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Nesse trabalho apresentamos um recorte de uma pesquisa que buscou
responder a questão de investigação: "Qual a potencialidade do Soroban no
processo ensino aprendizagem da adição para um estudante cego
congênito?". Para tanto tivemos por objetivos: (1) discutir o potencial
pedagógico do Soroban no processo ensino aprendizagem de adição no que
diz respeito ao papel do professor e (2) analisar suas características e as
possibilidade
Titre original
A utilização do Soroban no processo ensino aprendizagem de adição com um estudante cego
Nesse trabalho apresentamos um recorte de uma pesquisa que buscou
responder a questão de investigação: "Qual a potencialidade do Soroban no
processo ensino aprendizagem da adição para um estudante cego
congênito?". Para tanto tivemos por objetivos: (1) discutir o potencial
pedagógico do Soroban no processo ensino aprendizagem de adição no que
diz respeito ao papel do professor e (2) analisar suas características e as
possibilidade
Nesse trabalho apresentamos um recorte de uma pesquisa que buscou
responder a questão de investigação: "Qual a potencialidade do Soroban no
processo ensino aprendizagem da adição para um estudante cego
congênito?". Para tanto tivemos por objetivos: (1) discutir o potencial
pedagógico do Soroban no processo ensino aprendizagem de adição no que
diz respeito ao papel do professor e (2) analisar suas características e as
possibilidade
A utilização do Soroban no processo ensino aprendizagem de adição com
um estudante cego
Angélica Rosa de Paula Tito
Rosana Maria Mendes Universidade Federal de Lavras (UFLA) Eixo temático: 9 - Deficiência visual Categoria: Comunicação Oral
Resumo:
Nesse trabalho apresentamos um recorte de uma pesquisa que buscou
responder a questão de investigação: "Qual a potencialidade do Soroban no processo ensino aprendizagem da adição para um estudante cego congênito?". Para tanto tivemos por objetivos: (1) discutir o potencial pedagógico do Soroban no processo ensino aprendizagem de adição no que diz respeito ao papel do professor e (2) analisar suas características e as possibilidades que este oferece ao estudante cego para a apropriação/mobilização do conceito de adição. A pesquisa foi realizada no Centro de Educação e Apoio as Necessidades Auditivas e Visuais (Cenav) com um estudante cego congênito do 8° ano do Ensino Fundamental. Foram realizados sete encontros de aproximadamente 1h40min que foram audiogravados e filmados. Para a análise dos dados utilizamos a metodologia de análise de conteúdo. Os dados foram classificados em 2 categorias: (1) Interação professora e estudante e (2) Construção/mobilização de conceitos matemáticos. Evidenciamos as características pedagógicas do Soroban e que esse possibilitou a apropriação/mobilização do conceito de adição, de outros conceitos matemáticos e do desenvolvimento de cálculo mental. Destacamos a importância que a mediação pedagógica teve para a superação das dificuldades.
Quando nos referimos a Educação Inclusiva, precisamos entender que
não basta o estudante com deficiência estar numa sala de aula comum para estar incluso. É necessário interação e dar ações intencionadas do professor e de toda a comunidade escolar para que possa participar com equidade das atividades escolares. Para tanto, precisamos pensar em metodologias, como a utilização de recursos didáticos que possibilitem e contribuam com o processo ensino aprendizagem destes estudantes. O uso de recursos didáticos é referida por Pais (2000) como uma ferramenta capaz de servir de interface mediadora para facilitar na relação entre o professor, o estudante e o conhecimento no processo de elaboração do saber. Esses, quando pensamos na Educação Matemática Inclusiva, ou seja, no processo ensino aprendizagem e Matemática, precisam contribuir para que o estudante tenha acessibilidade ao conteúdo ministrado dando condições ao estudante de construir seu próprio conhecimento. No nosso caso, utilizamos o Soroban como recurso didático para o processo de ensinar e aprender adição com um estudante Cego congênito. Esse material manipulativo pode ser visto como uma “criação pedagógica a facilitar o processo de aquisição do conhecimento” (PAIS, 2000, p. 3).
A Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva
A deficiência, durante a história, foi vista como razão de exclusão social
por conta de uma sociedade que discrimina aqueles que fogem aos padrões de “normalidade” impostos, por não entender e valorizar as diferenças de cada indivíduo, uma vez que “estamos sempre agindo, pensando, propondo, refazendo, aprimorando, retificando, excluindo, ampliando segundo paradigmas” (MANTOAN, 2003, p. 11). A necessidade de incluir as pessoas com deficiência na sociedade foi possível a partir da conquista dos direitos humanos. Na área da educação, o processo de inclusão foi orientado a partir das diretrizes preconizadas a partir da Conferência Educação para Todos (em 1990) e da Declaração de Salamanca (em1994). Tais documentos internacionais foram sancionados na legislação brasileira e traçavam como objetivo, entre outras questões, a ampliação da oferta da Educação Especial nas escolas regulares – Educação Inclusiva (BATISTA JÚNIOR, 2016, p. 11).
No Brasil, as discussões sobre um novo atendimento escolar aos
estudantes com deficiência, denominado inclusão escolar, começaram em meados da década de 1990 com o intuito de acabar com o processo de integração desses estudantes (MIRANDA, 2004). Incluir significa defender o direito das pessoas de participarem da sociedade à qual pertencem, de forma que sejam aceitas e respeitadas naquilo que as diferenciam. No campo educacional, a inclusão defende o direito dos estudantes a uma educação de qualidade que lhes permite desenvolver potencialidades e competências, as quais os possibilitem exercer seu efetivo direito de cidadania (FREIRE, 2008). Nessa perspectiva, temos o Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos estudantes com deficiência que “identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando as suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008, p.16). O AEE é um serviço que complementa e/ou suplementa a educação do estudante com deficiência, visando à sua autonomia na escola e fora dela, cuja oferta é obrigatória em todo o sistema de ensino, nas escolas em um espaço denominado Sala de Recursos Multifuncionais ou então em Centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou privada, sem fins lucrativos. Esses Centros devem atuar de acordo com as orientações da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) e com as Diretrizes Operacionais da Educação Especial para o AEE na Educação Básica. A matrícula no AEE é condicionada a matricula em escola comum, uma vez que este não substitui o ensino regular. Os planos de atendimentos não são os mesmos para todos os estudantes. Muitas vezes, estudantes com a mesma deficiência requerem atendimentos diferenciados. Por isso, para planejar o atendimento, inicialmente, é preciso conhecer o estudante, sua história de vida, sua individualidade, seus desejos e diferenças, ao invés de saber primeiro das causas e diagnóstico de sua deficiência (ROPOLI et. al., 2010). Nesse contexto, a participação da família na elaboração dos planos é imprescindível para bom êxito no desenvolvimento do processo ensino aprendizagem do estudante. Para isso, o professor do AEE estabelece contato com as famílias dos estudantes, realizando visitas e entrevistas, para, desse modo, adquirir algumas informações e transmitir outras, criando laços de cooperação e compromissos. Além disso, é necessária a relação do professor do AEE com o professor da escola, pois assim poderá acompanhar a trajetória do estudante dentro e fora da escola, podendo atuar com maior autonomia nos assuntos relacionados a escola e também a sua vida social (ROPOLI et. al., 2010). O Centro de Educação e Apoio às Necessidades Auditivas e Visuais (Cenav), local em que foi realizada a pesquisa, atua como AEE na cidade de Lavras/MG nessa perspectiva de trabalho. Assim, o AEE tem como público alvo atendido pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) os estudantes com deficiência visual, com deficiência auditiva, com transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Trataremos com mais destaque a deficiência visual, uma vez que nossa pesquisa foi realizada com um cego congênito. A deficiência visual caracteriza-se pela perda total ou parcial da visão, podendo ser congênita ou adquirida, classificada em dois grupos: baixa visão e cegueira. A ausência da visão manifestada nos primeiros anos de vida, em decorrência de lesões ou enfermidades que comprometem as funções do globo ocular, é definida como cegueira congênita. As causas podem ser a retinopatia da prematuridade, a catarata, o glaucoma congênito e a atrofia do nervo óptico. Já a perda da visão de forma imprevista ou repentina, ocorrida na infância, na adolescência, na fase adulta ou senil, causada por doenças infecciosas, enfermidades sistêmicas e traumas oculares, é conhecida como cegueira adventícia ou adquirida (DOMINGUES et. al., 2010). O desenvolvimento de habilidades cognitivas, motoras, táteis e de linguagem é importante para o processo de construção do conhecimento das pessoas com deficiência visual, principalmente para os estudantes cegos congênitos, porque o tato, a audição e a linguagem são suas principais vias de aprendizagem (DOMINGUES et. al., 2010). Nessa perspectiva, entendemos os recursos didáticos, mais especificamente o material manipulativo, como tecnologias para o processo ensino aprendizagem de Matemática que podem contribuir para o desenvolvimento de habilidades do estudante cego. A utilização desses só tem significado se cumprirem o objetivo de facilitar a aprendizagem para a qual foi proposta, porque “as técnicas não se justificarão por si mesmas, mas pelos objetivos que se pretenda que elas alcancem, que no caso serão de aprendizagem” (MORAN et al., 2003, p. 144). Além disso, é necessário que o professor desempenhe o papel de orientador das atividades do aluno, de consultor, de facilitador da aprendizagem, de alguém que pode colaborar para dinamizar a aprendizagem do aluno; desempenhará o papel de quem trabalha em equipe, junto com o aluno, buscando os mesmos objetivos; numa palavra, desenvolverá o papel de mediação pedagógica (MORAN et al., 2003, p. 142).
Assim, a mediação pedagógica tem um papel muito relevante no
processo ensino aprendizagem de todos os estudantes, com ou sem deficiência, pois coloca em evidência o seu papel de aprendiz e os fortalece como atores das atividades que lhes permitirão um aprendizado com significado.
Caminhos para constituição dos dados
Neste trabalho buscamos responder a questão de investigação: Qual a
potencialidade do Soroban no processo ensino aprendizagem da adição para um estudante cego congênito?. Para tanto tivemos por objetivos: (1) discutir o potencial pedagógico do Soroban no processo ensino aprendizagem de adição no que diz respeito ao papel do professor e (2) analisar suas características e as possibilidades que este oferece ao estudante cego para a apropriação/mobilização do conceito de adição. O Soroban é um instrumento de cálculo, também conhecido como ábaco japonês, que teve sua origem nas tábuas de contar da Antiguidade, assim como todos os ábacos. No Japão, é utilizado há anos em casas comerciais, escolas, bancos e outros (MOTA et. al., 2012). Esse material chegou ao Brasil em 1908, por intermédio dos imigrantes japoneses e, em 1949, passou por uma adaptação, a qual possibilitou sua utilização pelas pessoas com deficiência visual (GOIA, 2014). Essa adaptação foi realizada pelo professor Joaquim Lima de Moraes e consistiu em acrescentar uma borracha embaixo das hastes de forma a dificultar o deslocamento das contas, uma vez que, sem essa borracha, as contas corriam soltas, dificultando o manuseio do material pelas pessoas cegas (MOTA et. al., 2012) (Figura I).
Figura I: Soroban adaptado
Descrição: imagem adaptada de um Soroban de 21 eixos mostrando a localização das suas
principais partes. A reta do meio está com os pontinhos que representam as ordens pintado de vermelho e os traços que representam a marcação das 7 classes pintado de amarelo. Do segundo traço da esquerda para direita sai uma seta amarela indicando um quadrado escrito dentro: traço divisor de classe. Do sétimo pontinho olhando da esquerda para direita sai uma seta vermelha indicando um quadrado escrito: Teiten. Do primeiro eixo olhando da direita para esquerda, de cima para baixo, sai uma seta da terceira conta, da parte inferior apontando um quadrado escrito: Ichidama, logo acima saindo da haste do eixo uma seta cinza apontando para um quadrado escrito Keta, e acima, saindo da reta do meio uma seta indicando Hari. Ainda no primeiro eixo, da conta da parte superior sai uma seta vertical indicando Godama. Na borda lateral esquerda do material, acima da reta do meio sai uma seta indicando parte superior e abaixo da reta sai uma seta indicando parte inferior.
Fonte: Das autoras.
Esse é um instrumento de cálculo manual, no formato retangular,
dividido em duas partes: parte superior e parte inferior. Essa divisão é feita por uma régua na horizontal, denominada régua de numeração (Hari). Na posição vertical, o material possui 21 hastes metálicas (Keta) onde estão fixadas as contas. Cada haste possui cinco contas, sendo uma conta superior (Godama) de valor 5 (cinco) e quatro contas inferiores (Ichidama) de valor 1 (um). A régua de numeração possui seis traços que a dividem em sete classes: classe simples, classe de milhares, classe de milhões, e assim por diante. Esses traços também podem ser utilizados como barra de fração, vírgula decimal e sinal de índice de potência. Na régua, também, encontramos pontos (Teiiten) que ficam sobre cada haste, os quais representam as ordens (unidade, dezena e centena) de cada classe. Para um bom manuseio do material, o operador precisa sentar-se com uma postura correta, colocar na sua frente o Soroban na posição horizontal, com a parte inferior voltada para si, e não apoiar o antebraço na mesa para não atrapalhar o movimento da mão. Para realizar as operações, os estudantes devem utilizar somente os dedos indicadores e polegares de ambas as mãos, sendo que a mão direita deve atuar da 1ª à 4ª classes e a mão esquerda nas classes restantes, de forma que, enquanto uma opera, a outra apoia o material. O polegar deve ser usado para encostar as contas da parte inferior e afastar as contas da parte superior, e o indicador para encostar as contas da parte superior e afastar as contas da parte inferior da régua e também para realizar a leitura. A pesquisa foi realizada no Cenav com um estudante do 8º ano do Ensino Fundamental. Neste trabalho, nós o chamaremos de Olavo (nome fictício). Olavo tinha 15 anos e era cego congênito. Frequentava o Cenav cinco vezes por semana, de segunda-feira a sexta-feira, das 13h às16h. Depois de definir o conteúdo a ser trabalhado (Adição) entramos em contato com a responsável pelo estudante, explicamos como seria realizada a pesquisa e solicitamos a autorização conferida pela assinatura do termo de consentimento. Os encontros foram planejados semanalmente de acordo com o desenvolvimento do estudante. Foram realizados sete encontros de aproximadamente 1h40min. Utilizamos a Técnica Oriental para operar o Soroban, em que as operações são realizadas das ordens maiores para as menores. Primeiro, vimos a adição com representação de parcelas para depois trabalhar a adição abreviada. A familiarização com o material foi realizada por meio de algoritmo; ou seja, pela realização de diferentes operações usuais de adição, devido à necessidade do estudante de se apropriar das técnicas, condição necessária para um bom manuseio do material. No penúltimo encontro trabalhamos com o estudante a resolução de alguns problemas matemáticos utilizando o Soroban. Durante os encontros foram utilizados os recursos de audiogravação e videogravação como instrumentos de constituição de dados. Além do diário de campo contendo anotações sobre os encontros. Depois de realizada a constituição dos dados, ouvimos as gravações e assistimos aos vídeos. Organizamos os dados em quadros, nos quais foi especificada cada ação do estudante e da pesquisadora. A partir da análise de conteúdo (BARDIN, 1977; FRANCO, 2008; MENDES e MISKULIN, 2017) fizemos o tratamento dos dados. Nesse processo, encontramos 18 temas que depois foram agrupados em 6 eixos temáticos. Observando os dados novamente, encontramos duas categorias de análise: (1) Interação professora e estudante e (2) Construção/mobilização de conceitos matemáticos.
A interação professora e estudante
Para analisar a potencialidade do Soroban nesta categoria,
selecionamos alguns extratos dos encontros que evidenciam a importância da interação professora/estudante para o processo ensino aprendizagem da adição no Soroban. Iniciamos o primeiro encontro com a familiarização do material. Primeiramente, entregamos o Soroban para Olavo e permitimos que fizesse o reconhecimento do material. Em seguida, apresentamos os valores das contas inferiores e superiores e a maneira de representar um número. Para representar um número no Soroban, é necessário encostar as contas desejadas na reta numérica que divide o instrumento em partes superior e inferior. Solicitamos que representasse de 1 a 20. Olavo representou os números de 1 até 9 sem qualquer dificuldade. Todavia, na hora de representar o número 10, esse sabia que tinha que subir uma conta na dezena e zerar a ordem das unidades. Porém, na hora de realizar a representação no material, confundia as ordens. Fizemos intervenções para ajudá-lo a fazer a representação (Figura II).
Figura II: Pesquisadora com Olavo utilizando o Soroban
Descrição: Imagem da mão da pesquisadora segurando o dedo indicador da mão esquerda do
estudante percorrendo um dos eixos da 7ª classe de um Soroban de 21 eixos que está apoiado em cima de uma mesa.
Fonte: Das autoras
Nesse momento, tivemos a percepção de que a distância entre os eixos
do material era muito pequena e que essa proximidade estava dificultando a manipulação do material pelo estudante cego. No início, atribuímos essa dificuldade à falta de prática do estudante, mas depois, ao observar Olavo manipular o material, percebemos que se os eixos fossem mais afastados poderiam evitar que o estudante confundisse as ordens, já que deslizaria o dedo indicador no eixo da ordem desejada sem correr o risco de pular para a ordem seguinte. Isso fez com que pudéssemos dar um auxílio mais adequado ao estudante. A utilização de um Soroban com eixos mais distantes pode ser a solução para essa limitação do material, já que resolveria o problema da proximidade dos eixos. Isso nos faz pensar que a readaptação de materiais, considerando as características do estudante com deficiência, é fundamental para atingir o objetivo pretendido com o material. A forma como o material é dividido também dificultou a manipulação do Soroban, pois como foge da disposição do nosso sistema de numeração, a conta de valor 5, que fica na parte superior do material, foi ignorada pelo estudante, como no momento descrito a seguir. Angélica: Aqui, você tem três dezenas e quer somar mais duas dezenas. Como você faz para acrescentar dois aqui na dezena? [a pesquisadora estava segurando o dedo indicador de Olavo percorrendo a parte inferior do Soroban no eixo das dezenas]. Olavo: Tirando esse daqui! [apontando para uma das contas representadas na parte inferior do Soroban no eixo das dezenas]. Angélica: Você quer somar. Então, você só tira? Olavo: Não! Põe. Mas eu não tenho dois aqui! [apontando para a parte inferior no eixo das dezenas]. Angélica: Mas e o cinco lá em cima, você não pode usar ele?
Corroborando, Morais (2008, p. 107), em seu trabalho sobre o Soroban,
nos traz que “é valioso entender as dificuldades encontradas pelo fato que o instrumento é dividido em duas partes pela régua longitudinal”. Entretanto, percebemos que essas dificuldades, aos poucos, foram superadas com a mediação da pesquisadora e também com a prática com o material, pois nos últimos encontros, Olavo já utilizava a conta de valor 5 com mais autonomia do que nos primeiros encontros. Observamos, porém que esta, na verdade, mostrou-se ser um potencial do material, porque permitiu ao estudante explorar a ideia de outras bases e agrupamento. Isso possibilitou atribuir sentido e significado na construção do número. O trabalho com um estudante cego tem suas particularidades. Por isso, cabe ao professor considerar todos os detalhes e, a partir da mediação, romper com os obstáculos que prejudicam o processo ensino aprendizagem causado pela ausência da visão. A pesquisadora percebeu isso no momento quando o estudante passou a fazer confusão para localizar a ordem devido à lateralidade das classes; isto é, por não compreender a ordenação das ordens da esquerda para direita e da direita para esquerda na hora de representar as parcelas da adição no material. Olavo pensava que cada classe possuía uma ordenação diferente. Para ele, a 7ª classe começava pela centena e a 5ª classe não. A pesquisadora tentou explicar de várias maneiras que dependia do lado onde iniciava a leitura, ou seja, se a leitura fosse feita da esquerda para direita, todas as classes iniciavam pela centena; se fosse realizada da direita para esquerda, então as classes iniciavam pela unidade. Sugerimos que Olavo usasse a dezena como ponto de referência em todas as classes, como mostrado no próximo excerto.
Angélica: Você acha difícil o jeito que estou te ensinando o
Soroban? Olavo: Se eu falar que está difícil, você não vai me ensinar mais. Angélica: Não! Na verdade, eu vou tentar buscar outra forma de te ensinar. Olavo: Não! Se eu falar que está difícil, você vai falar assim: Chega! Acabou! Angélica: Não, lógico que não. Olavo: Vai sim. Angélica: Olavo, me deixa falar uma coisa pra você! Eu estou aqui com objetivo de você aprender o Soroban. Se desse jeito que estou te ensinando está difícil, a gente tenta achar outra forma. [...] Angélica: Você está entendendo? Olavo: Tô. Angélica: Do jeito que estou fazendo? Olavo: É! Tô! Angélica: Mas você está confundindo a unidade, a dezena e a centena. Olavo: Não!... Tô Não!... É porque aqui, o lado direito nunca começou pela centena [apontando para a primeira ordem da direita para a esquerda no Soroban]. Angélica: Não! Está certo, o lado direito... Olavo: Não!... O lado esquerdo, quero dizer. Nunca! Angélica: Nunca começou? Olavo: Não! Angélica: Vamos fazer o seguinte, sabe o que você pode usar como padrão. Aqui, você tem o tracinho que divide a classe [a pesquisadora estava segurando o dedo indicador da mão direita do Olavo em cima da divisão da primeira classe com a segunda]. Aqui, você sabe que a ordem do meio é a dezena [a pesquisadora estava segurando o dedo indicador do Olavo em cima da marcação da dezena]. Do lado direito da dezena, é sempre a unidade [a pesquisadora estava segurando o dedo indicador do estudante em cima da marcação da unidade]. Do lado esquerdo da dezena, é sempre a centena [a pesquisadora estava segurando o dedo indicador do Olavo em cima da marcação da centena]. Olavo: Entendi! Agora, eu entendi! Angélica: A dezena sempre vai ficar entre a unidade e a centena. Olavo: (Risos). Agora, eu entendi!
Ao observar o excerto acima, podemos notar que o desenvolvimento
cognitivo da criança cega é bastante complexo. Por isso, é necessário “conhecer o referencial que norteia o conhecimento de mundo dos cegos, para então desenvolver quaisquer ações didático-pedagógicas” (MASINI, 1993 apud BRIANEZ, 2013, p. 76). No primeiro momento, pensamos que a dificuldade do estudante em entender a localização das ordens fosse pelo fato de não enxergar o material. Entretanto, depois de analisar melhor esse extrato e a estrutura do Soroban, chegamos à conclusão de que a técnica proposta pelo Manual de Técnicas Operatórias (MOTA et.al., 2012), de aprender primeiro a adição com representação das parcelas para só depois aprender a forma abreviada (direta) que não realiza a representação das parcelas, não foi a melhor forma de iniciar o Soroban com Olavo, pois a adição indireta se mostrou mais confusa do que a adição realizada de forma direta. Outro aspecto importante que podemos destacar é o momento quando a pesquisadora pergunta para o estudante se estava sendo difícil o jeito que ela estava trabalhando com o Soroban e o Olavo diz que se respondesse sim, a pesquisadora não iria mais trabalhar com ele. A insegurança de falar o que pensava e o medo do rompimento do vínculo estabelecido com a pesquisadora acabou prejudicando o processo de ensinar e aprender matemática, uma vez que a exposição do seu ponto de vista, de suas ideias e de seus conhecimentos prévios possibilitaria a pesquisadora rever seus procedimentos e adotar novas atitudes e posturas que poderiam derrubar as barreiras que impediam seu desenvolvimento. Assim, destacamos a importância da mediação, da interação entre professor e estudante para o desenvolvimento de estudante cego na construção do conhecimento matemático com a utilização do Soroban. No próximo tópico apresentamos a categoria referente a conceitos matemáticos. A construção/mobilização de conceitos matemáticos com o Soroban
Apresentamos a contribuição do Soroban para a construção/mobilização
de conceito como a adição sem agrupamento e com agrupamento, composição e decomposição dos números, sistema posicional, agrupamento e reagrupamento de números, permitindo ao estudante explorar e dar significado à construção do conceito de número. Na fase do pré-Soroban, o estudante pode explorar conceitos ligados à construção do número, condição necessária para iniciar o Soroban, já que a estrutura do material exige o domínio de conceitos como valor posicional e agrupamento (MORAIS, 2008). No entanto, notamos que o estudante, mesmo tendo passado por essa fase, não tinha domínio desses conceitos matemáticos. Na adição sem agrupamento, o estudante não apresentou muita dificuldade, mas quando iniciamos a adição com agrupamento, observamos que o estudante tinha dificuldade em pensar em quantas contas tinha que devolver na ordem menor quando acrescentava na ordem maior. Para auxiliá- lo, a pesquisadora incentivou Olavo a utilizar os dedos das mãos. A prática de contar nos dedos foi um recurso de grande importância para que concluísse o processo operatório no Soroban. Essa prática deve ser valorizada durante a realização do fazer pedagógico. Este processo é a maneira mais antiga e criativa de contar e serve de base para a construção do número, além de ser a estruturação do número de base cinco, do sistema decimal, vintesimal, duodecimal e sexagesimal (IFRAH, 2004 apud MORAIS, 2008, p. 78).
Além disso, os dedos serviram como um registro para os cálculos
mentais na perspectiva do cálculo pensado e refletido, o que possibilita ao estudante desenvolver sua capacidade de resolver problemas, permitindo-lhe maior autonomia para resolver diversos problemas em seu cotidiano (PARRA, 1996). Para encerrar...
A interação professora-estudante ocorreu por meio das mediações da
pesquisadora contribuindo para que o estudante fizesse um correto manuseio do Soroban e que tomasse consciência de seus erros, permitindo-lhe repensá- los e, por meio deles, construir um aprendizado com significado. Por meio do Soroban foi possível retomar conteúdos matemáticos relacionados à construção do número, uma vez que mobilizou conhecimentos de sistema posicional e agrupamento. Pode auxiliar o estudante cego no processo ensino aprendizagem da adição e no desenvolvimento do cálculo mental.
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