltado a evitar a

24
indesejável velhice, associando-se à imagem da eterna juventude (MOREIRA; NOGUEIRA,
2008).
Beauvoir (1990) caracteriza a conspiração do silêncio em relação aos velhos e questiona
o quanto a sociedade é criminosa em relação a eles. O corpo que já não atende a padrões da
juventude pode gerar grandes chances de conflitos na velhice, inclusive levando a estados mais
depressivos para aquelas pessoas que permanecem focadas nele. Seria necessário, então,
investir em planos e novos projetos que não tenham essa relação direta com a aparência.
Nesse sentido, outras imagens a respeito da velhice oferecem um quadro mais positivo,
permitindo a abertura de novos espaços para a experiência desta. Como exemplo, tem-se a
perspectiva defendida Goldenberg (2015), que, baseando-se na obra de Beauvoir, faz uma
contraposição à visão desta a respeito da velhice. A autora coloca que a velhice é uma fase em
que é possível encontrar muita beleza, na medida em que é uma oportunidade de se redescobrir
e se reinventar, tendo sempre planos e projetos para a vida. A “bela velhice”, como denomina
Goldenberg (2015), não tem relação com beleza, estética ou com manter-se bonita e jovem para
os padrões da sociedade, mas sim com a capacidade de manter-se ativa em seus projetos.
No entanto, isso não significa necessariamente uma postura mais tolerante em relação a
essa fase da vida, uma vez que o que se vê é a valorização da juventude, e não de um grupo
etário propriamente dito (DEBERT, 1999).
Outro aspecto que importa abordar é a miséria afetiva que decorre no isolamento dos
idosos e fragiliza sua saúde, segundo Lopes (2006). Para ultrapassar essas representações
negativas da velhice, é importante o resgate da sensação de pertencimento. O desafio evocado
pelo aumento da expectativa de vida permite que as pessoas revejam e reinventem suas
trajetórias pessoais. A velhice passa a ser um tempo para novas oportunidades e experiências.
Novas abordagens vão sempre se apresentando ao tema do envelhecimento. O envelhecimento
ativo, criado nos novos discursos da Gerontologia, atualizaria o conceito de “conspiração do
silêncio” de Beauvoir, tirando de vista os dramas da velhice avançada. O envelhecimento ativo
estaria, desse modo, mais voltado para os idosos jovens, esquecendo-se daqueles que se
encontram na velhice avançada.
Esse compromisso com o envelhecimento positivo encobre os problemas
próprios da idade mais avançada. A perda de habilidades cognitivas e
controles físicos e emocionais – habilidades essas que, nas sociedades
democráticas, são fundamentais para que um indivíduo seja reconhecido como
um ser autônomo capaz de um exercício pleno dos direitos da cidadania – é
percebida como resultado de transgressões cometidas pelos indivíduos contra
seus corpos e sua saúde. (DEBERT, 2013, p. 29)

25
De acordo com Silva, Cachioni e Lopes (2012), o idoso mantém sua imagem associada à
juventude como maneira de sobrevivência na sociedade. O engajamento em diversas atividades
pessoais é usado por muitos como forma de negação da velhice, como se essas atividades não
fossem comuns a essa fase da vida por serem constantemente associadas a características da
juventude. Para estas autoras, a representação da velhice encontrada atualmente na internet pode
causar imagens distorcidas na autopercepção dos idosos expostos a essas representações,
corroborando com um falso ideal, uma ideia de velhice longe de ser alcançada.

1.2 Envelhecer sendo mulher

Existe uma miríade de aspectos adicionais específicos à mulher idosa. O debate sobre o
envelhecimento destas é muito permeado pela questão da aparência. Beauvoir (1990) explicita
como para a mulher, em especial, a cobrança de uma aparência perfeita cega uma sociedade
que renega a velhice. Segundo a autora, muito dificilmente alguém se refere a uma mulher mais
velha como “bela velha”; “no máximo se dirá ‘uma encantadora anciã’” (BEAUVOIR, 1990,
p. 364).
Em O segundo sexo, Beauvoir (1967) dedica um capítulo somente para sobre o
envelhecimento da mulher. Suas palavras buscam denunciar a crueldade inserida nesse
processo. Para muitas mulheres, este tema gera angústia e uma tendência de negar a velhice em
nome da aparência da juventude. Trata-se de uma preocupação crescente ao longo da vida,
sendo a menopausa vista como um divisor de águas para a mulher adulta, como se um atestado
de incapacidade se apresentasse diante da irreversibilidade da velhice.
Todavia, isso não significa que pessoas idosas estejam em situações extremas, na
preocupação excessiva ou na ausência desta, quando o assunto é aparência. Mesmo as mulheres
mais longevas, com idade superior a 80 anos, preocupam-se com aparência e cuidados estéticos.
O autocuidado também significa a possibilidade de refletir uma imagem mais positiva de si
mesma, capaz de promover o bem-estar na velhice (MARINHO; REIS, 2016).
Este é um assunto em que a questão de gênero está muito ligada, uma vez que, envelhecer
ocorre de maneira diferente para homens e mulheres por diversos motivos. No âmbito
acadêmico, segundo Debert (1999), a discussão de gênero encontra-se mais incorporada.
Contudo, o mesmo não ocorre em relação à etariedade, apesar desta ser uma dimensão na
organização social. Por isso, é importante a discussão destes aspectos. Ao unir esses dois fatores
– gênero e etariedade – encontram-se trabalhos que citam a feminização da velhice, mas pouco
ainda direcionado ao debate do envelhecimento dentro do próprio movimento feminista.
26
Debert (2013) relata a falta de representatividade das mulheres idosas nos movimentos
feministas, mesmo sendo elas as precursoras do movimento, denunciando opressões. Hoje,
vivenciam grandes barreiras no mercado de trabalho e sofrimentos por não se encaixarem nos
padrões de beleza, passando, portanto, por inúmeras outras discriminações.
Por que as enormes barreiras criadas para as mulheres mais velhas no mundo
do trabalho, nos padrões de beleza, na vida sexual, entre tantas outras formas
de discriminação, não são objeto de reflexão pública e das militâncias dessas
mulheres que foram tão ativas na crítica feminista? (DEBERT, 2013, p. 18)

O problema do feminismo em relação à velhice, segundo Debert (2013), seria o do reforço


de discursos a respeito de um envelhecimento positivo em que se retira a crítica sobre o
envelhecer enquanto mulher, corroborando com inúmeras receitas para que as pessoas tenham
uma vida feliz na “Terceira Idade”.
Já a velhice mais avançada vê escondida suas questões dentro do âmbito familiar. A
pessoa mais idosa se torna um grande peso para as gerações mais novas. Nesse processo, a
mulher de meia-idade vê-se duplamente sobrecarregada, como uma “geração sanduíche” que
deve lidar com o peso de criar os filhos e de cuidar dos pais idosos ao mesmo tempo (DEBERT,
2013). Por consequência, é preciso também criar condições de cuidados para essas mulheres
sobrecarregadas e para os idosos longevos e/ou que apresentam mais condições de dependência.
Tais pontos, aqui levantados, abrem caminho para a importante discussão quanto a rede
de suporte social ao idoso. De acordo com Neri (2005, p. 172), as redes de suporte social são
“conjuntos hierarquizados de pessoas que mantêm entre si laços típicos das relações de dar e
receber. Elas existem ao longo de todo o ciclo vital, atendendo à motivação básica do ser
humano à vida gregária.”. Para os idosos, estas relações são fundamentais para cultivar o apoio
emocional, tanto recebendo quanto oferecendo esse apoio aos mais próximos. Isso também
contribui com o sentimento de que estão sendo cuidadas e valorizadas pelas pessoas mais
queridas. As redes de suporte, em países como o Brasil, ainda são bastante informais, pois
constituem-se basicamente por familiares, vizinhos e amigos. Ainda é escassa a oferta de uma
rede de suporte formal, composta por profissionais especializados aos idosos mais dependentes.
De igual modo, de acordo com Neri (2005, p. 173), as responsáveis pelo cuidado em
grande parte são as mulheres, respondendo “a demandas socioculturais e psicológicas, ou seja,
a normas de idade e a tarefas evolutivas de reciprocidade e piedade filial”. As relações sociais
entre as mulheres também costumam ser qualitativamente superior a dos homens, tendo um
maior número de pessoas na sua rede de relações sociais.

27
O envelhecimento para as mulheres, de acordo com alguns estudiosos na área, teria menos
impactos negativos do que para os homens – por não terem uma ruptura tão marcante com o
trabalho na fase da aposentadoria – e os vínculos com familiares seriam mais estreitos, o que
faria com o que os filhos se preocupassem mais em cuidar da mãe do que do pai. As mulheres
estariam mais adaptadas às mudanças corporais, uma vez que passam por elas ao longo de toda
a vida (DEBERT, 2013).
A respeito da longevidade, as mulheres são as que vivem mais em grande parte dos países,
constituindo 55% da população mundial com mais de 60 anos. Na América Latina, as mulheres
vivem cerca de 6,5 anos a mais do que os homens. Algumas culturas valorizam mais o cuidado
com o idoso; em países com essa tradição, o número de mulheres vivendo sozinhas é menor do
que em países desenvolvidos, porém, é maior do que o de homens vivendo sós. Pode-se dizer
que isso se deve ao fato de as mulheres viverem mais, casarem-se com homens mais velhos e
não apresentarem uma tendência a um segundo casamento na velhice (UNITED NATIONS,
2002).
As pessoas idosas estão vivendo sozinhas cada vez mais. Em alguns países do Caribe, por
exemplo, aproximadamente um terço da população idosa não vive com familiares. A viuvez é
fator marcante e quanto mais avançada a idade, maior a proporção de viúvas. Acima de 75 anos
de idade, os números são de cinco viúvas para uma mulher casada. Nos países em
desenvolvimento, o número de homens viúvos é bem menor do que o de mulheres. Nas camadas
mais pobres, as viúvas sofrem não somente com a questão da perda do companheiro, mas
também com a perda do status social, tornando-se vulneráveis ao isolamento social e à
depressão, juntamente com a discriminação e até mesmo com a violência física (UNITED
NATIONS, 2002).
Em diversos países da África, por exemplo, os filhos assumem o lugar do pai falecido e
cuidam das mulheres idosas, pois ficam responsáveis pela posse da terra ou tem direito ao uso
desta. Na ausência de filhos homens, são as filhas mulheres que cuidam de suas mães idosas
(mas não costuma ser comum, uma vez que a mulher é responsável pela família do marido). Os
irmãos são considerados uma terceira opção, seguida pela comunidade, que muitas vezes abraça
o cuidado à pessoa idosa (UNITED NATIONS, 2002).
De acordo com as Nações Unidas (UNITED NATIONS, 2002), o maior risco de
desamparo na velhice está entre mulheres viúvas, divorciadas e solteiras que não tiveram filhos.
Citando outro país africano, no Quênia, as mulheres que não tiveram filhos precisam sair de
casa para não serem acusadas de bruxaria.

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Salgado (2002) chama atenção para a necessidade da criação de programas
governamentais voltados para a questão da dependência e do cuidado. A família sempre foi a
responsável por esses cuidados aos idosos, entretanto, a autora destaca que é praticamente
inexistente uma rede de suporte familiar quando a idosa não se casou e/ou não teve filhos.
A propósito da vulnerabilidade sofrida pelas mulheres, Salgado (2002) coloca:
Em nível psicológico e social, à mulher é atribuído, no transcurso de sua vida,
uma série de responsabilidades na família e na sociedade em geral, que
chegam com a velhice e nesses momentos, se acrescentam a ela. A mulher
enfrenta, então, uma aposentadoria com rendimento mínimo ou nulo, escassos
recursos econômicos, viuvez ou separação do casal, afastamento de seus filhos
e filhas, cuidado de familiares dependentes (jovens ou idosos). Enfrenta, ainda
sentimentos de inutilidade, provocados por todos os mitos e estereótipos
existentes socialmente. (SALGADO, 2002, p. 10)

Para a mulher, a velhice acaba sendo uma fase de grandes dificuldades, uma vez que o
preconceito é vivido duplamente: pela sua idade e gênero. Em relação a mulheres pobres, a
dependência e a vulnerabilidade aumentam, pois muitas não trabalharam ou não tiveram
rendimentos dignos durante a vida; assim, a aposentadoria não é suficiente para supri-la e a
entrada na velhice diminui as chances de trabalho remunerado (SALGADO, 2002).
Nessa mesma linha de pensamento, Debert (2013) complementa:
Sendo a mulher, em quase todas as sociedades, valorizada exclusivamente por
seu papel reprodutivo e pelo cuidado com as crianças, desprezo e desdém
marcariam sua passagem prematura à velhice. Essa passagem, antes de ser
contada pela referência cronológica, seria marcada por uma série de eventos
associados a perdas, como o abandono dos filhos adultos, a viuvez ou o
conjunto de transformações físicas trazidas pelo avanço da idade. Nas
sociedades ocidentais contemporâneas, a esse conjunto de perdas deve-se
somar o subemprego, os baixos salários, o isolamento e a dependência que
caracterizariam a condição das mulheres de mais idade. (DEBERT, 2013, p.
19)

Contudo, Debert (1994) aponta a chegada da velhice como uma oportunidade de


experimentar maior liberdade e independência. Ao mesmo tempo em que carregam consigo a
experiência de envelhecimento de suas mães e avós, as mulheres podem construir outras formas
de envelhecer por meio desta vivência de maior liberdade conquistada em relação às outras
fases da vida, nas quais sofriam pressão dos pais, maridos e da sociedade em geral.
Por outro lado, outros estudos mostraram que, para as mulheres, permanecer solteira pode
ocasionar mais custos psicológicos e experiências estressantes, uma vez que o casamento é
visto, em grande parte, como o alvo mais alto que a mulher pode alcançar durante sua vida.
Elas indicam problemas maiores em aceitar a vida de solteira, possivelmente por serem mais

29
cobradas por isso do que os homens. O casamento é, portanto, considerado um estado normativo
altamente desejável para mulheres. As idosas solteiras podem ser mais propensas do que seus
pares do sexo masculino a enfrentar atitudes culturais negativas para lidar com discriminação
pessoal e interpessoal, passando a ser vistas como vítimas, a quem só restou a “solteirice”
(PUDROVKSA; SCHIEMAN; CARR, 2006).
As mulheres solteiras e sem filhos estariam no topo de uma velhice sem suporte, segundo
a pesquisa de Allen e Wiles (2013). As mulheres entrevistadas na pesquisa, apesar de não terem
filhos e muitas vezes serem apontadas como inadequadas por isso, citaram o “instinto” como
central para a maternidade e esta como uma atribuição natural da mulher.
Os homens, no entanto, demonstram maior preocupação a respeito de sua capacidade na
tarefa de serem pais, já que, para os homens, essa função não é colocada como natural, o que
demonstra uma grande diferença na visão da parentalidade para homens e mulheres (ALLEN;
WILES, 2013).
Há, no imaginário da sociedade, a crença de que os idosos recebem assistência dos filhos
sempre que necessitam. Essa garantia não necessariamente se estende aos idosos que não se
casaram e não tiveram filhos. Embora haja um número crescente de pesquisas confirmando que
uma vida sem filhos não é necessariamente um resultado negativo do curso de vida, a velhice
sem filhos é rotineiramente posicionada como um fator de risco, focando o potencial para
isolamento e angústia (UMBERSON et al, 2010 apud ALLEN; WILES, 2013).
O fato de serem solteiras e sem filhos pode colocar as pessoas idosas em uma situação
maior de vulnerabilidade social, pois estariam menos integradas socialmente do que as pessoas
divorciadas e viúvas, registrando baixos níveis de suporte social se comparados aos divorciados
e viúvos. Os solteiros estariam menos integrados socialmente do que os divorciados e os viúvos,
uma vez que pessoas solteiras têm menor número de filhos e apresentam maior tendência a
viver totalmente sozinhos. Em contrapartida, solteiros podem manter o mesmo nível de
atividade social na velhice do que em fases anteriores da vida, e a essa continuidade podem ser
atribuídos muitos benefícios emocionais (PUDROVSKA; SCHIEMAN; CARR, 2006).
Contudo, Allen e Wiles (2013) discutem outro ponto de vista. As participantes de sua
pesquisa indicaram maior índice de bem-estar pelo fato de não terem se casado, nem tido filhos.
As entrevistadas relataram que deram às suas vidas outros significados, podendo doar-se e
ajudar outras pessoas, por meio do trabalho na Igreja, por exemplo. Uma das participantes
contou ter permanecido solteira e, assim, investiu em seu trabalho na Igreja, sendo que, quando
foi perguntada sobre filhos, remeteu-se ao fato de ter dez afilhados. Outro dado relevante

30
levantado pelos autores foi a escolha em não ter filhos por prevenção de danos, ou seja, a fim
de quebrar círculos de violência que elas mesmas vivenciaram.
O’Brien (1991) pontuou que o grupo de pessoas solteiras tem sido foco de pesquisas como
um grupo independente e, por constituírem um grupo emergente, as categorias de gênero e
idade não são eram consideradas. Ainda há pouca informação sobre as experiências de vida das
mulheres idosas que nunca se casaram e muitas perguntas ainda podem ser feitas: elas estão
sujeitas a estereótipos comuns da velhice em soma com aqueles relativos ao fato de nunca terem
se casado? Como lidaram com a vida de solteiro ao longo da vida? Como têm lidado com as
mudanças de vida e o processo de envelhecimento?
A pesquisa de O’Brien (1991) com mulheres solteiras e com mais de 80 anos de idade na
ilha de Prince Edward (Canadá) revelou que a imagem geral que elas tinham da infância é de
muita segurança e com uma vida familiar harmoniosa, separação clara dos papéis dos pais,
aceitação de regras e normas sociais e um forte senso de pertencimento à comunidade. Para as
participantes do estudo, as mulheres terminarem os estudos, entrarem em uma faculdade e
seguir carreira era bem difícil; muitas eram da região rural da ilha. As escolas não aceitavam
mulheres ou o dinheiro não era suficiente. Assim, elas deveriam buscar seus objetivos de outras
formas, seja arrumando um tempo fora do trabalho ou participando de cursos de verão. As
opções de carreira eram poucas no começo do século. Uma das participantes, que cresceu na
área rural, comentou que as únicas opções a serem consideradas eram a função de professora
ou trabalho doméstico, sendo estes os únicos trabalhos para garotas naquela época (O’BRIEN,
1991).
Um outro estudo com homens e mulheres idosas solteiras e sem filhos, realizado em Israel
(BAND-WINTERSTEIN; MANCHIK-RIMON, 2014), revelou que parte dos idosos
entrevistados sentia-se mais livre por não ter a obrigação com o cônjuge e/ou filhos. Por outro
lado, exprimiram que não tiveram essa liberdade plena por terem passado grande parte da vida
cuidando de familiares.
Goldenberg (2015) afirma que no Brasil ainda persiste a ideia de que a família é a origem
de toda a segurança e felicidade, principalmente na velhice. A escolha em ter filhos muitas
vezes passa pela ideia de ter um amparo na velhice; assim, as mulheres que optaram por não ter
filhos ainda são vistas como divergentes do padrão e muitas vezes são questionadas por isso.
Porém, casamento e filhos não são necessariamente garantia de uma boa velhice. Para a autora,
os casos de violência e maus-tratos em idosos muitas vezes vêm de quem deveria protegê-los.

31
O trabalho surge também como bastante importante para a vida das mulheres, como
revela a pesquisa de O’Brien (1991), tanto como uma fonte de renda quanto como um meio de
alcançar uma imagem de si mais positiva. A aposentadoria foi difícil para a maior parte dessas
mulheres, pois durante esse tempo elas experenciaram um grande sentimento de perda.
Outro dado atribuído ao imaginário das pessoas que envelhecem sem cônjuges e filhos é
a solidão. A respeito dos idosos que vivem sozinhos, alguns riscos são atribuídos a esta
condição, o que levou Organizações Não-governamentais (ONG’s) britânicas a realizar
campanhas de alerta sobre os custos de se viver sozinhos, cujo risco seria maior que a obesidade,
ou o tabagismo (LIMA, 2013).
A literatura sobre solidão entre solteiros sem filhos na velhice enfatiza que esse grupo da
população tende a experenciar menos níveis de solidão do que viúvos, que tiveram a experiência
do matrimônio, mesmo que nunca tenham tido filhos (BAND-WINTERSTEIN, MANCHIK-
RIMON, 2014).
Band-Winterstein e Manchik-Rimon (2014) chamam a atenção para como as pessoas que
vivem sozinhas são percebidas. Ao constituir sua própria identidade, os não casados sem filhos
pedem para serem percebidos como todo mundo, como todo ser humano ativo, e não como
seres inferiores ou como “estranhos” por causa de seus estilos de vida alternativos. A essência
dos processos de envelhecimento dessas pessoas como solteiras repousa na aceitação própria,
na da sociedade, na sua maneira particular de vida e na sua aceitação em viver como seus
contemporâneos independentemente de seu estado civil.
Aponta Goldenberg (2015, p. 63) que “A imagem do velho sozinho é associada ao
abandono, desamparo, fracasso, insegurança”. Contudo, isso não tem se demonstrado como
completa verdade, dado que muitas mulheres se apoiam nas amizades conquistadas ao longo
dos anos como principal fonte de suporte social (GOLDENBERG, 2015).
Nota-se que há uma divergência entre os diversos autores que se debruçaram sobre o tema
do envelhecimento de mulheres solteiras e sem filhos, principalmente no que se refere à questão
das redes de suporte social. Como colocaram Rubinstein et al. (1991), Pudrovska, Schieman e
Carr (2006) e Band-Winterstein e Manchik-Rimon (2014), para algumas dessas mulheres,
existe, ainda assim, um sentimento de inadequação por estarem fora dos padrões sociais.
Rubinstein et al (1991), nos Estados Unidos, procuraram identificar quais eram os
relacionamentos centrais das mulheres idosas solteiras e sem filhos. De acordo com os
resultados, os pesquisadores conseguiram identificar seis tipos de relações. Baseadas em laços
sanguíneos, descreveram o papel de filha, ou seja, mulheres que moram e cuidam dos pais a

32
vida toda. Outra função é a de tia, que, muito próxima da família dos irmãos, é considerada
quase pertencente àquele núcleo, são muito apegadas aos sobrinhos e muitas vezes cumprem
obrigações que seriam dos pais. As demais formas de relacionamento não têm correlação
sanguínea. Essas são as relações de afiliação, em que as idosas sentem-se “adotadas” por
pessoas ou famílias de amigos ou vizinhos. Existe também a relação quasi-parental com
pessoas mais jovens, cujos pais biológicos eram emocionalmente distantes ou fisicamente
ausentes; surgiu também, nos relatos, o relacionamento com melhores amigas, pessoas da
mesma idade e mesmo gênero que têm uma proximidade subjetiva maior e de mais cuidado.
Viajam juntas, sendo que podem até existir períodos de corresidência quando uma precisa da
outra. Parece existir um compromisso quase marital, mas não necessariamente trata-se de um
relacionamento homoafetivo. Por fim, existem também amizades mais superficiais, que não
envolvem tanto esse senso de responsabilidade com o cuidado, como ocorre em relações de
companheirismo (RUBINSTEIN et al, 1991).
As pesquisas, portanto, mostram que não é necessariamente uma regra a velhice solitária,
mas que apenas são construídas diferentes formas de relacionamento em que se encontram até
mesmo mais cuidados do que os dados por familiares. Como coloca Neri (2005, p. 174): “as
relações obrigatórias, principalmente com familiares, são mais descritas como fontes de
desgosto pelos idosos do que as relações com os amigos”.

33
2. O entardecer da vida e a Psicologia Analítica

O crepúsculo é o dia chegando ao fim. O tempo se


acelera: como se transformam rapidamente as cores
das nuvens, no seu mergulho na noite! E,
paradoxalmente, o tempo fica imóvel, paralisado num
momento eterno. Por isso, que o crepúsculo é um
momento sagrado, de oração, quando o eterno se
oferece a nós numa taça efêmera.
Rubem Alves

A Psicologia Analítica tem muito a contribuir para a compreensão das mudanças da


psique ao longo da vida. Edinger (1989, p. 21) afirma:
A descoberta de caráter mais fundamental e de maior alcance, de Jung, é a do
inconsciente coletivo ou psique arquetípica. Graças às pesquisas que ele realizou,
sabemos atualmente que a psique individual não é apenas um produto da experiência
pessoal. Ela envolve ainda uma dimensão pré-pessoal ou transpessoal, que se
manifesta em padrões e imagens universais, tais como os que se podem encontrar em
todas as mitologias e religiões do mundo. (EDINGER, 1989, p. 21)

Jung escreveu sobre o desenvolvimento da psique, embora não tenha construído


sistematicamente uma teoria a respeito do tema. Autores chamados pós-junguianos, como
Fordham (1994) e Neumann (1995), se dispuseram a estruturar uma teoria do desenvolvimento
psicológico sob esta ótica, preenchendo algumas lacunas.
Segundo Stein (2006, p. 155), Jung via a psique como um processo contínuo de
desenvolvimento, comparando-o à trajetória do Sol:
No começo, a consciência surge como a aurora quando o ego infantil emerge
das águas da inconsciência, e o seu crescimento e desenvolvimento do corpo
físico que o aloja. Quando o corpo cresce, o cérebro amadurece e as
capacidades de aprendizagem se desenvolvem e expandem, o ego também
desenvolve seu vigor e capacidades. Um primeiro passo é distinguir o corpo
individual dos objetos do mundo circundante. Esse processo ocorre
paralelamente à separação da matriz inconsciente interna. O mundo torna-se
mais real e concreto, deixando de ser simplesmente o recipiente de projeções
rudimentares. Distinções começam a ser feitas e observadas. As pessoas
aproximam-se rapidamente de sua plena capacidade de funcionamento como
entidades separadas. Começam atuando como indivíduos, com a competência
para exercer o seu autodomínio, para controlar, num razoável grau, os seus
meios ambientes, e para conter as emoções e o fluxo do pensamento conforme
requerido pelos padrões sociais de comportamento. (STEIN, 2006, p. 155)

34
A imagem de um Sol em direção ao seu poente coloca em pauta a visão de uma segunda
metade da vida orientada para o declínio físico do ser, o que não pode ser negado. Porém, do
ponto de vista da psique, muito potencial pode ser revelado. É isso que nos leva a pensar Jung
no momento em que acredita no potencial de encontro consigo mesmo na segunda metade da
vida.
O declínio relacionado ao envelhecimento físico remete à ideia de finitude e, assim,
muitos psicólogos ainda associam necessariamente a última fase da vida com a morte. Contudo,
como visto no capítulo anterior, a velhice também pode ser experenciada psiquicamente como
uma fase de possibilidades, descobertas, lutas e transformações. Diante deste potencial, a
segunda metade da vida e a preparação para a velhice é possibilitada por meio do processo de
individuação, que será discutido mais adiante.

2.1 Desenvolvimento psíquico e individuação

A psique se desenvolve em diferentes níveis ao longo da vida e a psicologia pós-


junguiana, nas figuras de Edinger, Neumann, Fordham e Byington, afirma que as mudanças
acontecem nos múltiplos âmbitos. É necessário trazer a discussão de alguns conceitos muito
importantes para a Psicologia Analítica que permearão o entendimento do desenvolvimento
psicológico: ego, Self e individuação.
Vilhena (2009) coloca que, para Jung, não se pode pensar em desenvolvimento da
personalidade antes da formação do ego. No entanto, seus contemporâneos discordam dessa
afirmação, pois, para eles, ambos os processos (formação do ego e desenvolvimento da
personalidade) ocorrem simultaneamente.
Para a Psicologia Analítica, todos nascem com potencial de desenvolvimento que
acontece a partir de uma estrutura primordial arquetípica: o Self. Jung, segundo DeBus (1991),
desenvolveu o conceito de Self ao longo de toda sua obra. O Self é um arquétipo, mas também
tem função reguladora dos demais arquétipos presentes na psique. Como todo arquétipo, possui
dupla natureza: uma dimensão suprema e uma dimensão que, ao mesmo tempo, está presente
no dia a dia, ou seja, apresenta a polaridade pessoal e transpessoal.
O ego vai desenvolver-se a partir dessa totalidade, dessa instância maior, sendo formado
por conteúdos internos e da relação com o ambiente. O ego passa ser o centro da consciência,
ou seja, apenas um aspecto da totalidade, sendo uma estrutura receptora da experiência
consciente (DEBUS, 1991).

35
Contudo, é praticamente impossível descrever o ego por completo, pois ele é o principal
complexo da psique, aquele que confere identidade do sujeito, sendo, portanto, individual e
único. Em decorrência do próprio desenvolvimento, o ego sofre mudanças que não são
patológicas, mas inerentes ao próprio processo de diferenciação do inconsciente.
Entendemos por “eu”4 aquele fator complexo com o qual todos os conteúdos
conscientes se relacionam. É este fator que constitui como que o centro do
campo da consciência, e dado que este campo inclui também a personalidade
empírica, o que é o sujeito de todos os atos conscientes da pessoa. Esta relação
de qualquer conteúdo psíquico com o eu funciona como critério para saber se
este último é consciente, pois não há conteúdo consciente que antes não se
tenha apresentado ao sujeito. (JUNG, 1991, p. 1)

Neumann (1995) teorizou o desenvolvimento do ego na infância, descrevendo-o como


uma fase urobórica, o período embrionário do ego e que ultrapassa a vida intrauterina, indo,
aproximadamente, até o primeiro ano da criança. Para ele, nessa fase, ainda não há ego, mas
sim um embrião, um potencial ainda indiferenciado sem conflito de opostos. O Self tem uma
tendência a formar centros da personalidade e regular a ação entre eles. É na primeira metade
da vida que essa função vai coordenar o desenvolvimento do centro da consciência, ou seja, o
complexo do ego.
Já para Fordham (1994), que dedicou seu trabalho à análise de crianças e constituiu sua
teoria do desenvolvimento baseando-se na experiência clínica, a individuação é um processo
que se inicia desde a tenra infância, período no qual já existe manifestação do Self de forma
evidente desde a vida intrauterina. Por isso, este analista aponta que a individuação é um
processo que ocorre desde o início da vida, fazendo sempre parte do processo de
amadurecimento.
Um dos principais conceitos apontados por Fordham é o de Self primário, que, conforme
Vilhena:
[...] é um integrado, um potencial psicossomático, também referido com
expectativa arquetípica, à espera de desdobramento por meio da interação
como o meio ambiente. Ele se expressa pelas ações que o colocam em contato
com o meio ambiente, para o desenvolvimento do crescimento corporal e do
ego, por meio de processos dinâmicos que o autor chamou de deintegração e
reintegração. (VILHENA, 2009, p. 41, grifo da autora)

A deintegração é a divisão do Self a partir do contato com o ambiente onde os elementos


arquetípicos se mesclam. Na deintegração, ocorre um direcionamento ao objeto, no qual o
elemento mais significativo desse processo é o ego. Já na reintegração, ocorre a introjeção da

4
Aqui usado como sinônimo de ego.
36
experiência de uma energia que retorna ao Self transformada pela experiência (FORDHAM,
1994).
Edinger (1989) afirma ainda que a separação e união entre ego e Self ocorre de forma
espiralada ao longo da vida.

O processo de alternância entre a união ego – Si-mesmo5 e a separação ego – Si-


mesmo parece ocorrer de forma contínua ao longo da vida do indivíduo, tanto na
infância quanto na maturidade. Na verdade, esta forma cíclica (ou melhor, em forma
de espiral) parece exprimir o processo básico de desenvolvimento psicológico do
nascimento à morte. (EDINGER, 1989, p. 24)

Isso dá uma outra dimensão à construção de uma teoria do desenvolvimento, uma vez que
não se pensa em etapas lineares a serem vencidas, cujo objetivo final seria a individuação.
Trata-se de um movimento cíclico, em que a união e separação do ego-Self se alternam.
Edinger (1989) diz que o Self ou Si-mesmo é um arquétipo central regulador da psique.
O Self é também um ordenador da totalidade psíquica, um arquétipo que engloba o ego e todos
os aspectos subjetivos e coletivos do sujeito.
Temas como a unidade, a totalidade, a união dos opostos, o ponto gerador
central, o centro do mundo, o eixo do universo, o ponto criativo onde Deus e
o homem se encontram, o ponto em que as energias transpessoais fluem para
a vida pessoal, a eternidade – por oposição ao fluxo temporal, a
incorruptibilidade, a união paradoxal entre o orgânico e o inorgânico, as
estruturas protetoras capazes de gerar a ordem a partir do caos, a
transformação da energia, o elixir da vida, origem do nosso ser, descrito da
forma mais simples, como Deus. (EDINGER, 1989, p. 22)

Em algum momento da vida, aponta Von Franz (2008), é possível que as pessoas tenham
esse contato mais profundo com o Self por meio de uma experiência interior profunda. Em
geral, o indivíduo que tende à unilateralidade, seja por uma ordem emocional ou instintiva,
perde o contato com o Self. Este só será capaz de emergir diante da disponibilidade do ser
humano tornar-se único, seguindo sua própria natureza, na qual o ego poderá encontrar forças
para a renovação.
A autora aponta que, como todo arquétipo, o Self possui seu lado sombrio e é preciso
lembrar que não se trata de um processo de repetição de padrões. As pessoas tentam seguir
exatamente o comportamento de seus mestres (religiosos e/ou espirituais) sem refletir que estes
tiveram seus próprios caminhos. Para a compreensão simbólica do inconsciente, é necessário
que o ego continue funcionando normalmente, de maneira não patológica pois, “Só mantendo-
me um ser humano normal, consciente do quanto sou imperfeito, é que posso me tornar

5
Self e Si-mesmo podem ser entendidos como sinônimos.
37
receptivo aos conteúdos e processos significativos do inconsciente.” (VON FRANZ, 2008, p.
290).
A individuação está no sentido de um impulso para o crescimento psíquico do indivíduo,
no seu desenvolvimento do consciente e na relação dinâmica com o inconsciente. O processo
de individuação visa o desenvolvimento do ser humano em todas as suas características e
corresponde à transformação contínua da personalidade, cujo movimento não é linear, mas sim
de idas e vindas nas polaridades que devem ser integradas ao longo da vida (VILHENA, 2009).
A segunda metade da vida pode ser vista como um caminho de descoberta de si mesmo.
Essa fase trata da inversão de valores, uma vez que, na chamada metanoia, o indivíduo se
prepara para mudanças cuja sementes encontram-se no inconsciente. Isso posto, vão surgindo
mudanças no nível do caráter e novos interesses ou até mesmo a retomada de traços da infância
encontrarão vasão para surgir (JUNG, 2006a).
A individuação é um processo que jamais poderá ser traduzido plenamente devido à sua
dimensão. O processo de individuação é decorrente da aceitação das orientações do Si-mesmo
para realização plena da personalidade por parte do ego, tendo como meta a união dos opostos,
de aspectos conscientes e inconscientes. O reconhecimento e a integração de aspectos da
sombra é importante para este processo, pois o reconhecimento dos aspectos desconhecidos
presentes na sombra permite o desenvolvimento da personalidade (VERGUEIRO, 2008).
Para Jung (2006a), a longevidade alcançada cada vez mais pelo ser humano só é possível
porque existe um sentido maior para a espécie, sendo, portanto, um produto da civilização.
Como escreveu Jung (2006a, p. 349, § 787): “[...] a tarde da vida humana deve ter também um
significado e uma finalidade próprios, e não pode ser apenas um lastimoso apêndice da manhã
da vida.”
Se, por um lado, a pessoa vive durante toda sua vida identificada com certos padrões,
comportamentos e atitudes, a individuação desafia um processo psicológico com apelo
espiritual, na medida em que se pensa para além “daquilo que é simplesmente incognoscível,
mas que é sentido” (SAMUELS, 1989, p. 137).
O ideal de ego, tão buscado ao longo da vida até então, passa a ser deixado de lado ou é
retomado. Nas palavras de Samuels (1989):
Na primeira metade da vida, na concepção de Jung, o ego heroico luta para se
libertar da mãe e para estabelecer sua independência; isso leva a uma
inevitável unilateralidade que a psique procurará corrigir. Pode assumir, na
meia-idade, a forma de uma reavaliação solitária e introspectiva de sua vida,
inicialmente divorciada do mundo de relacionamentos. Depois disso, o
resultado da reavaliação irá realimentar as relações pessoais, acarretando
maior clareza e satisfação. Na segunda metade da vida, a tarefa é ir além da
38
diferenciação do ego e da identidade pessoal para uma concentração sobre o
sentido e sobre valores suprapessoais; a estabilidade do ego preparou o terreno
para isso ocorrer. (SAMUELS, 1989, p. 127)

Os pós-junguianos que se dedicaram a pensar em uma abordagem do desenvolvimento


humano colocam que a individuação se inicia já desde o nascimento, desde os primeiros anos
de vida de uma criança (SAMUELS, 1989).
O autor também comenta que é por meio da integração de partes inconscientes e
conscientes que a individuação é possibilitada. Isso não acontece sem que ocorram conflitos,
seja internamente e/ou externamente, porque demanda reconhecimento e aceitação de
conteúdos pessoais, grande parte das vezes, negativos e repulsivos do ponto de vista do ego.
Samuels (1989) ainda expressa que, nessa visão, encaixa-se o tema dos opostos, tão
importantes para a psicologia de Jung. Da mesma forma que é o confronto com o desconhecido,
é também possibilidade de abertura ao sexo oposto “que pode atuar como um portal ou guia
para o inconsciente” (SAMUELS, 1989, p. 128).
Da união dos conteúdos conscientes e inconscientes resulta o que Jung (2006a) chamou
de “função transcendente”. A consciência é um processo de adaptação, enquanto o inconsciente
contém não apenas o material individual, mas também a herança daquilo que constitui a alma
humana.
Von Franz (2008) comenta que os aspectos criativos do núcleo psíquico somente entram
em ação quando o ego livra-se de amarras e propõe-se a vivenciar a existência de maneira mais
profunda. É preciso estar disposto a ouvir as demandas internas.
De acordo com Stein (2006), à medida que o sujeito se desenvolve, ocorre uma quebra
nessa totalidade, que se divide um múltiplas partes. Surge assim a consciência do ego, passando
a totalidade para o domínio do inconsciente.
Nesse processo de desenvolvimento, emergem a persona e a sombra, estruturas
complementares que existem em toda a psique humana. Jung utiliza o termo persona para
representar um arquétipo que agrega o potencial para adaptação à realidade exterior, na
interação com o mundo e os outros. Por esse motivo, a constituição da persona se dá na primeira
metade da vida. A vida em sociedade só se torna possível pelo desenvolvimento adequado desse
arquétipo. Somente na interação com ele que o indivíduo é capaz de desempenhar os inúmeros
papéis que necessita e que se vão constituindo apoiados na sua identidade (STEIN, 2006).
A relação entre ego e persona é complexa, devido aos objetivos contraditórios pelos
quais operam. O ego é movido essencialmente pelo sentido da separação e da individuação. Ele

39
pretende consolidar uma posição primeiramente fora do inconsciente e, em seguida, externa
também ao meio familiar. Tem-se, dessa forma, um conflito entre a individuação e a
conformidade social, que gera ansiedade significativa no ego (STEIN, 2006).
Na psique, como polaridades do ego, encontra-se o par de opostos persona e sombra,
conforme mencionado anteriormente. A integração entre os dois é dependente da autoaceitação
do indivíduo e da receptividade total deste para com as partes de si mesmo que não pertencem
à imagem da persona (STEIN, 2006).
O papel dos sonhos na vida psíquica do indivíduo foi amplamente discutido por Jung
durante a construção de seu trabalho, pois ele investigou sonhos por muitos anos e concluiu que
estes não fazem parte somente da vida de quem sonha, mas também são parte da configuração
de fatores psicológicos. Os sonhos na Psicologia Analítica têm papel fundamental na psique
por serem manifestações de arquétipos pela sua configuração puramente inconsciente. Então, o
regulador dos conteúdos oníricos é o Self, e não a consciência ou seu centro, o ego. No estudo
dos sonhos, percebe-se que estes apresentam determinado formato e vão compondo um desenho
dos conteúdos que emergem, desaparecem e retornam em algum momento da vida. Assim,
investigar os sonhos é investigar o próprio Self que atua diretamente no desenvolvimento da
personalidade (VON FRANZ, 2008).
Nos sonhos, o Self pode tomar a forma de jovens ou velhos e essa possibilidade é uma
das inúmeras formas que o Self pode adquirir, já que está presente em todos os momentos da
vida e também “subsiste além do fluxo da vida de que teremos consciência, de onde nasce a
nossa experiência de tempo.” (VON FRANZ, 2008, p. 266). Desse modo, o Self está além da
dimensão espaço-tempo e em todos os lugares e contém todos os tempos, aparecendo nos
sonhos de várias formas. O Self também é muitas vezes representado por animais, cujo
significado estaria ligado à vida instintiva e à realidade em torno.
Para Von Franz (2008), a realidade psíquica, que não é a realidade do mundo exterior,
está indo sempre em direção ao Self:
Essa relação do self com a natureza à sua volta e mesmo com o cosmos vem,
provavelmente, do fato de o “átomo nuclear” da nossa psique estar, de certo
modo, conectado ao mundo inteiro, tanto interior como exteriormente. Todas
as manifestações superiores da vida estão, de uma certa maneira, sintonizadas
com o contínuo espaço-tempo. (VON FRANZ, 2008, p. 275)

40
2.2 Senex e puer

Segundo Hillman (1998, p. 20), “nossas polaridades – senex e puer – fornecem o


arquétipo para a base psicológica do problema da história. Primeiramente, no sentido
convencional, puer e senex são a história e como sequência e transição, como um processo
através do tempo do começo até o fim”.
Para Monteiro (2008), a vivência do eixo puer-senex é a chave para o envelhecimento
ativo e criativo. Segundo a autora, essas dinâmicas podem ser vividas de forma positiva ou
negativa. A postura positiva está relacionada à presença ativa tanto do puer quanto do senex na
vida do indivíduo; já a posição negativa é quando se vive a unilateralidade, ou seja, uma fixação
na maneira de ser de uma das polaridades.
De acordo com Bernardi (2008), o puer e o senex têm correlação com as figuras do jovem
e do velho. O autor explica que Jung pouco explorou o arquétipo do puer e do senex. Descreveu
o primeiro em seus trabalhos sobre a criança divina e o arquétipo do trickster e abordou o
segundo mais amplamente nos escritos a respeito da alquimia, relacionando ao arquétipo do
velho sábio.
Conforme Bernardi (2008), Von Franz escreveu sobre o puer aeternus baseando-se na
história de Saint-Exupéry: “O pequeno príncipe”. Discursou sobre o puer e sua ligação com
complexo materno. Já Hillman dedicou-se diretamente à polaridade puer et senex e sua
constante relação. São arquétipos relacionados ao tempo, porém, são diferentes as formas de
encará-los. Puer está conectado à noção do tempo inesperado, enquanto senex é representado
pelo deus Crono, ou seja, é representado pelo tempo que devora.
Segundo as definições de Hillman (1967 apud BERNARDI, 2008) puer representa o
começo; seu mundo não está inserido na lógica espaço-tempo da realidade, ele não vê processo
– é fascinado pelo novo. Já o senex, polaridade oposta, tem como aspectos positivos a sabedoria;
carrega consigo a ancestralidade e virtudes morais; e é honesto e silencioso; por outro lado, é
castrador, devorador queixoso, avarento. Conforme Bernardi (2008, p. 39): “A característica do
senex que mais assusta o puer em seu voo ascensional em direção a eternidade, é sua ligação
com a morte. Podemos entendê-la como fim, tanto em seu sentido de meta quanto no de
término”.
O puer e sua postura de irresponsabilidade diante da inexperiência pode pôr tudo a perder;
entretanto, pode ser igualmente fundamental para forçar algo até então estagnado. O puer é
também entusiasmo, a força movedora em direção ao novo, ao futuro e que muitas vezes faz
com o que o indivíduo não perceba as consequências e possíveis riscos (BERNARDI, 2008).
41
O senex está envolto em rigidez, apego à tradição e à rotina. Não tem facilidade com o
novo; é resistente. Porém, enquanto aspecto positivo, não se deixa levar pela liquidez das coisas,
por uma vida sem sentido. Senex contém o aspecto da sabedoria, do ancião que já passou ou
conhece muitas experiências e pode falar com propriedade. Carrega consigo a sabedoria dos
mais antigos. A sabedoria também pode ter seu lado negativo, apresentando uma confiança
exacerbada, faltando humildade para lidar com o outro (BERNARDI, 2008).
É comum, com o passar do tempo, que o indivíduo se distancie da sua criança interior.
Nesse contexto, é de suma importância para a psique que se mantenha ativo o eixo puer-senex,
independentemente da idade. A criança representa o “começo e o fim com sua imensa
curiosidade e crescimento, com sua expansiva urgência, com seu decidido ascender da
impotência ao poder, da surpresa à sabedoria.” (MONTEIRO, 2002, p. 22).

2.3 A velhice

Cabe aos sujeitos fazer com que a velhice seja uma etapa com oportunidades favoráveis
ao desenvolvimento. Nesse processo, deve-se incluir a aceitação das perdas associadas ao corpo
e à mente, mas que, ao mesmo tempo, fazem brotar novos modos de ser (MONTEIRO, 2002).
Quando o assunto é o envelhecer humano, ganham destaque os aspectos biológicos e
fisiológicos: o que acontece em nosso cérebro depois de uma certa idade? Por que
desenvolvemos rugas? Quais os componentes responsáveis pelo declínio do corpo? A ciência
tem tentado não somente responder a essas questões, mas também retardar os efeitos da velhice.
Ao mesmo tempo, uma outra dimensão acaba sendo deixada de lado: a dimensão
subjetiva. A psique envelhece? Os efeitos dessas mudanças sobre a pessoa que envelhece são
negligenciados por algumas áreas do conhecimento. Segundo Hillman (1999), muito buscou-
se compreender a velhice a partir das mudanças fisiológicas, mas pouco sobre o significado
destas, sendo que não olhar para esses significados é não falar com aquele que envelhece.
Pretat (1997) discorre acerca da pouca tolerância na cultura ocidental com o velho. Ao
mesmo tempo em que se anseia pela maturidade, uma cultura fast food não deixa espaço para a
lentidão da velhice e ensina como esconder e negar a própria idade.
Hillman (1999) faz uma distinção entre “velho” (old) e envelhecimento. O velho é uma
categoria por si e não tem correlação com a morte, nem com o processo de envelhecimento
necessariamente. É uma condição visível que independe dos anos. É necessário que se supere
a constante comparação do velho contra o novo e que se olhe para o fenômeno em si. É um

42
desafio enorme incorporar o “velho” em vez de exaltar de maneira hipócrita a juventude o
tempo todo, que manipula e aprisiona até os próprios jovens.
Em Memórias, sonhos e reflexões, Jung (2006b) faz um balanço de como foi sua vida,
seus acertos, seus erros e suas pretensões:
[...] o arquétipo do homem idoso que contemplou suficientemente a vida é
eternamente verdadeiro; em todos os níveis da inteligência, esse tipo aparece
e é idêntico, quer se trate de um velho camponês ou de um grande filósofo
como Lao-Tse. Assim, a idade avançada é... uma limitação, um estreitamento.
E no entanto acrescentou em mim tantas coisas: as plantas, os animais, as
nuvens, o dia e a noite, o eterno no homem. Quanto mais se acentuou a
incerteza em relação às coisas. Sim, é como se essa estranheza que há tanto
tempo me separava do mundo tivesse agora se interiorizado, revelando-me
uma dimensão desconhecida e inesperada de mim mesmo. (JUNG, 2006b, p.
413)

Diante do envelhecimento, o sujeito está suscetível à tristeza e ao medo de enfrentar


essa nova etapa, mesmo diante das diversas possibilidades de saída que podem se apresentar.
Monteiro (2002, p. 19) afirma que “Simbolicamente, todos os mitos e contos falam do antigo
soberano que é deposto, e que um novo soberano deverá reinar, isto é, novas dinâmicas devem
surgir na consciência”. O sentimento de despedaçamento e de violência pode irromper, trazendo
conteúdos deixados de lado pela consciência, o que pode desencadear desânimo ou algo criativo
(MONTEIRO, 2002).
Para Pretat (1997, p. 57), é possível alcançar um espaço na velhice no qual o indivíduo
possa deparar-se com suas vitórias e derrotas. Aceitar-se de forma plena é um desafio para a
vida “tanto essa lição quanto o desenvolvimento de um ego que suporte a verdade e não se
imiscua no destino parecem ser metas que todos procuramos alcançar enquanto transportamos
a passagem de transição do envelhecimento.”
A mesma autora expõe que a maturidade pode contribuir para a não aceitação de
projeções externas que só valorizam a juventude. Contudo, quando as vozes que menosprezam
aspectos da velhice vêm de dentro, podem ocasionar uma imagem distorcida de si próprio. O
resultado disso é o horror frente ao envelhecer, no qual a morte é preterida.
As mudanças geradas no corpo podem sinalizar um novo começo. Para uma atitude
criativa diante dessa nova realidade, é preciso aceitar os desafios embutidos nessas alterações
todas. Esses indícios são reconhecidos interna e externamente e nisso muitas pessoas temem
estar doentes, ou sofrendo de doenças senis precocemente porque se percebem mais esquecidas,
desorientadas, deprimidas e fisicamente doentes (PRETAT, 1997).

43
Quando nos encontramos num espaço/tempo liminar entre uma e outra
maneira de ser, nossa energia consciente tem a tendência de desaparecer no
inconsciente e tornar-se inacessível para nós em nosso dia-a-dia. É como se
tivéssemos adormecido a caminho da velhice. Quando isso acontece, podemos
nos sentir como se repentinamente tivéssemos perdido pedaços de nós
mesmos. [...] É uma tarefa bastante difícil suportar a perda da nossa antiga
identidade enquanto esperamos o surgimento de outra. (PRETAT, 1997, p.
65)

O desvincular-se de fatores da antiga persona dá uma sensação de invisibilidade às mais


velhas, e muitas vezes sentem que passam despercebidas. O mesmo não parece ocorrer com os
mais jovens. Esse sentimento advém da percepção baseada nos sentimento dos outros e no
desconhecimento do que está por vir (PRETAT, 1997).
A morte é muito associada à velhice, apesar de estarmos sujeitos a ela sempre. Trata-se
de um tema delicado sobre o qual a filosofia, as artes, a ciência e as religiões se debruçam sobre
seus mistérios desde sempre.
Para Jung (2006a), a vida, como todo processo energético, é orientado para um objetivo
final, que nada mais é que o estado de repouso. Por excelência, a vida é teleológica, ou seja,
orientada para um fim.

Da mesma forma que a trajetória de um projétil termina quando ele atinge o


alvo, assim também a vida termina na morte, que é, portanto, o alvo para o
qual tende a vida inteira. Mesmo sua ascensão e seu zênite são apenas etapas
e meios através dos quais se alcança o alvo que é a morte. Esta fórmula
paradoxal nada mais é do que a conclusão lógica do fato de que nossa vida é
teleológica e determinada por um objetivo. (JUNG, 2006a, p. 358, § 803)

Freitas (1992 apud MAGALHÃES et al, 2012) ressalta que os velórios e os enterros têm
perdido as suas características de rituais de passagem, decorrendo no esvaziamento de seu
significado psicológico básico, associado à elaboração do luto e à mudança interna daqueles
que ficaram. Exemplo disso também é o período de luto, que foi reduzido drasticamente.
A respeito do preparo para a morte, Jung (2006a) acrescenta:

Se o nascimento do homem é prenhe de significação, por que é que a sua morte


também não o é? O jovem é preparado durante vinte anos ou mais para a plena
expansão de sua existência individual. Por que não deve ser preparado
também, durante vinte anos ou mais, para o seu fim? Por certo, com o zênite
a pessoa alcança obviamente este fim, é este fim e possui-o. O que se alcança
com a morte? (JUNG, 2006a, p. 358-359, § 803)

44
2.4 Da bruxa à velha sábia

Segundo Bolen (1990), a Psicologia Analítica permitiu pensar a mulher como diferente
do homem, e não como um ser que deve ser visto pelos atributos que não possui quando
comparada a este. O crescimento do movimento feminista nas décadas de 1960 e 1970 colocou
esse assunto em evidência e fez com que outros autores manifestassem formas diferentes de
abordar a psique feminina. Ao traçar uma tipologia da psicologia da mulher, a partir das deusas
da mitologia grega, Bolen (1990) abriu espaços para quebrar alguns estereótipos. Tratou os
diferentes potenciais da mulher para além dos padrões culturais, abordando o arquétipo da
“mãe” como um a mais, a ser ativado ou não, procurando assim não reforçar a ideia de que o
“instinto materno” é natural e obrigatório.
Estés (1994, p. 15) diz que “a mulher moderna é um borrão de atividade.”. A autora
destaca a importância de ir em direção ao seu próprio ser, pois em todas as mulheres habita o
que ela nomeia de “Mulher Selvagem”. Grande parte das mulheres tem sido tratada de forma
infantilizada e não teve espaço para desenvolver-se enquanto artistas, escritoras, cientistas, etc.,
como também pronunciou Virginia Woolf, em Um teto todo seu, de 1928, obra na qual a
escritora traça um panorama sobre a ausência de recursos, que silenciou e impediu as mulheres
de expandirem-se na literatura: “[...] a mulher precisa ter dinheiro e um teto todo dela se
pretende mesmo escrever ficção” (WOOLF, 1994, p. 8), condições que muitas não possuíam.
Por meio dos contos de fadas, mitos e outras histórias populares, pode se ter acesso a
esses aspectos da mulher selvagem. Eles apresentam pistas de como podemos nos deparar
novamente com nossa própria essência.
Quando as mulheres reafirmam seu relacionamento com a natureza selvagem,
elas recebem o dom de dispor de uma observadora interna permanente, uma
sábia, uma visionária, um oráculo, uma inspiradora, uma intuitiva, uma
criadora, uma inventora e uma ouvinte que guia, sugere e estimula uma vida
vibrante nos mundos interior e exterior. Quando as mulheres estão com a
Mulher Selvagem, a realidade desse relacionamento transparece nelas. Não
importa o que aconteça, essa instrutora, mãe e mentora selvagem dá
sustentação às suas vidas interior e exterior. (ESTÉS, 1994, p. 21)

O conto “Pele de foca, pele da alma” que Estés (1994) resgata, fala exatamente desse
encontro consigo mesma, dessa necessidade de, apesar da vida e dos compromissos eternos, a
mulher precisa vestir-se novamente com sua própria pele e ir em direção a si mesma. Em algum
momento da vida, veem sua alma roubada, seja pelos relacionamentos, pelo trabalho ou por
qualquer outro elemento ou acontecimento que a afaste de sua essência.

45
De acordo com Estés (1994), a necessidade de ir em busca de si mesma pode acontecer
aos 20, 30 anos. Porém o processo é mais comum aos 40 ou 50, sendo que nada impede que
ocorra também aos 60, 70 ou até mesmo aos 80 anos de idade.
Parisi (2002) trabalhou em sua pesquisa com mulheres na fase da menopausa. As
histórias com as quais se deparou demonstravam muitas marcas deixadas por anos e anos de
patriarcado. No entanto, ela observou que, ao mesmo tempo, algumas dessas mulheres também
buscavam novos caminhos, a fim de desenvolverem seus potenciais.
Quando estendemos as reflexões para diferentes sociedades, notamos algumas
diferenças em relação à entrada na velhice. Para as mulheres da pequena comunidade de Itapuá,
no Pará, a menopausa é aguardada, pois representa a libertação da mulher de restrições e papéis
sociais impostos a elas desde a menarca. Segundo Motta-Maués (1994), para as habitantes de
Itapuá, o período que se inicia com o cessar da menstruação é também um retorno à situação
inicial, de pré-menarca, na qual, para essa comunidade, não há diferença entre os sexos
masculino e feminino.
A mudança no aspecto da pessoa que envelhece é usada pelo imaginário coletivo e
encontra-se presente em contos e mitos de várias partes do mundo. O exemplo mais claro disto
é a figura da bruxa, tão presente nos contos de fadas.
As bruxas quase sempre são representadas nos contos como seres incompreensíveis,
feios e grotescos, o que afasta as pessoas. A imagem da mulher velha quase sempre associa-se
a esta imagem dos contos de fadas. São figuras más, retratadas muitas vezes como demoníacas.
Mas também são conhecedoras de segredos da natureza e de seus poderes (ABRAMOVICH,
1997 apud TRINDADE, 2008).
As bruxas formam um aspecto também da mulher sábia. Estés (2007) afirma que, em
muitos contos, quando a jovem vê-se em perigo, esta não é salva por um príncipe ou por uma
figura semelhante, mas por uma outra mulher, mais velha, que pode ser a fada com sua
sabedoria e braços acolhedores ou a bruxa que impõe desafios para que a jovem os supere.
Ela aparece à janela da prisão como uma sábia instrução de como escapar dali.
Em segredo, ela dá à heroína um anel mágico, um espelho ou frasco com
lágrimas, para usar como proteção. Ela murmura palavras enigmáticas que a
heroína precisará estudar e interpretar para acabar encontrando seu caminho.
Os príncipes são bons. Os príncipes podem ser excelentes. Mas, com
frequência, nos mitos, é a velha que tem algo de realmente bom a dar. (ESTÉS,
2007, p. 16)
A velha também é representada como a Grande Avó, que aparece das mais diversas
formas nas histórias.
Há as grandes avós selvagens que têm o cabelo verde e os cílios turquesa, com
sapatos de todas as cores, e que viajam por toda parte para fazer as menininhas
46
entenderem que são bonitas. Há as “grandes avós de avental” que sabem de
tudo sobre fartura e caristia, e são as portadoras de alimento para o corpo e
para a alma. Há as grandes avós de alta costura e as grandes avós artistas que
lançam purpurina a cada passo e inspiram outras a criar à vontade. Há uma
quantidade incontável de tipos de avós: cada uma é única e representa um
desafio a tentativas de classificação. Há muitas grandes avós que reúnem os
atributos anteriores e ainda mais; ou mesmo diferentes, tudo ao mesmo tempo.
Qualquer qualidade de inteligência, ternura, franqueza, sensualidade,
profundidade que uma mulher tenha possuído aos vinte anos de idade, com o
esmerado desenvolvimento ao longo do tempo, estará provavelmente
duplicada e triplicada quando ela, de fato, na psique e na alma, for uma grand
mère... (ESTÉS, 2007, p. 48)

Na mitologia Iorubá, Nanã é uma imagem arquetípica da Grande Avó. Mello (2016) diz
que, em sua polaridade positiva, Nanã representa a calma, a gentileza e a paciência daqueles
que possuem a sabedoria das pessoas mais experientes que ensinam e ajudam a guiar os mais
novos. Pelo lado negativo, sua figura pode ser associada à inflexibilidade, controle e
autoritarismo.
Para que se constele a polaridade positiva da velha sábia é necessário encarar
a difícil travessia da metanoia, olhando para si e, via o amor, poder se
transformar, integrar os opostos e poder seguir na caminhada. (MELLO, 2016,
p. 80)

Na mitologia grega, a imagem arquetípica da Grande Avó, que remete à ancestralidade,


está ligada a Gaia, uma das primeiras deusas a habitar o Olimpo, mãe de todas as outras
divindades. Temos também Átropos, a mais velhas das moiras – divindades responsáveis pelo
fio da vida –, tida como inevitável e inflexível e que possuía a tarefa de encerrar o ciclo da vida.
Héstia, divindade da primeira geração de deuses olímpicos, é a mais velha destes.
Também é uma idosa e, assim como Nanã, representa a sabedoria das mulheres mais velhas. A
ela estão atribuídos aspectos de calma e paciência que só o tempo vivido é capaz de ensinar
(BOLEN, 1990).
A mulher jovem e a mulher velha das histórias formam uma dupla na qual ambas as
almas são nutridas: a jovem com a sabedoria da mais velha, e a mais velha com a jovialidade.
Em termos psicológicos, a junção da velhice e da juventude é capaz de manter uma psique
equilibrada. Na ausência de uma delas, é necessário que a alma busque aquela parte ausente
dentro de si, ouvindo o chamado para a vida da própria alma, vivendo de acordo com sua própria
natureza, negando-se ao vazio. “Independente da idade, condição ou situação, o espírito da avó
significa ensinar que lutar para crescer em sabedoria e reformular e criar vida nova são atos de
inteligência” (ESTÉS, 2007, p. 58).

47
O arquétipo da Grande Avó está em todos nós como potencial. A avosidade é também
um tema presente na realidade de pessoas idosas e, assim como os papéis sociais e familiares
mudaram, com as avós não foi diferente. As avós do século XXI não correspondem mais à
imagem daquela senhora caseira contadora de causos e dona das receitas secretas e saborosas.
Estas ainda existem; porém, o que se vê hoje está concatenado a uma vivência mais participativa
destas, atuando em diferentes situações e contextos (DIÁLOGOS IMPERTINENTES, 2008)
A avosidade está presente também como potencial arquetípico e pode ser vivida sem a
presença de um neto biológico. Ela pode ser vivenciada, por exemplo, por meio da convivência
com os sobrinhos-netos, com as crianças da rua ou em um trabalho intergeracional. Atualmente,
com as mulheres mais velhas indo em busca de seus potenciais e encontrando contextos em que
possam desenvolvê-los, a avosidade é uma experiência que também deve ser pluralizada, a fim
de ampliar as dimensões e chamar os mais diversos aspectos da mulher idosa em favor de si
mesma e de outras gerações (DIÁLOGOS IMPERTINENTES, 2008).

48
3. MÉTODO

Trabalhar com idosos não é uma escolha aleatória, mas sim um reconhecimento de que
a função da memória é a de conhecer e organizar o passado. Lembrar, para o idoso, é também
uma função social, que preserva a história da família, da comunidade, das instituições, etc. Entre
aquele que narra e o ouvinte nasce uma relação cujo interesse é preservar o conteúdo narrado
que poderá ser reproduzido (BOSI, 1994).
Entende-se que dar voz a essas mulheres que estão vivenciando diferentes faces da
velhice é fundamental para a compreensão desse fenômeno em nossa atualidade.
A seleção dos recursos metodológicos para apreensão do fenômeno a ser
pesquisado é condicionada pela articulação de diversos aspectos: tema da
pesquisa, seus objetivos, a delimitação do contexto e o objeto de estudo, ou
seja, o tipo de manifestação simbólica a ser captada e observada. (PENNA,
2009, p. 93)

Sendo assim, os objetivos desta pesquisa são:

Objetivo Geral
Investigar como mulheres idosas solteiras e sem filhos entendem o próprio processo de
envelhecimento.

Objetivos Específicos
 A partir do relato de vida, compreender as trajetórias de mulheres e o que as levaram a
ter uma vida de solteira e sem filhos, considerando-se o fato de terem escolhido ou não
essas condições.
 Levantar reflexões sob a perspectiva da Psicologia Analítica a respeito do processo de
individuação e envelhecimento para estas idosas.

Pensando nisso, o método escolhido para esta pesquisa é de cunho qualitativo, pois
compreende-se que este é capaz de contemplar a complexidade do tema da pesquisa, pois, como
coloca Penna (2009, p. 62), “Os métodos qualitativos de pesquisa propõem uma abordagem
compreensiva e interpretativa dos fenômenos, buscando seus significados e finalidades”.
O processo de envelhecimento pode ser entendido do ponto de vista objetivo por meio
das transformações do corpo, no nível cognitivo e biológico, mas só é possível compreender a
velhice na perspectiva subjetiva tendo contato com a pessoa que encontra-se nesta fase da vida.

49
De acordo com Perrone (2003), a subjetividade está presente na narração da história de vida, o
que permite também abrir uma nova visão sobre as relações significativas e a relevância do
sujeito em sua própria narrativa.
Para a coleta de dados, foram utilizadas entrevistas individuais. A entrevista é definida
por Cruz Neto (1994, p. 57) como “uma conversa a dois com propósitos bem definidos” e, em
outro nível, “serve como um meio de coleta de informações sobre um determinado tema
científico”. Por meio da entrevista, é possível obter dados subjetivos que trazem à tona opiniões,
atitudes e valores das pessoas entrevistadas (CRUZ NETO, 1994).
As entrevistas foram livres, buscando o relato puro e com o mínimo de interferência da
pesquisadora, não procurando, assim, uma linearidade no discurso. No primeiro encontro com
cada idosa, buscou-se obter informações a respeito de suas histórias de vida, sendo que isso foi
realizado de acordo com o que cada uma foi lembrando de sua própria história. Como acrescenta
Cruz Neto (1994):
[...] a história de vida tem tudo para ser um ponto inicial privilegiado porque
permite ao informante retomar sua vivência de forma retrospectiva, com uma
exaustiva interpretação. Nela geralmente acontece a liberação de um
pensamento crítico reprimido e que muitas vezes nos chega em tom de
confidência. É um olhar cuidadoso sobre a própria vivência ou sobre
determinado fato. Esse relato fornece um material extremamente rico para
análises do vivido. Nele podemos encontrar o reflexo da dimensão coletiva a
partir da visão individual. (CRUZ NETO, 1994, p. 59)

A segunda entrevista foi elaborada após a transcrição, análise da primeira entrevista e


também diante dos apontamentos feitos pela banca examinadora no momento do exame de
qualificação. Optou-se, nesse momento, pelo formato de entrevista semiestruturada, com
algumas perguntas abertas, como “O que significa uma pessoa idosa? Se sente assim de alguma
forma?” e “Com quem pode contar quando precisou ou precisa de algo?”.
Para a segunda entrevista, também foi utilizada um retrato atual da entrevistada, tirada ou
não por ela, como um efeito disparador para abordar a autopercepção do processo de
envelhecimento, tema central deste estudo. Optou-se por utilizar a imagem fotográfica, uma
vez que esta, segundo Weiser (2008), funciona como um “espelho da memória” que reflete de
volta momentos, pessoas e lugares tão significantes a ponto de serem armazenado para sempre.
A autora aponta que o significado de qualquer imagem fotográfica tem mais relação com o
impacto que esta provoca na mente e no coração de quem a vê do que com a imagem em si.
Enquanto olham para uma fotografia, as pessoas podem criar o significado que o fotógrafo quis
originalmente registrar. Assim, o significado dado depende de quem está olhando, pois a
percepção das pessoas e suas experiências de vida vão automaticamente moldar ou definir o
50
que elas veem como real. Portanto, a reação das pessoas às fotografias que elas sentem como
especiais pode revelar muito a respeito delas mesmas, se as perguntas certas forem feitas.
Somadas às entrevistas, também foram realizadas algumas observações de campo durante
as visitas às entrevistadas. As impressões foram anotadas e descritas em alguns pontos para
análise.

As participantes
A pesquisadora chegou às participantes por meio de sua rede de contatos. Foram
entrevistadas quatro idosas que nunca se casaram, nem tiveram filhos. Não tiveram experiências
de conjugalidade, nem filhos adotivos. Três delas são imigrantes espanholas, sendo que duas
são irmãs, e quarta é brasileira, nascida no Estado de São Paulo.
As idosas espanholas foram apresentadas à pesquisadora pela psicóloga do grupo que
frequentam semanalmente. A pesquisadora fez o contato com a profissional, explicando-lhe os
objetivos do trabalho, e ela fez a primeira conversa com as três idosas do grupo que estavam
dentro do perfil.
Foram entrevistadas mulheres com idades entre 72 e 91 anos que participaram
voluntariamente da pesquisa. Contudo, apenas duas idosas concederam as duas entrevistas
previstas à pesquisadora.
Os critérios para participar da pesquisa foram:
 Ser mulher idosa solteira, ou seja, que nunca tenha se casado ou tenha tido experiência
marital. Excluem-se viúvas, divorciadas ou pessoas que tiveram união estável em algum
momento da vida.
 Não ter filhos, consanguíneos ou adotados.
 Ser independente e ter autonomia em relação às atividades diárias e que pudessem,
assim, falar por si mesmas.
 Disponibilidade para dar as entrevistas.
As entrevistas ocorreram entre outubro de 2016 e setembro de 2017. As idosas
frequentadoras do grupo de imigrantes espanhóis foram entrevistadas individualmente no
mesmo dia em um espaço mais reservado, no próprio local onde ocorrem os encontros do grupo.
As demais entrevistas ocorreram na casa das idosas.
O tempo entre a primeira e última entrevista foi de quase um ano. Após a primeira
entrevista, foi necessária a transcrição e análise desta. O contato para a segunda entrevista pôde

51
ser feito a partir de março de 2017, quando o grupo voltou a se reunir, sendo que este era o
canal de comunicação da pesquisadora com as idosas.
Foi realizado um encontro com as participantes no início de abril de 2017, apenas para
retomar o contato e os objetivos da pesquisa e agendar pessoalmente a segunda entrevista.
Nesse encontro, uma das idosas disse que não gostaria de dar a segunda entrevista, pois estava
passando por problemas de saúde. Apesar de não ter concedido a segunda entrevista, foi
autorizada pela participante a utilização do primeiro relato.
A segunda entrevista estava marcada com a sua irmã em um outro dia, mas elas faltaram
ao encontro e não foi possível entrevistá-la. Por telefone, informou que havia problemas de
saúde da irmã mais velha que estavam impedindo-as de sair de casa. Foi sugerida uma visita
domiciliar, mas a idosa preferiu não receber a pesquisadora em sua casa. Optou-se então por
não insistir e manter também somente a primeira entrevista. A terceira participante autorizou
que a entrevista ocorresse em sua residência e a segunda entrevista foi agendada e realizada em
julho de 2017.
Diante dos fatos ocorridos, com a saída de duas participantes, buscaram-se novas idosas
disponíveis que estivessem no perfil e que aceitassem dar a entrevista. A pesquisadora acionou
sua rede de contatos e conseguiu a quarta entrevistada. A idosa era uma antiga conhecida, da
época em que a pesquisadora trabalhava em um programa de atenção básica em um bairro da
cidade de São Paulo. Os dois encontros com esta ocorreram entre agosto e setembro de 2017.
Todas as entrevistas foram gravadas em áudio para posterior transcrição.

Tabela I – Nomes (fictícios) das participantes, idades e datas das entrevistas


Participante Idade Datas da primeira e segunda entrevistas
Nina 91 anos 13 de outubro de 2016
Justina 89 anos 13 de outubro de 2016
Carmem 72 anos 13 de outubro de 2016 e 4 de julho de 2017
Dalva 75 anos 15 de agosto de 2017 e 19 de setembro de 2017

52
Procedimento de análise
As análises e discussão das entrevistas não conseguem abarcar toda a experiência do
indivíduo, mas corroboram, ao ilustrar com suas imagens, as reflexões sobre as diferentes
formas de envelhecimento. Como as demais pesquisas de orientação junguiana, a análise dos
conteúdos apreendidos é feita pela elaboração de símbolos. Como coloca Penna (2009, p. 95),
“A compreensão do fenômeno/símbolo, segundo Jung (vol. 8), abrange as etapas de tradução,
interpretação, elaboração e integração do desconhecido à consciência conhecedora”.
As entrevistas foram transcritas para serem posteriormente analisadas. Cada experiência
é apresentada individualmente, dando destaque inicialmente à história de vida de cada uma das
participantes. Dentro de cada relato, abriram-se itens em comum: “casamento e filhos”, “relação
com a família”, “relações afetivas” e “velhice e futuro”.

Procedimentos éticos
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos
do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (CEPH-IPUSP), sob o parecer número
1.747.761. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido6 foi lido e assinado pelas
entrevistadas e as participantes tiveram seus nomes alterados por nomes fictícios.

6
Ver Apêndices.
53
4. RESULTADOS

4.1 Justina7: uma vida sossegada...

Justina é da Galícia, região noroeste da Espanha. Até os seus 20 anos, não pensava em
sair de seu país. Mas, em 1948, uma tia que morava no Brasil há muito tempo esteve na Espanha
por um tempo e convidou Justina e sua irmã para cá em meados de 1950. A história de Justina
se mistura com a de sua irmã, Nina, de 90 anos, e, por diversas vezes em seu discurso, usa o
pronome “nós”.
Conta que já chegaram ao Brasil com documento de permanência, pois, segundo ela,
aqui só entrava gente que era “útil para o país”. Neste início da entrevista, Justina dá a entender
que o objetivo de virem ao Brasil era primeiramente fazer companhia para a tia, mas, depois,
viram que também estavam incumbidas de grande responsabilidade e que não poderiam fazer
nada para prejudicar o país.
A tia chegara ao Brasil antes de 1900 e era casada. Na época da gripe espanhola, esteve
na Espanha e acabou por retornar ao Brasil com uma de suas sobrinhas. Esta tinha 9 anos de
idade na época e ficara órfã recentemente. Durante a entrevista, não se esclarece o motivo de
sua vinda, ou melhor, o que levou a sua tia a trazê-las para o Brasil.
[...] ela [a tia] achou que estávamos em idade boa, 20 anos, 20 poucos anos e
com bastante saúde, fortes e tal, dizia “vamos?”. Mas pensando mais com ela,
porque ela era viúva e, mas que nada! Não! Ainda temos todos os papéis, a
responsabilidade dela que trouxe a gente pro Brasil, nem encargos e chamadas
nem nada...

Tampouco parecia haver dificuldades financeiras.


Porque aqui tinha trabalho. E nós não precisávamos de vir aqui, porque nós
tínhamos lá trabalho. Foi a história de minha tia... não me arrependo, claro!
Mas passei minha vida tranquila...

Seus pais e irmãos ficaram na Espanha. Sua mãe teve 7 filhos, inclusive gêmeos, mas já
estão falecidos e hoje estão vivas somente a irmã e ela. No Brasil, as primas e os filhos delas
são os familiares mais próximos. Tem muito contato e participa ativamente da vida deles.

7
A apresentação deste relato é o resultado do conteúdo trazido pela idosa em apenas uma entrevista
realizada com ela e das observações de campo. Por questões de agenda, ou seja, dificuldade de nos
encontrarmos devido às faltas dela e da irmã nos encontros do grupo de espanhóis, a segunda entrevista
não foi realizada.
54
A comparação entre Espanha e Brasil surge em diferentes contextos de sua fala. Conta
que o período de infância e juventude sempre foi muito tranquilo na Espanha. Por vários
momentos, relembra dos momentos em sua cidade natal.
Até me lembro bem, teve uma festa na nossa rua, era Nossa Senhora do
Carmo, foi o dia que começaram a guerra em 1936. Até estávamos toda a
rapaziada, porque nós procurávamos ter as nossas coisas em ordem, o
vestidinho, o sapato, a meia... claro! Porque é uma coisa que você desfruta.
Nós tínhamos nove anos, mesmo lá, minha tia teve gêmeos, então, naquela
ocasião, o que fizemos? Como nós tudo lá morava perto, minha tia morava
melhor – daqui aí onde tem o metrô, a outra morava lá. Então era aquela vida
boa, né?

Parece haver um saudosismo, algo relacionado ao fato de que lá atrás as coisas tinham
outras cores, outros cheiros, outros sabores. Apesar de todas as adversidades, valia tudo muito
a pena:
Lá nos invernos não é brincadeira, lá tem neve, tem geada, tem tudo, mas a
gente era feliz. Por quê? Porque tinha saúde, era uma idade boa, e mais a
criação... eu sempre penso “Claro! Que diferença”, porque hoje são outros
tempos, ou mesmo lá na Espanha, mas eu digo “que tranquilidade dá o modo
de ser da gente”, mas claro nem todo mundo pode pensar assim...

O trabalho entrou em sua vida quando ainda era criança. Morava com sua família no
campo e o trabalho com a terra sempre exigiu esforço de todos. Ela conta que em sua cidade
muitas mulheres trabalhavam; inclusive, afirma que lá “não tem uma mulher que não seja
trabalhadeira”. Era uma vida que exigia bastante, mas eram felizes, segundo Justina.
Na Espanha, aprendeu a ler e a escrever e estudou até o equivalente ao Ensino
Fundamental. Seguir com os estudos não era algo esperado dentro das condições de vida que
tinha. Ainda criança, realizava diversas tarefas domésticas e do campo junto com outras
meninas de sua idade.
Olha, nós éramos, naquela ocasião que nós éramos meninas, acho que era
umas nove pessoas, só que deixava fazer de tudo. Lavar roupa, tudo, ir na
porta buscar as coisas, as verduras, os cereais, mas era feliz, era feliz...

A felicidade existia nesse contexto de muita simplicidade e de nenhum luxo. Esta


percepção vai ao encontro dos relatos de idosas na pesquisa de O’Brien (1991), cujas
lembranças por parte das pesquisadas eram de uma infância segura e feliz. A vinda para São
Paulo representou uma grande mudança, mas a cidade nos anos 1950 era outra, bem diferente
da atualidade.
Você podia ir às dez da noite, você podia o que você não faz às quatro da
tarde. E nós conhecíamos São Paulo, mas uma coisa é boa. Eu não me
arrependo, mas tem uma coisa boa, que tenho até que lembrar de bom...

55
Assim que chegaram em São Paulo, começaram a trabalhar para um laboratório
farmacêutico. Permaneceram neste emprego mais de 30 anos, até se aposentarem. Justina se
descreve uma pessoa muito comprometida com o trabalho; em vários momentos retoma o
quanto é importante a fidelidade para com este:
Desde o primeiro dia que nós fomos trabalhar, nunca ninguém teve que nos
chamar a atenção, ao contrário, eu cuidava das coisas deles como se fossem
as da minha casa. A mesma coisa. E trabalhamos muito.

Nas férias, costumava ir à Espanha visitar os familiares. Ao retornar para a empresa, seu
lugar estava garantido. Nunca tivera problemas ou fora advertida. Morava perto do local de
trabalho e costumava ir a pé com a irmã, que trabalhava no mesmo local.

Casamento e filhos
Na entrevista, ela trouxe pouco sobre a questão da maternidade, mas disse que esteve
com as crianças da família, ajudou a criar os primos aqui no Brasil e desfrutou bastante da
companhia deles.
Desfrutando! Eu acho que isso já nos satisfazeu. Já nos deu satisfação. Eu
acho que sim. Porque todos que falam “primos”, eles são mais que primos! A
prima carnal é prima duas vezes, porque a mãe dela era nossa prima por parte
de pai e de mãe. Dois irmãos marido e mulher casados com duas irmãs. Então,
primas mais do que primas carnais e eu acho que vem de tudo isso, né?

Justina se refere ao casamento como algo muito sério. E que a vida quando era jovem,
era muito boa, pois não havia malícias, “os homens até consideravam as mulheres” e, com isso,
sentia-se protegida.
A caminho do local onde seria feita a entrevista, Justina comentou que vê muita
exigência sobre as mulheres em relação ao casamento.
Parece reforçar que não se casar foi realmente uma opção, mas que pretendentes não
faltaram. Esta ideia parece ser reforçada por outra fala.
Até tem gente que às vezes, uma senhora, nós tínhamos ido, minha irmã tinha
sido operada porque ela tinha um sebáceo e nós fomos até no hospital e tinha
uma senhora que também estava esperando o médico e a gente conversando
assim do casamento e tal e ela falou “está solteira porque não tem quem a
queira!”. Bom, eu respondo logo, até assim conversando, ah pronto [risos] e
quando perguntou a nós se éramos casadas, eu disse “não, nós somos solteiras,
mas somos felizes” [risos].

Relata que teve vários pretendentes, inclusive no navio a caminho para o Brasil. Uma
vez, conheceu um rapaz do Rio de Janeiro em uma festa, deu o número de telefone a ele, mas
não esperava que ele entrasse em contato. Depois desse dia, passou um tempo com a tia em
56
Santos e avisou ao rapaz que não estaria em São Paulo. Afinal, não queria compromisso algum
com ele. Contudo, o tal rapaz conseguiu localizá-la e encontraram-se. O curso que ele fazia em
São Paulo acabou e, com isso, teve que retornar ao Rio de Janeiro. Ainda se viram quando, a
caminho da Espanha, o navio parou no Rio, mas, depois disso, nunca mais se encontraram.
Justina disse que ficou aliviada e que, pela distância das cidades entre eles, não teria como o
relacionamento dar certo. Pensou que ele poderia vir de vez para São Paulo, mas se perguntou
“e se não desse certo?”. No fim, ele teve uma promoção no Rio de Janeiro e ela pareceu aliviada
por tudo ter acabado.
Não foi uma coisa tão... mulheres tem bastante, né? Quer dizer, pra ele não
faltou... não faltaria, e ele pelo menos estava satisfeito, passou em São Paulo
de avião e telefonou pra casa, e minha prima atendeu e se vê que ele estava
bem. Tudo bem, pode até ser que [ele] gostasse de nos ver, mas era uma coisa
que era a passar-se e depois já não, foi assim. Eu falei, cada vez eu fico mais
feliz de estar solteira, e antes de vir para o Brasil eu tive pretendentes lá, mas
acho que fiz uma opção.

Ela não aborda uma cobrança por parte da família em relação a isso. Mas curioso que,
quando perguntada sobre o que os familiares falavam a respeito, Justina relata:
[...] agora digo uma coisa, minha tia falava “sempre a pessoa tem que
procurar” porque dizem que amor não tem fronteiras, tem! Tem porque se
aquele é de lá e casa com a moça de lá, daquela outra região, já que não sei o
que... tudo bem. Não! Eu acho que não foi intenção de ninguém, que gozado.
Não foi, porque ninguém falou “você tinha que se casar!”, não. Foi uma coisa,
como se diz? Uma coisa simples, que não... que não...

Um outro posicionamento dela mostra que casamento lhe parece uma decisão muito
séria, e um risco para a própria vida e independência. Ao falar de uma amiga que não casou,
mesmo tendo se preparado para tal, compara o ocorrido a um salvamento.
Agora, estas meninas, uma trabalhou comigo na mesma seção, a outra
trabalhava na outra seção. Esta até vestido de noiva tinha feito, mas acho que
é como aquela pessoa que está num precipício e não cai, se salva.

Justina aponta que o fato de não ter responsabilidade com o casamento permitiu que ela
ficasse próxima da família e ajudasse mais e, ao mesmo tempo, reforça a sua opção por ser
solteira. É como se tudo que ela pode fazer por ser solteira fosse uma consequência de sua
opção.
[...] o dia que ela [a prima] ia dar à luz, nós já tínhamos nossas férias marcadas,
já ficamos na casa dela. Eu fiquei na casa dela. Já enquanto ela estava na
maternidade. Quer dizer que foi também bom, foi bom. Se fosse casada jamais
teria ido. Quer dizer que não é que eu não deixei por causa da família, é porque
eu optei pra ficar solteira.

57
Ela conta de várias colegas que se casaram e sofreram muito e agradece por não ter
acontecido o mesmo com ela.
Nós temos muita colega e têm essas meninas que eu falo, três, quatro, mas é
difícil. Agora as que casaram... teve uma que sofreu pra burro. Sofreu. Uma
moça boa. Até competente e pegou um cara que era bom, mas depois não deu
certo. Sofreu as coisas piores que têm. Então, nessa hora a gente fala “Graças
a Deus que sou solteira”. Não é que houve coisas que nos obrigassem a não
casar, ou a casar, não. Ninguém.

Justina comenta, ainda, que muitas pessoas tiveram filhos e marido e isso não significou
felicidade. Diante de sua criação, do ambiente em que viveram, a melhor opção foi pela vida
de solteira.
Ficar solteira! Porque é uma das melhores coisas que existe na vida, eu acho.
Éramos livres pra desfrutar.

Fala não ser contra casamento, até porque muitas crianças nasceram e isso lhe dá muita
satisfação. Considera sua vida normal, como a das pessoas casadas e a noção disso também traz
sossego.

Relação com a família


Justina mora com a irmã, Nina, de 91 anos. Trabalharam juntas na mesma empresa
durante o mesmo tempo desde que estão no Brasil. São inseparáveis e vão a todos os eventos
do grupo dos espanhóis juntas. Se uma não pode ir por algum motivo, a outra fica pra lhe fazer
companhia.
Sempre mantiveram contato com a família na Espanha. Estiveram lá diversas vezes para
visitá-los e ainda se falam com frequência por telefone.
Aqui, ela tem uma prima muito próxima, são quase irmãs. Esta casou-se e desde sempre
Justina participou da vida dela. A prima teve filhos que tiveram seus filhos, e, assim, a família
foi crescendo.
Imagina... minha prima que é a mãe dessa menina que hoje é dentista. Ela ia
ter o primeiro e nós aguardávamos nossas férias, porque nos davam férias [no
trabalho para ajudar].

Esta família no Brasil parece ter sido um dos motivos de elas não terem voltado para a
Espanha definitivamente.
Porque eu sempre digo, hoje não é mais isso. É difícil por causa também da
época que é corrida, têm famílias que nem se veem por causa de São Paulo.
Então, eu acho que nós desfrutamos da família. Digo “poxa, mas vocês têm
uma família, têm a sogra, têm o sogro”, mas quê? Eles ainda têm tempo pra
saber se nós precisamos de alguma coisa.

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Em sua fala, Justina mostra a preocupação que tem com a prima que recentemente caiu
e precisou de cuidados devido a complicações decorrentes de um coágulo no cérebro.
Hoje minha prima nos deu tanta preocupação, agora está começando a
melhorar, com fisioterapia, com fonoaudióloga, tudo! Agora, nós, pra nós é
como se fosse nossa irmã. Por quê? Porque nós temos convivência. Porque
nós, entre nós, todos é família.

Justina veio já adulta da Espanha, tinha muitos vínculos com a família de seu país. As
primas que também vieram, sempre foram próximas e participativas. O contato com a família
fortaleceu laços, pois possibilitou troca e a fez sentir-se útil, ativa e participativa.

Relações afetivas
Justina trabalhou muitos anos na mesma empresa; foram 30 anos de sua vida dedicados
à firma até sua aposentadoria. Ao longo desses anos, cultivou muitas amizades. Até hoje,
mantém contato com algumas delas.
[...] eu trabalhei 30 anos na mesma firma, teve muitas boas pessoas, colegas,
amigas até hoje, 60 anos!

Na entrevista, Justina não mencionou relações com vizinhos ou outras amizades. Mas
contou que é bastante participativa nos grupos dos imigrantes espanhóis, com quem também
passeia e frequenta várias atividades. Nos momentos em que estivemos juntas, fora do contexto
da entrevista, ela mostrou-se sociável, conversando com diferentes pessoas durante os
encontros do grupo.

Velhice e futuro
A aposentadoria chegou para Justina há trinta anos, praticamente o mesmo período em
que passou trabalhando. Ao ser perguntada sobre essa fase, ela conta que se ocupa muito com
outras coisas. Tem suas plantas, cuida delas diariamente e comenta “Hoje eu não tenho tempo!”.
Ela faz uso de um discurso bastante comum, o de que a vida de aposentado no Brasil não é fácil.
Só que aqui no Brasil, vou te contar! Pra aposentado aqui no Brasil, se não
tiver juízo, ainda tendo juízo não é fácil.

Por diversas vezes em seu discurso, usa a palavra “sossegada”, referindo-se desde a sua
criação até a forma de encarar a velhice.
Lá tá se vivendo. Porque minhas primas estão aposentadas. Olha, elas viajam,
elas têm, ainda têm, por ser aposentadas, pagam menos telefone, têm muita
coisa, até têm aquele programa dona de casa. É diferente, é outra coisa! É
outra coisa. Não estou falando que aqui não é bom, não! É bom! Eu tenho
muitas saudades daquele do tempo dos 50. Porque nós chegamos em 50. Vai
59
fazer 67 anos que estamos aqui, mas fomos muitas vezes à Espanha rever meus
pais, minhas irmãs.

Ela se utiliza de comparações e afirma que na Espanha o idoso é tratado de uma maneira
melhor e que “menina, vou dizer uma coisa, pra nós seria folgadíssimo estar na Espanha”.
Afirma que, mesmo recebendo pouco, lá se consegue viver bem, ao contrário do Brasil, em que
ela precisa ter plano de saúde, sendo que isso consome grande parte dos seus rendimentos. Ao
mesmo tempo, reconhece que na Europa as coisas não estão fáceis.
Após a aposentadoria, não precisou de atividades extras; afinal, as coisas da casa e as
plantinhas preenchem seu tempo.
Quer dizer que nossa atividade, pra nós não precisava sentir a aposentadoria
não, porque tem gente que só trabalha, tá em casa, trabalha. Mas não, basta
ver que não tinha tempo de nada. Hoje têm plantinhas pra tratar, ontem foi
feriado e nós tínhamos que ir na missa de Pilar, que era o dia de Hispanidad.
Ontem foi o dia de Hispanidad, foi quando Colombo descobriu as Américas e
tal. Mas nem teve festa direito, aqui não. Na Espanha teve, bonita, bonita!
Quer dizer, ontem foi assim, amanhã, hoje viemos aqui, amanhã vamos a São
Roque, numa excursão do outro lugar. Então, eu não tenho tempo... porque
pessoa que diz “aaahhh me aposentei”, eu não, ao contrário! Eu hoje levantei
às cinco e pouco da manhã pra vir. Tudo bem. E amanhã também, vamos
levantar cedo pra ir a São Roque. Tudo bem, quer dizer que nós não temos
tempo. Agora tinha pessoas que, quando nos aposentamos, “ah Justina, você
não vai...”. Quê?! Eu não sou chegada em casa, ficar no sofá sentada, não tinha
nada pra fazer.

Aqui, ela descreve como costuma ser a rotina da semana, que é bastante ativa, sendo
que parar para assistir TV, ou qualquer coisa parecida, não é visto como positivo. Ainda que
tenha muitos afazeres em casa, costuma sair e participar das atividades de sua comunidade
espanhola. Nesse trecho, novamente, surge a comparação entre Brasil e Espanha, exemplificado
pela dedicação à festa de Hispanidad.
O deslocamento pela cidade é feito de ônibus; saem cedo e cruzam a cidade para chegar
até o local de encontro do grupo.
Pegamos ônibus e viemos direto. Descemos aí embaixo. Não vale de metrô,
pra nós não serve. Entrar no metrô? Onde se segura? Na perna dos outros?
Nós não pegamos metrô. Mas tudo bem, o ônibus vem em meia hora. Nós
chegamos às oito, às oito já estamos aqui. Chegamos cedo. A outra menina
que vem conosco. Ela pega no Jabaquara. Um sacrifício pra pegar metrô no
Jabaquara que é onde começa. São Paulo está difícil. Pra nós tá difícil. Pra
vocês que trabalham, vocês jovens. Vocês estão com energia. E nós já temos
90 anos.

A respeito das transformações da cidade e do impacto disso sobre os idosos, Alves


(2007) coloca:

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A restrição da locomoção que chega com o avançar da idade, assim como a
maior rapidez da vida citadina hoje, afeta essas memórias e lhes confere um
novo tom. Em muitos momentos a sensação dos idosos é de que eles são
expulsos da vida urbana mais ampla e constrangidos a uma vida social mais
circunscrita. (ALVES, 2007, p. 132)

O trabalho doméstico é dividido com a irmã. Enquanto uma fica responsável por
algumas tarefas, a outra fica por outras. E assim parecem conviver bem.
Minha irmã, ela faz comida, eu faço às vezes comida, eu lavo roupa, eu faço
qualquer coisa.

A respeito de sua vida atual, de aposentadoria e em relação à idade, Justina comenta que
não sabe se a vida tem sido boa, mas que tem sido tranquila.
Hoje, acredita que, se passasse sua velhice na Espanha, teria melhores condições de
vida, mas se coloca como muito presente na família aqui do Brasil e afirma que não conseguiria
deixá-los. Afinal, já são 67 anos de Justina morando neste país.
Estou com 89, minha irmã com 90. Eu nunca pensei que eu chegasse aos 80.
Sabe por quê? Porque antes se morria mais cedo. Agora, não é bom ficar muito
velha...

E ainda diz:
Ficar muito velha, ter muitos problemas. Muitos! Não, não! Que é a melhor
idade? Não! Mas porque São Paulo está complicado. Para vocês está bom, os
jovens, mas pra nós não...

Justina admira-se com a quantidade de remédios que os brasileiros consomem e


agradece ao fato de só tomar dois comprimidos por dia por causa da pressão arterial. É na
alimentação que está a fonte de toda sua saúde, assim como em uma vida tranquila.
Na Espanha, o médico, até pessoa que tem diabetes, pelo menos uma batata
por dia. Agora aqui, o médico manda comer as coisas? Não manda.

Essa vida tranquila a qual ela se remete várias vezes durante a entrevista é, para Justina,
a fonte de tudo e para isso teve uma base muito importante.
Bom, já passou o dia. Mas isso, isso, era uma coisa muito boa, óleo de fígado
de bacalhau, é pros ossos, é pra tudo. Quer dizer que por isso, eu acho que
também e depois as coisas lá, tudo coisa natural e a vida também tranquila,
vá! E a vida tranquila, eu acho.

Justina descreve uma vida de muito trabalho, até os dias de hoje. Tanto ela como a irmã
com 90 anos ainda são bastante ativas desde muito cedo.
E temos trabalhado, não é que nós temos moleza não, não. Porque mesmo
minha irmã, ela na cozinha, perfeita, olha com 90 anos! Vai fazer 91. Quer
dizer que, eu acho que eu digo que foi a nossa vida já de pequenas que veio
assim, né? Sossegada.
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4.2 Nina8: o trem da vida, à espera da estação

Nina, uma senhora pequena e tímida. No dia da entrevista, havia esquecido seu aparelho
do ouvido e por vezes não conseguia escutar o que lhe era falado. É uma senhora de poucas
palavras, menos expansiva que sua irmã, Justina. Por outros momentos, acusando já a sua idade
avançada, ela se esquecia do que estava a dizer. Incentivada pela entrevistadora, começou pela
sua origem, sempre usando o pronome “nós” ao dizer que veio da Espanha e com ênfase
pronunciou seu ano de nascimento: “sou de 1926!”.
Já se conhece um pouco da história pelas palavras de Justina, sua irmã dois anos mais
nova. Conta que, quando criança, tinha de tudo em casa. Mas o “trem da vida” muda de curso
e as coisas ficaram diferentes. Nina também não diz os motivos que levaram sua tia a trazê-las
da Espanha. Contudo, estava com 23 anos quando veio a convite de uma de suas tias ao Brasil,
que acolheu a ela e a sua irmã.
Seus pais e mais cinco irmãos permaneceram na cidade de origem, e apenas uma
fotografia com todos reunidos preserva a imagem da família reunida. Hoje, dos sete filhos, só
estão vivas ela e a irmã, Justina.
É. Os pais ficaram lá, os irmãos. Agora, agora, é... nós temos uma fotografia
até assim, éramos sete, porque minha mãe, no final, teve gêmeos. Mas os
gêmeos, como naquela época não tinham assim muita facilidade de coisa, de
medicamentos, eles faleceram de pneumonia, pequenininhos. Então, esses não
ficaram, depois foram os outros. Os pais não têm, não têm mais nada. Quer
dizer, minha irmã, porque somos... tinha uma, depois eu e depois a Justina e
depois tinha mais dois meninos. De todos só estamos nós duas. E nós duas que
viemos pra cá.

Nina chegou ao Brasil em 1950 e, no ano seguinte, conseguiu o emprego no qual ficaria
por mais de 30 anos.
Fomos a trabalhar e quando era nas férias, nos deixavam ir a Espanha porque
nós tínhamos, nós tínhamos o direito de ir de férias, mas eles nos davam um
pouquinho mais. Quando chegávamos, dizíamos “donde que nós vamos
ficar?”, “no vosso lugar.” Sempre assim, porque nós trabalhamos em um
lugar, as duas, só um e já nos aposentamos. Não fomos pra nenhum lugar e foi
bem até certo ponto, porque depois há coisas que não dá certo, né?

8
Nina pediu para não continuar na pesquisa, preferiu não dar a segunda entrevista, mas aceitou que a
primeira entrevista fosse utilizada na pesquisa. O relato foi realizado a partir de suas falas na primeira
entrevista e das observações feitas durante o encontro com ela.
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Durante este período, Nina trabalhou na mesma função e toda rotina de vida era em
função do comprometimento com este emprego. Porém, conseguia nas férias ir com a irmã à
Espanha rever os familiares. A última visita ao país foi em 2011.
Ela não conta muito sobre as amizades, mas diz que costumava ir às festas e voltar à
noite; afinal, São Paulo era diferente. As colegas de trabalho gostavam de sair e ir aos cinemas
de rua que haviam no bairro. Nina particularmente não gostava e conta com risos que muitas
das moças saíram para passear, faltavam ao trabalho e diziam que estavam doentes, quando na
verdade não estavam.
Não costumavam sair ela e a irmã à noite sem companhia nas atividades de sua
comunidade espanhola.
Ah, sim, frequentamos aqui há tempo. Antes era o lugar, era bom porque, mas
tinha umas festas muito tarde e nós, como éramos solteiras, não tínhamos
ninguém do lado, nós não íamos. Quando era assim tarde, não íamos. Era
quando era mais cedo. Quando nós íamos almoçar lá, ou algo assim...

Ao ser perguntada sobre o que gostava de fazer nas horas vagas, Nina diz que “sempre
tinha coisa pra fazer” e exemplificou descrevendo atividades domésticas. Fora do trabalho no
laboratório, ocupava-se com o trabalho de casa.

Casamento e filhos
Nina falou muito pouco sobre a questão do casamento. Comenta não saber o porquê de
não ter se casado. Sempre tratou do assunto como uma necessidade que não teve. Aliás, nesse
momento, novamente ela usa o plural; não fala apenas dela, mas da irmã também. Sempre
morando com a irmã, pareciam ser autossuficientes.
Agora, nós não nos casamos, eu não sei porquê. Porque... não sei. Não tinha
necessidade e estávamos muito bem. Não digo... eu não quero ser uma... uma
que diga, que fala dos que se casaram, não! Cada um, né? Então é assim...

A prima perguntava “Por que não se casam?” e a própria comentava que elas estavam
muito bem sem marido. Não teve vontade de continuar seus relacionamentos e casar-se, mas
confessa que teve alguns namoros.
Que! Tivemos namorados, assim, assim de conversar, de coisa, nada de beijar
e... mas só!

Nina também não falou muito sobre filhos, abordou superficialmente quando
perguntada sobre o futuro, como se verá mais à frente. Os primos de terceiro grau, apesar da

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distância no parentesco sanguíneo, são considerados verdadeiros sobrinhos, pois fazem muito
por elas.

Relação com a família


Nina mora com a irmã, Justina, dois anos mais nova. Sempre trabalharam juntas e
frequentam os mesmos lugares. Dividem as responsabilidades e tarefas domésticas. Os primos
e primas de terceiro grau são os parentes mais próximos no Brasil. Sente-se acarinhada e
cuidada por eles, mesmo achando que isso não seria uma obrigação deles. Comenta que os
“verdadeiros” sobrinhos que estão na Espanha provavelmente não fariam o mesmo, ou seja,
não dariam todo o apoio necessário, ainda mais nesse momento da vida. Mesmo sendo mais
distantes em relação ao parentesco, os familiares residentes no Brasil são muito mais próximos
afetivamente.

Relações afetivas
Nina contou que ainda tem amigas da época de quando trabalhavam juntas. Conversam
até hoje e se encontram para comer uma pizza de vez em quando.
Ela frequenta dois grupos para imigrantes espanhóis e conhece muitas pessoas. Durante
as visitas, pude perceber que sempre sentam-se à mesa com as amigas, conversam e brincam
muito umas com as outras.

Velhice e futuro
Ao mesmo tempo, dos seus 90 anos, são 66 anos no Brasil, mas parece há ainda uma
esperança em retornar. Seu discurso dá a entender que não teria vindo pra cá se não fosse pela
tia. Tinha planos de voltar para Espanha depois de aposentar-se, porém, encontrou vários
impedimentos.
Então, a gente ficou, ficou assim. Nós não, claro... nós voltamos mais vezes à
Espanha, mas nós fomos em 2011 a última vez e agora também não dá porque
com quem vamos deixar a nossa casa? Não tem assim... pra deixar pra uma
pessoa, né? Então, a gente tem que ir levando, assim e estamos as duas. Agora
vamos ver, vamos ver como nós vamos curtir daqui por diante. Porque aqui,
cada vez mais, a gente tem que... mas é assim, estamos assim.

Chega a dizer mais de uma vez que queria voltar para Espanha, mas parece haver
também que uma dependência em relação à família.
A gente veio pra cá, não é que a gente... mas disseram “porque nós não
iríamos...”, porque nós queríamos quando nos aposentamos, nós queríamos ir
embora, mas temos uma prima que é já de segundo [grau], porque ela tem
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netos, filhos e netos, imagina! Que tão, que tudo que nós queremos, nós
procuramos, ele sempre ajuda. E... e aí?

E aí que, possivelmente, o forte vínculo mantido há tanto tempo com a prima aqui no
Brasil também tenha contribuído para que mudassem os planos.
Sim, mas minha prima disse “ah mas eu vou sentir tanto [a falta de] vocês”, aí
voltou tudo [risos].

Mas acreditam que na Espanha estariam bem, teriam remédios de graça e poderiam viver
e ter uma a velhice melhor, segundo Nina. Contudo, a casa também significa vínculo no Brasil.
Nina e Justina moram juntas no mesmo lugar há muito tempo.
A pesquisa de Barroso (2002) com idosos imigrantes espanhóis revelou, assim como a
fala de Nina, que muitos deles gostariam de passar essa fase da vida em seu país de origem.
Assim, teriam mais condições e receberiam mais benefícios; no entanto, são os vínculos
afetivos que muitas vezes os impede.
Diferentemente de sua irmã, Nina demonstrou mais preocupação com a velhice
avançada. Essa inquietação é demonstrada mais na fala sobre ter que buscar casa de repouso
para elas, uma vez que se prevê maior dependência daqui para frente. Ambas têm idades muito
próximas, e uma não poderá assumir todos os cuidados pela outra. Entende como positivo o
fato de ter apenas dois anos de diferença em relação a sua irmã, porque juntas vão pensar em
um lugar para ficar. Ficar em casa de parentes não é uma opção, não deseja ser um fardo, uma
vez que eles têm seus filhos e netos para cuidar. Isso deve ser uma decisão dela e de Justina,
afirma.
A incerteza do futuro parece preocupar, pois não sabe como ficarão as coisas. Quando
comentei sobre o fato de não ter tido filhos, ela afirmou:
É, não tem quem venha, que fique na nossa falta. Então...

A aposentadoria veio há 30 anos, com uma rotina também bastante ativa, pois, em casa,
sempre há algo para fazer. Participa hoje de dois grupos da comunidade espanhola, gosta das
atividades e excursões e, assim, ocupa-se.
Nos aposentamos e continuamos em casa a mesma coisa.

Fala também que reza, como alguém que não tem muito o que esperar da vida daqui
para frente.
Aí nós nos aposentamos, tamos com a aposentadoria e agora estamos rezando
[risos].

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Esse enunciado de um futuro incerto aparece algumas vezes. Pede saúde a Deus para
continuar sua vida, para ir um “pouquinho mais”. Acaba preocupando-se com “até quando vou
durar”. Existia um plano inicial após o período de trabalho formal, que era voltar à Espanha.
Em momento algum Nina comenta sobre outros planos de vida; não é algo que surge em seu
discurso.
Ela acompanha os acontecimentos na Espanha por meio da televisão, no canal oficial
do país. Vê as comemorações e festejos. No dia anterior à entrevista, foi comemorado o dia de
Nossa Senhora do Pilar, padroeira da Hispanidad, uma data muito importante na Espanha, sendo
que aqui também teve espaço para celebração. Enquanto tenta se lembrar do nome de ícones
importantes da festa, Nina se esquece e, de forma tímida, comenta que já não está bem da
memória.
E tivemos vendo a... acho que tem não sei quantos de militares diferentes e
tem! E tem um bichinho, uma... não sei dizer... de vez em quando eu já noto
que a coisa não tá muito boa [risos] e também tenho tido... eu tenho tido... é...
tenho que ter cuidado porque às vezes, eu estou que parece que eu bebi e que
ando por aí... então, também tem que ter esse cuidado.

E, em seguida, diz que teve uma vida boa. Lembra-se do passado com graça.

Quer dizer que nossa vida foi boa, foi boa sim. Nós tínhamos um tio que ele
falou assim. Bom, vamos escrever aqui o nome, o nome, se nós não
escrevemos direito, ele dizia assim “isto não está direito!” [risos]. Aí, ele nos
fazia fazer tudo direitinho, se tínhamos que fazer tudo direito, os números e
tudo. Até isso! [risos].

Apesar da idade avançada, faz apenas controle da pressão arterial com dois
medicamentos e não costuma ir ao médico. Qualquer problema de saúde, se não for grave, cura-
se sozinho; para situações mais adversas, recorre ao plano de saúde. A ginástica semanal que
faz no grupo também contribui para manter-se saudável física e mentalmente.
Trazendo o tema da morte, diz que tem algumas preocupações e que já deveria “estar
noutro lugar”. Novamente, fala sobre como será daqui para frente, mas, ao mesmo tempo, sabe
que não é ela quem manda nesse destino.
Porque não se sabe o que vai ser. Até aqui sabemos, mas daqui pra frente. Sim,
e é isso. É essa nossa vidinha.

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4.3 Carmem: da aviação ao cuidado

As duas entrevistas com Carmem ocorreram em momentos bem diferentes para ela. Nos
encontramos pela primeira vez em outubro de 2016, no salão da igreja onde acontecem as
reuniões do grupo dos espanhóis, do qual é coordenadora. A segunda entrevista aconteceu em
sua casa, em julho de 2017, aproximadamente um mês após o falecimento de sua mãe. Carmem
está com 72 anos de idade e nasceu na região de Astúrias, Espanha. Seus pais tiveram três filhos
e ela é a mais velha. Quando tinha quatro anos de idade, sua família decidiu sair da Espanha
por conta de uma crise desencadeada pela Guerra Civil, mudando-se para Guiné Espanhola
(atual Guiné Equatorial). Estavam em busca de melhores condições de trabalho, pois a Espanha
encontrava-se em grande crise econômica. Foi lá que nascera seu irmão mais novo.
O movimento pela independência da Espanha fez com que seu pai buscasse novas
oportunidades fora da Guiné Espanhola, mas voltar ao seu país de origem não era uma boa ideia
naquele momento. Como um irmão de seu pai já estava no Brasil, a família decidiu imigrar para
este país, em 1960, quando Carmem estava com 14 anos de idade. Ela relata que, se seu tio não
estivesse no Brasil, possivelmente teriam voltado para Espanha. Mas, no Brasil, havia muito
trabalho e não passaram dificuldades: somente seu pai trabalhava fora e conseguia sustentar a
família de cinco pessoas.
Eu vim pra cá adolescente e digamos que eu consegui tirar o melhor dos dois
mundos. Eu vim de Espanha muito feliz, porque a gente não saiu por
problemas financeiros, graças a Deus. Tinha a crise, mas meu pai tinha seu
próprio negócio, porque lá não tinha. Viemos pra cá com a previsão do meu
pai que acho que foi bem acertada e toda vida trabalhamos, não caiu nada do
céu, mas trabalhamos. Temos nossa casa, nosso teto próprio.

Carmem tinha estudado até o quarto ano ginasial quando chegou ao Brasil e depois fez
supletivo. Tinha vontade de continuar estudando e ir para a área de exatas, estudar os números;
porém, logo começou a trabalhar. Os números sempre lhe atraíram, chegou a fazer cursinho
para a área de exatas e, no seu primeiro emprego, atuava com cálculos e estatística. Fez alguns
cursos livres, mas não pôde assumir muitos compromissos acadêmicos por causa de seu
trabalho. Seu sonho era cursar medicina, porém, afirma que o quer não para “consultas de
doentes”, mas sim para trabalhar com pesquisas.
Uma outra paixão que gostaria de desenvolver é investir no desenho. Sempre desenhou
muito e cogitou a possibilidade de cursar Belas Artes.
[...] eu sempre gostei de desenhar. Sempre desenhei muito bem assim. Aí
quando vim pra cá, fiz português, aprendi outras coisas, mas pensei
sinceramente em fazer a Belas Artes. No que ia trabalhar, não sei.

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Morava no Pari, bairro da cidade de São Paulo, onde também estava seu segundo
trabalho, o que lhe era bastante cômodo. Após dois anos trabalhando lá, conheceu o
administrador de uma empresa de linhas aéreas nos encontros da comunidade espanhola que
ela ia de vez em quando.
Na época, ela ajudou a fazer traduções do espanhol e, por dominar o idioma, foi
convidada a ser secretária de vendas, pois precisavam com certa urgência de alguém para
ocupar o cargo. Acabou aceitando o trabalho por o ver como uma grande vantagem: “Falou em
viajar, eu aceitei”.
Digo me convidaram porque fazendo uma outra atividade, eu nunca frequentei
os clubes espanhóis, assim como lazer, mas de vez em quando eu ia ajudar em
algumas coisas e numa dessas coisas conheci um diretor que falou “estamos
precisando de gente falando e escrevendo espanhol, você não quer vir
trabalhar conosco?”. Perguntei “o que eu ganho?”. Aí ele me falou o salário e
eu perguntei o que além do salário. “Você ganha viagens por ano de férias pra
onde você quiser fora as de trabalho que podem aparecer”. Falei então tá bom!
“Me esperem até fevereiro”, porque eu trabalhava ainda e no mês de dezembro
e janeiro, a gente fazia todo o recálculo do custo dos preços dos brinquedos.
Porque aí toda a mercadoria tinha sido vendida e entrava tudo novo. Eu disse
que só podia largar em fevereiro e ele falou que tudo bem. Foi assim! Me
despedi feliz e contente numa firma, não deixei eles na mão na época difícil,
de recálculo e tudo isso, e me mandei. Aí os meus planos de desenho e de
artista ficaram de fora. Eu gostava de viajar. É algo que sempre me chamou a
atenção. E assim foi ficando por 33 anos...

Para Carmem, o trabalho não era uma necessidade de ordem financeira. Para ela, era
uma necessidade pessoal, uma busca por independência.
Pra ter a vivência, sabe? Eu nunca me vi sentada em casa olhando pra
televisão, não porque tinha mais dois irmãos homens que me vi assim, nunca
me vi. Porque nunca fomos criados assim, assim “você é mulher, vocês são
homens” não... era: “busque teu caminho, busca teu futuro, sua
independência”. Foi por aí sempre.

Na empresa de linhas aéreas, ela trabalhou por 33, 34 anos, sendo que nos últimos 20
anos de trabalho foi chefe de departamento, passando depois a gerenciar vendas para outros
estados do país. Por meio deste trabalho, viajou bastante para outras cidades do país e também
ia à Espanha com certa frequência. Fazia parte de suas atribuições dar treinamentos, o que para
ela era uma ironia, porque nunca pensou em ser professora.
Sempre foi muito dedicada ao trabalho. A empresa mudava muito, a diretoria era
alterada a cada quatro anos e ela precisava se adaptar. No geral, sentia que as pessoas
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colaboravam com seu trabalho e isso era positivo. Mas, algumas vezes, foi criticada porque
frequentemente se mostrava inflexível. Não suportava fofocas, nunca permitiu isso no trabalho.
Acredita ter sido rigorosa ao ter que demitir alguns de seus funcionários, agindo até de forma
um tanto violenta. Na época, não via outra saída diante do ocorrido. Se isso fosse hoje em dia,
teria agido diferente: só a idade para fazer refletir e mudar algumas posturas mais inflexíveis.
Mas esse tipo de situação eu não gostava, eu me sentia pouco tolerante com
essas coisas. Mas os outros, você tem mais 15 funcionários ou 17 e o que
fazes? Então esse tipo de coisa que me sentia violenta de fazer. Hoje não sei
como eu faria. Provavelmente toleraria um pouquinho mais.

Ela sempre morou com os pais. Mas brinca que “praticamente morava sozinha”, porque,
quando seu pai parou de trabalhar, ficavam ele e a esposa muitos dias na casa da praia. Seu pai
faleceu há aproximadamente 20 anos, quando Carmem estava com 51 anos de idade.
Houve uma boa integração no Brasil, segundo Carmem, sem deixar o contato com a
comunidade espanhola. É bastante crítica no que se refere à postura de grande parte dos
imigrantes. Assim, na medida em que vieram para cá, permaneceram porque quiseram e porque
foi positivo de alguma forma. Carmem vê o Brasil como sua casa, o país onde estabeleceu raízes
e fortes vínculos.
O erro da imigração é que se fecham muito em si mesmos, nas carências. A
comunidade é boa pra te ajudar, mas se você fica na comunidade, fica difícil.
Aí você sofre, ao passo que se você se integra, uma beleza.

Até começar a trabalhar, aos 18 anos, Carmem participava de algumas das atividades da
comunidade espanhola. No rádio, sua família ficou sabendo da missa que acontecia aos
domingos na cripta da Catedral da Sé e, assim, começaram a conhecer pessoas e a se reunir com
o grupo folclórico da Missão Católica Espanhola. Tratava-se de um grande grupo que fazia
encontros aos finais de semana para ensaios e atividades de convivência. O objetivo desse grupo
era manter tradições de diversas partes da Espanha. Era uma maneira não só de manter a cultura,
mas também de participar e conhecer diversos lugares.
Atualmente, Carmem é coordenadora do grupo de idosos espanhóis que se reúne às
quintas-feiras no salão de uma igreja em São Paulo. Seu papel é organizar as atividades e
também providenciar ajuda, via Espanha, em caso de algum tipo de necessidade dos
participantes. Ela chegou a essa função pelo convite do médico que criou o grupo pensando nos
moldes dos centros-dia, já existentes na Espanha, por meio de uma entidade chamada Espanhas
no Brasil.

69
Na época, Carmem tinha acabado de se aposentar e aberto uma rotisserie com sua
cunhada e, então, alternava suas funções entre seu próprio negócio e o grupo. Contudo, sua mãe
começou a passar muito tempo sozinha e, por consequência, entrou em depressão. Decidiu,
então, passar para frente a rotisserie, mas manteve suas atividades no grupo.
Carmem está aposentada desde 2002 e, para ela, isso não representa uma grande
mudança, como imaginava inicialmente. Não tinha muitos planos para esse momento. Estava
cansada de mudanças e de ter que viajar a trabalho tão frequentemente, pois chegava a ficar
uma semana longe de casa.
[...] mas chega uma hora, que como eu digo entrei feliz na e na hora que eu
parar realmente de trabalhar, também gostei sabe?

Casamento e filhos
Carmem tem uma rede de suporte que tem sido construída ao longo dos anos. O fato de
não ter marido nem filhos não a deixou desamparada nesse momento. Outras pessoas lhe dão
apoio, constituindo-se em suas relações pessoais.
O núcleo familiar tem que ser além disso. Porque ter filhos não é garantia de
nada. Não digo que são bons nem ruins, a vida pode levá-los pra longe. A
minha mãe e o meu pai vieram pra cá e não são mais ou menos bons os que
ficou lá, por exemplo. Mas levou eles pra longe dos pais, e aí? Dá na mesma.

Para a idosa, não se casar foi uma opção; acredita que todos temos escolhas. Isso vem
também de sua criação. Conta que seus pais não faziam distinção entre ela e seus irmãos e acha
que eles eram até bem modernos para sua época. Afirma não ter escutado deles que ela deveria
casar-se ou arrumar um “bom partido”. Brinca:
E falam “porque não se casou?”. Eu falo “porque não achei nenhum trouxa
que soubesse cozinhar!” [risos]

Diz ainda que não tinha nada contra casamento, mas também nada que favorecesse a
vontade de casar-se. Casamento é algo a “se arriscar”, diz ela, se a pessoa acha que vale a pena.
O casamento foi algo que “nunca deslumbrou”, e possivelmente acabou não se preocupando
com isso. A mesma coisa com filhos. É uma aposta que se faz na vida sem saber bem como se
sairá.
A respeito da maternidade, Carmem conta que foi questionada algumas vezes sobre
sentir falta de ter filhos. Sua resposta, no entanto, é atribuída ao fato de ter sobrinhos e estar
com eles.
Eu fico com o lado bom. Na hora que encher muito, tchau!

70
Por outro lado, relata que quem a conhece sabe que é bastante “cabeça fresca” em
relação a isso. Chegou a ouvir de algumas pessoas que ficará sozinha se não tiver filhos, mas
respondeu sempre que nunca considerou filhos como garantia de companhia. Visto que, caso
sentisse falta de um filho, não hesitaria em adotar. Mas também foi questionada sobre isso.
Carmem rebatia dizendo que mesmo com filhos biológicos, não haveria como prever o futuro.
Assim, “nada é garantia de nada”.
A vontade de adotar também não foi despertada. Quando perguntada sobre isso, conta:
Não, acho que sempre fui um pouco livre. Vamos ajudar, mas sempre fui de
ajudar. Em algumas coisas de ajuda, era eu. Te ajudo aí. Te ajudo na escola,
empurra pra frente.

O fato de não ter tido filhos não foi impedimento para contato com crianças. Muito pelo
contrário: ela teve contato com seus sobrinhos e conta que crianças não faltaram na família.
Sobrinhos assim, diretos, tenho três. Porque o que acontece... um de meus
irmãos se casou com uma divorciada. Ela tem uma filha, eles tem dois netos
também. E do outro lado, do outro irmão, a irmã de minha cunhada, o casal
tinha um filhinho, se mataram num acidente de carro os dois e sobrou o
menino e eles ficaram com a tutela do menino. Por vias indiretas mais dois,
todos têm filhos hoje. Já tenho sobrinhos-netos. Você vê que a família cresce.

Ela relata que a família sempre a deixou livre para escolher e tomar suas próprias
decisões, sem proibições, mas sempre alertaram para pensar sobre as consequências.
Educação correta, respeitar os outros, mas engraçado, nunca escutei, não me
lembro de escutar meu pai e minha mãe a nenhum de nós três “Te proíbo de
fazer isso”, “Você vai fazer isso? Pensa bem.”. Quando eles falavam “Pensa
bem”, eu recapitulava a ver o que... engraçado...

Carmem afirma que sempre foi livre para decidir sobre sua vida. Seus pais eram
“modernos” para época, como ela mesma coloca. Assim, ela mesma não percebe ao longo de
sua história uma pressão para que sua vida fosse de um jeito ou de outro. Por outro lado, parece
que tudo foi acontecendo e ela foi se agarrando às oportunidades que foram surgindo.
Diferentemente de muitas mulheres que tiveram que viver sob o padrão do matrimônio
e da maternidade, Carmem parece não ter sofrido com isso. Pode, ao longo da vida, fazer suas
próprias escolhas e seguir seu próprio caminho. E, agora, aos 72 anos, ela reconhece isso e
comenta:
Acho que ainda posso [ter minhas escolhas]. Ainda tenho espaço para alguma
coisa. E se não quiser também, tudo bem! Se for me comparar com outras
pessoas que conheço, todas felizes e contentes, acho que tive uma vida maior.
Com mais gente, pude conhecer muito mais gente do que muita gente. Então...

71
Relação com a família
Carmem contou que gosta de sentir as pessoas perto, formando com os irmãos e as
cunhadas um núcleo familiar. Sempre considerou sua família, os pais, ela e os irmãos, pois
afastaram-se há muitos anos dos outros parentes. Mantiveram contato com parentes na Espanha,
mas, para Carmem, isso nunca foi garantia de apoio.
Hoje, com seus sobrinhos-netos, que ela também considera como família, mesmo não
tendo ligação de sangue, afirma que as raízes estão mais fixadas no Brasil do que em seu país
de origem.
Às vezes eu falo “minhas sobrinhas-netas”. É parente sobrinhas-netas
também, não tem nada de ligação, mas a gente viu os pais nascer. Então, não
tem como desconsiderar, é família, não tem jeito. Em Espanha dizem que
“quien es tu hermano el vecino mas cercano”, “quem é teu irmão, é teu vizinho
mais próximo”.

Isso ela complementa com a fala:

A gente vai sentir mais amor pelo vizinho do lado que pelo parente que está
lá. Tu não estás vivendo isso, você não sente a falta física. E do vizinho você
sente. Mas acho que graças a Deus é assim, senão a gente ia sofrer por todos
os lados [risos].

Quando nos conhecemos para a primeira entrevista, Carmem ainda se dedicava


exclusivamente ao cuidado da mãe. Esta, apesar de não ser totalmente dependente em relação
aos cuidados pessoais, precisava de alguém por perto sempre, por conta da perda de memória
recente que ela tinha. Na ocasião, relatou:
Moro com a minha mãe, que tem 96 anos. Então, a partir daí... minha mãe está
bem, está inteira... faz parte do grupo, está aí... mas tem as coisas da idade, e
da memória... Então, passo o dia inteiro como quem anda atrás de uma criança.
[Ela] Faz o café da manhã, só que às vezes bota a água pra ferver e esquece
de coar o café, tudo bem. A maior parte das vezes, ela faz o café e chama “não
vem tomar o café”?, digo “vou”. Tomo o café e o resto da casa, a casa fica
toda por minha conta, porque ela esquece. Diz “vou fazer isso, vou passar
roupa”. Chega lá e esqueceu o que vai e vai regar as plantinhas. Então meu
dia passa assim, com minha mãe.

Carmem chegou a falar do receio de que algo lhe acontecesse e sua mãe ficasse sozinha
sem poder pedir ajuda.
Sozinha com ela não vou mais [à casa da praia]. Já fui, mas agora não me sinto
muito segura, porque não é que ela passe mal, se ela passa mal eu corro, mas
e se eu passo mal? A casa lá na Praia Grande tem vizinhos antigos que a gente
é amigo, mas como ela vai sair e pedir a alguém ajuda? Então não me sinto
segura. Essa é que a verdade...

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Ela diz que cuidar da mãe foi algo necessário e, ao mesmo tempo, uma escolha, na
medida em que não atribuía (ou dividia) esse cuidado com os irmãos. Não pensava também em
terceirizar essa função, tendo alguém para ajudá-la minimamente. Essa fala de Carmem vai ao
encontro do que Bohm e Carlos (2010) dizem a respeito de como um indivíduo se torna um
cuidador. De acordo com os autores, tornar-se cuidadora é algo que acontece sem preparo
anterior e muitas vezes a notícia de que um idoso precisará de assistência integral chega de
surpresa.
Carmem faz parte de um grupo cada vez mais comum: o de idosos cuidando de outros
idosos. Seus irmãos são casados e moram em bairros diferentes da cidade de São Paulo. Sendo
assim, em caso de emergência, ela pede ajuda a algum vizinho. Ainda conforme Bohm e Carlos
(2010), é muito comum que apenas uma pessoa se torne a cuidadora, enquanto outros familiares
são apenas coadjuvantes.
Por meio de seu trabalho, ela conseguia viajar para Espanha com certa frequência.
Mesmo depois de aposentada, conseguiu visitar o país algumas vezes. Entretanto, nos últimos
cinco anos, não conseguiu mais viajar, porque sua mãe se cansa muito e ela não vê sentido em
ir sozinha. Acabava não vendo justificativa em ir e deixar a mãe com seus irmãos, pois eles têm
uma vida muito corrida e São Paulo não é uma cidade fácil pelas distâncias. Sua vida, sua
família e seus amigos estão aqui; então, ela não achava tão necessário ir à Espanha tantas vezes
assim.
Ainda era bem recente o falecimento de sua mãe quando nos encontramos para a
segunda entrevista. O cuidado com a mãe era sua função principal nos últimos anos. A sua
rotina agora é outra e Carmem ainda parece estar se encontrando nesse novo momento.
A entrevistada gostaria que tivessem tido mais tempo juntas. Sente sua presença na casa
e às vezes se pega indo falar algo com ela.
Às vezes, estou aqui fazendo uma coisa e me pego tentando contar uma coisa
pra ela e não tem ninguém... Porque ela ficava aí fazendo crochê, vendo uma
revista ou vendo televisão e eu aqui adiantando... Ela “vem aqui sentar um
pouco”, e eu “pera aí mãe, senão a comida não sai”. Então é nessas coisas que
se pegam, mas aquilo…

Só o tempo. Acho que nem com o tempo passa isso. Tem pessoas que
perderam os pais, a mãe, há muitos anos e que de vez em quando ainda dão
umas escorregadas. A minha, tive ela há muito mais tempo que a maioria, né?
Ela faleceu com 97 anos.

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Carmem conta que a mãe estava participante, à sua maneira. Seus problemas de saúde
eram decorrentes da idade avançada, e sua hora chegou, assim como chegará a de todos, afirma.
A entrevistada confessa que queria sua mãe por perto mais um pouco, mas sabe racionalmente
que as coisas não funcionam dessa forma. Chega a relatar que poderia ter feito mais, ou, se
tivesse feito diferente, o resultado poderia ser outro.
Chegou a hora dela, como chegará a de todos nós. Mas a gente sempre espera
“Ah, vamos segurar mais um pouquinho”. Não tem jeito, é assim que
funciona, né? Sempre é pouco. Fica “se eu tivesse feito aquilo outro”, não
adianta. Friamente não é por aí.

A sua vida estava dedicada a ela quase cem por cento. Quando questionada se não
deveria descansar um pouco, fala que não sentia necessidade. O cuidado não era tão
desgastante. A mãe nunca ficou de cama, subia e descia as escadas sozinha – com a supervisão
de Carmem – mas ainda conseguia se vestir, tomar banho e se alimentar sem ajuda. Isso fazia
diferença.
Neri e Sommerhalder (2002), a partir do levantamento bibliográfico, apontam que as
pesquisas indicam que o grau de estresse do cuidador também está ligado ao grau de
dependência do idoso.
O grau em que podem causar sobrecarga ao cuidador depende do número e da
qualidade das necessidades dos idosos no âmbito do manejo da vida prática e
da própria sobrevivência. Os mais onerosos para o cuidador, do ponto de vista
físico e emocional, são os que envolvem a sobrevivência física e os que
envolvem o manejo de déficits comportamentais e de distúrbios cognitivos.
(NERI; SOMMERHALDER, 2002, p. 21)

A respeito da falta de memória, Carmem conta que esse problema era difícil de encarar,
principalmente no começo. Ao longo da convivência, foi aprendendo estratégias para lidar com
a situação.
A gente começa a... Aquilo que nos surpreende, porque o médico avisou
quando ela foi fazer a cirurgia. Disse “olha, a anestesia geral afeta a memória.
Pessoas jovens recuperam, mas com essa idade, já tem a memória
enfraquecida natural, provavelmente recuperará algo”. Foi engraçado porque
realmente, não é que isso surpreendeu “pô, mãe, já te falei”, “você não me
falou”... Não é que repetia as coisas. A gente falava pra ela, mas ela dizia que
não sabia. Então, até você se acostumar com isso... Mas a gente acostuma!
Depois de uns meses, a gente entra nessa também. Mas é o que mais te
surpreende, aquela mudança de ritmo.

A habilidade e esse conhecimento relatados por Carmem, que, aos poucos, foi
aprendendo a lidar com as condições de sua mãe, são construídos no dia a dia, na prática do
contato. Nesse sentido, os familiares vão aprendendo com erros e acertos e aos poucos a

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ansiedade e o medo vão dando segurança ao cuidador que, assim, vai se organizando
(ALVAREZ, 2001 apud ROCHA; VIEIRA; SENA, 2008).
Suas responsabilidades são as mesmas, mas, agora, Carmem tem ido bastante à casa dos
irmãos, dormindo lá alguns dias da semana. Tem também se dedicado a tirar o excesso de papéis
guardados há muito tempo, que afirma ser muita papelada arquivada, notas fiscais, garantias e
contas antigas.
Diante do papel de cuidadora, Carmem acabou deixando de lado algumas coisas que
gostava de fazer. Ela fala de uma vontade de retomar isso, mas não quer compromissos, não
pretende se dedicar a nada específico. A tecnologia também está dentro disso. O celular quase
não usa, somente para emergências. Não deseja ter contato com computador. Está avessa a
tecnologias. Ela acha que isso escraviza demais as pessoas.
Eu, neste momento, estou rebelde contra qualquer método de informática
[risos]. Não quero mexer, às vezes me dizem que deixaram recados no meu
celular. Não me deixem recado no celular, ainda mais recado urgente, se não
é urgente, pode. Uma hora ou outra eu vou olhar. O celular não quero que me
escravize, não trabalho, então não preciso ficar escrava da informática. Ela
tem seu lado bom, gostoso.

Visitar pessoas é algo que gostaria de fazer mais, pois ultimamente estava se
comunicando apenas por telefone. Conhece pessoas que quase não saem muito de casa e
acredita que visitá-las pode trazer alguma alegria.
Ela não quer se comprometer, mas caso chegue o dia em que sinta-se sem muito o que
fazer, o plano é engajar-se em um trabalho voluntário. Por diversas vezes cita a possibilidade
de cuidar das crianças que estão em abrigos próximos a sua casa. Segundo Carmem, não há
muitas justificativas para uma pessoa ficar em casa triste e lamentando. Ela não é esse tipo de
pessoa.
Conversamos sobre sua relação com o corpo e atividades físicas. Ela afirmou desejar
ocupar-se com algum exercício físico em breve, uma vez que, não consegue aproveitar as
atividades corporais no encontro das quintas-feiras por causa de suas atribuições. Mas frisa que
o “corpo pede movimento”. Carmem entende as limitações e sabe que já não consegue fazer os
movimentos de quando era mais nova, mas sempre gostou de caminhar e sempre o faz quando
pode ir a algum lugar a pé, deixando o carro em casa.
Na primeira entrevista, por não ter como pedir uma foto delas, acabei tirando eu mesma
uma fotografia e levei no nosso segundo encontro para conversarmos e perguntei como ela se
via ali naquela imagem.

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A primeira reação foi em relação ao cabelo. É uma das coisas que mais muda nas fotos,
e, na imagem, ela achou que o cabelo estava, nas palavras dela, uma “lástima”.
Costumo mantê-lo mais curto, mas não tinha vontade de ir cortar. Aí ficava
essa ruína aí.

Esse espanto em relação ao cabelo, seguida por essa fala, revela que possivelmente
Carmem estava cansada da rotina. Logo em seguida, comenta:
Que cara de desânimo [risos]. Pode até ser, um dia que nós, nem sempre tá
animadinha.

Em suas palavras, “apesar dos pesares”, acredita estar melhor nas fotos do que diante
do espelho. Não gosta de tirar fotos de perto, prefere as fotos em que está longe e em grupo. A
aparência, para Carmem, relaciona-se ao modo como devemos nos apresentar aos outros.
Devemos estar bem aparentados mais para as outras pessoas do que para nós mesmos.
Carmem não gosta de fotografia, diferentemente de sua cunhada, que faz registro de
tudo, tirando várias fotos nos eventos da família. Evita tirar foto e sair nelas, mas tem que se
aceitar, ela diz.
Não, não me traumatiza. Procuro melhorar um pouco, sabes? [risos]. Procuro
melhorar um pouco que é bom pra todos, mas não me traumatiza.

Interessante o fato de usar a palavra “traumatiza”, pois indica que não parece ser algo
com o qual ela tem lidado positivamente, mas se aceita. Brinca que, a essa altura, melhorar, só
com programa de computador. No entanto, a imagem não remeteu sua fala à aparência em
relação à idade. Houve uma mudança na aparência de Carmem desde que tiramos a foto. Talvez
pra quem a vê sempre, a mudança não tenha sido muito intensa. Mas, agora, Carmem se vê bem
menos preocupada com a mãe, e isso parece ter feito diferença em sua expressão. A pesquisa
de Bohm e Carlos (2010) apontou que muitas cuidadoras sentem-se culpadas e que este é um
sentimento muito presente e, assim, acreditam que, quanto mais perto da mãe idosa estiverem,
menor o risco de que algo aconteça. A fala de Carmem não é diferente.
Eu não sei se pra quem me vê, se mudou [a aparência]. Eu realmente estou
menos obcecada de que não aconteça nada com minha mãe. Sabe, uma coisa
que me preocupava muito é que ela caísse. Ela caiu algumas vezes, não é que
eu inventei, não. A última vez foi ano passado, ela resolveu lavar o quintal,
não preciso te dizer o que aconteceu, né? Escorregou, levou um tombo. Eu
levei ela ao médico, porque bateu e o nariz sangrou, bateu com o nariz assim
um pouco. Mas não foi nada não. Mas na dúvida... então esse tipo de coisa
que eu ficava realmente preocupada. De repente eu chego um dia, tá estatelada
no chão.

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Relações afetivas
Carmem mora nesta vila há quase 20 anos. Todos se conhecem, a maioria dos moradores
é composta por idosos. Não é com todo mundo que tem proximidade, mas, em casos de
urgência, parece que se ajudam mutuamente. Carmem comenta que São Paulo cresceu demais,
não se via tantos prédios em seu bairro e hoje “se vê que eles crescem como cogumelos depois
da chuva”.
Carmem se mostra bastante disponível para os vizinhos. Há uma senhora que ela leva
para resolver algumas coisas importantes, porque os filhos quase nunca estão disponíveis. Há
também outra vizinha que a chamou para irem juntas à cidade de Aparecida do Norte. Então,
Carmem acaba tendo uma vida agitada também por conta disso e agora parece estar mais
disponível para viver isso.
Durante a segunda entrevista, que ocorreu em sua casa, a sua campainha tocou duas ou
três vezes. Eram vizinhas que vinham lhe falar algo, combinar uma coisa para depois. Ela, de
certa forma, vivencia a ideia dessa comunidade em que todos se apoiam.
Há pessoas com quem temos mais afinidades e outras menos. Mas, se alguém
precisar, ou se eu preciso, é só falar. O pessoal tá aí. Até aquele que menos vai
com a sua cara, vem te ajudar e a gente vai na ajuda dele. Isso que eu me sinto
bem porque eu não tô só, eu tô só aqui entre quatro paredes, mas não tô
sozinha.

Assim, ela se mantém ativa, ajudando outras pessoas e interagindo. O grupo dos
espanhóis também é um espaço de troca, em que ela está ali também para cuidar, organizar e
manter tudo em funcionamento para o bem-estar de todos.

Velhice e futuro
A relação com a casa foi outro dado que surgiu nas entrevistas. Quando se mudaram,
não gostou muito do fato de ser um sobrado por causa das escadas. Mas caso alguém ficasse
debilitado, era só colocar uma cama na parte de baixo. Nesse período, então, foram acumulando
coisas que agora Carmem está arrumando e tirando o excesso. A ausência da mãe ainda é sentida
e, muitas vezes, a entrevistada sente como se ela ainda estivesse lá; se a casa já era grande para
duas, agora está maior ainda. Carmem não pretende sair dali, gosta da vizinhança e, como ela
comentou, está sozinha somente entre quatro paredes. Sua vida ativa parece não dar espaço para
pensamentos negativos nesse sentido.
Carmem se apresenta de forma bem ativa, mas ressalta a idade que tem hoje. O tema do
“cuidado” surge em diversos momentos na primeira entrevista, quando se refere à comunidade

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dos espanhóis, desde sua participação na juventude, na convivência com os sobrinhos e,
atualmente, em relação à sua mãe e à comunidade dos idosos.
Porque eu acho que já tenho 71 anos, então eu acho que deveria ter alguém
mais jovem cuidando de tudo isso. “Ah, mas você tá bem, você não parece, tá
ótima”. Não parece, mas tenho. Então eu brinco com eles... “não, mas você é
mais nova que nós”... Claro! Aí uns 50% tem mais de 80 [anos]. Então a faixa
etária é elevada, mas se conserva bem, porque tão aí...

Ela acredita que ficar parada em casa, assistindo televisão, é algo ruim, origem de uma
depressão. Uma depressão pode ser evitada com uma mente ocupada, dedicando-se a algum
plano ou atividade; afinal, coisas para fazer não faltam. Destaca que a depressão é algo que só
acontece quando não se tem propósitos na vida e reforça que há oportunidades: basta olhar em
volta.
Você não vai entrar em depressão se tiver algo pra fazer. Você vê tanta creche
que precisa... Aqui perto de casa tem uma creche de crianças abandonadas até
dois anos. Se eu me sinto deprimida eu vou lá ajudar a cuidar desses bebês.
Acho que tem tanta coisa pra a gente gastar os neurônios que não tão bons,
né? Atividades pra cabeça, não podemos ficar parados. Não precisamos nos
matar nesta vida também.

O trabalho voluntário, para Carmem, pode ser uma boa maneira de engajar-se
socialmente. O estudo de Souza, Lautert e Hilleshein (2011, p. 669) sugere que idosos com
maior qualidade de vida estariam mais engajados com o trabalho voluntário. Contudo, no
domínio psicológico, os autores apontam para a hipótese de que “pessoas com baixa qualidade
de vida psicológica poderiam não realizar trabalho voluntário justamente por sentirem-se
deprimidas, limitadas e/ou incapazes para tal”.

Ao ser questionada sobre o que, para ela, é uma pessoa idosa, Carmem diz

Quando fala uma pessoa idosa eu não penso na idade. Penso no estado físico
da pessoa. Antigamente uma pessoa de 60 anos era idosa, hoje pode ter idosos
com 60 anos, pode ter, continua tendo. A qualidade de vida melhorou tudo
isso. Mas se a pessoa com 60 anos está ligeiramente incapacitada, tem suas
barreiras, suas dificuldades, é a mesma coisa que se tivesse 80 ou 90. A
memória talvez esteja um pouco melhor. Mas de resto, acho que há idade é
quando ela aparece, não questão de calendário.

Ser idoso, para Carmem, não tem relação com idade, mas com dependência e
incapacidade. Cada um envelhece de forma diferente:

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É claro, algumas pessoas ficam realmente velhas, ficam idosas, ficam velhas,
e vão se acabando ainda inteirinhas. Vamos secando um pouquinho, mas estão
inteiras, mas têm outros que não.

Carmem não se identifica com esse perfil de dependência e espera seguir o “modelito”
da família, que falece ainda em atividade e sem alto grau de dependência.
Uma colega do grupo, conhecida por seu bom humor, tem andado muito chateada com
problemas pessoais. Para Carmem, a amiga tornou-se idosa, pois, embora tente animar esta de
diversas formas, conversando muito, não obtém muito sucesso.
O modelo de pessoa idosa que Carmem parece ter é ainda estereotipado e ligado a
questões negativas. Ela não concebe uma pessoa de 60 anos como idosa, a menos que esteja
debilitada ou em necessidade.
Em diferentes momentos nas nossas conversas, Carmem chama atenção para a
necessidade de assistência a pessoas mais dependentes. Cita vários exemplos de idosos
cuidando de outros idosos. Apesar da idade, ela conseguiu cuidar da mãe, mas afirma que
existem outras pessoas com muitos problemas de saúde que precisam cuidar de seus maridos,
esposas ou pais idosos, necessitando também de atenção do Estado, com serviços e políticas
públicas mais específicas.
Como a sua família também é de pessoas longevas, Carmem contou que, quando era
criança, tinha ainda todos os seus bisavós vivos e lembra dos seus avós velhinhos. Tinha uma
tia que faleceu aos 101 anos.
Sei que a coisa vai por aí. O pessoal brinca comigo e fala “tens ainda muito
que rolar” [risos]. Só espero ficar até bem pertinho do fim, só isso. Acho que
não é pedir muito, né?

Perguntei se Carmem via alguma razão nessa vitalidade. Qual era a receita? Carmem
diz que não é algo que se fabrica, pelo menos não para ela. É da pessoa, é de família. Cita o
exemplo de uma senhora da vila de quase 70 anos de idade que parece ter 80, devido à maneira
como ela fala de si mesma, considerando-se velha. Para Carmem, isso não tem a ver com idade
cronológica, mas sim como se percebe a própria idade.
As amigas da mesma idade falam muito de remédios e doenças, e Carmem acaba
evitando sair com elas por isso. Defende que, se for para sair, que seja pra falar de coisas
diferentes, como moda, por exemplo, tema pelo qual Carmem se interessa.
Uma pessoa com mais de 60 anos também tem uma maneira de se vestir, de acordo com
Carmem. Como se interessa por coisas de moda, Carmem reparou outro dia em uma mulher
que aparentemente não estava vestida adequadamente para sua idade.

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Era um dia de calor. E uma blusinha, não era um top, mas era até a cintura.
Tudo bem, o modelito bonito ou feio não vem ao caso. Só que ela parou pra
conversar com outra, quando vi a cara, ela tinha perto dos seus 60 anos [risos].
Realmente... mas a gente não pode pensar nada porque não sabemos porque
ela saiu assim na rua, né? Às vezes foi uma aposta, sei lá. Mas realmente
estava engraçada a criatura [risos]. Você imagina, minissaia, top e sandálias
de tirinha até o joelho, né? Com um saltinho razoável. E com 60 anos.

Ao mesmo tempo que apresenta essa visão mais negativa da velhice, Carmem aponta
que atualmente é necessário pensar nas pessoas idosas de outra forma.

Eu só gostaria que houvesse uma perspectiva um pouco melhor pra quando


mais velhos... porque a tendência é ficar cada vez mais velhos, né? Conforme
a gente lê, a expectativa de vida só cresce. Então, crescendo, seremos mais
pessoas com carências, com necessidades físicas e aí temos que torcer pra que
alguma coisa de bom aconteça.

Carmem sabe que na cidade de São Paulo existem já algumas formas de moradia que
não têm o formato e o peso de uma casa de repouso, que muitas vezes o que leva a pessoa a um
lugar desses é a dependência e a dificuldade da família em cuidar do idoso. Porém, Carmem
insiste que isso ainda é pouco. Quando visitou a Espanha nas últimas vezes, esteve em lugares
nos quais as pessoas não vão por estarem incapazes: são, na verdade, mulheres, homens e casais
idosos cujos filhos não moram perto. São idosos que necessitam de alguma assistência, mas que
conseguem manter sua privacidade, sendo que a pessoa, por exemplo, pode sair da casa e voltar
à noite.
Fica claro como a comunidade e ter pessoas por perto são elementos importantes para
Carmem, que acredita que as políticas públicas precisam estar atentas a isso.
Eu li uma reportagem, não sei se era sobre Santos ou Praia Grande, um projeto
da prefeitura. Era uma casa grande, espaçosa e moravam acho que 15 pessoas.
Uma das pessoas falava “a minha filha queria me colocar numa casa de
repouso” – ela tinha seus 80 anos, mas está bem, “estou bem, disposta, e não
quero ir pra uma casa de repouso ficar sentada”. Essa casa, que era da
prefeitura, tinha ela e mais umas 14 ou 15 pessoas, tinham alguns homens
também. Um casal, me parece, ou dois. Tinham as tarefas divididas, todo
mundo participava na manutenção e limpeza da casa. Tinha uma assistente
social e uma enfermeira. Ela falava “minha filha não se conforma que eu
queira viver assim, mas aqui continuo sendo útil pra mim mesma”.

Isso parece ser reflexo de como são constituídas as relações com a vizinhança dela. Ao
longo da vida, desde que veio da Espanha, sua família sempre foi próxima dos vizinhos. Na
época em que moravam no Pari, sempre se ajudaram. Faziam festas na rua e todos se conheciam.

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Quando perguntei sobre quais eram as principais mudanças que ela identificava ao longo
da vida, Carmem coloca que é a tolerância. Se vê mais tolerante hoje em dia e também mais
flexível em relação às opiniões. A experiência trazida com a idade ajuda a diminuir a
importância das coisas com as quais antes eram grande fonte de preocupação.
Acho que é algo que só a idade dá. A experiência, aceitar melhor até os erros
dos outros.

Para Carmem, o que mais conta talvez seja a capacidade de manter-se ativo, de cultivar
suas relações, quaisquer que sejam estas. E ir construindo coisas ao longo da vida. Sem isso,
fica difícil enfrentar essa fase da vida positivamente.
A entrevistada menciona diversas vezes nas entrevistas que essa visão de mundo
também foi muito herdada dos pais. Apesar de ter contato com pessoas de fora, sempre
mantiveram o grupo familiar, no caso os cinco, como núcleo de tudo.
Isso não mudou muito porque minha mãe tinha esse perfil. Ela falava “olha,
as coisas acontecem, vamos procurar resolver, não vamos nem chorar porque
não vai adiantar nada, nem espernear, vamos tentar resolver”. Ou seja, ficar
estressado, ficar desesperado, não... então já vem um pouco de família isso aí,
sabe? Eu, às vezes, estranho as minhas cunhadas que ficam “Pô, devia ter
feito”. Falo “devia ter feito, não fez, e daí?”. Não podemos deixar as coisas
encostadas, temos que ir atrás delas. E a maioria das coisas que nos afligem
são coisas tão bobas.

O sofrimento parece nunca ter encontrado espaço para emergir. Quando criança,
Carmem ouvia muito que não deveria chorar quando o pai saía para trabalhar, pois ele ficaria
triste se ela chorasse. E foi assim por bastante tempo.
Eu devia ter uns oito anos, uns nove e estava me despedindo do meu pai que
estava indo viajar, ia ficar um mês ou dois fora. Minha mãe falou “não chora
que senão ele vai ficar triste”. Nunca mais esqueci disto aí e é verdade. Você
vai se despedir, você vê alguém chorando você ficas pior. Fica um sentimento
mais de mágoa.

Isso reflete na atitude de estar sempre ativa, não se deixando abater pelas tristezas da
vida. Carmem chegou a contar que algumas pessoas não sentiram que ela estava triste o
suficiente com o falecimento da mãe. Mas ela afirma ser “o jeito dela” e que não é uma pessoa
de demonstrar muito sofrimento.
Ela não pensa muito em planos longos. Disse que, na sua idade, não pretende pensar em
coisas para daqui a dez ou 20 anos, mas pretende viver fazendo pequenas coisas. O sentido é
viver o hoje com mais qualidade possível.

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Ainda outro dia estava em casa, alguém falou “mas o nosso dia de amanhã já
chegou. Nós já estamos no dia de amanhã. Você não, quem tem 40, 50 anos,
não. Mas quem já está nos 70, já chegou o dia de amanhã. Você pode fazer
muitas coisas, mas não vamos fazer planejamentos pra 20 anos. Vamos ser
realistas. Vamos fazer planejamentos razoáveis para viver bem, participar com
os outros.

Talvez seja este um momento para Carmem desacelerar em alguns aspectos e tirar o que
não está mais servindo, estando com pessoas queridas e fazendo pequenos trabalhos manuais.
Embora seja uma atividade mais solitária, tece sempre em prol de alguém. Isso mantém seu
foco; são planos a curto prazo em que vai se engajando. Seu próximo plano é fazer uma blusa
de crochê para a sobrinha que estará no Brasil de férias em breve, mas nada além disso. Viajar?
Talvez no próximo ano volte à Suíça, onde tem alguns amigos.
A respeito do trabalho com fios, Bernardo (2008) comenta que a atividade de tecer faz
parte de inúmeras culturas e está presente em diversos mitos. O ato de tecer, bordar e fazer
crochê estão, de acordo com a autora, simbolicamente ligados aos “laços” enquanto formação
de vínculos, aos “nós” enquanto bloqueios e ao “corte” enquanto desenvolvimento.
Carmem disse que aproveitou as oportunidades que foram se apresentando a ela. Contou
que não tem um grande sonho no momento. Conseguiu realizar o de conhecer diversos países;
por exemplo, foi à Suíça nas primeiras férias que tirou quando estava na aviação. Carmem pôde,
assim, conhecer um pouquinho do mundo, sendo que essa é uma experiência só sua.
Hoje, pode-se dizer que menos é mais em sua vida. Carmem tem a convivência com a
família dos irmãos e com os vizinhos que são a sua rede de suporte social, conforme descrito
por Neri (2005). Ela ajuda, mas sabe que não está sozinha.
Eu diria que tive uma vida boa, trabalhei muito, porque, falando assim, parece
que o trabalho era leve e não é. De leve não teve nada. Aprendi bastante com
as pessoas com quem eu trabalhei. Tive sorte nisso aí. E tô ficando uma velha
bastante legal, vai? [risos]

4.4 Dalva: a minha vida é um filme de rir e chorar

Dalva tem 75 anos, é aposentada e mora sozinha em uma pequena casa alugada de dois
cômodos na cidade de São Paulo. Nasceu e cresceu no interior do Estado de São Paulo, na pequena
cidade de Birigui. Seus pais vieram do Nordeste para trabalhar. Ela é a mais velha das sete irmãs
e dos três irmãos.
Passou a infância e adolescência morando na roça e, aos 7 anos, ganhou de seu pai uma
enxada para trabalhar com ele na plantação. Esse era um trabalho muito cansativo para Dalva, pois
tinha que fazer muito esforço como se fosse uma pessoa adulta. Sentia que os irmãos não eram tão
82
cobrados quanto ela. Os irmãos homens costumavam ter vantagens, conta, pois eram eles que
ganhavam roupas novas, e ela não ganhava nada.
Por isso que, aos oito anos de idade, foi trabalhar aos domingos na colheita de algodão para
um vizinho da família. Esse vizinho tinha filhas mulheres e comprava bonitos vestidos, sombrinhas
e sapatos para elas.
[...] então o que que eu fiz? Eu fui vários domingos trabalhar na roça do
vizinho pra ganhar o dinheiro porque eu queria sombrinha e minha mãe era
aquela pessoa que não tava nem aí também, sabe? Eu não gosto de ficar
falando, já foram, mas tô contando minha história. Aí foram na cidade, e eu
toda feliz esperando a sombrinha e minha mãe “ah, seu pai gastou o dinheiro”.
Chorei, chorei, deixei, né? Criança de oito anos. Aí depois foram e compraram
minha sombrinha, mas depois de tanta tristeza, né?

Algum tempo depois, a família foi morar no Paraná. Dalva conta que foi um período de
muito sofrimento e o trajeto até chegar lá foi de muito medo, pois atravessaram o Rio Ivaí de balsa
à noite. No Paraná, a família também foi trabalhar na roça, o terreno era arrendado e tudo o que o
pai ganhava dividia com o patrão.
Pouco tempo depois, seu pai sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). Chegou a se
recuperar depois de passar um período na cidade. Por um tempo ficou bem, contudo, teve outro
AVC, que o deixou paralítico.
Após o ocorrido, voltaram para Birigui. Foram tempos difíceis; Dalva ainda cuidava da
roça.
Não sei se você conhece, mas antigamente plantava arroz, feijão com uma
máquina assim, do meu tamanho era a máquina e eu plantei. Eu bati feijão que
junta dois pau pra bater. Sabe, então foi uma vida muito dura, mas eu aceitei tudo
numa boa. Eu não reclamava, trabalhava, trabalhava e nós viemos pra cidade. Daí
três anos meu pai teve infarto e morreu.

Dalva estava com 16 anos, a mãe dela estava grávida de três meses e a irmã caçula tinha
apenas nove meses de idade. Na época, Dalva já trabalhava em casa de família, fazendo serviço
doméstico.
Eu trabalhava e trabalhava e pensa que é como hoje, a mordomia que as
empregadas têm? Não. Então, eu chegava em casa cinco horas da tarde no
domingo, eu não tinha ânimo pra mais nada.

Sobre a casa em que ela foi trabalhar, conta:


Ah, mas eu fui trabalhar numa casa! Uma pessoa nojenta! Sabe uma pessoa
nojenta? Um dia eu surtei na casa dela. Eu comecei gritar, eu falei “Eu vou
embora!”. Minha mãe tava lá me esperando, era domingo, a gente ia visitar um
pessoal que conhecia e ela inventando. Mas menina, me deu... porque já tava de
saco cheio dela. Porque eu sou assim, eu sou muito boa, eu sou educada, mas não
amola, não enche não que leva. Aí ela chamou o marido, e eu falei pra ele “minha
83
mãe tá aí me esperando, eu vou sair e ela tá aqui me enrolando”. Imagina, falar
isso pra mulher! Aí eu fui embora. Ela veio e sabe aquela pessoa falsa? Depois
ela vem, me abraçar, me beijar. Eu vim embora, não fiquei mais lá.

Dalva trabalhou como doméstica até os 26 anos e ela mesma pagava a previdência como
autônoma. Contou que ganhava muito bem, dava praticamente metade do salário para sua mãe e
ficava com o resto. Não poupou dinheiro, não investiu em uma casa própria, ou em linha
telefônica9, mas ela atribui isso a uma falta de preocupação dela mesma.
Acho que eu ganhava uns cinco salários. O salário era... 40 cruzeiros e eu
ganhava 280. Eu ajudava minha mãe tudo, nunca liguei, falam que a gente não
deve se preocupar com o amanhã e eu fiz isso. Eu não guardei, sabe?

Já adulta, decidiu que não ia mais ficar no interior e veio para a cidade de São Paulo. Seu
irmão, que já morava em São Paulo e também trabalhava em Santos como caminhoneiro, ajudou
a fazer a mudança do restante da família pouco tempo depois.
Foi uma época boa, diz Dalva. As irmãs começaram a casar, os seus maridos ajudavam a
cuidar da manutenção da casa. Eram todos bastante unidos. Sua fala sugere que, passados alguns
anos, com a mudança da casa e o casamento de um dos filhos que foi morar em outro estado, a
mãe de Dalva começou a ficar doente. O cunhado, na época, já ajudava a pagar as despesas com o
aluguel. Uma das maiores preocupações da mãe de Dalva era morrer e deixar a sua filha solteira,
desamparada.
A piora de saúde de sua mãe trouxe para Dalva uma fase de muito estresse. As irmãs
ajudavam financeiramente, mas não colaboravam dividindo as tarefas. Dalva sentia-se
sobrecarregada, estressada e cansada.
Um dia eu liguei que eu ia chegar tarde pra minha irmã ir lá levar o almoço, era
pertinho a casa. Eu ia fazer unha e eu tinha que voltar correndo e naquele dia não
dava, aí eu liguei pra ela. Quando eu cheguei em casa, vi um pratinho lá e
perguntei “mãe, a Joana veio trazer almoço pra senhora?”. “Não, foi a vizinha”.
A vizinha viu que eu não cheguei e fez um prato e deu. Quando é três horas da
tarde, a minha irmã aparece com uma garrafa de café e um pacote de biscoito. Aí
eu falei “ah é?! Você veio trazer o almoço da mãe agora?”. Elas não me ajudavam
em nada! Eu fui ficando estressada, estressada, eu comecei a não ter paciência
com a minha mãe.

Dalva contou que o médico, após conversar com sua mãe, virou e disse que ela – enquanto
cuidadora – estava precisando de tratamento. Ela carrega uma culpa porque não tem certeza até

9
Até 1998, quando a Telebrás foi privatizada, a espera para comprar uma linha telefônica era de dois a cinco
anos (FOLHA..., 2003).
84
hoje se estava administrando corretamente as medicações de sua mãe e se isso não teria acelerado
seu falecimento. No entanto:
Eu tava tão cansada que se minha mãe demorasse pra morrer eu ia ficar
descontrolada, tinha que ser internada, porque eu já não tava mais assim...

Segundo autores como Marques (2001 apud ROCHA; VIEIRA; SENA, 2008) e Debert
(2013), é comum o relato de cuidadores informais de idosos a respeito desse cansaço devido ao
quanto se sentem sobrecarregados. Trazem também o peso de cuidar, decorrendo em problemas
para a saúde mental do cuidador, sendo as mais comuns a ansiedade e a depressão.
Quando a mãe faleceu, Dalva estava com 60 anos e havia se aposentado há três meses.
Relata que chorou por três anos. Conseguindo se recuperar, mudou-se algumas vezes e começou
a frequentar atividades voltadas para sua faixa etária.

Casamento e filhos
Os relacionamentos amorosos parecem ter sido muito importantes na sua história de vida.
Dalva contou, ao longo das entrevistas, os romances que viveu. Teve vários namorados e até tinha
o sonho de se casar e ter filhos. Todas os irmãos casaram, menos ela. Chegou a ter alguns
pretendentes, mas não gostava deles o suficiente a ponto de assumir um compromisso com eles.
Confessou também que tinha medo porque:
Eu sou assim... eu sou uma andorinha, sabe, às vezes eu não tenho hora pra
dormir, pra levantar, pra sair, pra comer...eu não tenho hora pra nada então eu
jamais ia mudar meu ritmo, eu não consigo. Então eu sonhava casar, ter filhos,
eu sonhava.... mas muito medo, muito medo...porque eu me magoo fácil. Então,
por exemplo, se me falar uma má palavra, me maltratar, jamais eu dormiria com
ele, de jeito nenhum. [...] Eu jamais faria isso.

Disse que também tinha muito medo, não sabe muito bem do quê, mas acredita que esteja
relacionado com o medo de perder a liberdade:
Porque meu espírito, sou muito livre. Muito livre, sabe? Por exemplo, eu sempre
fiz tudo o que eu quis, eu fui onde eu quis. Aí se você casa, nem que o marido
não exija, mas você tem que maneirar, né? Então, eu pensava tudo isso. Eu
gostava de dançar.

Apaixonou-se muitas vezes, teve muitos namorados e conta tais memórias como boas
lembranças:
Eu não ficava sem. Às vezes eu ia no baile, tinha uns paqueras. Eu ia no baile
“será que ele tá lá?”, pensava. Quando chegava lá, ele não tava, mas tava um
outro. Aí eu me divertia e eles eram assim, sempre vinham na minha casa me
procurar.

85
Dalva gostava de ter namorados, dos rapazes a procurando e a elogiando.
Um dia foi tão engraçado. Foi um lá, né? Eu morava com a minha mãe, a gente
ficou conversando lá na varanda. Ele foi embora e daqui a pouco chegou outro.
Menina, eu acho que eu não casei porque eu fui muito namoradeira, eu não parava
e pensar pra casar.

Adorava dançar, era sua vida. Dançava samba, valsa, bolero e tango. Era muito boêmia e
se apaixonava pelos homens que frequentavam os bailes; a dança era uma forma de sedução. Foi
em um desses bailes que dançou a noite toda com um rapaz pelo qual se apaixonou perdidamente.
Ele dizia ser solteiro, mas tempo depois confessou a verdade: era casado.
O fato de homens casados se aproximarem de Dalva era muito comum. Apesar de tudo, ela
ainda teve um relacionamento de 11 anos com esse rapaz. Para ela, foi muito mais que paixão: foi
amor. Era um sentimento que transcendia o corpo, era uma ligação espiritual, segunda Dalva.
Talvez tivesse casado com ele, caso fosse possível.
Ele é um homem muito assim fino, educado, e respeitava. Ele só me elogiava. Eu
percebi... olha como a pessoa é...eu não sei se todo mundo percebe, toda vez que
eu aparecia de vestido, que eu usava muito mais calça, aí ele falava “ah você tá
tão linda hoje”. Aí eu percebi que era por causa do vestido. Mas ele nunca falou
pra mim “ah, usa vestido”. E ele só me elogiava...

Desses 11, ficaram juntos mesmo cerca de 5 anos entre idas e vindas. Mas chegou o tempo
em que ela foi se cansando; não acreditava mais nele. O rapaz dizia que ia se separar da esposa,
mas esse dia nunca chegou, fazendo Dalva concluir, assim, que ele gostava da esposa. Dalva e ele
ficaram um bom tempo sem se ver; depois, ela descobriu que o rapaz estava morando com a mãe
porque a esposa havia o expulsado de casa. Ele ficou tão triste com a situação que não quis
encontrar-se com Dalva, e essa atitude dele a deixou muito sentida.
Fez assim no meu coração: “Plof!” Na hora. E aí foi perdendo a graça, foi
perdendo a graça...

Faz cerca de 20 anos que tudo acabou, mas até há pouco tempo ainda tinha sonhos com
ele, que ele estava vestido com uniforme da companhia elétrica e estava do lado da casa dela.
Confessa também que, mesmo com tudo isso, se ele voltasse, ficaria com ele de novo. Ao longo
da entrevista, ela cita músicas do Roberto Carlos que marcaram e ao mesmo tempo expressam o
que foram esses relacionamentos para ela.
Certa vez, Dalva se encantou por um homem com quem teve um breve relacionamento,
mas um dia ele manifestou o desejo de ter uma esposa:
Aí falei pra ele: “ah, então, meu amor, então não sou eu” [risos]. Ele não voltou
mais [risos]. Ah ele só queria comer pizza e assistir série. Ah, Altas Horas eu
assisto sozinha!

86
Há 15 anos, quando sua mãe faleceu, Dalva estava com 60 anos e, desde então, não teve
mais nenhum relacionamento. O que se aproximou de um relacionamento, desde a morte de sua
mãe, foi um caso que ela ainda mantém no qual existiram poucos encontros, mas muitas conversas
por telefone. No início do relacionamento, falavam-se muito mais, mas como o relacionamento
não evoluía, as ligações ficaram cada vez mais espaçadas e Dalva tem desistido dele, desistindo
também de si mesma. Isso a deixa muito mal, uma vez que não consegue se desconectar
emocionalmente dele.
Eu tentei ver se eu trazia ele pra mim, seis anos, mas ele é sem noção. Ele não
respeita ninguém. Então, o que aconteceu? Eu resolvi desistir. Só que eu desisti
dele e desisti de mim também. Eu não tô conseguindo superar, eu não tô
conseguindo me desligar dele. De primeiro, a gente falava quase todo dia. Depois
eu resolvi não ligar mais, só ele que ligava. Só que ele foi diminuindo, agora ele
tá ligando uma vez por mês. Então, eu parei de ligar, e ele também. Às vezes eu
penso, demora um mês, 20 dias, ele liga. Mas é aquela dúvida, eu atendo ou não
atendo mais? Porque se você soubesse como ele me faz bem, ouvir a voz dele,
parece que ilumina tudo. Mas aí eu acho que ele fica se achando. Então eu não
sei se eu atendo ou não atendo, essa é uma dúvida cruel.

Dalva quer muito ainda ter um namorado, alguém para sair e compartilhar coisas, mas não
quer ninguém morando com ela; não quer se comprometer dessa forma.
Eu falo que na minha idade não tem nem condição de casar, nem de morar junto.
Tem que ser assim, uma pessoa na casa dele e eu na minha, porque se eu não
casei de jovem, não dá. Não dá porque eu me conheço. Eu vou me sentir presa,
incomodada.

Diante dessa visão de relacionamentos e de experiências amorosas, Dalva comenta que o


casamento não é fundamental para se ter essas vivências. Segundo seu relato, havia uma esperança
de que ela se casasse, mas não uma cobrança, algo que tivesse que cumprir, sendo que ainda tem
esperança de encontrar alguém para se relacionar.
Laurentino et al (2006) apontam em sua pesquisa que namorar pode representar uma maior
vontade de viver. As pesquisadoras encontraram uma melhora no estado de saúde física e
emocional associada ao sentimento de bem-estar e felicidade.
Dalva foi a única dos irmãos que não teve filhos. Pelos dizeres, Dalva pensava em ter filhos,
mas isso não foi central em seus planos. Ela era adolescente quando seu pai faleceu e, em poucos
momentos da entrevista, menciona por alto o fato de ter ajudado a cuidar dos irmãos menores.
[...] porque eu tinha 16 anos e meu pai morreu com 50 anos. Essa minha irmã
tinha nove meses e minha mãe tava grávida de três. Menina, eu esqueci de mim,
eu passei a viver a vida da minha mãe.

87
Por essa fala, pode-se inferir que ela assumiu muitas das responsabilidades da mãe. Após
o nascimento do irmão mais novo, a entrevistada conta que sua mãe passou por um momento de
depressão, sendo que Dalva relaciona tal situação a toda a situação vivida pela mãe, que incluía a
viuvez, a maternidade e questões financeiras.
Minha mãe ficou com depressão e acho que minha mãe já tinha depressão pós-
parto. Porque o neném nasceu, ela sem marido, sem nada. Quantas vezes, a gente
tava trabalhando, ela mandava chamar todos os filhos em casa, porque ela ia
morrer.

Diante de tudo isso, Dalva trabalhava e vivia a vida dela como podia. As irmãs foram se
casando, saindo de casa e, aos poucos, tendo seus filhos. Dalva foi se aproximando muito deles,
sendo que, até hoje, adora trocar carinhos com os sobrinhos. Troca mensagens com eles nas redes
sociais. Adora mimar e ser mimada por eles. Algumas pessoas acham exagerada a forma como ela
age, e, inclusive, uma de suas irmãs (já falecida) não gostava disso. Ela repreendia Dalva, falando
que era mimo demais.
Sempre houve muitas crianças na família; agora, Dalva tem também os sobrinhos-netos.
Durante as entrevistas, ela me mostrou diversas fotos e vídeos deles. Encontros, casamentos e
festas de aniversário sempre foram eventos sociais que uniam a família, nos quais todos se
encontram.
Dalva se considera muito carinhosa com eles, sendo que isso se expressa na forma como
conversam, sempre com um “lindo da tia”, “oi, amor”, “dá um beijinho”, etc. A proximidade com
os sobrinhos lhe permite dar conselhos e orientar.
O que diz respeito a gente conversa, às vezes eu falo as coisas pra eles... eles
ficam batendo maior papo assim comigo, né. Então é muito gostoso. E eu amo
eles como se eles fossem meus filhos.

Dalva acha que não daria certo para ela ser mãe, pois acredita que seria uma mãe muito
pegajosa e cuidadosa demais, cobrando e perguntando a todo o momento pelos filhos. Ter um
filho, a partir desse raciocínio, também poderia implicar em sofrimento.
Imaginava, assim, um marido bom, dois filhos... imaginava isso, né. Aí depois
eu fiquei “ah se eu tivesse um filho será que seria bom?” Porque às vezes tem
mãe que tem um filho só pra sofrer. Eu também não sei...

Assim, percebe-se que a proximidade com os sobrinhos é grande. Dalva também se


preocupa com eles, mas acredita que nem deveria se preocupar tanto; afinal, ela mesma não teve
filhos. Afirma que não era para ela não se importar dessa forma, mas não consegue ser de outro
jeito.

88
Relação com a família

Dalva diz que gosta muito de estar com as irmãs. Elas se autointitulam “as irmãs
poderosas” nas redes sociais e no grupo da família, aparentando ser bem unidas. Em diversos
momentos, fala com todo amor das irmãs e do quanto a família sempre manteve essa união de
ajudar um ao outro.
Como a família é grande, sempre há festas e reuniões. Dalva contou da festa de sua irmã,
que completara 60 anos recentemente. Foi uma festa e tanto, na qual a entrevistada afirmou ter
se divertido muito.
Olha, se você visse como eles me tratam. Uma delícia. E vem. No Face eu
tenho meu sobrinho veio me tirar uma foto me beijando aqui e o amigo dele
veio correndo dizendo “eu também quero”, eu tô espremidinha no meio dos
dois. Então eu tenho tudo isso. Eu não quero me exaltar, mas eu sou, como é
que fala? Da festa!
Eu sou assim, todo mundo me dá atenção. Sobrinhas do meu cunhado, todo
mundo me chama de tia. É uma coisa assim muito gostosa. Então, meu Deus,
eu falo, converso com ele. Falo “Senhor, eu tô sendo egoísta”.

Parece que todo o apoio material e de convivência oferecido a Dalva não é suficiente.
Seu desejo é receber mais atenção e carinho das irmãs e cunhados. Quase não recebe visitas,
sente que não se esforçam para estar com ela.
Por outro lado, Dalva acha esse pensamento dela bem egoísta, mas não consegue evitar.
Sente o tempo todo que não se importam nem um pouco com ela, como se ninguém fizesse
questão de sua presença. Na última entrevista, inclusive, ela estava bastante chateada com a
família depois de participar de um almoço na casa de uma das irmãs. Recebeu o convite no
mesmo dia e, como mora longe, acabou chegando tarde por causa do transporte que aos
domingos costuma ser mais lento. Ninguém passou em sua casa para dar uma carona. Quando
chegou, todos já tinham almoçado, e ela achou isso grande falta de consideração.
No retorno, o mesmo se repetiu: não deram uma carona nem até a estação de trem. Já
estava escuro e chovendo, e Dalva precisou esperar o ônibus na avenida.
[...] eu não significo nada pra eles. Assim eu me sinto, não significo nada.
Magina, eu, né, que nem eu me sinto com 40 anos, mas uma pessoa de 75 anos
largar num ponto de ônibus numa avenida escura...

Dalva chega a dar exemplos de outras atividades que ela poderia fazer, como frequentar
mais o Sesc10, parques ou outras atividades voltadas para a pessoa idosa. Está se forçando a
ver outras coisas pra não depender tanto deles, da companhia deles. Conta que deseja estar

10
O Sesc-SP tem um longo percurso no atendimento e desenvolvimento de inúmeras atividades voltadas
à pessoa idosa, incentivando seu protagonismo político e social (SESC..., [2017?]).
89
sempre com eles, viajando, almoçando na casa de uma ou de outra, ou em um jantar quando
saem para algum restaurante, indo às festas, etc. Em outras palavras, em todo lugar, ela quer
estar junto deles e afirma que isso talvez se deva ao fato de não ter filhos.
Costumava passar muitos finais de semana na casa de uma das irmãs. Mas, diante dessa
sensação de que ninguém faz questão de sua presença, Dalva decidiu encurtar o tempo que
passa com eles.
O cunhado parece que entra muito em conflito com ela. Brigam desde sempre, porque
Dalva tem muito ciúmes da irmã. Até hoje, o cunhado a recrimina quando ela tenta falar alguma
coisa relacionada ao fato de ela não estar aguentando a situação, soando como uma reclamação
para o cunhado.
Aí outro dia cheguei lá, às vezes eu comento, né, que eu não tô aguentando, aí
meu cunhado fica: “é, se for pra vim aqui pra reclamar, é bom que não venha.”

Esse cunhado é o mesmo que sempre cuidou dela e da mãe, ajudando financeiramente.
Dalva relata ambivalência em relação a ele:

Diz que ele falou assim “ah, nós vamos ajudar a Dalva porque ela ajudou
muito você, né, ela ajudou a criar. Então, apesar de tudo, a gente briga muito
até hoje. Até o dia que eu vim embora. E ele percebeu... porque é a mínima
coisa, olha, ele tem um coração de ouro, mas uma coisa assim ele faz um
escândalo que ele magoa todo mundo. Então tinha a menininha pequenininha
e uma mesa quadrada na sala de jantar que tem aquelas pontas, então a gente
sempre deixa aquela cadeira grande tampada, e um dia, eu sabia disso, mas eu
esqueci e puxei a cadeira. A menininha veio correndo e caiu embaixo, não
bateu na mesa. Mas esse homem fez um escândalo, e eu não falei nada. Mas
aí ele percebeu que eu fiquei diferente. E ele não chega em você e pede
desculpas, ele faz um gesto que eu entendo. Aí ele veio com um pen drive
bonito e “toma, Dalva, esse aqui pra você.” Então eu senti que nisso aí ele tava
pedindo desculpas. Então é assim, a gente briga, briga, briga, mas...

Essas falas parecem revelar uma necessidade de atenção e de ser cuidada, em que Dalva
deposita muito nas irmãs e cunhados o papel de cuidarem dela enquanto a irmã mais velha. Isso
se daria por meio do carinho, do afeto e da troca de favores. Trata-se de uma troca não material,
mas de escuta. Conforme afirmado, ela vê os sobrinhos quase como filhos, e essas relações são
muito importantes para ela. Assim como afirmam Rubinstein et al (1991), 18 das 31 idosas
solteiras e sem filhos que os autores entrevistaram relataram ter muita proximidade com os
irmãos e sobrinhos, mas, assim como Dalva, questionaram-se se esses familiares estarão
disponíveis para cuidar delas.
Essa é a necessidade que ela demonstra ter em relação a eles e, por vezes, parece
reconhecer que não é assim que as coisas funcionam. Por isso, a necessidade de mudar seu

90
pensamento. A queixa de Dalva remete a uma queixa comum que muitas idosas têm dos filhos.
Goldenberg (2015) afirma que muitas das mulheres que entrevistou disseram que os filhos e os
netos sempre estão muito voltados a si mesmos e pouco dão atenção às suas histórias e
vivências.

Relações afetivas
Dalva falou bastante dos namoros, dos relacionamentos amorosos que teve ao longo da
vida e ainda do desejo de encontrar um companheiro, que foi priorizado no item “Casamento e
filhos”. Pouco trouxe nas entrevistas sobre o relacionamento com outras pessoas, amigas ou
vizinhas.
Porém, por morar no mesmo bairro há muitos anos e conhecer muitas pessoas, não falou
muito dos vizinhos que compartilham o mesmo quintal. Trouxe mais sobre comerciantes que a
conhecem há bastante tempo:
A minha irmã fica boba, porque eu desço essa rua aqui e sempre “oi, Dalva!”,
eu conheço todo mundo. Outro dia no farol, alguém falou “oi, Dalva”, eu não
consegui ver quem era. Eu sou assim, dessa rua até lá embaixo, eu converso,
eu tenho amizade com todo mundo. Compro fiado na rua inteira. Eu vou aqui
no bar e falo “posso levar comida, tô sem dinheiro”, na casa de frango também
e eles não marcam, sabe? Deixa por minha conta. Eu pergunto quanto eu tô
devendo e dizem “não sei”, mas eu sei [risos].

Velhice e futuro
Quando perguntei sobre o que é ser idosa, Dalva respondeu que é só o passar dos anos,
que isso não representa algo efetivamente. Existem diversas vantagens em ter mais de 60 anos,
como a possibilidade de frequentar espaços específicos e ter a gratuidade e descontos no
transporte público e em eventos culturais. Além disso, é muito positiva a integração com os
jovens, pois deles recebe muito carinho. Por último, mas não menos importante, a entrevistada
destaca a experiência adquirida com a idade.
Ah, como eu queria saber o que eu sei hoje [risos]. Nos meus 30, queria
mesmo.

Dalva se considera uma pessoa apaixonada pela vida, pelas plantas, pela família, pelas
suas coisas. A idade não quer dizer muita coisa, afirma. Ela diz várias vezes que ainda se sente
com 40 anos de idade, com muita vontade de amar ainda. Aos 75 anos, Dalva diz que só se
lembra da idade quando se olha no espelho; no fundo, sente-se como naquela época de ouro, de
namorar, de noivar.

91
Esse sentimento relatado é diferente do observado por Goldenberg (2015), que, nas
narrativas de mulheres entre 50 e 60 anos, percebeu um discurso voltado para a decadência do
corpo. O sentimento de inadequação leva muitas dessas mulheres a se eximirem das relações
amorosas por não pertencerem mais ao modelo de corpo jovem.
Pedi no primeiro encontro uma foto sua recente, e Dalva se empolgou, pois gosta muito
de ser retratada e me mostrou várias imagens dos passeios e festas que faz com as irmãs. Ela
mesma adora tirar fotos e me mostrou bonitas imagens que tirou. No entanto, ela queria mostrar
uma fotografia específica.
Eu tô me sentindo ótima, acho que eu tô ótima. Aqui, eu tô refletindo o que
eu sou, o que eu sinto. Que aquela outra não, aquela eu tô assim... caída. Então
aqui eu tô refletindo, porque eu gosto de ser chique.

Na fotografia, tirada pela irmã, Dalva está em um restaurante, com roupa de inverno,
usando uma echarpe prateada. Está maquiada e sorri de leve. A foto retrata, segundo relato,
aquilo que identifica sua personalidade. Fez questão de mostrar essa imagem por acreditar que
ali está bem representada a sua personalidade e a forma como ela gosta de ser. Mas interessante
que, enquanto ela procurava essa foto, acabou encontrando outras; planejava me mandar uma
da festa, mas não queria usar a foto porque estava com uma expressão muito triste e abatida.
Dalva gosta de sair em fotografias, gosta também de tirar muitas fotos por onde passa e de
compartilhá-las nas redes sociais. Ainda sob a temática da aparência, além da foto que traz
elementos interessantes, outra fala de Dalva aborda elementos de como ela se vê:
Uma vez perguntaram, fizeram três perguntas pra mim: o que eu achava do
mar, dessas xicrinhas de café, que eu gosto, sou toda chique, e do mar, o que
eu achava do cavalo, que a gente fala e depois tem a resposta no papel do que
tava escrito. Então eu falei que eu achava o mar lindo, maravilhoso, mas eu
tenho medo do mar. Nossa, eu só vou da água aqui abaixo, assim, geralmente
eu tomo banho no primeiro dia ou no último, né, que eu jogo tudo. Então a
resposta era assim que eu sou muito amorosa, mas que eu tenho medo do amor.
E o cavalo, “que que você acha do cavalo?” “Acho o cavalo lindo, elegante,
charmoso. “Então, é assim que você se acha, você se acha charmoso,
elegante...” Olha que engraçado... e a xicrinha de café? A xicrinha de café, a
xicrinha de porcelana, a gente não usa todo o dia, só usa pra servir café pra
uma pessoa especial. Não é qualquer hora que a gente usa essa xicrinha. A
xicrinha representava o sexo [risos]. Gente, é incrível as respostas!

Dalva se identificou muito com as respostas, trouxe as associações para o tema da


entrevista e a identificação com o animal corrobora com a descrição dela na fotografia. O mar
e a xícara de porcelana tratam do tema do amor, que ela deseja ainda encontrar, mas que não
seja qualquer pessoa.

92
O corpo também é uma preocupação para Dalva, que vem tentando perder medidas, uma
vez que, segundo ela, está acima do peso. Porém, ela afirma gostar muito de comer, principalmente
coisas que fazem mal para seu estômago e para o fígado.
Apesar dessa autoimagem mais positiva, Dalva conta que não está bem de saúde. Tem sido
acometida por dores, tonturas e quedas, sendo que seu emocional também está abalado. Ela não
tem muitas explicações, mas acha que a relação com a família, a falta de um parceiro e a falta de
trabalho contribuiu, nos últimos cinco anos, para essa tristeza que ela vem sentindo.
Dalva conta que até os 70 anos estava bem, dançava, frequentava os chamados espaços
para a terceira idade, mas há cinco anos tem percebido uma queda em seu humor. Sente-se no
“fundo do poço” e deprimida, relatando que nada parece lhe chamar a atenção. Não frequenta mais
tantas atividades da terceira idade, mas ainda gosta da ginástica e por vezes ainda vai às aulas de
yoga.
No que se refere aos cuidados de saúde, ela tem convênio médico e faz todos os
acompanhamentos necessários com especialistas. Na semana da primeira entrevista, ela teria
consulta com médico. Reclamou bastante de dores nos ombros e nas pernas, mas afirmou que,
segundo seus médicos, não há uma causa específica.
Então, mas eu marquei ginecologista e o geriatra, eu não aguento de dor nas
pernas. Eu vou no geriatra primeiro, porque você sabe que o geriatra resolve tudo,
né? Ele manda fazer ultrassom. Esse meu geriatra é cardiologista, no consultório
dele, ele trabalha como cardiologista e lá é geriatria. Ele vê tudo, manda fazer
eletro, todas essas coisas.

Dalva também é assistida pelo Programa Acompanhante de Idosos (PAI) 11 e recebe


semanalmente visita da agente comunitária para saber como ela está e levar medicamentos
distribuídos pelo SUS que Dalva tem direito. Na igreja perto de sua casa, conseguiu também
sessões de acupuntura, nas quais vários pontos do corpo são trabalhados, inclusive para ansiedade
e depressão.
[...] eu tô fazendo [acupuntura], mas só não sei é porque eu tava muito mal que
não tá resolvendo. Porque, olha minha filha, eu tô com o baço, fígado, tudo
inflamado, pelos pontinhos elas veem, né? Tá tudo inflamando!

A fala de Dalva corrobora com Boechat (2002). Para o autor, a depressão-somatização e a


depressão-dor são apresentações atípicas da doença que merecem atenção. Por ser estigmatizada,
a depressão passa despercebida, pois muitos idosos relutam em abordar sintomas psicológicos.

11
Serviço da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de São Paulo voltado ao cuidado domiciliar a
pessoas idosas em situação de fragilidade ou vulnerabilidade social (SÃO PAULO, 2012).
93
Dores, insônia, sono excessivo, desconforto e outros sintomas somáticos são avaliados geralmente
por clínicos gerais, que muitas vezes priorizam possíveis doenças orgânicas.
Ela percebe as limitações do corpo: sofreu uma queda no banheiro em decorrência de uma
tontura muito frequente, que também resultou em queda na rua. Subir escadas para regar e podar
as plantas já não é uma tarefa simples. Ela tem muito medo de cair.
Há aproximadamente cinco anos, mesmo aposentada, ela ainda trabalhava como manicure
e pedicure na região onde mora. Tinha suas clientes e atendia em domicílio, mas as freguesas
começaram a falecer; outras já não a chamaram mais e, aos poucos, Dalva foi perdendo serviços.
Atualmente não trabalha mais como manicure e vive somente da aposentadoria.
Dalva disse que gostaria de viver bastante, mas agora tem medo. Contou que está com
medo porque se magoou muito. Tem esse pensamento constante de que ninguém se importa
com ela e se questiona o que está faltando, de onde vem esse sentimento de vazio. Sente muito
a falta de alguém para sair, ir aos bailes, passear, sair pra jantar, enfim, um namorado.
Conversando mais um pouco com Dalva, ela conta que, de nove anos pra cá, desde que
mudou para essa nova casa, ela não é mais tão caprichosa quanto antes. Precisa, por exemplo, fazer
uma faxina na casa, porque quando abre a porta do armário, as coisas caem todas no chão. As
portas, segundo ela, estão muito sujas; faz mito tempo que não as limpa. Porém, relata que não
está em condições de fazer essa coisas. Sua irmã chegou a intervir, falando que vai chamar uma
caçamba pra tirar tudo que ela não usa. Chegaram a pagar uma faxineira para ela, mas, que pelo
que diz, não limpou nada direito e ela não quis que a moça voltasse.
Eu lavo as peças e quando eu vou tomar banho, eu já esfrego o box. Mas eu
tô precisando pegar uma faxina. Eu não posso pagar, mas mesmo se eu pagar
eu sou enjoada, eu prefiro fazer devagarinho. Por que, né? Uma vez minha
irmã me emprestou uma diarista e ah menina! Que horror! Ela não limpou
nada! Como a casa da minha irmã é grande, eu achei que ela limpou com
pouco caso.

A casa não é mais o brinco de limpeza que ela deixava antes. Ela sente-se indisposta,
com dores no corpo, e parece preferir dormir no tempo em que colocaria a casa em ordem. Mas
é difícil. Ela não sabe explicar o que aconteceu.
Era tudo limpinho, tudo arrumado, [agora] isso aí tudo amontoado, sei lá o
que eu fiz, sabe... agora já passou, mas eu tava me sentindo um lixinho no
meio do lixão. Isso faz mal porque isso não é meu, eu não faço, não deixo,
isso não é meu, não sei o que aconteceu. Então eu tô lutando, lutando, eu tirei
bem mais coisa, eu já tirei, mandei embora.

Esse capricho em arrumar a casa é algo que ela carrega desde criança.

94
Quando eu tinha uns nove ou dez anos, eu morava no Paraná e olha o que eu
fazia com dez anos: eu fiz um jardinzinho assim, uma parte do quintal, plantei
e tinha de todas as cores. Minha casa era de chão batido e conforme você vai
pisando faz buraco, aí com uma enxada eu acertei tudo. Joguei água e fiz
aquele barro e deixei secar, parecia cimento. Olha como que eu era! Tinha
banco, banco era de aroeira, aquela rústica que tem aqueles pelinhos. É uma
madeira rústica e eu tinha prateleira também e o que que eu fiz, passei cinza
de fogão na prateleira e no banco, deixei branquinho, bordei umas toalhinhas...
uma pena que naquela época a gente não tinha como guardar... aí eu pus três
toalhinhas uma em cada, mas olha! A minha casa era linda.

Assim que cheguei em sua casa, Dalva me contou que caíra no banheiro no fim de semana
anterior. Comentou que teve ajuda para não bater a cabeça na pia e poder se levantar. Quando
perguntei quem tinha ajudado, ela me respondeu que foram seus anjos da guarda.
Quando mais nova, até seus 30 anos, a preocupação de Dalva era só namorar e ir para o
baile. Nada mais. Só falava com Deus na hora de dormir. Falava isso, mas não pensava em Deus
em mais nenhum outro momento.
A partir de 1996, ela conheceu e começou a frequentar o Perseverança12 e até hoje tem em
seu quarto tem uma foto do Dr. Bezerra de Menezes13. Frequentou por muitos anos, mas estava há
quase 5 sem conseguir ir. Mas, cansada de sempre ver a mesma coisa, procurou uma outra filosofia
para seguir.
Encontrou a Seicho-No-Ie14. Frequentou um ano, gostava do que era ensinado, mas não
conseguia seguir. É um costume a cobrança de valores e isso desanimou Dalva, uma vez que ela é
aposentada e ganha um salário mínimo. Não achou justo ter que doar tanto dinheiro.
Hoje, ela diria que não segue uma religião específica. Assiste muitos programas dos canais
católicos disponíveis na TV.

Eu ia no Perseverança, depois na Seicho-No-Ie. Eu gosto de assistir tudo, porque


é tudo igual. Os católicos não aceitam muito, mas eu vou, né, na igreja, porque
Deus é um só. Cada um tem seu jeito de se expressar e eu gosto de assistir todos.
Assisto esse padre. Sabe que o Papa mandou Whatsapp pra ele falando assim
“fala pros seus filhos, seus irmãos, não se sacrificarem porque Deus não quer
sacrifício”, gente que anda de joelhos carregando cruz, Deus não quer isso de nós.
Sabe o que Deus quer? Que a gente respeite a lei Dele. Sabe? Deus quer isso. Se
a gente respeitar, Deus conhece seu coração, então tem um dia que você tá bravo,
que você xinga, você faz miséria, mas ele perdoa porque ele conhece teu coração.
Assisto muitas palestras, eu gosto. Na Seicho-No-Ie, eles dizem a mesma coisa.
Lá é assim, você tem que aceitar, perdoar seu inimigo.

12
Centro Espírita Perseverança, criado em 1964 por D. Guiomar de Oliveira Albanesi (CENTRO...,
2015a).
13
Médico expoente da doutrina espírita no Brasil. Patrono espiritual do Centro Espírita Perseverança
(CENTRO..., 2015b).
14
Religião ou filosofia de origem japonesa (SEICHO-NO-IE, [2017?].
95
De acordo com os dados do Estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE)
(DUARTE et al, 2008), a religião é importante para as mulheres que se mostram mais ativas nessas
práticas religiosas. A fala de Dalva vai ao encontro do que dizem Py et al (2004 apud DUARTE
et al, 2008): as mulheres estariam mais abertas a mudar e a reinventar a religião, encontrando,
assim, outros espaços que não os da religião tradicional. Nesse sentido, vemos que Dalva se
considera uma pessoa de fé, que procura conversar diretamente com Deus.

Então, menina, eu sou assim, muita fé, Deus, acredito, eu sei que Ele tudo pode,
só Ele pode, né... então como eu sou filha Dele, posso. A gente pode. É porque
se ele é poderoso, eu vivo sob a proteção dele, né, então eu também posso.
[...]
Aí eu falei assim pra Ele “Eu agradeço a Deus tudo o que eu tenho, mas eu falo
assim pra Ele: “Senhor, obrigada por tudo, mas falta ele”.

Dalva diz que procura ser agradecida, pede que lhe encontre um companheiro. Gosta
muito das histórias e relatou algumas fábulas que ela ouviu em algum encontro religioso.

Então é assim, né...e eu sei, eu gosto, têm umas frasesinhas que, é a frase que
diz assim: “nascer é uma dádiva, viver é um risco e envelhecer é um
privilégio”. Porque não é fácil viver, não é fácil também nascer. Menina, você
não acredita, antes eu achava assim “ai, eu sou tão insignificante, eu sou
fraca”. Aí um dia eu assisti um filme de como o espermatozoide entra no útero,
né. Menina, aí é o que eu falo, foi uma dádiva, porque no meio daquele monte,
eu consegui entrar, eu consegui nascer, então se eu consegui nascer, porque
eu não consigo viver? Você entendeu? Então eu presto muita atenção nas
coisas, porque é muito importante você prestar, que nem tem a frase que diz
“olhai e percebei”. Então você tem que perceber.

96
5. DISCUSSÃO

Cada idosa entrevistada relatou sua trajetória de vida. Vindas de outros lugares, plenas
de alegrias e tristezas. As imagens que surgiram desses relatos dariam um filme. Na análise que
segue, buscou-se costurar as tramas entre diferenças e semelhanças nas experiências das
entrevistadas. O que une essas mulheres tão diferentes e com histórias tão distintas? Seus relatos
nos levam a refletir sobre como tem se dado a experiência da velhice para mulheres que, de
alguma forma, optaram por não seguir os padrões de comportamento ainda impostos pela
sociedade.
A história das transformações do casamento nos revela como a mulher foi colocada em
uma posição de subalterna ao homem. Zaidman (1990 apud Parisi, 2009) revela que, na Grécia
antiga, a mulher saía da casa do pai para a casa do marido, sendo a maternidade também a sua
função mais importante.

O caráter intrinsecamente subversivo da ideia de amor romântico foi durante


muito tempo mantido sob controle pela associação do amor com o casamento
e com a maternidade; e pela ideia de que o amor verdadeiro, uma vez
encontrado, é para sempre [...]. Mas um casamento eficaz, ainda que não
particularmente compensador, podia ser sustentado por uma divisão de
trabalho entre os sexos, com o marido dominando o trabalho remunerado e a
mulher o trabalho doméstico. Podemos ver neste aspecto como o
confinamento da sexualidade feminina ao casamento era importante como um
símbolo da mulher “respeitável”. Isto ao mesmo tempo permitia aos homens
conservar distância do reino florescente da intimidade e mantinha a situação
do casamento como um objetivo primário das mulheres. (GIDDENS, 1992,
apud PARISI, 2009, p. 39)

As mulheres presentes neste trabalho escapam assim desse molde. As entrevistas com
elas ocorreram individualmente, a fim de se obter o máximo possível das narrativas de vida.
Seus relatos suscitaram não somente o tema da velhice, mas também temas e imagens que se
mostraram de grande importância para compreensão da experiência de envelhecer como um
fenômeno arquetípico. O conteúdo abordado foi dividido em subtemas que serão discutidos a
partir da Psicologia Analítica.

97
5.1 Casamento e filhos: Hera e Deméter

As diferentes maneiras como cada uma dessas mulheres vem lidando com a questão do
casamento e da maternidade ao longo da vida encontram eco no trabalho de Bolen (1990), que,
por meio das deusas da mitologia grega, suscitou a discussão acerca das diversas imagens
arquetípicas do tema da mulher. A autora aponta que cada deusa, com seus aspectos, pode atuar
de diferentes maneiras na psique. Sendo assim, a forma de se relacionar com a vida é guiada
conforme a “deusa” mais atuante para cada mulher. Ao trabalhar com histórias de vida de
pessoas tão distintas, não foi difícil encontrar correlações com os escritos de Bolen (1990). Da
mesma forma que o casamento e filhos podem parecer essenciais a uma pessoa, o trabalho, a
amizade e a casa, por exemplo, podem ser mais relevantes na vida de outra. Nas palavras da
autora:
Quando as deusas são vistas como padrões de comportamento feminino
normais, a mulher que é naturalmente mais parecida com a sábia Atenas ou
com a competitiva Ártemis do que com a esposa Hera ou com a mãe Deméter
é avaliada como sendo ela mesma quando é ativa, objetiva em suas
determinações, e orientada para a realização externa. Ela está sendo verdadeira
para com a forma, como a deusa determinada com a qual ela mais se
assemelha. (BOLEN, 1990, p. 73)

Os relatos das entrevistadas mostram que nenhuma delas apresentou grande desejo pelo
casamento. As irmãs Justina e Nina parecem ter vivido bem sozinhas ao longo dos anos,
dedicando-se ao trabalho, aos parentes próximos e à casa. Viveram sempre juntas. Esses dados
corroboram diretamente as descobertas de Allen e Wiles (2013) citadas no capítulo 1.
Justina retratou pessoas como a amiga que não casou de última hora, mesmo já tendo
vestido e outros elementos necessários para o evento, como alguém que se salvou de “cair num
precipício”. Outras sofreram muito na vida conjugal, o que faz com que a entrevistada, que ao
olhar para tudo isso, agradeça por ter ficado solteira.
Nina comenta que não sabe ao certo o motivo de não ter se casado, o que faz com que o
motivo pareça não ter importância. Junto com a irmã, levaram uma vida de cumplicidade. Além
disso, o fato de não terem se casado não implicou em menos compromissos. Pôde, ainda, estar
disponível para a família, ajudando a prima nos momentos difíceis, no nascimento dos filhos,
em situações adversas e agora na idade mais avançada. Esse senso de estar próximas a outras
mulheres remete ao que Bolen (1990) descreve do arquétipo da “grande irmã” associado à deusa
Ártemis, para a qual a relação fraternal com outras mulheres é melhor estabelecida e a amizade
é muito mais importante do que casamento e filhos.

98
Carmem também não se encantou pela ideia do casamento, assim como as irmãs Justina
e Nina, dedicou grande parte da sua vida ao trabalho. Não considera que seja contra o
casamento, mas não se sentiu na obrigação de ter um marido. Em muitos aspectos, Carmem
incorpora atitudes de uma Atena. Ambas “não brincam de Cinderela e não esperam ser salvas
pelo casamento. Fantasiar que ‘algum dia meu príncipe virá’ é estranho para o estilo da mulher
tipo Atenas” (BOLEN, 1990, p. 134). Assim como a deusa grega, Carmem se mostrou
estrategista e prática, orientada mais pela razão do que pelo coração. Queria ter estudado mais,
cursado Medicina ou Artes, mas outras oportunidades foram surgindo e ela aproveitou. Assim,
pôde conhecer outros lugares e a Suíça, tão sonhada, foi o primeiro lugar que visitou. Procurou
ter seu caminho livre para conhecer e estar em contato com diferentes pessoas e tem claro para
ela mesma que casamento não é sinônimo de felicidade.
A questão da liberdade também foi trazida por Dalva, que se descreveu como uma
“andorinha”, que não gostaria de se submeter a regras, horários e imposições de um marido.
Ela gosta de fazer tudo em seu próprio tempo, ir para onde desejar, fazer o que desejar. Ela
gosta mesmo é de dançar. Disse que até pensou um dia em se casar e ter filhos, mas o tempo
foi passando e ela também comenta ter sentido medo de tamanho compromisso.
Assim como Justina, comentou experiências de outras pessoas que se casaram, inclusive
de uma irmã, que sofreu muito com o marido. Dalva não quer um casamento, mas a ideia do
romance faz seu coração bater mais forte, ideia que envolve a sedução, a troca de elogios, o
laço – e não o compromisso em si. Parece guiada pela imagem de Afrodite: para ela, não é
difícil se apaixonar. Essa deusa está ligada ao prazer do amor, da sexualidade, da sensualidade
e da beleza (BOLEN, 1990). Exemplo disso é que ainda deseja um namorado, mas não para
viver junto, na mesma casa. Se até hoje não se adaptou, agora não vai querer esse tipo de
compromisso, afirma.
Os romances parecem ter sido mais importantes para ela. Apaixonar-se, envolver-se, ser
desejada era o que esperava dos homens de quem se aproximava. Gostava da noite, de sair e,
principalmente, de dançar. Dessa época, tem ótimas lembranças. Alguns rapazes eram casados;
muitos homens comprometidos se aproximavam dela.
Teve um relacionamento de 11anos, entre idas e vindas, talvez tivesse se casado com
ele. A decepção completa veio quando Dalva soube que ele realmente gostava da esposa e a
deixou de lado. A respeito do padrão de relacionamento vivido por mulheres Afrodite, Bolen
(1990) comenta:
[...] a mulher ama um homem que a trata mal ou que a menospreza. Ela
subordina tudo o mais em sua vida pelas “migalhas” de atenção que
99
ocasionalmente obtém. Seu envolvimento pode ser de curta duração ou pode
se estender por décadas. Caracteristicamente, ela é atormentada pelo
relacionamento e por seus esforços de se convencer de que ele realmente a
ama, apesar das provas contrárias. Fica deprimida e infeliz, contudo altamente
ambivalente quanto a mudar sua situação. Mas para sentir-se melhor ela teria
que abandonar o relacionamento destrutivo, que tem uma influência viciosa
nela. (BOLEN, 1990, p. 352-353)

Os romances são motores de bem-estar para Dalva e podem ser expressos pelas músicas
do Roberto Carlos15, como ela mesma coloca. A idade nem de perto é um impeditivo para
sonhar, principalmente com uma pessoa que possa retribuir seu amor. Hoje, aos 75 anos, ainda
é encantada com a possibilidade de encontrar alguém, ainda sofre por um relacionamento que
não evoluiu e que dura já quase seis anos, mas do qual ela não consegue se desligar.
A família em volta crescia e crianças sempre estiveram presentes na vida dessas idosas.
Nina relatou que esteve muito próxima dos filhos da prima aqui no Brasil. Os primos de
segundo e terceiro grau são como verdadeiros sobrinhos, tamanha é a proximidade. Justina
conta que o fato de ser solteira também contribuiu para que pudesse ajudar a cuidar dessas
crianças. Desfrutar da convivência dessas pessoas agregou muito para essas mulheres, que
disseram não sentir falta de filhos.
Verifica-se, assim, uma outra configuração de cuidado, em que é possível unir a
liberdade, o foco no trabalho e a proximidade com crianças e família.
Carmem prefere ficar com “o lado bom” em relação à convivência com os sobrinhos.
Disse não ter sentido falta de filhos, é “cuca fresca” em relação a isso, porque sempre achou
que filhos não são garantia de nada, muito menos de cuidado na velhice, e cita a experiência
dos próprios pais, que passaram a vida longe da família. Caso Carmem desejasse um dia ter
filhos, apostaria na adoção, porém, mesmo depois de muito tempo, preferiu se dedicar a outras
atividades. Como Atena, a postura e solução de Carmem para questões como essa é muito
prática, bem contrária a de uma Deméter – mãe da terra –, estando muito associada à
maternidade e ao desejo de carregar e ter seus bebês e não permitir que cresçam.
É importante notar que Dalva, após o falecimento do seu pai, passou a viver a vida da
mãe. Essa mudança de papéis não foi sua escolha: como irmã mais velha, viu-se na obrigação
de cuidar dos mais novos, assim como da casa e depois da própria mãe.
Dalva comentou que pensou em algum momento se casar com um bom marido e ter
dois filhos. Mas o tempo foi passando e o casamento foi tornando-se algo distante. Ela, que
teve muitos irmãos, foi a única que não teve filhos; porém, vieram muitos sobrinhos. Dalva

15
Ver letra em Anexos.
100
contou com verdadeira paixão sobre a relação com eles. Preocupa-se, telefona para saber como
estão, conversam via internet e se veem com frequência.
Assim como Carmem, ela acompanhou o crescimento de quase todos e pode desfrutar
até hoje da companhia deles. A ligação com os sobrinhos é grande, acha que se preocupa até
mais do que deveria. Por isso também acha que não seria uma boa mãe; por se preocupar
demais, acredita que seria muito pegajosa e não deixaria os filhos tranquilos. Contudo, com os
sobrinhos e sobrinhos-netos, ela resgata esse carinho e fala deles com muito orgulho, mostrando
fotos e vídeos com muito amor.
A respeito do arquétipo da mãe, representado pela imagem de Deméter, Monteiro (2002,
p. 10) comenta: “Deméter é a deusa-mãe, não só como mãe biológica, mas como atitude de
vida. Ela é maternal, tem uma maneira instintiva de cuidar, expressa amor, nutrimento e
carinho, que se manifestam no anseio que todos nós trazemos por um colo terno e
aconchegante”.
Assim, as narrativas também mostram outras possibilidades de exercer o cuidado ou
aspectos da maternidade que não sejam gerar ou adotar uma criança sua. Para todas as
entrevistadas, ter filhos não é uma garantia de cuidados ou de felicidade. Os sobrinhos e primos
menores tiveram e ainda têm papel importante na vida delas. Por outro lado, os relatos não
revelaram que eles sejam futuros provedores de cuidado, nem que elas esperem por isso.

5.2 Redes e laços16

Como imigrante, Nina mantém contato com a família na Espanha até hoje. A última
visita foi em 2011. Todos os irmãos já faleceram e só restaram ela e Justina. Dos muitos
sobrinhos que estão lá na Espanha, poucos dariam o suporte que os primos que estão aqui no
Brasil oferecem. Segundo Nina, os primos dão todo o apoio que precisam e ela entende isso
como grande demonstração de carinho, porque não acha que eles tenham essa obrigação. Por
isso, se algo lhes acontecer e elas não puderem mais morar sozinhas, elas mesmas decidirão o
que fazer e para onde ir, pois não querem dar trabalho para eles e não se sentem nesse direito.

16
Nesta categoria, foram elencadas as diversas formas de relacionamento que as idosas abordaram ao
longo da entrevista. Relacionamento com família, amigas e amigos, grupos, vizinhos, etc. Por redes,
entende-se os laços que proporcionam segurança e apoio a essas idosas, conforme citado por Neri (2005)
no capítulo 1.
101
Justina traz uma fala parecida e, da mesma forma que os primos se preocupam com ela,
também se preocupa como se fosse uma irmã mais próxima. Independentemente do grau de
parentesco, a proximidade tornou-se mais importante.
A família na Espanha ficou longe para Carmem. Ela era muito criança quando seus pais
migraram para a Guiné Equatorial. Ainda mantiveram contato e viajaram sempre para Espanha
a fim de rever as pessoas. No entanto, Carmem conta que considera família o núcleo pai, mãe,
ela e os irmãos. A relação com os irmãos é boa, ela sempre saiu em defesa deles e, apesar de
terem suas desavenças, nunca brigaram. Junto com eles e as cunhadas, hoje formam um novo
núcleo familiar.
Crucial tanto para Carmem quanto para Dalva é a relação com a mãe. Como tratado por
Neri (2005), as mulheres são geralmente as responsáveis por esse cuidado e ambas as
entrevistadas têm em comum o fato de terem sido cuidadoras da própria mãe até seu
falecimento. Foram anos de convivência com a mãe idosa, que necessitava de apoio e atenção.
Poucos anos depois de se aposentar, Carmem passou a cuidar da mãe, que começou a
apresentar problemas de saúde e ficou com dificuldade de memória depois de uma cirurgia.
Foram anos de cuidado, atenção e dedicação exclusiva. A mãe foi assunto de grande parte das
entrevistas, bem como anseios, dificuldades e aprendizagens de Carmem em relação a ela.
O impacto desse papel de cuidadora fez toda a diferença, principalmente na primeira
entrevista, em que demonstrou muita preocupação com a mãe, que não podia ficar sozinha e
tinha uma rotina de consultas médicas intensas.
Rubinstein et al (1991) descrevem que o papel das relações centrais de muitas mulheres
solteiras e sem filhos é o da filha cuidadora dos pais. São aquelas que moram com eles mesmo
depois de adultas. Isso inclui, em grande parte das vezes, o cuidado com eles na idade avançada
até o falecimento. Esse padrão é marcado, segundo os autores, por uma mútua dependência. As
mulheres que encontram-se nesse papel sentem-se obrigadas moralmente a assumir tais funções
como cuidadoras, pois, em grande parte das vezes, os irmãos casados e com filhos já tinham
muito trabalho com suas próprias famílias. Apesar da boa convivência com os irmãos, Carmem
assumiu todo o cuidado, também por ter mais disponibilidade do que seus irmãos, que moram
mais longe e têm suas próprias famílias.
Seus esforços exigiam um sacrifício pessoal, uma vez que muitas escolheram não se
casar por causa dos pais (RUBINSTEIN et al, 1991). A relação de mútua dependência entre
irmãs ou irmãos não é descrita pelos autores, mas o mesmo pode-se inferir em relação às irmãs
Justina e Nina, que sempre moraram juntas e cuidaram uma da outra.

102
Dalva se recordou de como se sentia cansada, sobrecarregada e culpada. Culpada por
ter deixado o cansaço tomar conta e não ter cuidado de sua mãe como deveria. Na época, o
médico que cuidava de sua mãe alertou que ela também deveria se cuidar porque estava ficando
doente.
A falta de apoio descrita por Dalva foi desgastante demais. Enquanto cuidadora
principal, disse não ter escolhido esse papel sozinha. Alegou que não havia ninguém da família
à disposição para ajudar a cuidar no dia a dia. Mesmo aposentado, seu cunhado não se
disponibilizava para levar a própria sogra ao médico. A família ajudava financeiramente, mas
tinha pouca presença nesse cuidar diretamente. Dalva pedia ajuda: pediu à irmã, por exemplo,
que levasse almoço para a mãe quando não voltasse para a casa por causa do trabalho e ajuda
para levá-la ao médico, mas sempre sem sucesso.
Era uma preocupação da sua mãe que Dalva ficasse desamparada após seu falecimento.
Nisso, o cunhado comprometeu-se a ajudar financeiramente, o que ocorre até hoje. Ele paga
parte do seu aluguel, uma das irmãs paga o convênio, e outra irmã cuida dos seus cabelos,
cortando-os e tingindo-os; ou seja, Dalva está amparada do ponto de vista financeiro. Porém, o
sentimento que permanece é o de que as pessoas não a assumem, assim como não assumiram o
cuidado com a mãe.
Há um discurso ambivalente em relação à família no relato de Dalva. Por um lado,
contou que a família era muito boa e unida, que ela participava das reuniões aos fins de semana,
quando uma das irmãs fazia almoço para os filhos e sempre a convidava. Por outro, ela não se
sente incluída: sente-se sem valor e sem importância para estes parentes. A própria entrevistada
diz não saber de onde vem esse sentimento. Revela grande descontentamento em relação ao
modo como é tratada pela família, mas, ao mesmo tempo, se vê como uma pessoa egoísta e é
tida como reclamona pelos cunhados.
Ao ampliarmos o olhar a respeito destas relações, o relato de Dalva revela que no fundo
nada é dela. O marido, os filhos, a casa, o dinheiro, os netos, pertencem às irmãs. Tais
constatações parecem levá-la ao sentimento de solidão, em que deseja não estar mais com a
família por não se ver parte integrante e por receio de não ser bem recebida.
Dalva sempre teve muitas responsabilidades desde muito cedo, quando começou a
trabalhar na roça com seu pai. Após o falecimento deste, período no qual sua mãe ficou
desamparada e entrou em um processo depressivo, Dalva precisou assumir muitas
responsabilidades, fazendo-a afirmar que viveu a vida da mãe.

103
Além da família, relações de amizade e com a comunidade surgiram nos relatos.
Imagina-se que uma velhice sem filhos e sem cônjuge seja uma velhice triste, de abandono e
solitária (PUDROVKSA; SCHIEMAN; CARR, 2006; ALLEN; WILES, 2013; LIMA, 2013).
No entanto, os relatos mostram o contrário. Estas idosas têm autonomia e uma rede de contatos,
de cuidado e de amparo.
A velhice pode ser sim muito solitária, mas a capacidade de manter vínculos e amizades
pode ser uma rica experiência psíquica e emocional. Na velhice, assim como na metanoia, “não
é necessário se limitar para poder conviver, e o encontro é satisfatório e fortalecedor de uma
identidade própria, mas também compartilhada, de experiências semelhantes com as pessoas
na mesma faixa etária” (PANDINI, 2014, p. 107).

5.3 Velhice

Segundo Jung (2006a):


A vida é um processo energético, como qualquer outro, mas em princípio, todo
processo energético é irreversível e, por isto, é orientado univocamente para
um objetivo. E este objetivo é o estado de repouso. No fundo, todo processo é
nada mais do que, por assim dizer, a perturbação inicial de um estado de
repouso perpétuo que procura restabelecer-se sempre. A vida é teleológica par
excellence, é a própria persecução de um determinado fim, nada mais é do que
um sistema de objetivos prefixados que se procura alcançar. (JUNG, 2006a,
p. 356, § 798)

De acordo com Hillman (1999), “durar” está associado ao instinto de autopreservação,


a um sentimento ao qual nos apegamos e perante o qual a “partida” ou a morte surgem como
derrota. No entanto, ao envelhecermos, não estamos morrendo mais do que estávamos desde o
momento em que nascemos.
O que está morrendo, no entanto, é o compromisso de se agarrar a atitudes que
pertencem ao “durar” e que nos preservaram até então. À medida que a base
arquetípica dessas atitudes parte, sentimo-nos sem suporte, suscetível a todo
tipo de incursões não familiares e em declínio. (HILLMAN, 1999, p. 53,
tradução livre)

Nesta etapa de análise dos resultados, serão abordados os aspectos do envelhecimento e


da velhice para as idosas entrevistadas. As quatro encontram-se em diferentes momentos de
vida dessa fase denominada velhice. Quatro mulheres, quatro momentos diferentes e,
consequentemente, quatro diferentes formas de ver e vivenciar a velhice.

104
A tomada de consciência da morte, segundo Kovács (1992 apud MAGALHÃES et al,
2012), representa uma marca intensa, que é a marca da morte como ausência, perda, separação
e desamparo. Magalhães et al (2012) comentam que se tenta evitar a ideia da morte sempre
afastando-a, reprimindo-a ou assumindo uma crença inabalável na própria imortalidade.
Das entrevistadas, Nina, a mais longeva, é a que demonstra preocupação com o futuro
e com a finitude. Foi a única que cogitou procurar um lugar para passar seus últimos dias. Não
deseja ser um fardo para os primos e não acredita que eles tenham a obrigação de cuidar dela.
Nesse sentido, envelhecer na Espanha teria sido melhor, com melhores condições de
vida e também com uma oportunidade de voltar de vez àquela vivência inicial da juventude,
como um retorno às origens.
O tema do retorno às origens, ou seja, à terra natal, é tema de diversas histórias. O
próprio Urashima Tarô17 é exemplo de alguém que, passado algum tempo, sente falta de sua
terra, consegue voltar e, nesse retorno, percebe que passou muito tempo e que já não é mais o
mesmo lugar que havia deixado quando partiu. A saudade da terra natal é grande, mas de qual
terra natal se está falando? Segundo Kawai (2007), o personagem literalmente se esquece do
tempo e fica com saudades de casa, sendo que esta característica é comum a quase todas as
versões da lenda. Diante do resultado do retorno de Urashima Tarô, em que o estranhamento e
não reconhecimento da terra natal é presente, Kawai (2007) aponta o quanto é difícil para
alguém que viveu em “outro mundo” ter a mesma experiência e voltar a viver como antes.
Dessa forma, o retorno à terra natal estaria mais associado à saudade e a um lugar idealizado.
Justina também sente falta de sua terra natal e diz certamente que teria uma velhice
muito melhor estando lá. Comenta que não imaginava viver tanto. Ela traz à tona a forma como
muitos aposentados são tratados no Brasil, denuncia as dificuldades financeiras enfrentadas e
aponta que o discurso da “melhor idade” não se aplica a ela. Apesar da boa saúde, ficar velha é
ter muitos problemas e limitações, defende.
Como afirma Hillman (1999), suportando ou sucumbindo à velhice, a natureza de um
indivíduo é solitária, desagradável e longa. Enquanto cada tremor, cada mancha e cada nome
que se esquece for ligado apenas a sinais de declínio, atinge-se a velhice no pensamento, assim
como o pensamento é atingido pela velhice.
Porém, para Justina, a velhice é um período da vida sossegado no sentido de não ter
grandes preocupações: o trabalho doméstico é dividido com a irmã, dedica-se a cuidar das
plantas em casa, vai aos passeios organizados pelos grupos e, como grande parte dos idosos,

17
Descrito na apresentação.
105
tem uma agenda de consultas médicas frequentes. Mesmo diante das restrições colocadas pela
idade, Justina e a irmã são bastante ativas e participativas. Não ficam em casa paradas assistindo
televisão. É presente na fala da Justina a necessidade de se ocupar: em suas palavras, não dá
para ficar em casa só assistindo televisão. O mesmo é dito por Carmem: o modelo de uma
velhice ativa é o ideal, capaz de evitar tristeza e depressão.
Tanto o relato de Justina quanto o de Carmem corroboram a ideia de envelhecimento
ativo, tão presente nos discursos atuais e que, para os idosos, é sinônimo de uma velhice positiva
(FERREIRA et al, 2010). As autoras verificaram que, entre os idosos pesquisados, o estímulo
“idoso ativo” remete a aspectos positivos da velhice, entre os quais estão associados termos
como “independência”, “lazer”, “alegre” e “atividade física”.
No entanto, como apontado por Monteiro (2002), é preciso que o indivíduo encontre
seu próprio caminho de individuação. Nesse sentido, ocupar-se de inúmeras atividades ou viver
somente para o projeto de outros não se torna suficiente para evitar uma depressão e viver de
forma criativa.
Carmem também mostra-se bastante ativa, tendo que dar conta de tudo sozinha. Em
alguns momentos, principalmente na primeira entrevista, ela mencionou o peso da idade e
comentou que deveria estar sendo atendida no grupo dos espanhóis como os demais. Ao mesmo
tempo, não deixa o papel de ser coordenadora, nem tem planos para tal.
Nesse momento, não deseja planejar muito. As realizações para ela agora são a curto e
médio prazos. Quer ocupar a cabeça com coisas leves, por meio do trabalho manual, do crochê
e do tricô. Os trabalhos manuais, ligados aos fios, também eram associados à Atena, que
envolvia-se em fazer atividades ao mesmo tempo úteis e esteticamente agradáveis (BOLEN,
1990, p. 124). Mãos e mente trabalhando juntas, em um trabalho que necessita planejamento e
esquematização, fileira após fileira. Carmem deseja, ainda retomar laços de amizade que não
se desfizeram, mas estão soltos.
O corpo também pede atenção. O gosto pela caminhada mantém o corpo ativo e não
restrito ao espaço da casa. Está conseguindo se dedicar mais à aparência, é vaidosa e gosta de
se cuidar. Percebeu que estava abatida e cabisbaixa antes, consequência da preocupação e do
cansaço. Não pelo cuidado em si com a mãe, mas pela atenção que deveria prestar nas 24 horas
do dia para que nada lhe acontecesse.
A aparência é também muito importante para Dalva, que é bastante vaidosa e gostava
muito de se vestir bem. Hoje, tenta perder medidas, não está bem com o corpo e queixa-se muito
de que algo não está bem emocionalmente. Ao mesmo tempo, é bastante positiva quanto à sua

106
imagem. Gosta de estar nas fotos, faz questão de ser fotografada e de transmitir na imagem a
persona com a qual se identifica.
A forma como ela se vê vai ao encontro de alguns pontos descritos por Bolen (1990)
sobre Afrodite, a deusa do amor e da beleza já citada anteriormente. O arquétipo de Afrodite
envolve a sensualidade e a sexualidade da mulher e tem um carisma e magnetismo especial. As
mulheres sob os aspectos dessa deusa são capazes de ver beleza, de estarem sempre
apaixonadas, em uma atitude jovial e extrovertida, atraindo as pessoas e tendo muitos amigos
de todas as idades.
A presença de Afrodite fica mais clara na afirmação a seguir:

[...] porque eu falo pra você, tenho de mim, eu tenho 40 anos. Não tenho mais
que isso. Então eu tô aqui, eu tô vivendo a minha fisionomia jovem, sabe, eu
tenho vontade de amar, você não acredita que eu tenho vontade de fazer amor,
mas eu não faço com qualquer um. Se fosse pra fazer, tem um monte que quer,
né. Mas não, tem que sentir, tem que ter química...

Para Dalva, a idade em si não importa. A paixão e o sentimento são mais relevantes que
isso. Do ponto de vista da Psicologia Analítica, de acordo com Monteiro (2002, p. 22), “é no
eixo vertical puer-senex que o jovem revitaliza o velho e vice-versa”.
Segundo Hillman (1998), as atitudes pueris não são exclusivas da infância e juventude,
nem as do senex, somente reservadas à velhice. Estamos o tempo todo evocando esses aspectos,
pois a psique tem o seu próprio tempo, que nem sempre coincidirá com o tempo do
desenvolvimento cronológico. Assim, puer e senex podem aparecer em muitos estágios do ciclo
vital.
Dalva adora fábulas e outras histórias de lição de vida. Concorda com a frase “nascer é
uma dádiva, viver é um risco e envelhecer é um privilégio”. Com isso se sente vitoriosa de ter
nascido e agora poder envelhecer. Dalva descreve uma autoimagem positiva, alegre e
apaixonada pela vida, pela natureza e pela família.
Contudo, mesmo não trazendo para sua fala um peso da idade, mostra uma ambivalência
entre essa percepção, apresentando também uma experiência de dores, má digestão e um corpo
que dói, ou seja, um corpo que se queixa. Associado a isso, afirma também que uma forte
tristeza toma conta dela.
A ideia de uma pessoa idosa, para Carmem, está associada à dependência e à
decrepitude, funcionando como sinônimo de doença. Carmem parece compreender a idade que
tem, sente as limitações e afirma que agora não é uma fase de muito planejar, mas isso não

107
significa que esteja idosa. Nas palavras dela, só se fica idosa quando se está dependente. É
preciso se manter ativa, buscar propósitos. Caso comece a se sentir sem propósitos ou triste, vai
buscar algo em que se sinta realizada, ajudar o próximo ou comprometer-se ao trabalho
voluntário, que, para ela, é algo que enriquece a alma.
Dalva se sente com 40 anos e o espelho é o único que a lembra da sua verdadeira idade.
Quando perguntada o que significa ser uma pessoa idosa, responde que é conseguir vários
benefícios, isenção da passagem de ônibus, cinema, teatro, etc.
Ferreira et al (2010) observaram que, em sua pesquisa de associação de palavras com
idosos, a palavra “limitação” foi muito associada à palavra “idoso”. A representação da velhice
foi baseada em elementos negativos, representados pelas palavras “velho”, “limitação”,
“doença” e “inútil”.
Avila, Guerra e Meneses (2007) pontuaram os dois lados da moeda presentes na
representação do que é ser idoso, pois, se por um lado são privilegiados por sua condição, por
outro, são excluídos. Hillman (1999) aponta que tanto a visão otimista quanto a pessimista
chegam a um denominador único: a velhice é uma aflição, especialmente se está associada a
ideia de um mal. Tornamo-nos reféns dessa ideia negativa de velhice, e essa ideia precisa ser
alterada. Para o autor, muitas noções sobre a velhice precisam ser mudadas e, ao superá-las,
talvez possamos reconhecer que muitas delas são hoje formas de esconder a real força do
caráter, que para Hillman é muito importante nessa fase da vida.
Stevens (1993) nas palavras de Magalhães et al (2012) coloca que, na velhice, as figuras
internas são tão importantes quanto em qualquer outro momento da vida. Assim, é comum que,
nesta fase, as pessoas sofram mais com o isolamento; sendo assim, o bom relacionamento com
o mundo interno torna-se imprescindível.
A idade também traz benefícios. Carmem conta que tornou-se mais flexível ao longo
dos anos. Sempre foi muito séria no trabalho e hoje diz que seria mais tolerante com as pessoas
à sua volta, agindo de forma diferente e menos dura. A cobrança para que tudo fosse resolvido
corretamente, o senso ético e a exigência marcaram a fase de trabalho. Bolen (1990) exemplifica
esse aspecto que se aproxima do arquétipo de Atena com a professora exigente, do tipo que não
aceita desculpas, nem histórias tristes e que sempre espera o melhor desempenho de seus alunos.
Aspectos da persona podem sofrer mudanças ao longo da vida e isso fica marcante em
todas as grandes transições, sendo que a entrada na velhice não é diferente (STEIN, 2006).
Alguns papéis deixam de ser executados e novos são atribuídos nesse percurso. A
inflexibilidade relatada por Carmem na altura de grandes responsabilidades no trabalho e um

108
cargo de chefia era necessária para ela; a idade mostrou que a rigidez hoje não faz mais tanto
sentido.
A questão da casa surge em algum momento para todas as entrevistadas. Para Nina,
significa raízes, junto com a família de sua prima, e aquilo que a segura de retornar a Espanha.
É seu único bem, e, na ausência de ter para quem deixar, vai permanecendo. Para Justina, é
espaço de cuidado e responsabilidades. Nela estão suas plantas, que tanto precisam de sua
atenção.
A casa também é o espaço das tarefas domésticas, do cuidado com as plantinhas, tão
apreciadas por parte das pessoas idosas. Dalva também menciona seu jardim, mostrou cada flor
que tem no seu pequeno espaço e como cuida delas criativamente.
Para Gaeta e Mendes (2016), quando se perde um familiar ou pessoa querida, entra-se
em um período de transição, que possibilita a abertura para um novo ciclo. O sofrimento
decorrente das perdas que ocorrem na velhice mobiliza a energia psíquica, que permite criar
condições favoráveis para a reorganização da personalidade (FREITAS 1992 apud
MAGALHÃES et al, 2012).
Após o falecimento da mãe, Carmem está abrindo espaços aos poucos. Tirando aquilo
que não tem mais uso, quase como uma limpeza mental. Há 20 anos, o pai falecera, ficou ela e
a mãe. A casa já era grande, agora ficou maior. É seu espaço de proteção, onde está agora
sozinha, mas não se sente só. Em sua volta, a comunidade a habita.
Esses movimentos nos remetem à figura de Héstia, conhecida como a deusa da lareira,
representada pela chama no centro do lar, do templo e da cidade. De acordo com Freitas (2005),
Héstia:
Cria um clima de sossego e confiança, permitindo uma atitude aberta para o
novo, que poderá apresentar-se; caso contrário, será ocasião de rememorar o
antigo, o realizado, o contemplar, compartilhar, alojar e alocar ideias e
sensações, tecendo a própria história e memória, retomando inúmeras vezes
as mesmas imagens, num exercício de focalização dinâmica. (FREITAS,
2005, p. 58)

Sob o aspecto de Héstia, a mulher é capaz de ser absorvida pelas tarefas de casa de
maneira harmoniosa. Como no caso de Carmem, ela tem se beneficiado desse arquétipo de
Héstia ao aproveitar para limpar e dedicar-se a jogar fora aquilo que não lhe serve mais,
organizando papéis e armários.
Para Dalva, esses aspectos hestianos parecem estar em falta. Dalva que sempre foi
caprichosa, está estranhando o relapso com a casa, sinal de que as coisas para ela não estão
bem. O acúmulo de itens e a falta de vontade de arrumar e limpar a casa denunciam seu estado

109
emocional. Há nove anos mora nessa pequena casa e tem-se percebido assim desde então. Ao
mesmo tempo, não deixa ninguém arrumar para ela; a irmã até pagou uma pessoa pra limpar,
mas Dalva acredita que esta não fez corretamente a tarefa.
Segundo Bolen (1990), para Héstia estar presente, a tarefa doméstica não pode estar
associada ao cronômetro ou a cobranças, mas sim ser cada tarefa realizada independentemente,
com tempo, a fim de que a mulher possa ser absorvida pela tarefa. Talvez trazendo à tona uma
atitude mais contemplativa e meditativa, típica de Héstia, Dalva consiga se religar à casa e ao
capricho pelo qual era tão apegada.

5.4 Tornar-se única

A vida sempre se me afigurou uma planta que extrai sua vitalidade do rizoma;
a vida propriamente dita não é visível, pois jaz no rizoma. O que se torna
visível sobre a terra dura um só verão, depois fenece... Aparição efêmera.
Quando se pensa no futuro e no desaparecimento infinito da vida e das
culturas, não podemos nos furtar a uma impressão de total futilidade; mas
nunca perdi o sentimento de perenidade da vida sob a eterna mudança. O que
vemos é a floração – e ela desaparece. Mas o rizoma persiste. (JUNG, 2006b,
p. 32)

Jung (2006b) começou a contar sua história aos 83 anos de idade em Memórias, sonhos
e reflexões. Disse ele: “Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que
nele repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a personalidade, por seu lado, quer evoluir a
partir de suas condições inconscientes e experimentar-se como totalidade.” (JUNG, 2006b, p.
31). Ao mesmo tempo que a idade se torna um estreitamento, para Jung, também possibilitou
inúmeras coisas. A incerteza em relação a si mesmo abriu caminho para o sentimento de
proximidade com todas as outras coisas, revelando uma outra dimensão agregada a ele mesmo.
Na perspectiva da Psicologia Analítica, o desenvolvimento físico e o desenvolvimento
psicológico andam lado a lado até um determinado ponto. A divisão do desenvolvimento
psicológico ocorre na primeira e segunda metade da vida (STEIN, 2006). Hillman (1998)
questiona essa divisão, uma vez que os problemas associados à segunda metade da vida podem
estar presentes ainda na juventude.
As entrevistadas tiveram grandes responsabilidades desde jovens, principalmente
Dalva, que desde pequena teve obrigações de adultos, tendo que assumir o trabalho na roça para
ajudar a família e com a ausência do pai, precisando viver como sua mãe.

110
Stein (2006) defende que a forma como acontecem a primeira e a segunda metade da
vida vai depender de diferentes fatores, como família, estrato social, cultura e período histórico
em que o sujeito se encontra. Contudo, “o que é universal, porém, e portanto arquetípico, é que
toda e qualquer cultura espera e exige da pessoa jovem a realização do desenvolvimento e
adaptação do ego à cultura a que ela pertence.” (STEIN, 2006, p. 156). A individuação,
portanto, é um desenvolvimento psicológico, a fim de tonar-se uma personalidade única,
integrada. É um processo que vai além do projeto da primeira metade da vida, que envolve o
desenvolvimento do ego e da persona (STEIN, 2006).
A primeira entrevista com Nina e Justina talvez tenha suscitado reflexões sobre a
individualidade de cada uma, sendo uma possibilidade em muito tempo de pensar
individualmente. Como já mencionado, as duas viveram uma vida inteira juntas, e agora na
velhice faz menos sentido ainda a separação, sendo que uma cuida da outra em tempo integral.
Se um dos papéis na individuação é tornar-se único, questiona-se como aspectos da unidade
estariam presentes em ambas, se uma, ao contar sua própria história, não se desvincula da outra,
o que é enfatizado com o uso do pronome “nós”. Todavia, a consciência de ser única parece
surgir para a irmã mais velha, que reconhece a necessidade de um lugar para ficar em breve,
pois as irmãs logo não poderão mais cuidar uma da outra. Diante da consciência da morte vem
a consciência de ser único.
Para Nina, o tema da finitude parece uma questão maior. Junto com Drummond de
Andrade (1934), parece gritar “Sim! Ao eterno”.

Soneto da perdida esperança

Perdi o bonde e a esperança.


Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.

Vou subir a ladeira lenta


em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.

Não sei se estou sofrendo


ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa

com um insolúvel flautim.


Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.

111
A origem da vida no Brasil parece algo nebuloso. Como vive uma pessoa que está há
tanto tempo em um país diferente sem mesmo ter clareza das razões? Ambas vieram de um
estado de inconsciência desses motivos. Isto suscita uma reflexão que, de acordo com Stein
(2006), uma pessoa pode chegar à velhice e permanecer não integrada, múltipla e ainda assim
estar adaptada à coletividade.
Diferentes marcadores podem estar presentes nessa passagem para a segunda metade da
vida. A aposentadoria é em grande parte das vezes um desses marcadores e início de uma nova
jornada, a caminho da velhice. Carmem, ao se referir à aposentadoria, contou que esta não foi
um fato negativo em sua vida. Pelo contrário, estava cansada de tanto viajar e o trabalho se
tornara algo muito exaustivo.
Então parece que não, mas chega uma hora, que como eu digo entrei feliz na
aviação e na hora que eu parei realmente de trabalhar, também gostei, sabe?

Carmem pôde ir ao encontro de novos objetivos, experimentar novas atividades, como


o projeto da rotiserrie com a cunhada. Foi se permitindo fazer o que surgiu. Logo depois, o
cuidar da mãe também foi necessário, e ela assumiu o desafio e pôde estar inteira nessa
dedicação. É nesse sentido que Stein (2006) comenta que, na meia-idade, quando o
desenvolvimento egoico atinge seu ápice, deixa de fazer sentido buscar os mesmos bons e
velhos objetivos. Esses objetivos passam a ser questionados, levando à uma reavaliação e busca
de novos e diversos significados.
O amanhã é hoje, como afirmou Carmem. Hoje, ela não quer compromissos, pois não
há pressa. Já realizou grande parte das coisas que desejava. Como coloca Monteiro (2002), na
velhice se diminui o ritmo, pois há muito o que preparar; principalmente, preparar a psique para
a nossa retirada deste mundo. “Vamos encontrando a verdadeira fonte da vida, esta interioridade
que nos permite desfrutar a velhice e a morte como passagens reais do processo de viver”
(MONTEIRO, 2002, p. 25).
Dalva parece entrar cada vez mais em um poço de tristeza, no qual as coisas parecem
sem sentido. Costumava gostar de se arrumar e ser vaidosa, mas mostrou-se descuidada com
suas coisas; não tem se animado muito.
Deméter, ao perder a filha, perdeu-se de sua criatividade e mergulhou em um mar de
tristeza. Como Deméter, Dalva parece ter perdido algo importante ao longo da vida e hoje tenta
se achar na busca de atenção por parte dos familiares e de um par amoroso.
Reencontrar a vida após as catástrofes é uma tarefa heroica para todos nós. O
mito de Deméter revela o processo de ressignificar o vivido, a metanoia

112
vivenciada por ela. Renovar-se após as perdas e decepções é a mensagem
desse mito, revelando o mistério e a sacralidade dos alimentos, da vida sexual
e da morte. (MONTEIRO, 2002, p. 10)

Enquanto Carmem e as irmãs fazem uso de pouca medicação, o corpo é abordado por
Dalva no relato dos sintomas de fraqueza, alteração do sono, tonturas, dores e problemas
gastrointestinais. Essas dores merecem atenção, pois muitas vezes são símbolos que expressam
uma dissociação da psique por estarem em uma atitude unilateral. Essas mensagens do corpo
não podem ser desprezadas, pois querem dizer algo e chamar atenção para que o sujeito olhe
mais para si. Dalva se mostra muito desapontada com a família, investe neles e sente-se sem
valor diante das irmãs. Esses aspectos remetem a traços negativos do arquétipo de Deméter.
Para sair desse padrão, é necessário reconhecer e admitir esses traços negativos e, assim,
encontrar o caminho para o crescimento (BOLEN, 1990). Os aspectos de Deméter podem ser
aplicados a ela mesma quando presta a si mesma esse cuidado. É o caminho para seu
crescimento emocional.
Como dito anteriormente, tudo que cerca Dalva é do outro (os maridos, os filhos, os
netos). Ela, que sempre viveu no presente, também não se importou em adquirir bens materiais.
Conhecer esse padrão, que pode ser associado ao arquétipo de Afrodite (BOLEN, 1990),
possibilitaria um caminho a mais para seu crescimento, a fim de se tornar mais consciente e
cuidar de seus próprios interesses.
Dalva trouxe o tema da religiosidade, assim como Nina e Justina também comentaram
da igreja; porém, mais pela tradição das missas e comemorações espanholas do que por uma
ligação com Deus.
Já Dalva não tem uma religião específica, frequentou diferentes igrejas e hoje gosta de
assistir aos canais de televisão de programação católica. Acredita que Deus é na verdade um só
e que isso é o que importa. A fé a liga a algo superior, a uma dimensão também de proteção,
vivida pela fala dos anjos da guarda que a “salvaram” quando caiu no banheiro de sua casa,
depois de sentir-se mal. Os anjos simbolicamente são mensageiros de Deus, seres protetores
que aparecem para os heróis que estão em perigo de morte (CHEVALIER; GHEERBRANT,
1986). A Deus se pode pedir, pedir ajuda, pedir que coloque pessoas boas em seu caminho, que
são explicadas por meio da fé.

113
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A costura do tema da velhice com a Psicologia Analítica tem sido realizada por
diferentes autores, tal como citado neste trabalho. A partir desse referencial teórico e das
histórias de vida coletadas, a presente pesquisa espera contribuir com a quebra de estereótipos
ao dar ênfase à uma velhice plural, heterogênea, principalmente em relação às mulheres que
historicamente estão diretamente sob cobranças de padrões culturais ligadas à maternidade e ao
matrimônio como sinônimos de felicidade.
Os relatos apresentados representam uma pequena parcela da população idosa e, apesar
de uma clara diferença entre elas, suas histórias suscitaram temas semelhantes do âmbito do
coletivo. Sendo assim, esta pesquisa procurou entender como as mulheres que já se encontram
nessa fase da vida percebem o próprio processo de envelhecer e as diferentes circunstâncias
pelas quais estas não se casaram e não tiveram filhos.
A psicologia contida nas imagens arquetípicas das deusas gregas, conforme descritas
por Bolen (1990), pôde contribuir para o entendimento deste trabalho. Foi possível verificar
que, nos relatos, surgiram particularidades relacionadas a Atena enquanto aquela conectada ao
trabalho, à estratégia e ao trabalho com fios; a Héstia, enquanto aquela ligada ao cuidado da
casa, na atitude meditativa e contemplativa; a Ártemis por meio do arquétipo da “grande irmã”,
por estar sempre presente para ajudar uma mulher próxima; e a Afrodite, com sua beleza e
encantamento pelo romance, deusa dos amantes.
A pesquisa verificou que envelhecer sem ter se casado ou sem ter tido filhos, para estas
mulheres, não corresponde ao imaginário de uma velhice sem suporte, regada a isolamento e
solidão. Muito pelo contrário: verificou-se que outros marcadores como a comunidade, a
vizinhança e a família estendida (irmãos, cunhados, sobrinhos, primos, etc.) oferecem uma rede
de apoio informal que compensa diversas necessidades de ordem coletiva. Na ausência de filhos
e cônjuges, outros membros da família se fazem presentes, em uma via de mão dupla,
oferecendo e recebendo cuidados. O contrário também procede, conforme relatos da pesquisa:
não é porque uma mulher se casou e teve filhos que ela não corre o risco de envelhecer sozinha.
O casamento é um contrato social que não necessariamente está associado ao amor
romântico. Tal contrato não foi reportado como algo positivo, muitas vezes, sendo descrito
como aprisionamento ou precipício. Para que o encontro amoroso aconteça, não é necessário
ter como consequência o casamento; os relacionamentos podem acontecer e casar não precisa
ser uma obrigação, podendo ser vivido em qualquer idade. Em nenhum dos relatos surgiu a

114
maternidade como desejo não realizado. A vida foi acontecendo e a convivência com as
crianças foi trazida pelo nascimento e crescimento dos sobrinhos, por exemplo. Infere-se que a
função materna simbolicamente pôde ser experenciada por meio de projetos, no cuidado com
esses sobrinhos, irmãos menores e primos.
A relação com a família obteve destaque nos relatos; com isso, observa-se a importância
desse contato para o desenvolvimento psíquico na vida adulta e na velhice. As idosas
entrevistadas são autônomas e independentes, mas ainda se observa que, na falta de rendimentos
suficientes para se manter, outros membros da família se tornam provedores. Irmãs, que
encontram–se em melhor condição financeira, por exemplo, promovem esse cuidado.
Percebeu-se que a relação com o trabalho e o compromisso com as atividades laborais
tiveram um papel importante na vida dessas idosas. O trabalho está na vida delas desde muito
cedo, por obrigação dos pais para ajudar a família ou na busca por independência. O ganho que
se consegue por meio deste vai muito além do financeiro: é estabelecida uma rede de amizades,
de contatos, com a sensação de pertencimento e de estar sendo útil. Trabalhar fora e ter seu
próprio dinheiro tornaram possível que essas mulheres seguissem uma vida com mais
autonomia, podendo contribuir com as despesas e até mesmo sustentar a casa.
Se antes a aposentadoria era um marcador da velhice e logo associada à morte iminente,
as entrevistas mostraram que há muita vida ainda após a saída do mercado de trabalho. A
aposentadoria surgiu, então, como possibilidade de realizar novos projetos, até mesmo
continuar trabalhando para complementar a renda e no cuidado com a casa. Mas também
apresentou seu lado negativo, muito comum no discurso dos idosos, que é a diminuição da
renda mensal, o que deixa o orçamento apertado.
A percepção de velhice e de pessoa idosa variou entre as entrevistadas. A idade
cronológica é um fato, mas não é associada à velhice necessariamente. Uma pessoa idosa tem
as vantagens adquiridas por meio dos direitos como isenção de passagens e descontos por conta
da idade, mas, ao mesmo tempo, para outra entrevistadas, uma pessoa idosa é triste, deprimida
e dependente. As mais longevas das participantes demonstraram associar a idade real e a
percebida, sendo que a preocupação com a morte e as consequências do declínio do corpo estão
proeminentes.
Os resultados também levantam a discussão para a dependência do idoso em relação aos
familiares. Buscou-se, na pesquisa, entrevistar idosas independentes para as atividades da vida
diária. Contudo, uma outra dependência se revelou: a dependência financeira. Com a queda dos
rendimentos financeiros após a aposentadoria, fica difícil para quem ganha um salário mínimo

115
manter todas suas necessidades. Outros familiares se disponibilizam para complementar a renda
da idosa. Nesse contexto, levanta-se a questão: na ausência destes, quem ficaria responsável?
Aqui, reforça-se a necessidade para a criação de medidas de proteção ao idoso, já que a
aposentadoria acaba não sendo suficiente, o que indica que muitas pessoas idosas ainda vivem
e viverão em situação de vulnerabilidade social, tal como apontado pelos documentos das
Nações Unidas, conforme discutido no capítulo 1 (UNITED NATIONS, 2002).
A imagem de uma pessoa idosa solitária, sem amigos e sem esperança aqui não se
revelou verdadeira. Em algum grau, as entrevistadas mantêm-se ativas e participantes das
atividades da comunidade e da família, nas quais podem se sentir acolhidas, queridas e úteis
para outras pessoas. No trabalho, na comunidade e na vizinhança, essas idosas estabeleceram
redes de apoio, pessoas com quem se relacionam e constituem laços de troca afetiva. Esse
quadro se mantém enquanto não são dependentes diretamente de cuidados, mas a preocupação
com a velhice avançada surge na ideia de procurar um local especializado para morar e não
depender diretamente de familiares.
Depois da aposentadoria, a casa é local das atividades que demanda organização e
cuidado. A casa demonstra afetividade. O lar precisa ser cuidado, arrumado e limpo. A
dedicação ou não com este espaço pode indicar diferentes aspectos emocionais. Arrumar a casa
após uma perda pode significar uma necessária reorganização interna, tirar o que já não tem
mais necessidade e abrir-se para o novo. O contrário também: a desmotivação em relação ao
lar pode indicar que o emocional não está bem. A casa também surge como raiz, como conexão
com sua própria história, sendo o único bem e a preocupação para quem deixá-lo, ligando-se
também ao tema da finitude.
A morte real e simbólica pode estar presente em todas as etapas da vida; é o objetivo
final de todo ser vivo. A consciência da finitude é causa de muita angústia e preocupação e, na
medida em que se envelhece, aumenta-se a certeza de sua proximidade. Existe um espanto ao
se perceber que se chegou aos 80 anos de idade, quando na juventude não se imagina viver
tanto. Como apontou Hillman (1999), a curva da expectativa de vida tem sua própria força:
quando se é jovem, a idade média é de 70 anos, mas, ao atingir os 60 anos de idade, esse
primeiro número cresceu e aumentou mais uns oito ou dez anos.
Os idosos mais longevos vão necessitando de cuidados de outras pessoas, normalmente
familiares – principalmente filhas solteiras ou viúvas, que também se encontram em uma idade
avançada. É cada vez mais comum ver idosos cuidando de outros idosos. Essa é a realidade das
entrevistadas: Dalva, por exemplo, cuidou da mãe até a sua entrada na terceira idade. Carmem

116
passou pelo luto recente da mãe e isso veio à tona nas entrevistas: no primeiro contato, relatou
o cansaço e a dedicação que desprendia a ela e, na segunda entrevista, o luto, a vontade de ter
feito mais pela mãe e o desejo de tê-la perto por mais tempo. Justina e Nina sempre estiveram
juntas e agora, aos 90 anos de idade, uma está presente para a outra.
A individuação é um chamado para o crescimento psíquico durante toda a vida e, na
segunda metade desta, o impulso não cessa e nem cai em declínio como o corpo biológico.
Porém, trata-se de um processo difícil de descrever, demanda uma vida toda para acontecer,
está em constante movimento e não é meramente um objetivo a ser alcançado.
No caso das duas irmãs, elas parecem ter vindo de um estado de inconsciência. Os
motivos da imigração parecem nebulosos; não surge uma necessidade ou desejo delas para
virem ao Brasil, lembrando que, na época, já eram jovens adultas com seus 22, 23 anos. A
Espanha permaneceu no imaginário, sendo que elas puderam voltar algumas vezes, mas
somente de passagem. Cada uma do seu próprio jeito pôde viver a vida com autenticidade. Na
medida do realizável, elas sempre tiveram muita autonomia. Talvez esses motivos tenham
contribuído para o fato de aqui estarem sempre juntas, morando, trabalhando e frequentando os
mesmos lugares.
Contudo, é possível inferir que essas idosas, ao longo da vida, puderam fazer suas
escolhas de acordo com seus próprios movimentos internos. Claro que, em alguns momentos,
a vida exige um chamamento para outras demandas; faz parte da vida adaptativa. Todavia, é
nesse dia a dia que a individuação acontece. É no enfrentar as dificuldades – mesmo tendo que
abrir mão de si mesma para cuidar de uma mãe doente, – que existe também a chance para o
crescimento psíquico pela união dos opostos.
Quem cuida de uma pessoa doente muitas vezes fica tão doente quanto quem é cuidado.
Daí a importância de não perder os próprios objetivos. É muito comum o relato de cuidadores
que se veem sem motivações depois que a pessoa doente vem porventura a falecer.
O exercício da mente e o cuidado emocional precisam de atenção, mas o relato das
idosas também chama a atenção para a necessidade que o corpo tem de movimento e de
circunspeção. As perdas relacionadas à idade avançada já não permitem o deslocamento como
antes, como expresso pelas irmãs Nina e Justina. O corpo se queixa de dores e de insatisfações.
Aqui, corpo e mente se unem para um benefício comum que é o bem-estar. A idade avançada
também é limitante, e nas falas surgem as dificuldades encontradas na cidade, que é muito hostil
com quem tem mobilidade reduzida, seja na rua ou no transporte público.

117
Um tema que não foi aprofundado no trabalho, mas que suscita discussões, é o plano
para uma velhice amparada socialmente, principalmente no que se refere à moradia e à
disponibilidade de uma rede de cuidados formal, ou seja, composta por profissionais e custeadas
pelo poder público, de modo que esteja disponível a todos. Tal política poderia então minimizar
também os anseios, incertezas e inseguranças diante da velhice.
Alguns temas surgiram ao longo da pesquisa, mas não foram investigados por fugirem
da temática central. A questão da imigração, por exemplo, pode ser aprofundada em estudos
futuros, a fim de se investigar como esse quesito influencia a percepção de um envelhecer
solteira e sem filhos longe de seu país de origem. A temática de gênero pode ser pesquisada
mais profundamente, uma vez que mulheres e homens tendem a assumir diferentes papéis,
inclusive na velhice.
Por fim, considera-se que este tema não se esgota, mas, na realidade, gera diferentes
ramificações. Por meio das vivências das novas gerações e das mudanças observadas nas
sociedades, os padrões vêm sendo cada vez mais discutidos e há uma força grande para rompê-
los. Este estudo é uma pequena contribuição para refletir acerca das outras formas de se viver,
principalmente para mulheres, a fim de mostrar que outros arranjos sociais são possíveis, nos
quais tais mulheres possam ser protagonistas da própria história e donas da própria velhice. Que
as mulheres possam viver de acordo com sua natureza, seja ela uma Atena, Afrodite ou qualquer
outra deusa, e que ela possa viver todo seu potencial ao longo da vida, inclusive na velhice.

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em uma perspectiva junguiana. 2015. 176 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto
de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.

126
APÊNDICES

APÊNDICE A

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidada a participar do projeto de pesquisa “O Envelhecer na


Percepção de Mulheres Idosas Solteiras e sem Filhos: um estudo na perspectiva da Psicologia
Analítica”, que será realizado através do Instituto de Psicologia IP da USP – Universidade de
São Paulo, como parte da pesquisa de Mestrado em Psicologia Escolar e Desenvolvimento
Humano.
Estas informações estão sendo fornecidas para a sua participação voluntária no estudo
que tem por objetivo compreender a percepção de mulheres idosas solteiras e sem filhos a
respeito do seu próprio processo de envelhecimento. A justificativa do trabalho é a necessidade
de se estudar as mulheres que não seguiram pelo padrão da sociedade relacionado ao
matrimônio e à maternidade, tendo em vista que pouco se sabe a respeito do assunto.
A presente pesquisa não prevê nenhum tipo de benefício e também nenhum gasto
financeiro à participante, sendo sua participação totalmente voluntária. Entretanto, a sua
participação estará contribuindo para crescimento do estudo sobre sua faixa etária, pelo fato da
presente pesquisa abordar um tema ainda pouco pesquisado no país: a vida de mulheres idosas
solteiras e sem filhos. Ajudando, assim, a identificar novas formas de experenciar a velhice
enquanto etapa da vida.
A participação ocorrerá por meio de duas entrevistas a serem realizadas pela mestranda
Adriana Mara Leopold, no local escolhido pela participante. Na primeira entrevista a
participante deverá apresentar um retrato seu atual, conforme solicitado no primeiro contato,
para a partir deste responder a perguntas semiabertas que servirão como roteiro. A segunda
entrevista também contará com algumas questões semiabertas para abordar o objetivo da
pesquisa. Cada encontro deverá ter duração de uma hora e meia e será gravada em áudio. A
participante tem a opção de autorizar ou não a publicação de seu retrato, preservando o
anonimato.
A presente pesquisa foi enviada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos do Instituto de Psicologia da USP. De acordo com a resolução 466/12 do Conselho
Nacional de Saúde (CONEP) e zelando por evitar ou minimizar qualquer situação de

127
desconforto ou constrangimento, como cautela, será garantida a interrupção das entrevistas e
da participação na pesquisa assim que solicitado pela participante. A pesquisadora, enquanto
psicóloga, estará disponível para ajudar em caso de algum desconforto durante a entrevista. E,
em caso de sofrimento causado pelo conteúdo da pesquisa, prevê-se encaminhamento para
atendimento médico ou psicológico, conforme a situação.
Será garantido o anonimato, salvo por vontade e solicitação da própria participante,
assim como a garantia do sigilo quando da divulgação dos dados em todas as fases da pesquisa
que assim desejarem. As gravações serão guardadas por um período de dois anos e estarão em
posse da pesquisadora, com livre acesso por parte da participante.

Garantia de Acesso

Os contatos para as entrevistas, como serão pontuais, podem não esclarecer todas as
questões e dúvidas da participante. Portanto, é assegurada a assistência durante toda a pesquisa,
bem como é garantido o livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre
o estudo e suas consequências, enfim, tudo o que a participante queira saber antes, durante e
depois da sua participação. O contato com a pesquisadora, bem como de seu professor
orientador, pode ser feito a qualquer momento pelos dados abaixo:

Pesquisadora: Adriana Mara Leopold


adrianamleopold@usp.br
Tel: (11) 96950-5258

Prof. Orientador Lineu Norio Kohatsu


lineu@usp.br
Tel: (11) 3091-4356

Se você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato
com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP):

Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Psicologia da USP


Av. Prof. Mello Moraes, 1.721 – Bloco G, 2° andar, sala 27
CEP 05508-030 – Cidade Universitária – São Paulo/SP
E-mail: ceph.ip@usp.br Tel. (11) 3091-4182
Agendamento preferencialmente por e-mail, com introdução ao assunto.
Atendimento: das 8h30 às 12h e das 14h às 16h.

128
É garantida a plena liberdade de não querer participar do projeto de pesquisa ou de
retirar o consentimento a qualquer momento, no caso da aceitação, sem qualquer prejuízo a
participante. Fica assegurado que somente o pesquisador responsável e colaboradores da
pesquisa terão acesso aos dados da participante e da entrevista. Estando garantidas, assim, a
privacidade e a confidencialidade daquelas que optarem por não ter seu material divulgado de
forma identificada em qualquer tempo.

Consentimento

Acredito ter sido suficientemente informada a respeito das informações sobre o estudo acima
citado, que li ou que leram para mim. Ficaram claros para mim quais são os propósitos do
estudo, os procedimentos a serem realizados, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que não há nenhum valor econômico, a
receber ou a pagar, por minha participação. Concordo voluntariamente em participar deste
estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, sem penalidades ou
prejuízos. Eu receberei uma via deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e
a outra ficará com a pesquisadora responsável por esta pesquisa. Além disso, estou ciente de
que eu e a pesquisadora responsável deveremos rubricar todas as folhas do TCLE e assinar a
última folha. Assim, tendo sido orientada quanto ao teor de todo o aqui mencionado e
compreendido a natureza e o objetivo do referido estudo, manifesto meu livre consentimento
em participar da pesquisa.

DATA: ___/___/______
Nome da voluntária da pesquisa: ________________________________________________
Assinatura da voluntária da pesquisa: ____________________________________________

DATA: ____/___/____
Nome da pesquisadora responsável:______________________________________________
Assinatura da pesquisadora responsável:__________________________________________

129
ANEXOS

ANEXO A

Parecer da Plataforma Brasil – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres


Humanos.

130
131
132
133
ANEXO B

Outra Vez
Intérprete: Roberto Carlos Álbum: Outra vez (1977)
Compositor: Isolda

Você foi!
O maior dos meus casos
De todos os abraços
O que eu nunca esqueci

Você foi!
Dos amores que eu tive
O mais complicado
E o mais simples prá mim...

Você foi!
O melhor dos meus erros
A mais estranha história
Que alguém já escreveu
E é por essas e outras
Que a minha saudade
Faz lembrar
De tudo outra vez...

Você foi!
A mentira sincera
134
Brincadeira mais séria
Que me aconteceu
Você foi!
O caso mais antigo
O amor mais amigo
Que me apareceu...

Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez...

Me esqueci!
De tentar te esquecer
Resolvi!
Te querer, por querer
Decidi te lembrar
Quantas vezes
Eu tenha vontade
Sem nada perder...

Ah!
Você foi!
Toda a felicidade
Você foi a maldade
Que só me fez bem

Você foi!
O melhor dos meus planos
E o maior dos enganos
Que eu pude fazer...

Das lembranças
Que eu trago na vida
Você é a saudade
Que eu gosto de ter
Só assim!
Sinto você bem perto de mim
Outra vez...

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