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Documento: 1787612 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 12/02/2019 Página 2 de 4
Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.765.579 - SP (2017/0295361-7)
RECORRENTE : SOCIEDADE BENEFICENTE MUCULMANA
ADVOGADOS : ALBERTO LUÍS CAMELIER DA SILVA E OUTRO(S) - SP113732
FABRIZIA GUEDES RICCELLI ALLEVATO SILVA - SP222865
BEATRIZ MARQUES RANGEL - SP368808
OSMAR MENDES PAIXAO CORTES - DF0015553
RECORRIDO : GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA
ADVOGADOS : EDUARDO BASTOS FURTADO DE MENDONÇA E OUTRO(S) -
RJ130532
MARIANA CUNHA E MELO DE ALMEIDA REGO - RJ179876
FERNANDA D'ABREU LEMOS - DF038641
RELATÓRIO
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Nas razões do especial (e-STJ fls. 413-424), a recorrente alega a violação dos
seguintes dispositivos, com as respectivas teses:
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 1.765.579 - SP (2017/0295361-7)
EMENTA
VOTO
1. Da contextualização da demanda
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Cuida-se, na origem, de ação indenizatória ajuizada pela Sociedade Beneficente
Muçulmana, ora recorrente, contra a Google Brasil Internet Ltda., ora recorrida, objetivando a
remoção de vídeos contendo a música "Passinho do Romano", disponíveis na página eletrônica
do YouTube, sob a alegação de ostentarem conteúdo ofensivo à religião islâmica em virtude do
uso indevido de passagens do Alcorão.
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subjetivos dos muçulmanos, mas não é um desrespeito à liberdade de crença
religiosa ou ao sentimento religioso, nem ato que rompe os limites do exercício da
liberdade artística.
Aliás, como os direitos fundamentais se estendem a todos, a
insatisfação da comunidade religiosa pode se manifestar no próprio campo do
exercício da liberdade de expressão, sobretudo por meio da crítica, o que é
inerente ao jogo democrático de uma sociedade plural.
A insatisfação não constituirá razão suficiente, porém, para
provocar a tutela jurisdicional do Estado e materializar um mecanismo de censura
(...)" (e-STJ fls. 299-300).
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(i) a suposta omissão quanto aos motivos para priorizar o direito à liberdade de
expressão em detrimento do direito à proteção da liturgia e da crença religiosa, e
Com efeito, nos termos do art. 489, § 1º, IV do CPC/2015, decisão não
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fundamentada é aquela que não enfrenta todos os argumentos deduzidos no processo capazes
de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Não é o caso do autos.
"(...)
Os autores da canção teriam mixado a declamação de trechos
ao Alcorão, livro sagrado para os muçulmanos, ao ritmo da música, o que,
segundo a autora, é ofensivo à religião e seus fiéis, já que as palavras do
livro sagrado somente podem ser recitadas em 'estado de pureza', qual seja,
dentro do contexto da adoração, da reza e do culto religioso.
(...)
A primeira indagação a se fazer é se a música em questão, sob a
perspectiva de seu conteúdo, torna-se ofensiva ao se aproveitar de partes do
Alcorão para compor sua trilha sonora.
(...)
Estivesse caracterizado plenamente, na letra da canção, discurso
de ódio ou discriminatório, seria possível reconhecer de pronto a existência de ato
que extrapola o limite tangível da liberdade de expressão, e a consequente
necessidade de fazer prevalecer a inviolabilidade da crença religiosa. Não é o
caso, e a recorrente bem sabe disso.
Em verdade, sua tese é a de que a inserção dos trechos em
canção de estilo e letra obscenos ou libidinosos, ainda que sem a intenção
direta de atingir os muçulmanos, seria suficiente para caracterizar a
propalada ofensa.
O que se observa, entretanto, é que a letra é singela e
destinada ao mero entretenimento dos fãs do estilo, não fazendo qualquer
referência expressa à libidinagem, ao obsceno e ao ilícito. Tão somente por
ser uma canção de 'funk', não se pode concluir, como faz a recorrente,
tratar-se de um estilo 'libidinoso'.
A assertiva sugere apenas a realização de um pré-julgamento
subjetivo por parte da apelante.
Mas, ainda que presentes no teor da canção os temas
repudiados pela recorrente, a falta de uma referência clara ou ligação direta
com a religião enfraquece a tese de que existe na música uma ofensa.
Haveria, para tanto, a necessidade de se demonstrar a existência de um
liame claro a revelar a intenção de ridicularizar ou escandalizar a fé alheia,
que está ausente de modo evidente na espécie.
E indo mais além, mesmo na hipótese de existência de uma
crítica direta ou ofensa, ainda haveria a necessidade de um juízo de
ponderação entre princípios, com o sopesamento entre a intensidade da
restrição à liberdade de crença e a importância da realização do direito à
liberdade de expressão que com ela colide" (e-STJ fls. 295-299 - grifou-se)
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"(...)
À interpretação foi confiada a tarefa de encontrar o resultado
constitucionalmente correto, por meio de um procedimento racional e controlável,
e de motivar esse resultado de um modo igualmente racional e controlável,
realizando, assim, condições de certeza e previsibilidade do direito. Na realidade,
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constitucionalmente correto é o resultado considerado aceitável, tolerável, que se
crê não haver superado os limites daquilo que se pode tratar como racionalmente
motivado. Segurança jurídica e certeza do direito, por sua vez, significam que é
legítima a expectativa de que cada decisão interpretativa será tomada com base
no direito. É justamente essa certeza, todavia, que torna possível a previsibilidade
como abertura para um futuro no qual, independentemente da decisão que será
tomada, saber-se-á como se comportar." (Argumentação jurídica a partir da
Constituição. In: Seminário Teoria da Decisão Judicial: 23, 24 e 25 de abril de
2014, Brasília, DF, Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários;
coord. cient. Ricardo Villas Bôas Cueva - Brasília: CJF, 2014, págs. 121-122)
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Ao comentarem a norma em foco, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart
e Daniel Mitidiero lecionam o seguinte:
Acerca da controvérsia, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery entendem
que a ponderação ali prevista deveria se restringir a normas relacionadas a direitos
fundamentais e princípios constitucionais, pois, em suas palavras,
Georges Abboud e Júlio César Rossi, por sua vez, são contundentes em defender
até mesmo a inconstitucionalidade do § 2º, argumentando que
"(...)
Há incompatibilidade substancial entre o que preceitua o artigo
489, § 2º, do Código de Processo Civil e o que determina nossa tradição em
fundamentar toda a decisão judicial e administrativa, colocando em colapso a
recém (e ainda mal compreendida) estrutura do próprio Código, notadamente ao
negar vigência aos artigos 10, 11, 489, § 1º, 926 e 927.
A ponderação de regras - genuíno caso brasileiro - limita-se a uma
decisão subjetiva do aplicador na medida em que escolheria de forma ad hoc,
diante de um caso (ou de uma tese, como querem os vanguardistas), o qual das
regras seria afastada em face desse sopesamento. Mais precisamente, ao
ponderar regras, torna-se possível ao julgador afastar determinada prescrição
legislativa sem realizar o controle de constitucionalidade da lei. Esse afastamento,
sem a intermediação do controle difuso de constitucionalidade, é impensável em
uma democracia. Daí a inconstitucionalidade do § 2º, ele é um paradoxo porque
se trata de dispositivo legal que pode dar vazão a uma aplicação do direito nos
padrões da escola de direito livre, criticada desde P Heck." (Riscos da
Ponderação à brasileira. In: Revista de Processo. vol. 269. ano 42. São Paulo:
Ed. RT, julho 2017, pág. 135)
"(...)
O primeiro passo é saber se se trata de conflito entre regras ou
entre princípios.
Segundo Alexy, para solucionar um conflito entre regras é
necessário que uma das regras integre uma hipótese de exceção à outra, ou
então que uma delas seja invalidada e expurgada do ordenamento, em nome da
subsistência da outra, verificando-se, pois, se a regra está dentro (como exceção)
ou fora (por invalidação) do ordenamento. Dessa forma, constatada a contradição
entre 'juízos concretos de dever-ser', se ela não pode ser sanada com a inserção
de uma 'cláusula de exceção' em uma das regras, então se deve decidir qual
delas deve ser invalidada.
Essa não é, contudo, a solução para a colisão entre princípios.
Nesses casos, um princípio não é tomado como exceção ao outro e nenhum
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deles precisa ser invalidado. Na verdade, em uma 'dimensão de pesos' (e não de
validade), considera-se que, nas situações concretas, os princípios têm pesos
distintos e que o princípio que mais pesar tem preferência em relação ao outro -
caso em que o conflito e sua solução se situam dentro do ordenamento." (In:
Curso de Direito Processual Civil, vol. 3, Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, págs.
373-374)
§ 1º O ato não será repetido nem sua falta será suprida quando
não prejudicar a parte.
Por outro lado, não cabe a esta Corte Superior, a pretexto de apreciar
recurso especial baseado apenas na alegada violação do art. 489, § 2º, do CPC/2015
adentrar o mérito da ponderação entre duas normas constitucionais, sob pena de se
exceder na sua atribuição de uniformizar a interpretação da legislação federal.
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Introdução às Normas do Direito Brasileiro;
De início, é de se ponderar que o caso vertente não possui solução jurídica trivial
no âmbito da hermenêutica constitucional. Na verdade, haja vista a peculiaridade da matéria,
poderia ser classificado como o que se convencionou chamar de "hard case".
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seu convencimento pela prevalência da liberdade de expressão.
Nesse sentido:
Desse modo, tendo em vista que o recurso em análise não aponta a violação de
nenhuma norma infraconstitucional de direito material relacionada à demanda indenizatória
proposta pela Sociedade Beneficente Muçulmana - tais como as previstas, por exemplo, no
Marco Civil da Internet e no Código Civil -, é impossível o reexame do mérito. Incide, por
analogia, o óbice da Súmula nº 284/STF.
Dispositivo
É o voto.
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Relator
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MOURA RIBEIRO
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. MARIA SOARES CAMELO CORDIOLI
Secretário
Bel. WALFLAN TAVARES DE ARAUJO
AUTUAÇÃO
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SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). ALBERTO LUÍS CAMELIER DA SILVA, pela parte RECORRENTE: SOCIEDADE
BENEFICENTE MUCULMANA
Dr(a). EDUARDO BASTOS FURTADO DE MENDONÇA, pela parte RECORRIDA: GOOGLE
BRASIL INTERNET LTDA
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial apenas quanto ao
pedido de decretação da nulidade do acórdão recorrido e, nesta parte, negou-lhe provimento, com
majoração de honorários, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e
Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
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