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1871: o ano que não terminou1

MÁRCIO FERREIRA DA SILVA

resumo Em 1871, com a publicação de Sis- para mim – e, suspeito, para todos os alunos de
temas de Consanguinidade e Afinidade da Família Malinowski – um dos principais anti-heróis de
Humana, de Lewis Henry Morgan, a antropologia nossa disciplina” (Fortes, [1969] 2006, p. 4-5).
do parentesco definiu pela primeira vez uma órbita É provável que, passados oitenta anos, ecos
própria, livre do campo gravitacional da história, do dessas aulas ainda se propaguem no ar. Recen-
direito e da filologia. Neste livro, Morgan propõe temente, em uma daquelas disciplinas obrigató-
um objeto, um método e uma técnica de observação rias de antropologia do curso de ciências sociais,
dos fenômenos classificados sob a rubrica “parentes- eis que um jovem estudante, diante do adjetivo
co”, que o autor define como a expressão formal e o da expressão “três sociedades primitivas”, que
reconhecimento social das relações naturais entre os tinha lido na introdução de um texto famoso
indivíduos (1871, p.10). Esta definição está no cen- de Margaret Mead, exclamou com olhar indig-
tro de um dos debates mais antigos da antropologia, nado: “Mas, professor, isto não é Morgan?”. As
a relação entre parentesco e genealogia, que atraves- pegadas do velhote inimigo tinham sido mais
sa cento e quarenta anos da disciplina e, a julgar por uma vez flagradas na cena do crime. O curioso é
seus desdobramentos mais recentes, promete ainda que este aluno havia aprendido que o evolucio-
muitos anos de polêmica. nismo jazia no cemitério de uma disciplina cujo
palavras-chave Parentesco. Método Gene- desenvolvimento tinha sido a ele apresentado
alógico. Lewis H. Morgan. William H. R. Rivers. como uma evolução linear, uma história pro-
História da Antropologia. gressista das ideias do Ocidente sobre os Ou-
tros, um grande desfile de escolas, com graus
Meyer Fortes conta uma história engraçada crescentes de complexidade, separadas umas
de seus tempos de estudante de antropologia na das outras por saltos revolucionários. Nesta es-
London School of Economics. Diz que a primeira calada, seu passo mais notável teria sido aquele,
vez que ouviu falar de Morgan foi em 1931, na virada do século XX, que deixou para trás as
nos seminários do Professor Malinowski, que o trevas de sua origem evolucionista e construiu
apresentava como um “falso profeta”, a “perso- sobre suas cinzas um novo edifício disciplinar,
nificação do Reino do Erro na antropologia que que só recentemente, com a crise das represen-
o funcionalismo veio derrotar” e um “exemplo tações, passaria por uma ampla reforma.
lamentável de gênio enganador”. O carismáti- O que vem a seguir faz parte de outra his-
co argonauta de nossa disciplina dizia também tória, em que a marcha progressista da crono-
a seus jovens estudantes que Rivers era a “bes- logia dá lugar ao tempo reversível dos mitos,
ta negra” atrás da qual o espectro de Morgan em torno de um certo problema antropológico
ressurgia como “inspirador da enganosa ênfase proposto pelo “falso profeta” em 1871, retoma-
causal das formas de casamento nas instituições do pela “besta negra” alguns anos depois, que
do parentesco”. Fortes conclui: “Morgan era atravessou o século XX e ressurgiu na era da

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informática e dos bebês de proveta, por antro- de posições genealógicas. Este questionário, que
pólogos que, se Malinowski tivesse tido a opor- em princípio circulou em uma pequena rede de
tunidade de conhecer, certamente também missionários, em pouco tempo atingiria as mais
teria a eles reservado outros epítetos pitorescos. longínquas regiões do mundo, graças aos bons
ofícios da Instituição Smithsoniana e do serviço
* consular norte- americano.
Para além da ambição teórica, a pesquisa de
Na década de 1860, três obras notáveis inau- Morgan corresponde a um extraordinário es-
guram os estudos de parentesco e, através deles, forço de síntese de materiais de campo produ-
a antropologia social, definindo uma pauta de zidos pelo próprio autor entre os iroqueses, as
longa duração, com tópicos como casamento, tribos de Michigan, os pueblos do Novo Méxi-
família, filiação, descendência, sucessão, residên- co e os Beaver, que se somaram às informações
cia, atitudes e assim por diante. São elas, O Direi- coletadas por uma grande legião de colabora-
to Materno (1861), de Johann Jakob Bachofen, dores sob sua supervisão, reunindo dados sobre
Lei Antiga (1861), de Henry Sumner Maine, e nada menos que cento e trinta e nove sistemas
Casamento Primitivo (1865), de John Ferguson de parentesco (Tooker, 1997, p.viii).
McLennan. Mas só em 1871, com a publicação A comparação dos materiais provenientes
de Sistemas de Consanguinidade e Afinidade da da Índia, recolhidos entre as populações tamil
Família Humana, de Lewis Henry Morgan, a an- e telugo, com aqueles por ele mesmo coletados
tropologia do parentesco definiria pela primeira entre os Sêneca, Ojibwa e outros povos indí-
vez uma órbita própria, livre do campo gravita- genas norte-americanos revelou semelhanças
cional da história, do direito e da filologia2. estruturais tão notáveis que, para Morgan, de-
Neste livro, Morgan propõe um objeto, um monstravam conclusivamente a tese da origem
método e uma técnica de observação dos fenôme- asiática dos povos do Novo Mundo. Enquanto
nos classificados sob a rubrica parentesco3, que o isso, o confronto de todo esse material com os
autor define como a “expressão formal” e o “re- da Europa e Oriente Médio revelava a recorrên-
conhecimento social” das “relações naturais” en- cia de um princípio semântico que acabou por
tre os indivíduos (1871, p.10). Sua reflexão tem merecer atenção especial. Alguns sistemas de
como fulcro a comparação de padrões semânti- parentesco continham termos primários, que se
cos que conferem ao parentesco a tal expressão referiam a um número muito limitado de posi-
formal. Como tema privilegiado, Morgan elege a ções genealógicas, como os vocábulos do por-
relação entre os padrões, depreendidos dos voca- tuguês “pai”, “mãe”, “avô”, etc. Outros sistemas
bulários, e correlatos matrimoniais. Sua pesquisa pareciam conter exclusivamente vocábulos que
partiu da constatação de que os modos como os denotavam classes de parentes, que remetiam a
parentes designavam uns aos outros em culturas uma quantidade virtualmente infinita de posi-
indígenas norte-americanas com as quais tinha ções genealógicas. A oposição entre termos pri-
contato direto eram suficientemente consistentes mários e classes é o que está na base da célebre
para serem legitimamente tomados como sistemas distinção de Morgan entre sistemas descritivos
que podiam ser descritos e comparados enquan- e classificatórios (1871, p.143-144). Dos parâ-
to tais. Esta premissa levou Morgan à elaboração metros enunciados pelo autor, cuja variação
de um minucioso roteiro para a coleta de dados instaura os dois tipos de sistemas, destacam-se
de parentesco, com pequenas instruções de pre- a oposição entre parentes lineares e colaterais,
enchimento, reunindo mais de duas centenas que está presente nos descritivos e neutralizada

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entre pares > família bárbara >


poligamia > família patriarcal >
poliandria > emergência da pro-
priedade e da sucessão linear do
Estado > família civilizada (Op.
cit., p.487-493).
A solução conjetural de Mor-
gan é certamente o ponto mais
frágil de seu modelo. Mas é justo
assinalar também que ocupa um
espaço relativamente discreto na
economia de seu livro, em que
um terço das seiscentas pági-
nas são tabelas e boa parte das
quatrocentas páginas restantes
são dedicadas à análise sistêmica
dos dados coletados. O famoso
exorcismo da história conjetural
nos estudos de parentesco pro-
movido por Radcliffe-Brown,
por ocasião dos setenta anos dos
Sistemas de Consanguinidade e
Afinidade não deixa pedra so-
Fig 1: 1ª página do Questionário de Morgan (Trautmann, 1987,
bre pedra ([1941] 1973, p.67-69). Por outro
p.100-101).
lado, convém notar que a correlação funcional
nos classificatórios, e a oposição entre parentes entre vocabulários de parentesco e instituições
paralelos e cruzados que, ao contrário da pri- sociais, outro aspecto fundamental do modelo
meira, está presente nos classificatórios e neutra- de Morgan, não parece uma má ideia a Radcli-
lizada nos descritivos. A distinção entre termos ffe-Brown, que a “toma emprestado” naquele
primários e classes serviu também para apontar o mesmo texto sobre o estudo dos sistemas de
caráter analítico dos sistemas descritivos versus parentesco, que inicia com um voto de censu-
o caráter sintético dos sistemas classificatórios. ra a Morgan e seus contemporâneos, mas que
O livro de Morgan traz por fim uma hipó- logo a seguir propõe que as enigmáticas pro-
tese sobre a origem do sistema classificatório jeções oblíquas do tipo “mãe = filha do irmão
(Op. cit., p.486) e sobre sua anterioridade his- da mãe = filha do filho do irmão da mãe”, etc.
tórica em relação aos sistemas descritivos (Op. dos sistemas crow/omaha sejam interpretadas
cit. p.493), além de uma “solução conjetural” como inflexões dos regimes de descendência
do desenvolvimento histórico de seus correla- nos vocabulários (Op. cit., p.73-114).
tos sociológicos mais importantes, aqui resu- Contudo, o aspecto mais durável da análise de
mida: intercurso promíscuo > intercasamento ou Morgan não é a meu ver esse que Radcliffe-Bro-
coabitação de irmãos e irmãs > família comunal wn “toma emprestado”, mas outro sobre o qual
> costume havaiano > sistema malaio > orga- repousa sua célebre dicotomia. Deixemos claro
nização tribal > sistema tunariano > casamento este ponto: para o autor, os sistemas de paren-

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tesco são descritivos ou classificatórios em relação Primitivo acudisse em defesa das suas ideias pre-
aos fatos genealógicos a que eles se referem, como concebidas. (Morgan, [1877] 1978, p.257).
não deixa dúvidas sua definição de parentesco,
evocada acima. Dizer “o aspecto mais durável Rivière (1970, p.xiii), em sua introdução
da análise de Morgan” não significa, entretanto, editorial a Casamento Primitivo, acredita que o
afirmar sua entronização como dogma sagrado agravamento do estado de saúde de McLennan
da disciplina. Ao contrário, a polêmica em torno explica por que o primeiro debate da antropolo-
da relação entre parentesco e genealogia, desde gia ficou sem uma tréplica. Os dois rivais mor-
sua primeira erupção em 1871, é um daqueles reram logo depois da troca de farpas, no mesmo
vulcões em atividade da antropologia. Contri- ano de 1881, mas a polêmica por eles iniciada,
buindo decisivamente para garantir aos estudos não, embora tenha entrado em um período de
de parentesco um lugar de destaque na discipli- hibernação por mais de três décadas, até que
na, com sismos de maior ou menor magnitude Rivers a chamasse de volta ao centro do ringue.
nos últimos cento e quarenta anos, o debate em
torno da relação entre parentesco e genealogia, a Não conheço nenhuma descoberta, em todo o
julgar por suas erupções mais recentes, promete espectro da ciência, que possa ser mais creditada
ainda muita lava e fluxos piroclásticos. a um homem que aquela dos sistemas classifica-
O primeiro ataque ao modelo de Morgan tórios por Lewis Morgan. Quero dizer com isso
veio do outro lado do Atlântico, cinco anos não somente que ele foi o primeiro a apontar cla-
depois da publicação de seu livro. Para John ramente a existência deste modo de denotar rela-
Ferguson McLennan, a análise de Morgan gra- cionamentos, mas que foi ele que coletou a vasta
vitava em torno de dois erros crassos. Para iní- massa de materiais pelos quais os caracteres essen-
cio de conversa, não procurava “a origem do ciais dos sistemas foram demonstrados e que foi
sistema na provável origem da classificação” ele o primeiro a reconhecer a grande importância
e, o que era mais grave, conferia aos vocabu- teórica de sua descoberta (Rivers, 1914, p.4-5).
lários uma importância sociológica que eles
não tinham, já que não passavam de fórmulas A repercussão da reflexão de Morgan sobre
de boas-maneiras selvagens ou, em suas pró- os sistemas classificatórios na Grã-Bretanha,
prias palavras, “sistemas de saudações mútuas” provavelmente graças à resenha de McLennan
(McLennan, 1876, p.366). Resumindo, para e ao prestígio de sua teoria do casamento por
McLennan, a contribuição de Morgan corres- rapto e da poliandria, foi praticamente nula até
pondia a um monumental exercício de erudi- sua retomada por Rivers, no início do século
ção em torno de fenômenos irrelevantes. XX. Nesse sentido, Langham (1981, p.9) cha-
Em sua réplica a McLennan, publicada ma a atenção para um dado curioso da histó-
no ano seguinte, Morgan reage com a mesma ria dos estudos de parentesco, flagrado nas três
contundência: primeiras edições das Notes and Queries, publi-
cadas no fim do período vitoriano. A primeira
Os ataques de McLennan explicam-se pela sim- edição, de 1874, inclui uma tabela de posições
ples razão de esses quadros, na medida em que ex- genealógicas que, Langham faz questão de as-
primem sistemas de afinidade e consanguinidade, sinalar, foi retirada do questionário de Mor-
contradizerem e refutarem as principais hipóteses gan sem reconhecimento de autoria e não vem
e teorias apresentadas em Casamento Primitivo. acompanhada das instruções e observações
Seria de esperar, pois, que o autor de Casamento explicativas que a tornassem minimamente

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compreensível aos eventuais interessados. Esta ciologia. São determinados, antes de mais nada,
tabela desaparece nas duas edições seguintes, pela língua” (Kroeber, [1909] 1969, p.25).
de 1892 e 1899, surgindo em seu lugar um pe- Enfim, parece que o aluno de Boas dis-
queno texto, aparentemente irrelevante, sobre corda de Morgan em tudo. Na verdade, po-
algumas dificuldades inerentes ao estudo dos rém, discorda de tudo menos do essencial: a
vocabulários de parentesco de povos exóticos. interpretação genealógica do parentesco. Os
Mas se a atmosfera na metrópole vitoriana oito famosos princípios ou categorias, que para
era francamente hostil ao método de Morgan, Kroeber favorecem a comparabilidade dos vo-
tudo se passava de outra maneira nas longín- cabulários, posteriormente retomados pelas ti-
quas possessões do império britânico. Um mis- pologias de R. Lowie (1928) e de G. Murdock
sionário wesleyano, L. Fison, e um explorador (1949), assim como pelas análises formais de
naturalista, A. W. Howit, publicam, em 1880, W. Goodenough e F. Lounsbury nas décadas
uma coletânea, em coautoria, intitulada Ka- de 1950 e 60, não escondem os ecos daqueles
milaroi e Kurnai, prefaciada por Morgan. Esta parâmetros genealógicos que estão na base da
coletânea é hoje tomada como o marco inicial distinção entre sistemas classificatórios e des-
dos estudos de parentesco australiano. critivos (Morgan, 1871, p.145-149).
A premissa de Morgan de que os sistemas Kroeber não fica, entretanto, com a última
de parentesco correspondiam a vias de acesso palavra no debate. Quatro anos depois da pu-
direto às instituições sociais foi, no entanto, vi- blicação de seu artigo, W. Rivers, em defesa das
gorosamente criticada em sua própria terra por teses de Morgan, acerta as contas, em primeiro
A. Kroeber, na primeira década do século XX, lugar, com McLennan e seus seguidores, sobre
em um texto que, embora não evoque a me- os quais, em uma conferência proferida em
mória de McLennan, fez certamente a balança 1913, Rivers diz o seguinte:
pender para seu lado.
Para o autor, a distinção de Morgan entre Aqueles que adotaram [as ideias de McLennan]
sistemas classificatórios e descritivos era equi- geralmente se contentam em repetir a conclusão
vocada, uma vez que em todos os sistemas de de que o sistema classificatório não é nada mais
parentesco há termos que classificam. Assim, por que um corpo de saudações mútuas e formas de
exemplo, a palavra “cousin”, de um sistema des- tratamento. Eles não conseguem perceber que,
critivo como o da língua inglesa, compreende ainda assim, permanece necessário explicar como
trinta e dois tipos de primos apenas de primeiro os termos do sistema classificatório passaram a
grau. Projetada aos primos de segundo e terceiro ser usados em saudações recíprocas, falhando em
grau, o número de tipos cobertos pela palavra reconhecer que estão rejeitando o princípio do
aumenta em progressão geométrica. Kroeber determinismo na sociologia, ou apenas colocan-
lembra ainda, com razão, que nenhuma língua do a uma distância conveniente a consideração
dispõe de termos diferentes para todas as possi- do problema de como e por que os termos clas-
bilidades genealógicas e, portanto, nenhum sis- sificatórios passaram a ser utilizados por tantos
tema seria propriamente descritivo. Além disso, povos da Terra [...]. Uma das diversas consequ-
contra outro aspecto fundamental do modelo de ências funestas da crença de McLennan sobre a
Morgan, a relação entre sistema de parentesco e importância da poliandria na história da socieda-
instituições sociais, o autor chama a atenção de de humana foi a incapacidade, por parte de seus
que os vocabulários, enquanto fatos da lingua- seguidores, de perceber a importância do sistema
gem que são, “refletem a Psicologia, não a So- classificatório... (Rivers [1913] 1991, p.75-76).

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Mas Rivers não gasta toda sua munição em rante a célebre expedição ao Estreito de Torres,
McLennan e seus seguidores. Uma bala de pra- realizada em 1898, vem responder a essa deman-
ta estava guardada para a hipótese de Kroeber da. A nova ferramenta era capaz de produzir,
de que os termos de parentesco refletiam a psi- com precisão e rapidez, as informações chave
cologia, não a sociologia. Entrincheirado em para os estudos de parentesco. No lugar da co-
sua própria experiência etnográfica adquirida leta de vocábulos de parentesco de línguas exó-
em Fiji, Novas Hébridas e Guadalcanal, em po- ticas fora de seu contexto de uso, com base em
vos cujo sistema de parentesco se caracterizava, posições de parentesco abstratas, Rivers propõe
por exemplo, por definir um mesmo vocábulo partir de uma genealogia real, sobre a qual um
para dizer “tio materno e sogro” ou “tia paterna informante forneceria com exatidão as classifica-
e sogra”, chega a hora do acerto de contas: ções de seus parentes. Nelas, os indivíduos vivos
ou mortos de sua rede seriam identificados por
Se não fosse pelo matrimônio entre primos cru- seus nomes próprios em diagramas que garanti-
zados, o que pode existir para dar ao irmão da riam a coleta eficiente e controlada de um dado
mãe uma maior semelhança psicológica com o vocabulário de parentesco, além de informações
sogro do que o irmão do pai, ou à irmã do pai sobre preferências matrimoniais, regimes de des-
uma maior semelhança psicológica com a sogra cendência e de transmissão de bens, migrações,
do que a irmã da mãe? [...] como é possível que direitos, deveres, papéis cerimoniais, padrões
os termos das relações de parentesco não reflitam onomásticos e assim por diante.
a sociologia, se tais similaridades psicológicas são A invenção do método atendia ao interesse
elas mesmas o resultado do matrimônio de pri- de estabelecer uma base científica para a nova
mos cruzados? (Rivers, [1913] 1991, p.88-89]. disciplina e à necessidade de assegurar um ins-
trumental adequado para a compreensão da-
Fica assim demonstrado que as preocupa- quelas organizações sociais de pequena escala
ções do Professor Malinoswki, manifestadas a ameaçadas de desaparecimento pela expansão
seus alunos, não eram infundadas. De fato, o do Ocidente (Langham, 1981, p.66-9)5. Rivers
fantasma do “falso profeta”, “inspirador da en- observa, no contato com as pequenas popula-
ganosa ênfase causal das formas de casamento ções ágrafas do Estreito de Torres, que as infor-
nas instituições do parentesco”, tinha acabado mações genealógicas lá coletadas podiam recuar
de migrar para a Grã-Bretanha e se escondia a muitas gerações. Além disso, eram produzidas
atrás da “besta negra”4. com notável acuidade, além de serem muito
valorizadas pelos nativos. Apresentado à comu-
* nidade científica nos anos subsequentes (1900
e 19106), o método é incorporado às Notes and
A continuidade do projeto de Morgan recla- Queries on Anthropology, a partir de sua 4ª edi-
mava, contudo, a invenção de uma nova ferra- ção, de 1912. Em poucos anos, o método de
menta de campo, mais ágil que o pesado roteiro Rivers consagra-se como ferramenta indispen-
de duzentos e trinta e quatro posições genealó- sável da pesquisa etnográfica, o “stock-in-trade”
gicas, cujo preenchimento requeria razoável ha- do antropólogo (Barnes, 1967, p.104), como o
bilidade para a abstração e boa dose de paciência cinzel é do escultor. Nas palavras de R. Laraia,
tanto do informante quanto do pesquisador. O a quem devemos a publicação de sua primeira
método genealógico, desenvolvido por W. H. R. tradução brasileira, o método é “o instrumento
Rivers, com a colaboração de A.C. Haddon, du- mínimo de trabalho do antropólogo [...], o al-

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fabeto que permite a transcrição da linguagem lado, não ignora que a relação de filiação é de
do parentesco” (Laraia, 1969, p.9). muitas maneiras definida nas sociedades primi-
Mas, propriamente falando, Rivers não inven- tivas e, nesse caso, o que está em jogo é um mo-
ta o método genealógico. O que faz é transformá- delo nativo, que o antropólogo deve observar e
-lo em ferramenta analítica da antropologia social descrever. No entanto, na pequena genealogia
e, muito especialmente, dos estudos de paren- coletada nas ilhas Salomão, apresentada no texto
tesco. Versões arcaicas do método se perdem no de 1910 como exemplo do emprego do método,
tempo. Há séculos, a aristocracia europeia não o autor procura “deixar claro” a seu informante,
apenas o cultiva fervorosamente7, mas ainda a ele Kurka ou Artur, localizado no lado direito do
consagra suas formas plásticas mais características, diagrama, que desejava saber “os nomes de seus
como as que evocam árvores frondosas ou as pe- pais biológicos e não de alguma outra pessoa que
gadas de um grou. O vocábulo inglês “pedigree” é ele assim chamasse, devido ao sistema classifica-
uma corruptela da locução francesa “pied de gru” tório de relações” (Rivers, [1910] 1969, p.28).
que é, na origem, rigorosamente sinônima de Rivers infelizmente não nos dá pistas de
“genealogia”. No entanto, alguns autores, como como consegue “deixar claro” para Kurka o que
Barnes (1967, p.103), propõem uma distinção ele de fato quer saber. Nos contextos culturais
entre os dois vocábulos: genealogia seria o artefato em que muitas mulheres são classificadas como
produzido pela análise etnográfica, em formato mães de um mesmo indivíduo, pode ser rela-
padrão, a partir de um método rigoroso; pedigree, tivamente simples esclarecer que aquilo que se
um conjunto de informações fornecidas pelo na- quer saber é de que barriga Kurka saiu. Mas
tivo nos termos de sua própria cultura. Outros como fazer Kurka entender que o que se dese-
autores, com os quais tendo a concordar, como ja de fato registrar é o nome de quem efetiva-
Barnard e Good (1984, p.21), lembram, entre- mente contribuiu com o espermatozóide que
tanto, que tal distinção é apenas relativa, uma vez inseminou um dado óvulo de sua mãe, cerca de
que se, por um lado, pedigree é o modo como um nove meses antes de seu nascimento? Mesmo
nativo concebe uma genealogia, por outro lado, que o pesquisador lograsse êxito nesse espinho-
uma genealogia não é outra coisa senão o modo so ato de comunicação intercultural, não teria
como um antropólogo concebe um pedigree8. nenhuma garantia de que, novamente para
Até 1910, Rivers acreditava na confiabilida- Kurka, os fatos naturais da concepção fossem
de do método genealógico não apenas para o codificados da mesma forma na definição de
registro das relações sociais, mas também para paternidade. Em suma, biologias nossas e nati-
a produção de dados sobre os vínculos naturais vas, para Rivers, estavam embaralhadas em um
(genéticos) entre os indivíduos nos quais se ba- corpus genealógico, pelo menos até 1910.
seavam as “estatísticas vitais”, como a proporção
dos sexos em uma população, tamanho médio
da família, coeficientes de nascimento e óbito,
etc., contribuindo também para o estudo de te-
mas da antropologia biológica, como a heredi-
tariedade, por exemplo. Para o autor, um corpus
genealógico trazia informações sobre relações
entre indivíduos que eram ao mesmo tempo
sociais e naturais, fazendo eco à concepção de
parentesco de Morgan. Assim, Rivers, por um Fig 2: O diagrama de Rivers.

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Alguns anos depois, Rivers se livra deste Com um texto provocativo, publicado em
embaralhamento ao se debruçar sobre o ma- 1930, B. Malinowski entra no ringue dos estu-
terial etnográfico coletado em Mota, nas Ilhas dos de parentesco. Embora suas ideias de certa
Banks. Aí passa a opor nitidamente os con- forma reverberem o ceticismo de McLennan
ceitos de parentesco e consanguinidade, para o em relação às propostas de Morgan, nem ele é
autor entendidos como fenômenos da cultura poupado. Para Malinowski, todos estão errados.
e natureza, respectivamente. Nas Ilhas Banks,
diz o autor, [As] teorias conjeturais do parentesco simples-
mente inundaram a literatura antropológica dos
(...) a relação de pai/mãe não passa a existir pelos tempos de Bachofen, Morgan e McLennan ao
fatos da procriação e da parturição (...). São atos revival recente encabeçado por Rivers e sua es-
como o pagamento da parteira, sua primeira cola, A. R. Radcliffe-Brown e ultimamente A.
mamada ou o plantio de uma árvore por ocasião Bernard Beacon, T.T. Barnard, Sra. Hoernle,
de seu nascimento que vão determinar quem se- Sra. B. Z. Seligman, para não mencionar a mim
rão, para todos os fins sociais, os pais da criança mesmo e à trindade californiana do parentesco,
(Rivers, 1915, p.700). Kroeber, Lowie e Gifford – todos influenciados
por Rivers. (Malinowski, [1930] 1971, p.95)
Desta forma, suas ideias passam a coincidir
com as de Durkheim, como veremos logo a se- Para Malinowski, era preciso oferecer uma al-
guir. Contudo, Rivers continua insistindo em ternativa à trilha por onde seguia Rivers e sua corte
seu ponto principal: a pesquisa genealógica “é o amestrada em patinar no formalismo e em “memo-
que fornece o método mais exato e convenien- rizar longas listas de termos nativos, seguir persis-
te de definir o parentesco” (Op. cit., p.701). tentemente diagramas e fórmulas complicadas, suar
Os estudos de parentesco devem a Durkheim sobre documentos áridos, aturar longos debates
(1898) a definição de corpus genealógico como dedutivos e o empilhamento de hipóteses sobre hi-
artefato da cultura e não como dado da natu- póteses”. Segundo o autor, o “antropólogo médio,
reza. Em um artigo publicado exatamente no embora mistificado e talvez com um pouco de hos-
mesmo ano em que Rivers e Haddon realizam tilidade, ficou de fora daquele círculo de iniciados”
a expedição ao Estreito de Torres, Durkheim e tinha dúvidas mais que justificadas se “os esforços
nos alerta que uma genealogia, como objeto da necessários para dominar a álgebra bastarda do pa-
ciência social, de maneira nenhuma se reporta rentesco valiam mesmo a pena” (Op. cit., p.95).
a fenômenos biológicos, mas essencialmente ao De acordo com Malinowski, o caminho a
universo das representações. Segundo o autor, seguir era outro e deveria partir do problema
o laço genealógico, como fato social irredutí- funcional do parentesco. Neste novo quadro,
vel, corresponde à presunção da relação de pa- o mais importante era entender, caso a caso, o
rentesco tal como é estabelecida pelo nativo, e que o parentesco realmente significava para os
isso é o que tem importância. Como assinala nativos, isto é, o modo como uma dada cultu-
Schneider (1984, p.100), com Durkheim, a ra, organicamente integrada, o define e o prati-
biologia ocidental começa a dar lugar às biolo- ca no contexto de suas instituições, o que, em
gias nativas. Mas, de uma forma ou de outra, certo sentido, retoma a posição de Durkheim.
prossegue Schneider, o fantasma da biologia,
qualquer que seja ela, sempre estará lá na tradi- [P]or mais primitiva que seja uma comunidade,
ção dos estudos de parentesco9. os fatos da concepção, gestação e parto não são

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relegados à Natureza, mas reinterpretados pela Enfim, o método genealógico consagra-se


tradição cultural: em todas as comunidades, como ferramenta indispensável ao ofício an-
temos uma teoria sobre a natureza e causas da tropológico, como mostram as pesquisas do
concepção, um sistema de padrões costumei- próprio Rivers e também as de Malinowski
ros, religiosos, mágicos ou legais, que definem entre os trobriandeses, Fortes entre os Tallensi,
o comportamento da mãe e às vezes também Evans-Pritchard entre os Nuer, H. Kuper entre
do pai, e temos especificamente um número de os Swazi, Shapera entre os Tswana, Gluckman
tabus observados por ambos durante a gestação entre os Lozi e os Zulu, Forde entre os Yakö,
(Op. cit., 1930, p.99). Nadel entre os Nuba, Firth entre os Tikopia,
Turner entre os Ndembu, Leach entre os Ka-
Segundo Malinowski, o parentesco tem chin, Kroeber entre os Yurok, Lowie entre os
como cena inicial o modo como uma cultura Shoshone e os Crow, Margaret Mead em Ma-
interpreta a produção de uma criança por um nus, Radcliffe-Brown entre os andamaneses,
casal e se desenvolve com base em dois pro- etc.. Uma lista exaustiva dos usuários do méto-
cessos distintos e complementares: um deles é do genealógico é um Who is Who da Antropo-
o de extensão dos laços instaurados entre pais logia Social da primeira metade do século XX.
e filhos, a partir da (e que fundam a) família Nas duas pesquisas que inauguram o período
nuclear. Este processo produziria a parentela, a moderno da etnologia sul-americana, nos anos
família extensa e fenômenos a ela relacionados, 1960, consagrando um padrão para as gerações
como os sistemas classificatórios de Morgan. O seguintes, o método de Rivers é vigorosamente
outro processo envolvido no parentesco, com- retomado por D. Maybury-Lewis (1967) entre os
plemento sócio-lógico do primeiro, seria o de Xavante e por P. Rivière (1969) entre os Trio. Suas
sua distorção, com a valorização do cálculo uni- coleções de genealogias sobre as quais se baseiam
linear, agnático ou uterino segundo o caso, ge- suas generalizações estão lá em apêndice a suas
rando os grupos políticos (clãs, linhagens, etc.) monografias pioneiras. Nas décadas seguintes, o
(Op. cit., p.102). método é retomado com o mesmo rigor por J. C.
Convém chamar a atenção de que sobre Melatti (1970) entre os Krahó, A. Seeger (1981)
tais processos de distorção e extensão cintilam entre os Suyá, Viveiros de Castro entre os Arawe-
as duas jóias da coroa antropológica britânica té (1985) e tantos outros. A lista é longa10.
da primeira metade do século XX, respectiva- Não obstante, a partir da década de 1960,
mente, os conceitos de descent e filiation (For- o debate sobre parentesco e genealogia, como
tes, 1953), que ressurgem triunfalmente na um vulcão que se julgava extinto, entra em um
África entre os Nuer, como buth e mar (Evans- novo período de atividade que, a rigor, até hoje
-Pritchard, 1940), opondo os sistemas políticos não cessou, com debates que ficaram conheci-
aos sistemas de parentesco e casamento e, através dos como o da natureza do parentesco (E. Gell-
deles, as esferas do público e do privado nas so- ner, 1963; J.H.M. Beattie, 1964), da relação
ciedades primitivas. entre genealogia e categoria (D. Maybury-Lewis,
Mas, antes de prosseguir, é preciso deixar 1965; H. Scheffler e F. Lounsbury, 1971), do
claro o que aqui está em jogo: processos de dis- nascimento virgem (E. Leach, 1966; M. Spiro,
torção e extensão do quê? De laços genealógi- 1972) e assim por diante. É nesse período de
cos. Aí parece que estão todos de acordo. novos abalos sísmicos que, nos anos oitenta,
D. Schneider (1984) provoca um terremoto de
* grande magnitude na tradição riveriana.

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Em um dos livros de maior impacto nos não é jamais falso” (1996, p.35). Quanto às ou-
estudos de parentesco das últimas décadas do tras tarefas da disciplina antropológica, o livro
século XX, o autor chama a atenção de que a de Schneider não dá pistas ao leitor.
tradição antropológica está ancorada no que Além disso, curiosamente, seu livro se cala
denomina “Doutrina da Unidade Genealógica diante da outra Doutrina do parentesco, que
da Humanidade” (1984, p.188). Tal etnoepis- veio à luz em 1949. Tudo se passa como se,
temologia europeia – a expressão também é do para o autor, o modelo estruturalista também
autor – é o que teria garantido, desde os pri- se baseasse naquela mesma Doutrina da Unida-
mórdios da disciplina, a comparabilidade das de Genealógica da Humanidade. Nesse senti-
análises e a própria ideia de parentesco como do, o autor flagra na obra lévi-straussiana duas
um universal substantivo das culturas. Mas, derrapagens comprometedoras. Em uma delas,
atenção! Schneider certamente não supõe que Lévi-Strauss afirma que “a mitologia é um pro-
todos os seus colegas estão equivocados porque duto puro e desembaraçado da mente humana,
olham para as culturas exóticas através de lentes de tal maneira que o parentesco não o é” (apud
europeias. Isso, ele (sabe que) também faz. Sem Schneider, 1984, p.141). Em outra, diz que o
modelos, europeus ou de outras procedências, “valor da troca não é simplesmente aquele dos
a mirada etnográfica não encontra um rumo bens trocados, uma vez que ele provê os meios
a seguir. Para o autor, o problema não estaria, de ligar os homens uns aos outros e de sobrepor
portanto, no continente em que tais lentes fo- aos laços naturais do parentesco os laços artifi-
ram fabricadas, mas no fato de induzirem uma ciais da aliança” (Op. cit., 1984, p.173). Não
interpretação errônea e etnocêntrica do dado, obstante, Schneider lembra que Lévi-Strauss,
justamente porque se baseiam na crença de que em outro momento da obra, diz também que
o parentesco existe em toda parte como um sis- um sistema de parentesco não consiste naqueles
tema e que, em toda parte, representa, reflete, “laços objetivos de filiação ou consanguinidade
simboliza, organiza, etc. relações fundadas na dados entre os indivíduos”, mas “existe apenas
reprodução sexuada e em processos a ela con- na consciência humana e constitui um sistema
comitantes. Tais pressupostos, para Schneider, arbitrário de representações, não o desenvolvi-
não são outra coisa que o surrado senso co- mento espontâneo de uma situação factual”.
mum do Ocidente (Op. cit, p.4). Schneider então conclui: “Eu posso então estar
Não há dúvida de que a crítica de Schneider errado em atribuir esta posição a Lévi-Strauss.
foi fundamental. Contudo, devemos perguntar Ou pode ser que Lévi-Strauss não seja inteira-
ao autor, que outro caminho seguir? Ou, para mente consistente” (Op. cit., 1984, p.141).
insistir na metáfora óptica por ele proposta, Se Lévi-Strauss tivesse escrito só essas frases
quais seriam então as boas lentes para o estu- sobre parentesco, seria possível concordar com
do do parentesco? Passemos à sua profissão de tal opinião de Schneider. Mas a tradição inau-
fé (Op. cit., p.196). Para Schneider, a antro- gurada por Lévi-Strauss corresponde a uma ver-
pologia é o estudo das culturas particulares. dadeira mudança de paradigma. É o imperativo
Sua primeira tarefa, pré-requisito de todas as da troca – e não o império da biologia – o que
outras, é entender e formular os símbolos, as segundo o autor funda as estruturas do paren-
configurações e os sentidos nos quais uma cul- tesco (Lévi-Strauss, [1949] 1967). Nesse novo
tura particular consiste. Até aí, não há desacor- quadro, a função de um sistema de parentes-
do. Mas como lembra F. Héritier, “dito desta co não é tanto representar, refletir, simbolizar,
forma, o pensamento culturalista ou relativista organizar, etc. relações fundadas na reprodução

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sexuada, mas definir impossibilidades e possibili- matemático norueguês Ø. Ore (1960), intitu-
dades matrimoniais (Lévi-Strauss [1965] 1969, lado com humor “Sexo nos Grafos”.
p.127). Para além da pretensão de universali- De qualquer maneira, é preciso reconhecer
dade que ambas manifestam, não há outras que a crítica de Schneider teve o mérito de con-
semelhanças importantes entre as duas Doutri- tribuir decisivamente para que os estudos de pa-
nas. A hipótese com a qual operamos aqui pode rentesco desembarcassem na contemporaneidade,
ser assim resumida: o modelo lévi-straussiano período marcado pelo fim das grandes narrativas
autoriza uma reinterpretação das genealogias e, consequentemente, pela suspeição em relação às
como registros de uma história infletida, entre doutrinas de pretensão universal como a da uni-
outras coisas, por tais possibilidades e impossi- dade genealógica da humanidade (apesar do Pro-
bilidades, e não mais (ou não somente) como jeto Genoma) e a do imperativo da troca. Hoje,
registros de uma história das relações naturais para um círculo expressivo de antropólogos ul-
entre os indivíduos ou de representações nativas traschneiderianos, o método centenário de Rivers
sobre os fatos da reprodução sustentadas pelo morreu e já vai tarde, depois de tanto desserviço
melanésio de tal ou tal ilha. O que não quer prestado à disciplina pela modelagem genealógica
dizer que tais representações não sejam fun- do parentesco. Enquanto isso, para outro círculo,
damentais para o estudo do parentesco em tal do qual, se estivesse vivo, talvez o próprio Schnei-
ou tal ilha, já que estão diretamente implicadas der etnógrafo dos Yap, fizesse parte11, a modela-
no tal “conjunto complexo de crenças, de cos- gem poderia ser eventualmente útil para fornecer
tumes, de estipulações e de instituições que se ao etnógrafo pistas sobre as redes de relacionalida-
designa sumariamente sob o nome de proibição de a serem retomadas pela análise. Uma coletânea
do incesto” (Lévi-Strauss, [1949] 1967, p.10). que acaba de vir à luz, organizada por S. Bamford
Convém lembrar também que, na mesma e J. Leach (2009), com um título impossível de
época em que Schneider formula sua críti- traduzir em português mantendo a elegância do
ca, pesquisas pioneiras como as de F. Héritier original, Kinship and Beyond, traz textos muito in-
(1974; 1981) sobre o funcionamento real das teressantes, que representam diversos matizes do
redes matrimoniais dos Samo de Burquina espectro de posições aqui resumidas. Esta coletâ-
Faso e de M. Segalen (1985; 1991) sobre a nea expressa seu espírito no subtítulo: “O método
aliança de casamento no País Bigouden, Bre- genealógico reconsiderado”.
tanha, abrem caminho para as notáveis contri- Na direção oposta, entretanto, acaba de ser
buições recentes de D. White, M. Houseman publicado um número especial dos Annales de
e outros, descortinando uma área experimental demographie historique, organizado por Cyril
de estudos de parentesco e computação que as- Grange e Michael Houseman (2008). Aqui
segura muitos anos de vida ao velho método não se trata de reconsiderar o método genealó-
genealógico. Nos últimos cinquenta anos, o gico, mas de refundá-lo no século XXI, como
diálogo com a informática e com a teoria dos revela o próprio título do volume: “As redes de
grafos, ramo da matemática que estuda as re- parentesco, refundar a análise”. Com textos tão
lações entre as coisas, conferiu ao método de instigantes quanto os da coletânea de Bamford
Rivers avanços sem precedentes. Tal aproxima- e Leach, seus autores apresentam pesquisas
ção se inicia exatamente na mesma época em baseadas em rigoroso tratamento informático
que o tema das genealogias entrava na tal zona de dados genealógicos, além de oferecer uma
de turbulência a que me referi acima, com a ferramenta computacional elegante (www.kin-
publicação, em 1960, de um pioneiro artigo do tip.net). Seus autores atualmente integram um

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projeto de “Simulações de Parentesco” (o Sim- given collectivity (1871, p.10). This definition has
Pa, 2009-2012), sediado em Paris, que reúne been at the center of one of the most longstanding
antropólogos, cientistas da computação, de- anthropological debates. The relationship between
mógrafos, estatísticos, matemáticos, engenhei- kinship and genealogy has generated controversy
ros e historiadores, todos a anos-luz de 1871. for some 140 years and, to judge by the most recent
Mas a premissa deste megaprojeto é, com todas developments, promises to continue to incite deba-
as letras, a seguinte: as redes de parentesco evo- te far into the future.
luem como sistemas dinâmicos. keywords Kinship and Marriage. Genealogical
Method. Lewis H. Morgan. William H. R. Rivers.
History of Anthropology.
Complemento idiossincrático
Em uma passagem de sua Crítica..., ao cen- Notas
surar a homologia entre os vocabulários das
cores e os de parentesco, D. Schneider ponde- 1. Sou grato aos comentários de Fernanda Peixoto, Be-
atriz Perrone-Moisés e Edson Tosta Matarézio Filho
ra com ironia que “se as cores consistem em
à primeira versão deste artigo e ao apoio da FAPESP
ondas percebidas pelo olho, mensuráveis por (Proc. 2008/53352-3).
espectroscópios, as genealogias não consistem 2. A biografia de Resek (1960) e o guia de Trautmann
em algo do mesmo tipo e não existem genealo- (1987) são leituras fundamentais para a compreensão
goscópios” (1984, p.125). Schneider está certo. do projeto e da arquitetura de Sistemas de Consangui-
Genealogoscópios, que trazem à mente aquelas nidade e Afinidade da Família Humana.
3. Consanguinity, no original.
engenhocas inventadas pelo Professor Pardal,
4. Não me parece convincente a argumentação de Lan-
de fato não existiam nos anos oitenta e hoje gham (1981, p.90), reiterada por Cardoso de Oli-
continuam não existindo. Mas, talvez, com o veira (1991, p.19), de que “as descobertas de Rivers
passar dos anos, graças a projetos como o Sim- guardam expressiva independência em relação às de
Pa, os genealogoscópios migrem dos horizontes Morgan”. Esta opinião se baseia, entre outras coisas,
das histórias em quadrinhos para o do futuro no fato de não haver evidências que comprovem que
Rivers, ao embarcar para a expedição ao Estreito de
dos estudos de parentesco.
Torres, tenha tido contato com as ideias daquele au-
tor. No entanto, não fosse a influência das idéias de
Morgan, que mais poderia explicar seu interesse pelos
!" #$%&'$(')*$%&)+$,'-'*$./0'0 vocabulários de parentesco, em um cenário marcado
pela crítica de McLennan? Convém lembrar ainda que
abstract In 1871, with the publication of Rivers faz questão de assinalar que “o primeiro e mais
óbvio” (1969 ([1910], p.30) uso do método genealó-
Lewis Henry Morgan’s Systems of Consanguinity and
gico é precisamente para o estudo dos vocabulários de
Affinity of the Human Family, the anthropology of
parentesco. Como procuro argumentar, o método de
kinship broke free from the gravitational pull of Rivers retoma um legado deixado por Morgan, o que
History, Law and Philology to become established não retira um milímetro de sua importância.
as a field in its own right. Along with a field of study 5. Os interessados no desenvolvimento desta “inven-
Morgan proposed a method and techniques of data ção” encontrarão muitas informações interessantes
em Langham (1981, p.50-93).
collection of phenomena grouped under the rubric
6. A versão de 1910 é a que ficou célebre. No Brasil, há
of kinship (“system of consanguinity”). He defined
duas traduções do texto em questão. A primeira foi
“kinship” as a formal expression and social recog- publicada em 1969, em uma coletânea de textos de
nition of natural relations between individuals of a parentesco, organizada por Roque Laraia. A segunda

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veio à luz em 1991, na coletânea de textos de Rivers povo nilota. São Paulo: Editora Perspectiva, [1940]
organizada por Roberto Cardoso de Oliveira. 1978.
7. Mas não se pense que tal cultivo fervoroso é coisa FAUSTO, C. Os Parakanã: dravidianato e casamento
do passado, como, por exemplo, revela o cuidadoso avuncular na Amazônia. Dissertação (mestrado) –
estudo de A. Lima (2003) sobre a elite econômica Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1991.
portuguesa no limiar do século XXI, com suas gran- FORTES, M. The Structure of Unilineal Descent Groups.
des famílias e grandes empreendimentos. American Anthropologist, v. 55, n.1, p.17-41, 1953.
8. Em português – felizmente, eu diria – o termo pe- ___________. Kinship and the Social Order – The Legacy
digree, curiosamente dicionarizado sem qualquer of Lewis Henry Morgan. New Brunswick: Transaction
adaptação ortográfica (Cf. Aurélio), se consagrou ex- Publishers, [1969] 2006.
clusivamente na esfera dos animais de criação. GELLNER, E. Ideal Language and Kinship Structure.
9. Observe-se que a oposição biologia ocidental versus Philosophy of Science, 24, p. 235-243, 1957.
biologias nativas é rigorosamente homóloga àquela en- GRANGE, C. & HOUSEMAN, M. (Orgs.). Annales de
tre genealogia e pedigree proposta por Barnes (1967). demographie historique, n. 116, 2008.
10. Nos anos oitenta, quando era aluno do Museu Nacio- HÉRITIER, F. Systèmes omaha de parenté et aliance:
nal, o emprego do método riveriano na pesquisa de Étude en ordinateur du fonctionement matrimonial
campo fazia parte do que os professores denomina- réel d’une société africaine. In: BALLONOFF, P. (ed.)
vam “dever de casa” da pesquisa antropológica. Não é Genealogical Mathematics. Paris-La Haye: Mouton,
por outra razão que o reencontramos nas dissertações 1974.
e teses de etnologia indígena daquele período: V. Lea ___________. L’Exercice de la parenté. Paris: Gallimard/
(1986) entre os Kayapó, Teixeira-Pinto (1989) entre Le Seuil. Coll. Hautes Études, 1981.
os Arara, C. Fausto (1991) entre os Parakanã, A. Vila- ___________. Masculin, Feminin. La pensée de la diffé-
ça (1992) entre os Pakaa Nova , M. Silva (1993) entre rence. Paris: O. Jacob, 1996.
os Waimiri-Atroari, etc. LANGHAM, I. The Building of British Social Anthropo-
11. Esta parece ser a opinião de Bamford e Leach (2009, logy: W.H.R. Rivers and his Cambridge Disciples in the
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autor Márcio Ferreira da Silva


Professor de Antropologia / USP
Doutor em Antropologia Social / MN-UFRJ

Recebida em 14/09/2010
Aceita para publicação em 14/09/2010

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