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São Paulo, domingo, 23 de junho de 1996

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O filósofo Paulo Arantes


desenrola o "fim da meada"
FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O Fio da Meada", novo livro de Paulo Arantes, com


lançamento previsto para o início de julho, tem tudo
para desconcertar qualquer leitor e detonar uma
sequência de mal-entendidos talvez sem precedentes
na vida intelectual do país, sobretudo a que gravita em
torno da Universidade de São Paulo.
A começar pelo subtítulo aparentemente
despretensioso, "uma conversa e quatro entrevistas
sobre filosofia e vida nacional", o livro dá a impressão
de que se ocupa de matéria ligeira, mais adequada à
divulgação pela mídia do que destinada à exigência de
rigor que pauta a atividade filosófica na escola em que
o autor se formou.
Como uma das tarefas que se cobra hoje do jornalista
é a de facilitar a vida do leitor, não custa dizer que,
antes de ir à conversa que dá título ao volume, o
melhor é começar pelo fim, lendo as quatro entrevistas
já publicadas, duas pela Folha, uma por "O Estado de
S. Paulo" e outra pela revista "Teoria & Debate".
Instruída por elas, fica facilitada a compreensão, nada
fácil, do texto principal.
Mas, então, do que se trata?
"O Fio da Meada" nasceu originalmente como uma
entrevista em que o autor se dispôs a explicar à
editora da Paz e Terra, Christine Roerig, e às
professoras da Faculdade de Letras da USP, Iná
Camargo Costa e Maria Elisa Cevasco, as razões que o
levaram a reunir em livro uma série de ensaios
redigidos entre 1975 e 1983 sobre as origens
intelectuais e os desdobramentos da dialética
hegeliana na vida ideológica alemã, alguns já
publicados de forma esparsa e outros que
permanecem inéditos.
"O Fio da Meada" deveria ser assim apenas um
posfácio a este livro temporão, que a mesma Paz e
Terra deve lançar em setembro sob o título
"Ressentimento da Dialética" (é óbvia a relação com
"Sentimento da Dialética", de 92, em que o autor passa
a limpo as obras de seus mestres Antonio Candido e
Roberto Schwarz, encontrando ali o fio vermelho da
dialética na experiência intelectual brasileira).
Ocorre que a entrevista, como reconhece o próprio
Paulo Arantes, saiu dos trilhos, desandou. O resultado,
difícil de definir, é extraordinário e não tem similares
na vida intelectual brasileira. Se fosse possível resumi-
lo numa frase, diria que este "Fio da Meada" é uma
espécie de dramatização irônica do trabalho filosófico
na atualidade num país periférico.
Avançando um pouco mais, é como se o livro
reproduzisse, por força de sua construção formal, o
andamento da vida intelectual no Brasil, numa espécie
de ziguezague vertiginoso, em que a descontinuidade
entre os assuntos e a permanente tensão entre níveis
de cultura, capaz de colocar num mesmo parágrafo
Hegel e Adoniran Barbosa (com conhecimento de
causa nos dois casos), acabam mimetizando aquilo
mesmo que é o "assunto" do autor há pelo menos 20
anos, quando começou a tratar dos "alemães".
Tal efeito, como se sabe, é próprio das obras de arte.
Não é descabido afirmar que aquilo que parece ser
apenas da ordem do escárnio ou uma simples

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brincadeira neste "Fio da Meada" é exatamente o que


constitui a sua força. Um pouco como a armação
formal dos romances de maturidade de Machado de
Assis, vista como o ponto cego do escritor, constituem
sua genialidade, na leitura de Schwarz.
O ponto de fuga do livro, se fosse possível nomeá-lo
tão depressa, é a aposta radical de que vivemos hoje
uma espécie de desmanche da vida nacional, o
instante terminal de uma "construção interrompida"
(para usar o título de um livro de Celso Furtado, caro
ao autor), que por sua vez corre paralela à percepção
aguda de que a atividade filosófica no país também
desandou e caiu na completa irrelevância no momento
mesmo de mostrar os frutos de um longo aprendizado,
feito em seu período de formação (processo que o
autor descreveu em seu "Um Departamento Francês
de Ultramar - Estudo sobre a Formação da Cultura
Filosófica Uspiana", de 94).
Nada é menos óbvio do que esse duplo diagnóstico,
cujos termos estão devidamente implicados um no
outro pelo autor, num momento em que o governo (e
todo mundo atrás dele) acredita num novo ciclo
modernizante para o país e a filosofia parece estar
funcionando a todo vapor, extrapolando inclusive os
limites da universidade para ocupar lugar de destaque
no repertório da indústria cultural.
Numa espécie de dupla contramão, não é à toa que
tanto Fernando Henrique Cardoso como
principalmente seu amigo, o filósofo José Arthur
Giannotti, sejam os alvos mais visados por Paulo
Arantes. Mas não como indivíduos que estariam sendo
injustamente trucidados por um espírito de porco,
como vão entender muitos, e sim enquanto figuras
que, por razões várias, acabaram concentrando em si
todo um processo social que agora dá sinais de agonia.
Para melhor situar o projeto que move o autor, vale
relembrar o que diz Roberto Schwarz num ensaio
publicado pelo Mais! em outubro de 95, em que
analisa tanto a força renovadora como os limites da
leitura de "O Capital", de Marx, feita no início dos anos
60 por um grupo que tinha em Giannotti e FHC duas
figuras de proa.
Escreve Schwarz que, a despeito das descobertas
revolucionárias do grupo para se entender o Brasil, o
marxismo ali cultivado tinha pelo menos três
problemas sérios:
1) era desenvolvimentista, ou seja, estava mais
preocupado em achar uma saída para o Brasil do que
em acompanhar a crítica de Marx ao fetichismo da
mercadoria; 2) ignorava a importância dos pensadores
frankfurtianos, cujo marxismo sombrio apontava para
o lado degradante da mercantilização da cultura; 3)
mantinha também uma certa indiferença em relação
ao valor de conhecimento da arte moderna, inclusive a
brasileira, fazendo com que os achados teóricos do
grupo ficassem devendo muito em termos de fatura e
construção literária, coisa que não se via na geração
anterior de Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto
Freyre, cujas obras estavam engatadas na tradição
modernista.
Tudo isso somado, conclui Schwarz, inviabilizou que o
grupo pudesse escrever algo como uma "Minima
Moralia" a partir da experiência brasileira.
Salvo engano, a força do livro de Arantes é a de
prestar contas, um a um, a todos os déficits apontados
por Schwarz ao analisar o marxismo uspiano,
reinvestindo-o assim de uma carga negativa e uma
radicalidade que só encontra paralelo na obra do
próprio Schwarz.
"O Fio da Meada" é, neste sentido, senão uma "Minima
Moralia", a matéria bruta a partir da qual ela possa um
dia ser escrita. Até porque um livro tão "do contra"
não poderia nunca surgir num momento de afirmação
da vida nacional, mas num instante de desintegração e
descenso, como Arantes julga ser o atual.
Não é por outro motivo que "O Fio da Meada" se
encerra com uma longa digressão sobre o que deve e o

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que pode fazer um intelectual no Brasil de hoje,


discussão inspirada e remetida a todo instante às
lições e aos problemas levantados pelas "Minima
Moralia", ao mesmo tempo em que desautoriza essa
mesma remissão.
Um livro, em suma, que, ao mergulhar no balanço de
uma vida intelectual e sair dele como quem tem as
mãos vazias, põe por isso mesmo os cinco dedos na
ferida. Uma obra-prima, provavelmente a maior da
cultura brasileira desde que Schwarz lançou "Um
Mestre na Periferia do Capitalismo".

Texto Anterior: ERZA POUND; GERTRUDE STEIN;


JABUTI; VARGAS LLOSA; POESIA 1; POESIA 2;
SEMINÁRIO; LANÇAMENTO; FILOSOFIA;
SUPLEMENTO
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