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O movimento criador do livro Brazil revelando um jogo de espelhamentos: o

papel intelectual de Elizabeth Bishop

Elisabete da Silva Barbosa / UNEB

RESUMO
Elizabeth Bishop (1911-1979), porta-voz de uma poeticidade singular, foi convidada pela
Time Life a escrever um livro de viagens, e os editores, colocando-se como co-autores,
mudaram seu texto a ponto da escritora renegá-lo. Objeto desta pesquisa, Brazil será
analisado a partir de dois lugares teóricos: os Estudos Culturais, que possibilitarão um
diálogo entre as imagens criadas e o discurso que a autora faz de si, pois se
posicionando num entre-lugar, é percebida como um ser traduzido que negociava entre
duas culturas; por outro lado, os Estudos de Processo permitirão desvelar como o espaço
brasileiro foi compreendido através da análise dos manuscritos, já que as imagens
geradoras do texto final só podem encontrar-se na mobilidade do movimento criador,
cujos índices estão registrados nos rascunhos de Brazil.
Palavras-chave – Elizabeth Bishop, Estudos Culturais, Crítica Genética

ABSTRACT
Elizabeth Bishop (1911-1979) with her singular writing style was invited by Time Life to
write a travel book, and the editors as co-authors changed the text in an extent that Bishop
did not recognize that work as hers. The analysis of Brazil will be based in two theories:
the Cultural Studies will allow a dialogue between the created images and the discourse
the author has about herself, because taking place in a border space, she is perceived as
a translated being who negotiated between cultures; on the other hand, the Genetic
Criticism will allow the manuscripts analysis in order to see how Bishop understood
Brazilian culture, as we know that first images are placed in the creation process
movement, which trail are registered in the drafts of Brazil.
Key words – Elizabeth Bishop, Cultural Studies, Genetic Criticism

Acompanhar o movimento criativo é capturar instantes da intimidade do autor com


seus próprios pensamentos, em especial, aqueles direcionados à realização de
uma obra. Ao escrever o livro Brazil, a autora Elizabeth Bishop (1911-1979) se
mostra em dois momentos de tensão, um que perpassa a relação escritor e
escritura, e um outro que se coloca na relação obra e leitor. Esta pesquisa se
insere do campo da crítica genética, sendo então capaz de revelar um pouco do
que se passa nos bastidores desta criação, buscando flagrar sua mobilidade
através de índices que apontam para o que se passa nas fronteiras entre o
pensamento e o suporte que lhe dá materialidade. Escritora norte-americana que
permaneceu no Brasil entre as décadas de cinqüenta e setenta, Bishop teve como
fontes inspiradoras de seu trabalho várias experiências vivenciadas neste espaço.
Muito do que viu e aprendeu foi transformado em poesia. Ganhadora de diversos
prêmios de literatura, seu prestígio e escrita singular fizeram com que, no início da
década de sessenta fosse convidada pela Time Life para escrever um livro de
viagens, com a proposta de cobrir em 151 páginas a vastidão do Brasil, tocando
aspectos de sua política, história, geografia, cultura, povo e artes.
Pensando nas diversas relações que podem envolver a criação de uma obra,
surge a questão: o que significava aceitar uma proposta como essa para uma
escritora conhecida notadamente por sua arte de escrever poesias? Sabia, de
antemão, que não ficaria muito satisfeita em trabalhar ao lado dos editores da
Time Life, que se colocariam como co-autores daquela obra. Porém, a
possibilidade de viajar para os Estados Unidos por conta da editora e a quantia a
ela oferecida foram atrativos que tornaram a proposta irrecusável. Ao terminar
aquele trabalho, logo o rejeitou, como aponta a pesquisadora Regina Przybycien
(1993) em sua tese de doutorado, na seção intitulada Brazil, o livro renegado.
Através de cartas, nota-se um descontentamento de Bishop com as modificações
sofridas pelo texto, as quais o transmutaram em um retrato de Brasil que não
aprovava totalmente, principalmente no que se refere ao uso da linguagem. Em
uma carta endereçada à amiga May Swenson, revela um pouco do que seria esta
série de livros de viagens:

A idéia deles é apresentar as idéias preconcebidas que eles têm de um país sem nenhuma
interferência. Eu insisti que devia haver pelo menos uma página de fotos de animais, [...] –
cortaram tudo. E no entanto – na véspera de eu voltar para o Brasil eles estavam começando
a preparar rapidamente um livro sobre a África, e estavam todos se babando com umas fotos
coloridas de leões, zebras etc. – porque eles já sabem que na África não existem leões. Não
tem nenhum interesse por preguiças, jibóias... tamanduás, borboletas, orquídeas [...]
(BISHOP, 1995, 716)

Esse trecho é revelador de como a editora apropriou-se do prestígio que o nome


Bishop ecoava, usando-o bem ao gosto do que Michel Foucault chama de função
do autor, que “é caracterizar a existência, a circulação e a operatividade de certos
discursos numa dada sociedade” (1992, 21). As mudanças no texto foram
acompanhadas por uma recusa das sugestões de fotografias para ilustrar o livro,
assim como de suas notas explicativas. O processo de escritura, então, se revela
em duas etapas: uma, produzida inteiramente por Bishop, e uma outra, que sofre
interferências dos editores. Segundo Nestor Canclini, quando tecnologias
avançadas “intervêm criativamente no registro e reprodução da arte, a fronteira
entre produtores e colaboradores se torna mais incerta” (1998, 38). O estudo
genético possibilita emergir os conflitos do nascimento desta obra, os quais se
colocam no que Cancilni define como a maneira moderna de fazer arte, que seria
através de uma liberdade condicionada. Mas Bishop, acostumada a fechar-se em
sua “torre de marfim” e ter liberdade para criar sem interferências, não se adaptou,
de fato, a esse novo estilo de criação:

... Não adianta bancar o Flaubert (se bem que não sei escrever de outra maneira), já que
depois vai tudo passar pelo moedor de carne deles, segundo o contrato, e vai sair igualzinho
a tudo que eles publicam, independentemente do que eu tiver escrito... só espero que valha
os 9 mil dólares que vou ganhar – por enquanto não parece que vai valer, não. (BISHOP,
1995, p 435).

O ato de criar, tratando-se de uma obra artística ou não, está permeado por
momentos de prazer e desprazer e esse percurso nem sempre se constrói de
forma pacífica. Nota-se que Bishop mantém conflitos com o fazer e refazer dessa
obra e preocupações com o público leitor. O ato de corrigir todos os exemplares a
serem distribuídos a seus amigos brasileiros é um índice da tensão e da angústia
sofridas. O trabalho criativo pode, então, estar envolvido por incertezas que
demonstram como a criação pode se tornar um ofício árduo e cansativo, como
coloca a pesquisadora Cecília Salles em seu Gesto Inacabado (2000, 82).
Estratégia para aliviar as tensões, o projeto poético da autora é, muitas vezes,
exposto em cartas aos amigos, onde estão expressas suas angústias em relação
a esta obra. Preocupava-se principalmente porque estaria assinando algo não
inteiramente seu, além de estar expondo seus pensamentos em forma de prosa
num livro de viagens que tem como característica informar e descrever. Se a
literatura funciona como o único lugar onde se pode ser livre, como postula
Northrop Frye, era como se a artista tivesse vestido uma camisa de forças ao ter
seu processo criativo limitado. Em correções ao texto modificado pela Time,
preocupou-se em empregar uma linguagem menos generalizante, como se pode
observar em manuscritos que compõem a criação do capítulo nove, que
originalmente teve o título de Individuals and Groups1 e alterado pelos editores
para A Changing Social Scene2:
Page 114, Col 1, 2nd paragraph. I said "Brazilians are proud of their fine record in race
relations". Why not keep it that way? You have “Brazilians have great pride in...” etc.
Either change to what I said, or change “have” to “take”3 (BISHOP, 1961, s.p.).

Para acompanhar a palavra orgulho, Bishop sugere verbos que carregam uma
noção de transitoriedade, suavizando o sentido da frase com em ‘estar’ ou ‘tornar-
se’; em contraposição, os editores usam o verbo ‘have’, que empresta à frase um
sentido de posse, permanência. Ao ter seu texto alterado, não viu alternativa
senão negociar, para que pudesse tê-lo o mais parecido possível às idéias
anteriormente elaboradas. Desaparece o espaço lúdico de onde podia lançar
livremente seus pensamentos, o que ocorre em conjunto com uma igual perda do
direito de usar uma linguagem mais amena no que se refere a questões culturais.
Quando trata de times de futebol brasileiro, Bishop fala de um senso de grupo que
é perdido, e mais uma vez os editores usam o artifício da generalização, ao
empregar o quantificador “all”: “page 117 Col 2 – please change to “lose their
sense of team play” – “all sense” seems unnecessarily unkind.”4 (BISHOP, 1961,
s.p.). A preocupação aqui se mostra mais em relação ao sentido do que ao
aspecto material da língua. Pode-se contrapor a este estilo mais jornalístico “uma
certa relação autoconsciente da linguagem para consigo mesma”, a qual Roman
Jakobson diz existir (EAGLETON apud JAKOBSON, 2003, 135). Se a linguagem
1
Trad.: Indivíduos e Grupos.
2
Trad.: Uma cenário social em transformação.
3
Eu disse : "Os brasileiros estão orgulhosos de seu refinado antecedente em relações raciais ". Por que não
deixar desta forma? Vocês colocaram: “Os brasileiros têm grande orgulho em...” etc. Ou mude para o que eu
disse, ou mude “ter” por “ficar”.
4
Por favor, troque para “perdem o senso de grupo” – “todo o senso” parece-me desnecessariamente
grosseiro.
poética torna o signo, de certa forma, palpável, há um deslocamento de seu objeto
e o foco da atenção volta-se para qualidades materiais e não para o seu conteúdo.
O que leva a crer que o espaço poético talvez fosse para Bishop um lugar
confortável de onde podia lançar suas idéias sobre o Brasil, já que ali o signo
poético tem “independência como objeto de valor em si” (EAGLETON, 2003, 135).
Afinal, em poesia o que está em primeiro plano são, principalmente, as próprias
palavras, e não o que é dito, por quem, para que finalidade e em que situação
(ibid.,135).
Acostumada a criar em um mundo em que o elemento lúdico lhe oferecia
possibilidades infinitas, lhe foi nesta obra tolhida a liberdade, se vendo diante de
um jogo com regras fixas. Silvia Anastácio, principal estudiosa do processo de
criação de Elizabeth Bishop, reforça o aspecto lúdico no fazer artístico da autora,
refletido principalmente pela criação do poema Sestina, sobre o qual se compraz
ao demonstrar em cartas o seu modo de realização, através de encaixe de peças
como num quebra-cabeças. Fazer poesia para ela era entrar num universo mágico
no qual ser livre era participar de um jogo em que as regras eram por ela mesma
estabelecidas, pois “jogar é sempre estar na aventura com palavras, formas,
cores, movimentos. O artista vê-se diante das possibilidades lúdicas de sua
matéria” (SALLES, 2000, p 85).
A releitura do livro Brazil é uma tentativa de buscar pistas para corroborar uma das
hipóteses desta pesquisa, de que o espaço literário era usado como um meio de
construir imagens, jogar com elas, imprimindo-lhes uma visão de Brasil que
Bishop tinha ‘medo’, receio ou vergonha de assumir, e talvez por isso tenha
renegado esta obra. Talvez por estar ali, numa linguagem com um estilo mais
jornalístico, portanto mais direta, a real visão que tinha do país que lhe abrigara,
do local onde encontrara um lar, afeto e um estúdio para se dedicar à sua poesia.
Ao realizar este trabalho, Bishop com certeza não havia mudado seu estilo de
escrita, porém agora buscando adaptar-se à proposta da Time Life, pois os livros
sobre os diversos países deveriam seguir o mesmo padrão. Teve, então, que
deixar um pouco de lado todas as possibilidades que a língua lhe oferecia, e ficar
mais presa à informação a ser transmitida, pois fora para isso que havia sido
contratada. Mas parece que a literariedade falava mais alto dentro de si, que pôde
conferir certa suavidade à escrita do livro, mesmo que, como a própria Bishop
dizia, esta obra tenha passado pelo “moedor de carnes” da Time Life.
Logo na introdução, assinada por John Moors Cabot, há uma pista de como os
editores, se percebendo como auxiliares indispensáveis no processo de
construção do livro, interfeririam naquela obra: “The magnificent picture essays
supplement Miss Bishop’s brilliant text in order to bring the reader a better
understanding of our South América sister republic.”5 (BISHOP, 1967, 7). A Time-
Life, ao interferir livremente na escritura, insere na imagem de Brasil a idéia de
proximidade com os Estados Unidos. Demonstrando também um estilo
tendencioso, apresenta um Brasil que imita modelos hegemônicos ou que revela
imagens exóticas, bem ao gosto dos que assumem uma postura colonizadora. A
Time Life, neste contexto, entra como um intermediário que visa o lucro, e
subordina, então, o valor estético às tendências do mercado. A escolha do artista
fica restrita e limitada à demanda mercantil. Sobre o processo de criação em que
vários colaboradores interagem, Canclini coloca que:

Em meio a essas tensões se constituem as relações complexas, nada esquemáticas, entre o


hegemônico e o subalterno, o incluído e o excluído. Essa é uma das causas pelas quais a
modernidade implica tanto processos de segregação como de hibridização entre os diversos
setores sociais e seus sistemas simbólicos. (1998: 40/41).

Propor a Elizabeth Bishop a escritura desse trabalho é querer elevar esta obra a
um estatuto de arte através do papel que a escritora representa no contexto
literário. Ainda através das reflexões de Canclini, pode-se dizer que a arte é, nesta
esfera, “uma área privilegiada de investimentos”. Assim, “mudar as regras da arte
não é apenas um problema estético: questiona as estruturas com que os membros
do mundo artístico estão habituados a relacionar-se, e também os costumes e
crenças dos receptores (CANCLINI, 1998, 40).
Escrever um livro de viagens que trata de um país subdesenvolvido pode parecer
uma ação que dá visibilidade a este espaço, tirando-o do campo das ausências.
Porém, cabe desacomodar essa idéia de seu lugar confortável e começar a

5
Tradução: A magnífica redação que acompanha as figuras complementa o brilhante texto de Bishop para dar
ao leitor um melhor entendimento de nossa república-irmã da América do Sul.
questionar como as imagens são articuladas, se revelam um Brasil que segue os
modelos impostos pelos países hegemônicos (neste caso específico, pelos
Estados Unidos), se usam as imagens que se repetem desde o primeiro olhar
estrangeiro lançado sobre esta terra (que geralmente veicula uma imagem de
exotismo) ou se ambicionam desvelar aspectos do Brasil nunca conhecidos por
outros países estrangeiros. A globalização e suas técnicas, movimento que
deveria ser capaz de aumentar as possibilidades de experiências, funciona, neste
caso especifico, para impor uma ação re-colonizadora, revistando os lugares
periféricos e lançando o mesmo olhar dos antigos colonizadores. Sobre este modo
de olhar, Przybycien menciona que

a visão de Elizabeth Bishop do Brasil aproxima-se dos viajantes estrangeiros, sobretudo dos
naturalistas e etnógrafos {Darwin, Wallace, Bruce.} [...]. O estrangeiro, ao chegar, traz
consigo a expectativa de encontrar uma paisagem exuberante que corresponde a essa
imagem, tecida ao longo dos séculos [...]. Bishop lera várias dessas narrativas antes e
depois de se estabelecer no Brasil, de sorte que sua visão do país em parte é mediada por
essa literatura. Na introdução ao livro de viagem que pretendia escrever conta como chegou
a idéia de viajar à América do Sul (1993, 42-44).

Nota-se, então, um olhar filtrado pelas impressões de outros pesquisadores, os


quais, muitas vezes, eram também estrangeiros. Um olhar que se coloca num
entre-lugar, pois Bishop, produto voluntário do movimento diaspórico, será vista
neste trabalho como um ser de fronteira, que escolheu o espaço brasileiro para
viver e para dele retirar material para sua poesia (pois como mencionara em uma
carta, saía sempre de “mãos cheias”), mas que mantinha suas raízes bem
fincadas em solos americanos, como se pode ler em um de seus últimos poemas:
“Dear, my compass still points North” (BISHOP apud ANASTÁCIO, 1999, 186).
Estados Unidos, está também marcada por histórias de deslocamentos e
reterritorializações, o arcabouço teórico dos estudos culturais promove um diálogo
entre elementos presentes em seu livro de viagens e o discurso que faz de si,
sendo possível assim travar um confronto entre a imagem de brasilidade por ela
criada e seu papel de escritora como intelectual, que acredita-se possuir uma
responsabilidade com as idéias que faz circular num determinado grupo social. O
autor Edward Said (2000), em suas Representações do Intelectual, discute
posicionamentos que o intelectual pode ter, os quais foram definidos como
profissional (na acepção de cooptado, que ganha a vida com a intelectualidade,
porém, seu compromisso não é com a sociedade, mas com a empresa para quem
trabalha) e amador (aquele em que a motivação não vem do lucro ou recompensa,
mas por amor a interesses maiores, assumindo os riscos da esfera pública). Assim
sendo, é possível que o confronto entre a produção de um discurso sobre a
brasilidade e o discurso para falar de si possibilite visualizar essa postura
intelectual. Se, na concepção do texto apontado, o intelectual não pode estar
rendido aos objetivos de um governo ou de uma corporação, e se por outro lado,
ninguém é auto-suficiente que possa se desviar destas relações, suspeita-se que
Bishop, neste contexto, guarde em si traços que a identificam com os dois tipos de
intelectual propostos por Said. Autora que circulava em espaços de poder, mas
que, por outro lado, prezava por ser livre no seu fazer artístico, ao se mostrar
indignada em relação à publicação do livro Brazil e à interferência dos editores no
texto final, demonstra, de uma certa forma, resistência aos discursos
hegemônicos, o que leva a supor que, como um ser traduzido, se colocava num
entre-lugar, travando negociações entre duas culturas distintas. O "homem
traduzido" (termo utilizado por Salman Rushdie que vem etimologicamente do
latim, significando transferir, transportar entre fronteiras) é um produto das novas
diásporas e pertence a dois mundos diferentes. Bishop sofreu o que Hall chama
de duplo deslocamento, “uma descentração de lugar no mundo social e cultural
quanto de si mesmo” (2000, 39). Ainda é Stuart Hall quem diz que “a identidade
surge de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’ a partir de nosso exterior, pelas
formas através das quais nos imaginamos ser vistos por outros [...] procuramos
recapturar esse prazer fantasiado de plenitude” (2000: 39). Pensando no fato de
que as identidades não são escolhidas, mas inscritas nas relações discursivas de
poder específicas nas quais são construídas (Foucault, 2007), há nesta pesquisa
dois momentos de identificação de identidades: uma que se detém na construção
do Outro, e uma outra, não tão aparente, que faz estas construções apontarem
para a própria autora. Deduz-se que, ao lidar com poesia, foi possível a Bishop
jogar com o espaço e cultura brasileiros em um campo artístico, pois o lugar
literário confere ao escritor liberdade de criação. Em contraposição, o livro Brazil
deveria ter uma linguagem com traços mais jornalísticos, portanto mais direta.
Traz, assim, em suas muitas páginas, de forma mais transparente, as idéias que a
autora tinha sobre o país, as quais, muitas vezes, preferiu não tornar públicas.
Talvez por isso tenha se envergonhado dessa obra.
Em busca de perceber como foi a relação de Elizabeth Bishop com o local que
escolheu viver e que muitas vezes chamou de lar é que sua escritura pode revelar,
através de presenças e ausências, os pensamentos e sentimentos que tinha em
relação à essa terra, assim como a maneira como se colocava em uma posição de
superioridade, pois ao aliar-se à revista Time Life para representar o Outro,
emprestava seu nome às idéias ali presentes e se inseria em um espaço de poder
no qual o subalterno, não tendo voz, fica passível, mais uma vez, de uma pintura
com as cores do exotismo. Na contemporaneidade, percebe-se que o limiar entre
o estético e o mercado é bastante tênue. Como ícone da literatura americana,
Elizabeth Bishop escreve sobre o Brasil, vendendo para a Time Life seu fazer
artístico, o que certamente atrairia mais leitores para a revista. Contratar uma das
poetas mais destacadas no cenário do modernismo americano para a escritura
desse livro parece ser, então, uma tentativa de elevar também esse trabalho ao
estatuto de arte. Um trabalho que, partindo de um espaço que se situa abaixo da
linha do equador, mostra em sua escritura momentos vacilantes ao fixar a cultura
brasileira em imagens para consumo americano. É então percebida neste trabalho
como uma intelectual que, no momento da elaboração do livro Brazil, falava a
partir de um espaço marginal, e sua voz, dirigindo-se para o centro, foi moldada e
sintonizada seguindo os mesmos padrões melódicos que seus compatriotas
estavam acostumados a ouvir: a voz do estereótipo.

Referências
ANASTÁCIO, Silvia Maria Guerra. O Jogo das imagens no universo da criação de
Elizabeth Bishop. São Paulo:Annablume, 1999.
BHABHA, Homi. A outra questão: o estereótipo, a discriminação e o discurso do
colonialismo. In: O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila et al. Belo Horizonte:
UFMG, 1998.
BISHOP, Elizabeth. Brazil. New York: Time Life, 1967.
______. Drafts of Brazil. Massachusetts: Houghton Library, Havard University, 1961.
______. Uma arte: as cartas de Elizabeth Bishop. São Paulo: Companhia das letras,
1995.
CANCLINI, Nestor Garcia. Das utopias ao mercado. In: Culturas Híbridas. São Paulo:
Edusp, 1998.
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Veja, 1992.
HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu
da Silva; Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
______. Identidade Cultural e Diáspora. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
______. Da diáspora. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
MILLIER, Brett C. Elizabeth Bishop: Life and the Memory of It. University of California
Press, California, 1993
PRZYBYCIEN, Regina M. Feijão Preto e Diamantes: O Brasil na Obra de Elizabeth
Bishop. Tese de doutorado apresentada ao departamento de Letras da UFMG, Belo
Horizonte, 1993.
SAID, Edward. Representações do Intelectual. Lisboa: Colibri, 2000.
SALLES, Cecília. Gesto Inacabado: Processo de criação artística. São Paulo: Annablume,
2000.
SANTOS, Boaventura Sousa. Para uma sociologia das ausências e uma sociologia das
emergências. In: SANTOS, Boaventura Sousa (org.). Conhecimento prudente para uma
vida decente. São Paulo: Cortez, 2004.

Estudante do Mestrado no Programa de Pós-Graudação em Estudos de


Linguagens. Graduação em Língua Estrangeira pela Universidade Federal da
Bahia (2002).

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