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Universidade

de Brasília
Instituto de Artes

Departamento de Artes Visuais


Programa de Pós-Graduação em Arte

Reitora: Márcia Abrahão
Vice-reitor: Enrique Huelva


Diretor do Instituto de artes: Ricardo Freire
Vice-diretor: Marcus Mota

Chefe do departamento de Artes Visuais: Marcelo Mari

Vice-Chefe: Gregório Soares



Coordenador da Pós-Graduação em Arte: Belidson Dias
Vice-coordenadora: Daniela Garrossini

Organização: Suzete Venturelli



Capa: João Lucas

Conselho Editorial
Antenor Ferreira Correa
Biagio D’Angelo
Marcus Mota
Nivalda Assunção


ISBN: 978-85-89698-52-8

2
Pesquisa_Criação







Suzete Venturelli (org.)





Brasília
2017

3
Sumário
7
Alexandre G. Q. Rangel
Desdobramentos criativos das oficinas do projeto CODE MUZIK

Anésio Azevedo Costa Neto 15
Projetos de terra: cerrado em confluência poética

Breno Abreu 25
Projeto interdisciplinar e metodologia: a relação entre biologia,
design e arte

Daniel Hora 37
Crítica, ativismo e mídia algorítmica: operações da diferença na arte
e tecnologia hacker

Fernando Nisio 48
Transanimação: vida acadêmica x vida pessoal. Morte // Tempo //
Finitude

Ianni Barros Luna 58
Notas sobre som – pesquisas em poéticas relacionais

Janette Dornellas 64
A história da ópera em Brasília e os desafios da contemporaneidade

João Lucas 76
Sobre a InDisciplina da Colaboração

José Loures 99
A regra 34 e Pacman: a representação e versatilidade sexual de um
círculo

Laura Virgínia 110
Dança nos Arquivos, guardar ou desaparecer?

Leonardo Motta Tavares 117
palavra = imagem: uma poética das relações entre o visível e o
legível

Lívia Zacarias Rocha 126
5
Crítica, ativismo e mídia algorítmica:
operações da diferença na arte e tecnologia hacker

Daniel Hora20

O que se apresenta aqui é um relato a respeito de trilhas percorridas e rotas vislumbradas


para a sequência de uma travessia de investigação no campo das artes. Reflito a partir da
perspectiva subjetiva, sem a intenção de atribuir-lhe completa exclusividade. Certamente, a trama
em questão reserva convergência em pontos de interesse reconhecidos por outros pares –
sobretudo aqueles que lidam com arte digital, artemídia, arte e tecnologia e outros termos
congêneres. Em outra parte, porém, o caminho se distingue pela singularidade das linhas e vetores
com que me aproximo desses nós – e desse nós. Pela coincidência com os roteiros de outros pares
ou por sua falta, penso haver um elemento constante de associação dos temas com os quais tenho
lidado como pesquisador e professor. Tal elemento é a crítica – em sua conjunção com a arte, o
pensamento e a a tecnologia.
Na etimologia e na prática, a crítica é processo de distinção. Vejo nisso algo característico
não só do pensamento, como também da arte e da tecnologia. Pois a crítica envolve cisão (ante o
todo) e decisão (em torno de uma parte, que se enaltece ou se detrata). No campo artístico, Luiz
Camilo Osório (2010, p. 21)⁠ resume a crítica ao ato de circunstanciar “os fins pertinentes a cada
âmbito” da produção humana, colocando em questão seus recursos de convencimento. Nesse
sentido, técnica, lógica e retórica estão imbricados em um ato que alcança a ciência e a ética,
conforme tratado com mais evidência a partir do Iluminismo e da filosofia de Immanuel Kant. Mas
esse ato se encontra exemplarmente realizado em referência (ou pela inerência) às artes visuais,
performáticas, sonoras ou literárias. Pois, nesses campos, a crítica regula a notoriedade, seja da boa
ou má reputação. Ampara ou justifica a sedução ou repulsa provocada por uma obra, segundo a
oscilação das afecções que essa obra produz, atreladas às decorrências de usos estritamente
técnicos ou discursivos (dialógicos e dialéticos).
O evento de origem da crítica de arte não se sabe estipular exatamente. Especialmente se
consideramos que nossa época se reconhece em grande medida pela marca deixada por um (não)
paradigma de crítica da origem. Queiramos ou não estar de acordo, a suspeição pós-moderna tem
seu impacto. Com ele, os inícios, quando muito, se reinstauram (e reprogramam suas bases e
decorrências) conforme a maneira como são procurados. Nessa acepção, mais uma vez, manifesta-
se a proximidade com o tecno-lógico. Pois a premissa técnica e sua consequência produtiva
marcariam um reincidente fazer instaurativo, conforme a dimensão tecnogenética admitida por
autores como Bernard Stiegler (1998)⁠, em contraponto à antropogênese. Em lugar da precedência
absoluta e a essencialidade do agenciamento humano, a própria técnica passaria a ser reconhecida
como condição originária de estabelecimento do ser em instâncias antrópicas e não antrópicas.
Isso de fato ocorre nas artes. Sobretudo quando são consideradas desde uma perspectiva
voltada à articulação com aquilo que escapa de seu suposto domínio de especificidade. Em
retrospecto, essa disposição difusa ou integradora é herdeira dos antecedentes clássicos e
medievais da crítica de arte (res)surgida na modernidade, os quais são ligeiramente citados por
Kerr Houston (2013)⁠. Tratava-se antes de um genérico falar sobre arte, em sua interpretação

20
Professor Adjunto do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisador bolsista
do Programa Nacional de Pós-Doutorado da Capes (2015-2017) e pesquisador colaborador do Núcleo de Estética,
Hermenêutica e Semiótica - NEHS, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de Brasília. Doutor em Arte Contemporânea pela Universidade de Brasília. Pesquisador visitante no
Departamento de Artes visuais da Universidade da Califórnia - San Diego, como bolsista do programa Capes-Fulbright
de doutorado sanduíche nos EUA. Mestre em Arte pela Universidade de Brasília, especialista em Crítica de Arte pela
Universidad Complutense de Madrid e bacharel em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo. Vencedor do
prêmio Rumos Itaú Cultural Arte Cibernética de 2009, na categoria de pesquisa acadêmica.
37
concorrente com a de outros assuntos do amplo repertório da existência e da produção. Essa
prática encontrada em autores como Plínio, o Velho, adquire depois um caráter discursivo
condensado e específico. Seus enunciados se destinariam desde então a clivar conjuntos de obras
históricas ou concomitantes a determinada atualidade, considerada a visibilidade ampliada que
essas produções assumem ante um público crescente de massas e multidões. Procede desse
processo aquilo que se conhece como crítica de arte há três séculos.
Entretanto, essa dinâmica é instável desde sua aparição. O giro em favor da autonomia da
arte, como prática e como peculiaridade para o discurso, não se fixa. De forma notadamente
crítica, a ascensão da crítica moderna não impede (até mesmo provoca) a reverberação episódica,
no entanto, intervalada dos aspectos de sua intersecção parcial ou inserção abrangente em uma
paisagem heteronômica. Comprovam-no as derivações de modelos idealistas, materialistas,
fenomenológicos, psicanalíticos, vitalistas e semióticos, entre outros. Neles a arte e a sua crítica
aparecem atrelados a questões de verdade e subjetividade, economia e política, consciência e
inconsciente, corpo, signo.
Para completar o devir de um estado crítico da crítica, tais imbricações discursivas
também comparecem absorvidas, cada vez mais, na retórica conceitual dos propositores e
propagadores das próprias obras de arte. Entre os primeiros estão incluídos artistas e curadores.
Entre os últimos se encontram também curadores, além de críticos, arte-educadores, galeristas,
órgãos de imprensa e de publicidade. A dispersão discursiva, em ambas as frentes, acaba
excedendo os limites de recepção atenta e consequente do público interessado, conforme James
Elkins (2003)⁠. Disso resulta a polarização entre uma pretendida conscientização pervasiva e uma
dissipação mercadológica forçada pela falsa consciência. De um lado, o processo poderia satisfazer
o desejo de uma comunidade efetivamente engajada pelo senso crítico compartilhado. De outro,
haveria a formação de uma comunidade ludibriada sob um ilusionismo crítico ilegítimo, orientado
no fundo aos interesses de acumulação pela alienação do trabalho e manipulação do consumo.
Diante de variações e consequências dúbias, outro enlace da crítica ainda se estabelece
diretamente com a operacionalidade da mídia e da tecnologia. Quando um aparato surge e altera a
ecologia geral dos objetos de mediação, a arte e a sua crítica não costumam ficar incólumes. Há o
impacto da fotografia, um divisor largamente discutido. Assim como houve o impacto mais
longínquo do desenvolvimento dos sistemas de escrita e da prensa tipográfica. Bem como há o
recente impacto da telemática, sobre o qual cabe aqui um comentário específico relacionado à
música.
Entre 1999 e 2001, o serviço de compartilhamento de arquivos em rede par-a-par Napster
instituiu a vasta disponibilidade telecomunitária de coleções musicais. Assim, reduziu a
necessidade de intermediários, colocando em xeque a continuidade da indústria fonográfica nos
moldes em que fora constituída décadas antes. Uma economia, por sinal, com base na mesma
mídia (o fonograma) que deslocou as circunstâncias tradicionais de produção e comércio sonoro na
passagem do século XIX para o XX. Pois essa transição afeta o sistema da música então vigente,
articulado em torno do recurso de memória expandida, conseguido com a sofisticação das notações
em partitura derivadas do trabalho de Guido d’Arezzo, dez séculos atrás.
Levanto aqui algumas reflexões pertinentes extraídas do caso Napster21. Em termos
críticos implícitos na experiência histórica dessa plataforma, é possível observar uma tendência de
coletivização da fruição estética, experimentada naquela e depois em várias outras plataformas
subsequentes de mídias sociais. Essa relação está intrincada com a crítica. Pois as distinções
voluntárias ou adestradas se mostram indispensáveis ao colecionismo reticular de acervos digitais
de música, literatura e artes em geral.


21 A plataforma Napster foi objeto de trabalho de conclusão do curso de graduação em comunicação, realizado por este
autor no ano 2000, na Universidade de São Paulo.
38
As escolhas correspondentes envolvem a separação afetiva do que se dispõe ou se busca
encontrar por ser julgado prazeroso. Tais opções são acompanhadas pela expectativa ou a efetiva
adesão em torno de preferências, adotadas para fragmentar a multidão indistinta em subconjuntos
distintos de massas de potenciais consumidores. Na atualidade, essa espécie de autoanálise
inconsciente do gosto se converte em trunfo nas mãos de empresas que direcionam novos produtos
e serviços aos nichos identificados.
Essa compreensão coincide com o frequente debate acerca do declínio da exclusividade da
voz dos especialistas em diversas áreas de conhecimento e atividade. Um impacto imposto pela
acensão de uma miríade de vozes diletantes que alcança espaços de participação e consumo
produtivo, sobretudo desde os BBSs, fóruns virtuais, listas de correio eletrônico e sua expansão
atual nas mídias sociais. De tal maneira, o exercício da crítica contagia uma série de práticas
culturais, que vez ou outra podem tratar da produção artística com relevância ou frivolidade.
Por essa razão, infere-se a necessidade de uma constante cisão e decisão na própria
discursividade que se propõe a cindir e decidir. Uma ação que pode se ocasionar a partir de dentro
da crítica, mas que necessariamente remete a sua interseção ou referência ao fora. Ainda em
instâncias não menos relevantes, esse procedimento também se revela entranhado no fazer
artístico, como comprovam poéticas da chamada crítica institucional. A de-cisão passa a incluir o
direcionamento a fatores (intra- e extra-) artísticos, como também sucede aos exemplos
ambivalentes derivados da mediação e da tecnologia observada nos arranjos culturais
contemporâneos. Aponta-se aqui um pensar com arte, conforme sugere Ricardo Basbaum (2016)⁠.
Mas tanto o pensar quanto a arte devem ser reconceituados a partir dos avanços tecnológicos que
os afetam, de maneira isolada ou em sua conjunção.

Campo expandido cibernético-reticular

O sistema das artes é por si mesmo um efeito crítico. Desde a modernidade, distingue
determinadas produções humanas em confronto com outras. Inicialmente, pintura, escultura,
arquitetura, música e poesia se separam dos ofícios artesanais, das ciências, das religiões e de
outras atividades práticas (KRISTELLER, 1951, 1952)⁠. No entanto, essa fronteira se rompe e se
infiltra conforme se dá o incremento tecnológico dos meios, bem como o incremento mediático da
tecnologia. De uma parte, as disciplinas tradicionais são impactadas ou, então, absorvidas e
alteradas por novas técnicas mecânicas e informacionais da indústria. De outra parte, as próprias
engrenagens do maquinário são adotadas como meios de expressão.
Para tratar dessa dinâmica, há um esquema crítico de triplo confronto entre a arte, a
tecnologia e a mídia. Essas vertentes deságuam em posicionamentos específicos, porém,
intercambiáveis, conforme são comentados por Stephen Wilson (2002, p. 26-30)⁠. Primeiro, há a
linhagem das poéticas baseadas nas primeiras vanguardas do modernismo, que procuram propor
sua atualização no período contemporâneo. Em segundo lugar, há uma corrente pós-modernista
dedicada à desconstrução. Por último, aparecem as práticas de exploração e expansão da
tecnologia.
As poéticas de inspiração modernista resultam em trabalhos com proposta revolucionária e
de autonomia. Almejam adentrar o campo consagrado da arte, recorrendo a uma certa
indiferenciação entre versões tecnológicas e tradicionais das mídias e plataformas institucionais.
As práticas resultantes constituem uma via analógica ou aderente às estruturas dadas de
automação, em paralelo à produção industrial e à discursividade científica. Em retrospectiva, os
procedimentos exemplares dessa primeira linhagem procedem da fragmentação da perspectiva
pelo cubismo e o interesse pelo dinamismo mecânico no futurismo, para alcançar as poéticas da
arte generativa. Essa corrente corresponde a experimentações plásticas que dialogam com a agenda

39
científica e o avanço dos meios de comunicação – indústria gráfica, fotografia, fonografia,
telecomunicações.
Conforme Wilson (2002) alerta, entretanto, a postura de vanguarda modernista tem suas
limitações. Engana-se nas suposições de domínio sobre aparatos. Pois estes tendem a prevalecer e
cooptar a arte em seu desempenho. Ilude-se quanto à sua aceitação nas instituições estabelecidas,
quando na verdade costuma ser em grande parte rejeitada. Obriga-se ainda ao combate contra o
risco de ofuscação de suas poéticas pelos produtos da indústria cultural, baseados nas mesmas
tecnologias e geradores de experiências sensoriais concorrentes.
Já as poéticas de inspiração desconstrutivista “examinam e expõem os textos, narrativas, e
representações que fundamentam a vida contemporânea”22 (WILSON, 2002, p. 27). Ou seja,
denunciam os discursos derivados do poder regido pela ciência e tecnologia e expresso em
contextos culturais associados. Isso diz respeito tanto à indústria da mídia quanto ao processo de
representação próprio da arte. Por essa perspectiva, a arte oferece reflexões divergentes da
racionalidade, como se fosse um “parasita”.

Podemos tomar como ascendentes desconstrutivistas a ironia da antiarte23 e o uso de materiais


encontrados pelo cubismo e Dada. Um segundo exemplo são os questionamentos das contradições
da realidade por meio da expressão do inconsciente no surrealismo, a apropriação dos ícones e
procedimentos da cultura de massas pela arte pop. Há ainda as práticas anticomerciais, de
intermedialidade, conceitualismo e fusão entre arte e banalidade cotidiana na rede Fluxus. Esses
modelos influenciam a net.art de Vuk Cosic e jodi, além de outras táticas de apropriação, desvio,
pirataria e interferência, conforme se vê em artistas como Cory Arcangel.
Por fim, há a trilha exploratória das poéticas que se assumem inseridas em um contexto
amplo de pesquisa e desenvolvimento tecnocientífico. Em vias para- ou contra- científicas, podem
ser aglutinadas produções tecnicamente intencionadas, que buscam atualizar a noção da arte como
“zona de integração, questionamento e rebelião, para servir como centro independente de inovação
e desenvolvimento tecnológico”. Com essas obras, espera-se a oportunidade e habilidade de
percorrer as “linhas não lucrativas de investigação e pesquisa”, estranhas às “prioridades
disciplinares” (WILSON, 2002, p. 28).
A opção exploratória requer um embasamento científico voltado ao avanço e à descoberta,
embora possa estar combinada com doses de desconstrução dos textos e narrativas da tecnologia
emergente e da arte. Pode-se, então, incluir entre os antecedentes destas práticas a arte cinética, o
cinema experimental e a videoarte, que expandem a sua linguagem na medida em que investigam a
aparelhagem em que se baseiam. Suas influências são sentidas na arte cibernética de Nicolas
Schöffer, Roy Ascott e Waldemar Cordeiro, nas explorações da inteligência e vida artificial por
Karl Sims e na bioarte de Eduardo Kac.
É plausível a associação de cada posicionamento do esquema de Stephen Wilson a modos
peculiares de relação da arte com a especifidade do tempo situacional de seus próprios
acontecimentos (autônomos e autopoiéticos) ou a generalidade do acontecimento das situações
temporais (heteronômicas e alopoiéticas). Pois a inspiração modernista atua em termos de
superação do passado e instituição do novo, em uma situação paralela aos rumos da tecnociência.
A linhagem desconstrutivista desconfia do presente e do futuro, recorrendo a comparativos com
fatos esquecidos ou alternativas marginais de encaminhamento. Por fim, o posicionamento
exploratório vislumbra o devir das consequências da atualidade, participando de modo mais ativo
em um exercício de projeção especulativa.


22 As citações de textos em idiomas estrangeiros são apresentadas em tradução de minha autoria.
23 O termo antiarte se refere às produções que desafiam as definições aceitas da arte. Atribui-se a Marcel Duchamp a
introdução desse conceito por volta de 1913, quando o artista realiza seus primeiros ready-mades. A antiarte é associada
inicialmente ao movimento Dada e depois à rede Fluxus e ao conceitualismo, entre outros exemplos.
40
Esse fluxo trans-histórico é uma composição instável. Privilegia em maior grau as
perspectivas de desconstrução e exploração. Nesse sentido, as obras artísticas ocorrem em lugar de
arsenais e armas, produtos e serviços de entretenimento ou de consumo, a exemplo do caso
Napster citado acima. São exemplos as formas e volumes virtuais percebidos a partir de objetos e
luzes dinâmicas na Construção Cinética – Onda Ereta (1919-20) de Naum Gabo, no Modulador
Espaço-Luz (1923-30) de László Moholy-Nagy, nos aparatos cromáticos e cinéticos de Abraham
Palatnik ou nas instalações interativas de Lucas Bambozzi ou da dupla Christa Sommerer e
Laurent Mignonneau.
Outros casos envolvem o movimento dos objetos que reverberam as atualizações da
virtualidade da imagem, como as Placas de Vidro Rotativas – Ótica de precisão (1920) e os
Rotorrelevos (1935) de Marcel Duchamp. Os dispositivos em que se fundamentam essas trabalhos
expressam uma alteridade operacional irrestrita. Ou seja, a tecnologia instalada, já acomodada ou
destinada aos interesses de poder, recupera seu devir reprogramável. Demonstra-se cindível e in-
decidível. Pois sua ruptura distingue algo em caráter provisório, aberto a futuras rescisões.
Mas ao privilegiar a desconstrução e exploração, a arte tecnológica não descarta o molde
modernista. Recupera-o geralmente para ironizar sua proposta de inovação. Em lugar do avanço
ambicionado, articulam-se trabalhos que caminham no sentido da retaguarda ou do retrofuturismo.
Pois se comportam como pré-, pós-, proto-, para- ou hiperindustrial. São obras-eventos,
configuradas por contratempos situacionais no seio da arte, bem como por situações intempestivas
no contexto da não arte. Em projetos do coletivo Gambiologia e do californiano Paul DeMarinis,
por exemplo, colocam-se em jogo táticas do faça-você-mesmo anárquico (e também do faça-junto
e do faça-com-outros), da remontagem a partir do elemento encontrado, da obsolescência
prorrogada e do materialismo especulativo em direção a futuridades hipotéticas.

Nessas variantes, encontra-se um sentido crítico de disrupção. Trata-se de um recortar (e


reatar) correspondente à etimologia e à prática da produção hacker24. Pois hackear (to hack) é
literalmente o ato de abrir uma fenda, fissurar, com auxílio de uma ferramenta de lâmina
penetrante, como um machado ou picareta. Desse entendimento deriva a conotação adquirida na
telemática, em que hackear significa adentrar ou intervir em um sistema ou rede computacional,
com ou sem permissão, de maneira física ou lógica.
Com a intervenção hacker, configura-se um campo expandido cibernético. Nele,
reajustam-se as decorrências da diferenciação pelo binário natural e tecnológico, bem como pela
polarização entre imediato e mediado. Em analogia com o modelo pensado em referência à
escultura pós-modernista por Rosalind Krauss (1979), a ação hacker se expande. Pode ser
considerada tanto “na biologia quanto na política, tanto na computação quanto na arte ou na
filosofia”25 (WARK, 2004, parag. 75).
Assim, a arte e o pensamento crítico refazem seus vínculos sob a influência dos fluxos
tecnológicos e mediáticos que atravessam os seus territórios. No mesmo ato, são percorridas
adjacências ou ambientações da ciborguização, da virtualização da esfera pública e do realismo


24 Os dicionários de língua portuguesa registram apenas o anglicismo hacker que designa o “ indivíduo obcecado por
computadores e programas; pessoa que se introduz em sistemas informáticos alheios, já com objetivos ilícitos, já por
gosto da aventura e da experimentação” (GEIGER; ET AL, 2013)⁠. Na falta de aportuguesamento ou registro de
derivações da palavra, adoto a expressão hackeamento como tradução para os substantivos equivalentes à ação (hacking)
dos hackers e ao seu resultado (hack). Utilizo ainda a forma flexional to hack como hackear, verbo que teria conjugação
semelhante à de recensear.
25 A relação entre arte e produção hacker é tema de pesquisa deste autor. O trabalho se inicia em 2008, na Universidade
de Brasília, e resulta em dissertação de mestrado em artes em 2010. Nesse período, a pesquisa recebe o prêmio Rumos
Arte Cibernética, Itaú Cultural, edição 2009. Entre 2011 e 2015, o tratamento do tema é direcionado especificamente à
estética e filosofia da arte, com a elaboração de tese de doutorado defendida no mesmo programa de pós-graduação,
incluindo período de estágio sanduíche na Universidade da Califórnia em San Diego. A partir de 2015, outras frentes de
investigação são abertas em temporada de pós-doutorado no Núcleo de Estética, Hermenêutica e Semiótica do Programa
de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UnB, com apoio financeiro da Capes.
41
especulativo filosófico. Além disso, o pensamento se modifica. É reconfigurado segundo modelos
computacionalistas ou conexionistas de mentalidade – estruturados ora pela manipulação
simbólica sistêmica da informação, ora pela capacidade de emergência interativa e reticular de
fenômenos de inteligência ou vitalidade artificial.

Produção da diferença: materialismo e linguagem

Apesar de bastante ampla e variada, o que singulariza a ação hacker? Ela consiste na
produção da diferença. É, portanto, ato crítico de cisão e decisão ante um sistema. Essa acepção é
extraída de autores como McKenzie Wark (2004) e Tim Jordan (2008)⁠. Ambos consentem na
adoção da mesma perspectiva, não obstante, a divergência quanto ao alcance conotativo da
expressão. Para Jordan, a produção (hacker) da diferença é tecnológica, no sentido mais estrito da
vinculação com a telemática, em termos técnicos e socioculturais. Para Wark, no entanto, a
tecnologia já é em si diferencial. Pois constitui-se como ciclo consecutivo de abstração, entendida
como atualização (histórica) de aspectos correspondentes ao seu próprio campo virtual de
intensidades.
Wark propõe fundamentação filosófica inspirada no pensamento de Gilles Deleuze. Por
sua orientação matemática e biológica, a diferenciação26 deleuziana facilita a compreensão de uma
generalidade perplexa de instâncias produtivas – pensamento, ciência, natureza, arte, política. Com
isso, requisita-se uma amplitude crítica que possa lidar não apenas com a participação
multitudinária, mas que consiga, sobretudo, conjugar sua interpretação com a autopoiese natural e
artificial. Pois a participação multitudinária tende a gerar uma diluição gradativa do fenômeno
social da arte em inúmeros pontos reticulares de emissão e recepção. Por sua vez, a autopoiese
orienta a automação de sistemas generativos que propiciam o alastramento da morfogênese e de
performances não antropocêntricas.
Pela atualização do virtual, a diferenciação na produção hacker pode, portanto, estabelecer
uma intermediação entre o conexionismo e o computacionalismo. De um lado, absorve a
operacionalidade rizomática que se compõe com a interação maquínica socioambiental,
sociocultural e cibernética. De outro, sustenta uma capacidade distribuída de auto-organização
produtiva sistêmica, corporificada em carbono, silício ou hibridações. Esse efeito ambivalente,
sobre o hardware e o software, pode ser observado nas propostas de nomes como Eva & Franco
Mattes, UBERMORGEN.COM e Julian Oliver.
Um exemplo específico seria o projeto Border Bumping (2013, Fig. 1), em que Julian
Oliver aborda o descompasso entre a gestão de frequências eletromagnéticas e os movimentos
interterritoriais de objetos e corpos físicos. O trabalho é composto por um aplicativo para
aparelhos celulares, capaz de traduzir no redesenho de fronteiras a discrepância existente entre o
alcance das ondas e a demarcação dos mapas. Na movimentação entre dois países, as linhas de
divisão são retraçadas de acordo com a rede operadora acessada pelo aparelho, de modo atrasado
ou antecipado à própria presença física de seu usuário em determinado território.
Além da articulação entre o multitudinário e o generativo, as obras-eventos da arte hacker
dissolvem barreiras físicas e lógicas. Desconstroem a aceleração capitalista impregnada nos lacres
físicos ou nos ciclos de obsolescência programada dos aparatos, que reforçam a instabilidade
temporal dos elementos constitutivos da produção artística. De modo correspondente, exploram as
virtualidades para além das padronizações comerciais e da restrição legal das liberdades de

26 Conforme já registram os dicionários de língua portuguesa, a palavra diferenciação abrange os dois sentidos
distinguidos por Deleuze (1993)⁠ com o uso dos homônimos franceses différentiation (com t, para cálculo diferencial) e
différenciation (com c, para o estabelecimento de diferenças como na biologia). Cito aqui a opção dos tradutores
brasileiros Luiz Orlandi e Roberto Machado, que propõem o neologismo diferençação para assinalar a referência ao
cálculo diferencial, enquanto a diferenciação se aplica à distinção de diferenças. Com a diferençação, perde-se porém a
fonética idêntica da disparidade ortográfica usada no original em francês e mantida na versão inglesa.
42
apropriação crítica, adaptação, compartilhamento e redistribuição para usos regulados por
interesses difusos.
Afirma-se portanto uma reciprocidade crítica. Com ela a produção da diferença depende
tanto da espacialização material, quanto da temporalização de procedimentos sequenciados, sem
pretender a precedência ou a finalidade última de uma ou de outros. Conforme o pós-
conceitualismo de Peter Osborne (2013), as obras-eventos constituem-se como agregados de
múltiplas instanciações reflexivas, inscritas em uma serialidade virtualmente infinita. Nesse
sentido, haveria na arte hacker uma manifestação contundente da confluência contemporânea entre
a crítica de arte e a arte crítica – a colaboração do pensamento sobre a arte (estético, crítico,
curatorial) com o pensar com arte (poético e cultural).

Figura

1: Border Bumping (2012), de Julian Oliver. Fronteira redesenhada entre França e Inglaterra.
Fonte: http://borderbumping.net/map/

De volta a McKenzie Wark, é preciso ainda questionar a opção predominantemente


deleuziana de sua teoria de produção hacker da diferença. Um espectro ronda a dinâmica de
abstração apontada pelo autor: o espectro “figurativo” suportado pela corporificação obtida da
conexão entre intensidades, ou seja, a materialidade assumida pela linguagem. Nesse sentido,
contrapor Jacques Derrida ao trabalho de Wark torna-se bastante sugestivo. Porque essa referência
pode indicar caminhos de ponderação crítica sobre as insuficiências existentes não só na teoria da
diferenciação, como também na própria diferensa (differánce)27 derridiana. Conforme Claire
Colebrook (2011, p. 6)⁠, a “desconstrução é um engajamento com a realidade das essências
instáveis e de uma matéria que não possui formas intrínsecas”. Com isso, pode-se entender que a
imaterialidade dos processos de produção da diferença não é uma ilusão a ser descartada. É um
efeito decorrente das vicissitudes inconstantes do mundo físico.


27 Ante as diferentes tentativas de solução da dificuldade de tradução da différance para o português (OTTONI, 2000)⁠,
utilizo a palavra diferensa, sublinhada em itálico. Assim mantenho o sentido da alteração gráfica que, no francês, não
resulta em distinção fonética em relação à forma normal da différence. Ao mesmo tempo, com o itálico, saliento o caráter
inconclusivo desta alternativa frente às demais que possam existir. Ottoni cita, por exemplo, as alternativas diferância,
diferência, diferança, difer-ença, diferensa, diferænça, differença, diferêça, e dipherença.
43
É preciso então indagar em que grau o pensamento da diferença do primeiro autor seria
compatível ou incompatível com o do segundo. Especificamente, quando se leva em conta a
produção hacker em sua inserção artística ou em sentido amplo. Como se sabe, a différance é um
neografismo que Derrida introduz na língua francesa para resgatar os valores de adiamento de uma
decisão, distanciamento espacial e dissenso das origens etimológicas do verbo différer (diferir). A
intervenção gráfica de Derrida visa ao estabelecimento de uma différance no âmbito conceitual da
própria différence. Ao instituir um desvio que não pode ser percebido pela leitura, o autor pretende
ainda a desconstrução do predomínio da compreensão fonética da linguagem escrita, desvelando a
carga de fonocentrismo que se articula com o logocentrismo (predomínio da razão) e o
falocentrismo (predomínio do masculino).
Desde as consonâncias e dissonâncias entre Derrida e Deleuze dois percursos se
anunciam28. Na trilha aberta por Wark, vislumbra-se a duplicidade do fenômeno de produção da
diferença pela arte hacker. De uma parte, sua diferenciação é avaliada como virtualidade
operacional e conceitual que é enfrentada como problema. De outra parte, é vista como o processo
de atualização de latências da virtualidade, com capacidade de reconfigurar a própria virtualidade.
Nessa dupla acepção, a arte hacker se apresenta tanto como configuração de um campo de
virtualização, das potencialidades ou proposições estéticas, quanto performance que extrai
soluções (ainda que provisórias) do virtual para a fruição e participação factual do público. A partir
disso, a arte hacker seria entendida como um evento de manifestação da vitalidade proveniente de
um sistema cíclico de produção da diferença a partir da diferença.
Por sua vez, a referência de Derrida orienta o questionamento sobre a ação de
desconstrução da tecnologia pela arte, como modo de reativação estética da significação
disseminante de sua operacionalidade. Conforme a diferensa, a arte hacker é uma variação de
ocorrências distintivas das ligações inevidentes, porém, consistentes da escritura entre o sensível
da grafia (do traço, do rastro) e o inteligível (das regras subjacentes à operação) da arte hacker.
Pelo rastro, intensidades são retidas, reemitidas e dispersadas.
Essa compreensão da produção da diferença implica a noção do distanciamento temporal e
espacial, que alicerça a distinção entre práticas avançadas de laboratórios de pesquisa e de táticas
experimentais em estruturas precárias de contextos sociais de base. Por fim, a diferensa constitui-
se como discursividade das dissidências entre as várias opções de produção da diferença
tecnológica.
Avalio a produção da diferença e a diferenciação da produção como termos correlatos
aos sentidos de espaçamento e de temporização, recuperados por Derrida (1991)⁠ em sua reflexão
sobre a diferensa (différance). Pois, na arte hacker, a obra-evento (da cisão e decisão da diferença
tecnológica) apresenta-se ao se inserir em campos de uma arquiescritura que vai além da escrita
peculiar. Sustenta assim a possibilidade de retomada consecutiva da enunciação, conforme Derrida
(1973)⁠.
Assim como os motivos para a falha ortográfica na diferensa (différance), interferência
gráfica inaudível na leitura mas presente enquanto marca, o processo de transgressão da arte
hacker não costuma ser totalmente percebido sensorialmente. Essa transgressão requisita o que
Derrida (p. 39) apresenta sobre a temporização: a “mediação temporal de um desvio que suspende
a consumação e satisfação do 'desejo' e da 'vontade'” de alcançar uma efetuação pelo sensível. Por
analogia, um procedimento inserido em uma tecnologia modera o seu efeito, conforme se movem
as dinâmicas correspondentes ao contexto técnico-cultural, funcional e social.

28 Em obituário escrito por ocasião do suicídio de Deleuze, Derrida (1995)⁠ reconhece a influência recebida de seu
contemporâneo. Admite “a experiência perturbadora […] de uma proximidade e uma finidade quase total nas 'teses' […]
através de distâncias muito evidentes” naquilo que denomina “o 'gesto', a 'estratégia', a 'maneira': de escrever, de falar, de
ler, talvez”. A irredutibilidade da diferença à oposição dialética é a unidade temática que resiste às formas de discurso
peculiares de cada um dos autores. Contudo, segundo Derrida, tais discrepâncias nunca abalaram sua amizade com
Deleuze.
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As decorrências éticas e estéticas da aplicação do pensamento da diferença de Deleuze e
de Derrida são aqui indispensáveis. Pois as relações entre tecnologia e arte suportam ainda
comparativos etnocentristas, que relegam à subalternidade aquelas produções sem utilidade para os
interesses de hegemonia. Essa concepção hierárquica comete o equívoco de enquadrar os desníveis
de complexidade tecnocientífica segundo os termos de um percurso histórico modelar pelo qual
toda a humanidade caminharia (SULLIVAN, 2010)⁠.

A crise desse ponto de vista se manifesta nos vínculos da parafernália tecnológica com as
discussões que se estendem para múltiplas direções. Os tópicos de superação de barreiras naturais
no horizonte pós-humanista (geneticamente modificado ou robótico) convive com a persistência
das lutas ativistas para dar cabo à opressão social e a degradação ambiental. Por outro lado, as
tentativas de promoção de melhores condições de vida concorre com o controle biopolítico e os
colapsos financeiros que destroem a oferta ou a expectativa de bem-estar social em efeito dominó.
A resistência da arte hacker ante os poderes dominantes constitui modos de significação
que fazem transcorrer processos de ruptura e de reconfiguração do poder, em compasso com as
dobras instáveis da crescente complexificação tecnológica. A arte hacker evidencia tentativas de
emular no interior da realidade rotas de evasão, com base em virtualidade, variabilidade,
contingência, mutabilidade e simulação das mídias computacionais.

Metamídia e metacrítica

A mídia computacional traz em si mesma uma ação crítica. Pois ela também cinde e é
cindida, distingue e é distinguida, em sua referência autopoiética e alopoiética. Estabelece o
sistema operacional que se mantém ante o ambiente. Assim como se instala pela alteridade
operacional que deriva do conexionismo reticular com outros sistemas e objetos. De tal maneira, o
dispositivo algorítmico se interpõe entre sua capacidade própria de performance e a durabilidade
de sua propagação e consumo no contato com o alheio. Nesse sentido, a arte hacker apenas é
contrafação, ou infecção exógena invasora, quando abordada segundo critérios sociopolíticos
favoráveis à busca de uma ilusória plenitude do controle. De outro modo, afirma-se como
exploração livre do vir a ser da tecno-logia.
A abertura contingencial e reflexiva das máquinas algorítmicas afeta mutuamente a mídia
e a crítica, destinadas desde então a se converterem em metamídia e metacrítica. O primeiro termo
é proposto por Lev Manovich (2013) para tratar da especificidade inespecífica dos meios digitais.
Com isso, o autor segue a concepção da equivalência substitutiva da máquina universal de Alan
Turing. Além disso, absorve a contribuição de Alan Kay e Adele Goldberg (2003, p. 403)⁠, dupla
que utiliza o termo no singular, metamedium, para tratar da constituição de um dispositivo cujo
conteúdo conjugaria “uma ampla variedade de meios já-existentes e ainda-não-inventados”,
adaptável às necessidades de cada (tipo de) usuário.
Com Manovich (2013, p. 81)⁠, a forma plural (metamedia) aponta para “um sistema
semiótico e tecnológico […] que inclui em seus elementos as mais remotas técnicas de mídia e
estéticas”29. A metamídia é uma plataforma operacional abrangente e reprogramável, que facilita
usos peculiares. Cada direcionamento, porém, está virtualmente integrado à uma lógica de
intercâmbios parametrizados, com efeitos transdutores ou transcodificadores. Não se dá por acaso
a adoção cruzada de softwares, sua portabilidade ou o contágio de suas funcionalidades. Por sinal,

29 Manovich distingue a metamídia de qualquer antecedente de vanguarda que ela codifica ou expande. Essa noção é
semelhante à recombinação de referências no pós-modernismo, porém com ênfase na materialidade cumulativa dos
suportes de registro e de processamento. Conforme o autor (2013, p. 81), “Since […] cultural software turned media
into metamedia – a fundamentally new semiotic and technological system which includes most previous media
techniques and aesthetics as its elements – I also think that hypertext is actually quite different from modernist literary
tradition”.
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essa ocorrência corresponde a uma extrapolação do hibridismo de conteúdos em direção ao
hibridismo de “técnicas fundamentais, métodos de trabalho e modos de representação e expressão”
– aquilo que Manovich (2013, p. 268) denomina como “remixabilidade profunda”.
Quanto à metacrítica, autores como Edward Shanken (2011, p. 65)⁠ apontam que a mídia
computacional não se limita ao comentário ou expansão da produção artística. Ela também oferece
acessos para o exame necessário ao entendimento e transformação dos efeitos estéticos e sociais da
ciência e da tecnologia. Pois a apropriação de tais recursos “revela autorreflexivamente como a
nova mídia está profundamente atrelada a modalidades de conhecimento, percepção e interação,
sendo portanto indissociável das transformações epistemológicas e ontológicas correspondentes”.
Na arte hacker, metamídia e metacrítica são polos de reciprocidade. São termos análogos
aos aspectos de materialidade e de linguagem que se percebem na produção da diferença
tecnológica. Uma direção remete à outra. Pois a práxis material da metamídia instancia a
virtualidade metacrítica. Assim, as decorrências descritas por Shanken são apontadas por ações
como o desvio de circuitos (circuit bending) pelo coletivo Gambiologia, a invenção de máquinas
retrofuturistas por Paul DeMarinis e a provocação de interações cibernéticas inusitadas entre
corpos artificias e orgânicos propostas por Lucas Bambozzi. Essa indicação de efeitos confirma,
aliás, a teoria deleuziana da diferenciação adotada por Wark. Pois o jogo empírico subjacente a
essas poéticas satisfaz à atualização da virtualidade e lhe retribui um novo grau de problematização
e abstração.
Em ordem inversa, a discursividade linguística metacrítica contribui para a
retroalimentação das experiências de metamídia. Vale, para tanto, não só o que se pensa e se diz a
respeito da mídia na teoria crítica ou mesmo nas declarações de propositores e propagadores da
arte. Também influi o que se pensa e se diz com a própria mídia, um pensar com a artemídia.
Nesse sentido, a metacrítica subsiste em um estado de imersão parcial ou incompleta. Nessa
circunstância, agregam-se trajetórias compostas por trechos mistos, de interioridade e
exterioridade. Tais segmentos são cindidos e decididos conforme se movimenta entre diferentes
pontos, e segundo o ponto a partir do qual se observa. Com isso, a diferensa (différance) derridiana
propicia a figuração fugaz e iterável, que corporifica seu processo contínuo de repetição e
alteração sem poder interrompê-lo de vez.
Em ciclos de distensão e compressão entre as recíprocas operações materiais e linguísticas
da diferença, a arte hacker propõe, talvez, um novo exercício ativista da crítica. Com ele, torna-se
inevitável uma mútua compensação das insuficiências da sensorialidade e da inteligibilidade –
componentes incontornáveis da produção artística, segundo reconhece o pós-conceitualismo de
Peter Osborne. Por essa contrapartida, obtém-se os expedientes de in-de-cisão crítica que
viabilizam relações concomitantes de autonomia sem alienação e heteronomia sem submissão.
O ativismo da arte e tecnologia torna-se dúbio. Pois intercede por si e contra si. Contesta a
banalidade e demarca a sua distância perante ela. Mas, no sentido inverso, recusa-se à autoilusão
tecnocrática de seus benefícios. Escapa à sedução (e à sedação) resultante dos usos e abusos das
forças de tecnogênese. A reprogramabilidade algorítmica, contida na metamídia computacional,
impele a um engajamento metacrítico ante a arte e a vida.

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