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Grupo Eufonia de Literatura

Entre o poste e a árvore do pátio da Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira


[Av. Da Universidade, 2572 – 60020-181 – Benfica – Fortaleza – CE]

grupo.eufonia@gmail.com

NEMANGUE
| Editorial |

| Pátria Velha |

Este país vai todo em polvorosa!


A anarquia por toda parte impera,
a lei sucumbe inerme e dolorosa,
a tirania estúpida prospera.

Da traição medra a planta venenosa,


a semente dos ódios prolifera,
a dilapidação campeia e goza
das vacas gordas a ditosa era...

As eleições são conto de vigário,


couro e cabelo tira-nos e erário,
geme a lavoura, os bancos não têm fundos

Mas — para consolar-nos deste inferno —


brevemente a mensagem do governo
dirá que estamos no melhor dos mundos!

- Antônio Sales

Eis que chegou o segundo número do NEM. NEM Mangue. Muito


provavelmente a mente jocosa de nossos membros associarão ao tema mais à
pilhéria do que ao ecossistema. Algo totalmente compreensível em um Estado
tão fresco, tão acostumado a fazer pouco de tudo. Palhaço e comediante sem
graça é o que não falta por aqui. E que sujeito gera mais pena do que um
escritor tentando gerar graça sem ter? Então convoco a todos a mangar.
Mangar dos outros, mangar de nós mesmos, mangar com sinceridade, pois
nossa realidade já parece dura, apesar de doce. E como dizemos: rapadura é
doce mas, não é mole não, logo, a realidade é rapadura. Então ninguém
melhor do que nós para falar da vida.

Ou levando para o outro lado, temos o Mangue. Cheiro de morte, sal e


aspecto lodoso. Creio que nossas almas devam ser assim. Escritores: cheirem à
morte, conclamando seus mortos antepassados colegas de pena. Sejamos sal,
de lágrimas derramadas pela cidade, pelo Estado, pois chorar é bom. E o lodo
deve ser mantido em nossa aparência para assustar aos desavisados, sempre
querendo nos comprar com mordomias. É sabido que não podemos ceder,
qualquer mordomia matará a literatura. Cada poeta do Estado deve ser um
mangue, e em seu corpo abrigar peixes e caranguejos, afogando as almas
desanimadas e sem graça, os nossos principais inimigos: aqueles que não gostam
de nossa arte. À eles, podemos deixar apenas uma certeza: penarão com nossa
água.

| Hermes Veras |
| O Caranguejo, o seio e o amor |

Amor foi o que senti ao me deparar com a seguinte cena:


Atolada no mangue até a altura das canelas, uma moça de
aproximadamente dezessete anos se aproximava carregando uma corda de
caranguejos. Deveria ser uma daquelas que vende os crustáceos à beira da
estrada. À primeira vista não me admirei dela, seus cabelos emaranhados
escondiam parte do rosto e das roupas, assim como de seu miúdo corpo
repleto de lama.
- Moça! - exclamei - Quanto tá a corda desse bicho?
- Três e cinquenta, senhor.
- Pega uma aí pra mim, por favor.
Enquanto a menina me trazia a corda, um dos animais escapuliu e, ao
cair, agarrou-se com a pata maior no eriçado bico da mama da moça, que,
mesmo vestida com blusa grossa, soltou um grito de desespero. Apressei-me
em ajudar, mas não sabia como tirar a moça de tal situação sem tocar-lhe as
intimidades.
- Puxa duma vez não moço - dizia a coitada com olhos marejados.
- Se preocupe não, é melhor tirarmos sua blusa, como a pata está
cravada nela, deve sair. - hesitante ela concordou com um aceno de cabeça.
Com um puxão só arranquei a blusa, livrando-a do caranguejo e
deixando seus seios à mostra. Para escondê-los, a dona estugada me abraçou.
Senti sua maciez e calor junto aos batimentos cardíacos. O cheiro da lama
acompanhava o seu e por um momento não soube o que fazer, inebriado com
o odor. Após impacto tão macio, perguntei seu nome. A resposta pouco
importava, sendo Maria ou Sheirlane, vinha do mangue e no mangue eu ficaria
se ao seu lado fosse. E fiquei.

| Rodrigo Viana |
| O Mangador |

No meio do mangue,
Debaixo da mangueira,
João, o Mangador.

Não parava de mangar:


Chupava manga após manga,
Limpava a boca
(naquela parte da camisa)
Não parava de mangar.

Ouviu falar em histórias,


Quadrinhos japoneses,
Mas o que isso tinha a ver
Com mangá?

E nisso mangava de si,


Mangava consigo:

“É rosa da Bahia,
ou do Pernambuco?!
Tanto faz! Traz essa Espada!
Corta esse Coité;
Tira essa Manila;
Suga esse Coquinho;
Desce esse Bourbon;
E marca o rosto desse tal Atkins!”

Berrava loucamente,
Sob a sombra da mangueira,
João, o Mangador,
A mangar.

| Pedro Gurgel |
| Serenata interrompida |

Fábio vacilou com a Karine. Traiu-a, foi visto, chegou atrasado no dia
que foi argumentar alguma defesa e ainda deu um murro no cara que o
denunciou. Então, para tentar reconquistar Leila, só restava apelar para as
cansadas atitudes 'romantiquinhas': fazer uma serenata.
O pelotão foi formado pelos amigos que sabiam tocar alguma coisa:
Juninho no violão, André na flauta e Gabriel na meia-lua. Prometeu uma
garrafa de pinga para os músicos e, o maior erro, deu-a antes do cortejo.
Dizem as más línguas que eles já vinham melados de um boteco qualquer,
receberam o bendito litro de Fábio e rumaram, bebendo, para a casa da
donzela.
Antes de chegar à residência objetivada, eles já estavam falando aos
berros, chamando a atenção de quem dormia. Já passava de meia-noite e
quem não dormia, no mínimo, queria silêncio.
Em frente à casa da moça, o mais próximo possível da janela dela,
prepararam-se para tocar, quando chega um vizinho, rapidamente.
- Ô Fabão! Faça isso não, mah!
- Que é isso, Arthur! Eu amo essa mulher, cara! Preciso dela novamente
comigo!
- Fábio, tu já se perguntou sobre esse carro aqui na frente? O carro
tá em frente a garagem da casa da tua ex-namorada.
- Não, mah! Ela tá com raiva de mim, mas ainda me ama, não tem
outro cara com ela lá não...
- Bem, se eu fosse você não arriscaria.

Fábio e sua reca então decidiram ir embora, André começou tocar


“Lembranças”, de Nélson Cavaquinho, e sumiram da vista do vizinho solidário.

***

Meia-hora depois, o alarme antirroubo do carro estacionado na frente


da casa de Karine é acionado por uma garrafa vazia de cachaça jogada no
capô. Entre o som do alarme estridente e o barulho do litro se quebrando,
ouve-se a correria e a gritaria de quatro bêbados vândalos. O dono do
carro, que estava bebendo num bar lá perto, estava muito bêbado para correr
atrás dos meliantes, olhou para seu carro, desligou o alarme com o controle e
tomou mais uma dose.
Arthur, olhando pela veneziana da janela da frente, comemora
intimamente por ter evitado a reconciliação do ex-casal. Agora, julga ele,
terá mais chance com Karine, seu amor de infância.

| CA Ribeiro Neto |
| Sonho, sangue e América do Sul |

28 anos
Há lama no meu quintal
Não sirvo para o capital
Nem a prata, carro, luxo
Nem a pau.

| José Soares Neto |


| Manganês |

A Lucas Lima

“Está provado que só é possível mangar em manganês” - cantaria


Caetano Veloso, irônico.

| Paulo Henrique Passos |


| 38 |

Ele passou 38 anos mangando da minha feiura.


Com 38 tesouradas deixei-o tão feio quanto eu.
Não manguei.

| Hermes Veras |
| O Mangue or Linear Love |

water runs down slopes to the hollow


collecting in the delta, and shimmers
the edge of the soft mud-forest,
lapping where they meet, the trees.

water passes through the hard roots


that hang, feeding the greens that hide
iguanas in their folds, with the care
of lovers; life infused in passages.

waters sprinkle the hard bark at first


sight – an organism, sapping the dawn
moment when light covers the night –
and hope spreads like algae on the river.

a natural moment that happens to come


together, soaking the landscape with life.

| Edwin Johan Santana Gaarder |


| O bosque sombrio |

Uma chuva fria e intensa banhava toda a cidade de Lost Woods naquela
noite. Um jovem, branco como um fantasma, observava uma floresta de longe,
como se esperasse por um sinal para entrar. Ele estava totalmente encharcado
pela chuva, mas parecia nem se importar com o fato.
Perto dali, uma garota andava sozinha, no meio da estrada deserta.
Andava sozinha e sem rumo, sem olhar para trás. Ela deixara abandonado o
seu carro com um rapaz que dormia aos roncos no banco de trás. A chuva a
deixara ensopada e resfriada, mas mesmo assim ela continuava a andar, mesmo
se sentindo perdida. Todos os seus pertences estavam no carro, assim como o
seu ex-namorado louco e assassino Chuck Morgan. Nem se preocupou em pegar
nada, apenas em abandonar o carro no meio da estrada deserta, enquanto ele
ainda dormia no banco de trás devido à bebedeira.
Aquele garoto misterioso entrou na floresta com passos firmes e
decididos, movido por uma certeza que só ele conhecia, algo que só ele
conseguia ver em meio a toda aquela chuva e neblina. Ele havia perdido algo
na floresta, e estava determinado a encontrar a todo custo, a ponto de
entrar na floresta na noite escura e chuvosa, sem esperar o dia clarear e
melhorar o tempo.
Depois do que lhe pareceram horas de caminhada em meio à chuva
intensa, a garota parou em frente a uma floresta imensa, na qual avistou de
longe um garoto entrando de forma determinada e com o olhar fixo em algo
que ela não conseguia visualizar. Algo nele fez com que ela o seguisse
floresta adentro. Por uns poucos segundos de devaneio, ela pensou em um
daqueles espíritos que rondam as florestas, como os das histórias de Grimm ou
Edgar Allan Poe, com uma aparência branca como um fantasma e andar de
zumbi, como o dessas histórias. Ela parou e o observou. Ele parou também,
como se notasse a sua presença, mas ela não percebeu e se assustou quando
ele se virou e olhou para ela, fazendo-a gritar de susto.
— Estava me seguindo? Ah, desculpe, não quis te assustar.
— Me desculpe, eu estava curiosa. Estava perdida e resolvi te seguir. Se
houver problema, eu posso ir embora.
O garoto parou para cogitar a possibilidade de ter uma companhia por
perto em uma noite escura e chuvosa, principalmente porque tinha algo
importante a fazer naquele momento. Com um sorriso, ele lhe estendeu a mão
e se apresentou:
— Meu nome é Nate, e o seu?
— Samantha, ou melhor, Sam. O que você estava olhando? – perguntou
ela um pouco mais tranquila ao perceber que Nate era só um garoto normal,
não um daqueles fantasmas de histórias que lia quando criança.
— Eu procuro algo que perdi em meio a estas trevas, e você, de quem
fugia?
— De mim mesma, acho. O que você perdeu deve ser bastante
importante, para você estar procurando tão concentrado em meio a essa
chuva. Sabe que as chances de encontrar o que procura são melhores de dia,
com a luz do sol.
— Não dá pra esperar, só isso. – respondeu ele se fechando ao
apontamento de Sam, aparentemente não querendo tocar no assunto. Desde
então, ambos andaram em silêncio por alguns minutos, até ela resolver quebrar
o gelo do clima de uma quase discussão.
— Olha, me desculpa pelo que eu disse, não foi minha intenção. Eu não
devia me intrometer em seus assuntos, você deve saber o que está fazendo.
— Ah, sem problema. Talvez você estivesse certa sobre se sentir
perdida. Uma vez eu ouvi que “às vezes, é necessário se perder para se
encontrar.”
— Nunca tinha visto por este ponto.
Mais alguns minutos de silêncio se seguiram enquanto caminhavam pela
floresta. Nenhum dos dois quis admitir, mas o tempo havia parado ali dentro.
Não só a chuva havia passado, mas o tempo passava de forma muito lenta,
quase parando. Nesse momento, a única coisa na mente dela era a
preocupação com o que havia deixado para trás, seguida por um toque de
medo por estar em uma floresta escura com um estranho, embora ela tivesse
que admitir que, nesse caso, a confiança fosse um toque bem maior do que o
seu pequeno toque de medo. Tinha que enfrentar o medo lá fora, não
poderia mais adiar seu encontro com o destino.
— Bom, embora a sua companhia tenha sido agradável, tenho que voltar
à realidade. Tenho que admitir que não sabia como fazer isso. Tem um cara
com um carro e uma arma, e eu larguei esse mesmo cara no banco traseiro do
carro no meio da estrada deserta, e eu fui tão burra que saí sem um celular
nem as chaves do carro. Então eu acho que devo ir agora que a chuva
passou. Boa sorte com o que está procurando.
— Obrigada, e boa sorte em enfrentar a realidade. Se precisar, sabe
onde me encontrar.
Sam seguiu em frente, sem olhar para trás, rumo a algum lugar
qualquer. Tentaria conseguir uma carona até a cidade e um telefone, mas não
sabia exatamente para quem deveria ligar, nem para onde ir. Assim que chegou
à estrada, a primeira coisa que viu foi Chuck, andando lentamente com uma
arma apontada em sua direção. Sam voltou correndo para a floresta, mas ele
já a vira e estava em seu encalço floresta adentro, xingando e atirando.
Ela continuou correndo sem perceber onde estava indo, não conhecia a
floresta o suficiente para se manter escondida lá, nem podia continuar
correndo com um assassino em seu encalço.
Corria mais e mais em uma floresta que não tinha fim. Havia muitos
galhos que a açoitavam e lama e mangues em torno dela. Queria poder
enfrentá-lo, mas ele tinha uma arma e ela não tinha nada com que se
defender além de seu próprio corpo, fino o suficiente para se embrenhar
floresta adentro e forte o suficiente para experimentar uns truques de karatê
que aprendera na adolescência.
De repente, algo a fez parar. Seu corpo bateu com toda violência em
uma árvore assustadora, cujos galhos a cercavam como braços de um monstro.
Ao redor da árvore havia muita lama, como em um mangue incrivelmente
tenebroso no meio do nada. Sam estava muito assustada, pois Chuck logo iria
alcançá-la, e esse seria o seu fim.
Sam fechou os olhos e esperou. E esperou. E continuou esperando até
quase adormecer. Os galhos estavam se tornando escorregadios sobre os seus
braços. As árvores tremiam e se agitavam no chão ao seu redor e um grito
de raiva ecoava por toda a floresta, anunciando o seu destino.
A árvore que a segurava em seus galhos a soltou no chão lamacento,
fazendo-a cair em uma poça coberta de lama e musgo. “É agora”, pensou.
Como uma figura fantasmagórica, ela esperou para enfrentar seu inimigo,
desta vez para enfrentá-lo de frente, de preferência com os olhos bem
abertos.
Então ele estava lá, de frente para ela, encarando-a com a arma
empunhada para o rosto dela. Sam levantou-se e o encarou, toda suja de
musgo e mangue por todo o corpo. Antes que ele pudesse atirar, ela chutou
a arma para longe, deixando-o paralisado. Com um empurrão, ela o jogou em
direção a uma poça de areia movediça que estava logo atrás dele.
Ela viu Chuck sendo sugado pela areia, gritando desesperadamente por
ajuda até ser totalmente engolido pelas profundezas.
Por um momento, ela o observou, assustada, com ressentimento e culpa.
Sentiu vontade de ajudá-lo, deixá-lo sair daquela situação e ir embora para
nunca mais vê-lo outra vez. Não havia nada que ela poderia fazer para tirá-
lo de lá, ele mesmo cavou sua própria cova. Ela tinha mais era que sair
daquela floresta o quanto antes e esperar que aquele pesadelo acabasse. Iria
recomeçar uma nova vida, como outra pessoa, em outro lugar e apagar da sua
vida todas as lembranças ruins daquela vida que ela deixara para trás, naquela
areia movediça em torno daquele mangue sombrio.
Um susto repentino tomou conta dela ao ouvir uma voz ao seu lado:
— Histórias. – disse Nate ajudando-a a se levantar. – Nem sempre são
só histórias. Você deve ter deixado aquele cara com muita raiva.
— O que quer dizer com isso?
— Quero dizer que ele estava determinado a te matar, pelo menos foi o
que pareceu.
— Não isso, a parte em que você disse que “histórias nem sempre são só
histórias.”
Nate deu um longo suspiro antes de começar a explicar.
— Vou te acompanhar até a saída, no caminho eu vou te contar uma
história.
Eles estavam andando por um caminho estreito e escuro, onde as
árvores estavam bloqueando todas as entradas. O solo era lamacento e repleto
de musgo, e por onde andassem eram acompanhados por olhares estranhos e
sons de animais da floresta.
— Que lugar é esse? – perguntou Sam assombrada.
— Geograficamente falando, é uma floresta no meio do nada, em lugar
nenhum, por assim dizer. As histórias contam que o centro da floresta é
habitado por espíritos que protegem a quem necessita. Ocasionalmente era
onde você estava naquele momento em que aquele rapaz a perseguia.
— Eu nunca fui de acreditar nessas coisas até testemunhar com meus
próprios olhos o que vi hoje. Eu só não entendo como vim parar aqui.
— Talvez você precisasse ver as coisas com outros olhos, precisasse ver
a vida de outra maneira.
Sam absorveu o que Nate acabara de lhe dizer, e pensou que, mesmo
sem saber, ele estava certo sobre ela, mas isso a fez refletir sobre ele,
então perguntou:
— E você? Como veio parar aqui?
— É uma longa história. Só sei que no momento não poderei seguir até
o fim com você, mas não se preocupe, eu observarei de longe até que saia
em segurança.
Sam não insistiu no assunto, mas percebeu que havia algo no mínimo
estranho naquele garoto, ela só não tinha certeza do que era, mas sentiu
assim que o viu pela primeira vez que ele tinha algum segredo. Continuou
acompanhando ele sem dizer mais nada, apenas esperando por um caminho novo
que a levasse para fora daquela floresta.
— Há muitos caranguejos aqui, e também muita lama. Temos que ter
cuidado para não se afundar nessa lama. – disse Nate quebrando o silêncio.
— Bom, eu percebi que estamos em um mangue, embora eu tenha que
admitir que isso seja estranho.
Mais uma vez, o silêncio. Sem que se dessem conta, Sam e Nate já
haviam andado o suficiente para ver os primeiros raios de sol tocar as copas
da floresta. O orvalho descia lentamente das pequenas folhas e iluminava o
capim. O musgo estava verde claro devido à luz e os animais noturnos se
escondiam da luz que ficava cada vez mais intensa. Sam viu todas essas coisas
e se lembrou do sufoco que havia passado há poucas horas e como
milagrosamente estava viva para apreciar o nascer do sol outra vez.
— Você vem? – perguntou Sam a Nate. Ela pensava que ele estava atrás
dela, mas quando olhou, ele já havia desaparecido, deixando-a sozinha na
entrada da floresta, na beira da estrada.
Quando voltou para casa, e mesmo muito tempo depois, Sam nunca
esquecera daquela noite em que entrara naquela floresta sombria. Sentia que
sua vida havia mudado desde aquele dia, pois aprendera muita coisa enquanto
estivera lá. No dia seguinte, ela voltou de carro até lá, mas não conseguiu
encontrar a floresta outra vez. Tentou ir por um caminho diferente, mas por
mais que tentasse, parecia que aquele lugar havia desaparecido do mapa, ou
sequer existia. Desde então, nunca mais soube noticias de Nate, o garoto que
habitava o bosque sombrio. Ela queria ajudá-lo a sair de lá, mas não
conseguia encontrá-lo. Em casos assim, Sam chegava a pensar se tudo aquilo
não havia passado de um mero sonho, pois seria a única explicação possível.
Mesmo depois de um ano, nunca chegaram a encontrar o corpo de Chuck
Morgan e os fatos daquela noite ficaram sem explicação para Sam e foi
simplesmente deixado para trás. Até onde ela sabia, Chuck não tinha família,
pois ninguém deu por falta dele.
Naquela época, ela jamais acreditaria na hipótese de coisas sobrenaturais,
mas depois de um ano ela se tornou mais “mente aberta” com relação a estas
coisas. Isso fez também com que ela observasse a sua realidade. Ela
abandonou a vida de crimes e promiscuidade que vivia com Chuck e voltou
para a casa dos pais, entrou para uma faculdade, arrumou um emprego e, por
coincidência (ou não) encontrou um garoto chamado Nate em seu caminho. Os
dois estão juntos há seis meses e muito felizes.
E foi assim que Sam mudou de “encrenqueira” para “responsável”.

| Hermione Natalie Sullivan |


Hei seu moço!
Sou do contra
Pensei no mangue-natureza
E não no mangue-pilhéria
Apesar de ter
Muito do que rir
Falar de mangue
Só lembra tristeza, esquecimento
Hei seu moço
Talvez eu faça alguém rir
Mas rir do mangue é judiar
Judiar do que se mantém no caos
Posso até tentar
Mangar de outra coisa
Quem sabe do governo
Que só nos faz de palhaço
Hei seu moço
A vida é sofrida
E quase não há caranguejo
Mas há fé, que um dia
Eu rindo de quem judia
Deixe de ser judiado.

| Thay Freitas |
| Rir ou Mangar? – Depende de onde se está! [ou
onde estiver] |

Como já dizia meu caro amigo Charles Chaplin, “um dia sem sorrir, é um dia
desperdiçado”, mas acredito que Charles refaria essa ilustre frase se um dia
conhecesse meu Ceará. O povo cearense sempre apreciou muito a nobre arte de sorrir
e, ainda mais, uma arte criada por nós mesmos, arte essa, que hoje já ganhou o
Brasil a fora, sempre que encontramos algo para “mangar”. O Ceará, hoje conhecido
como a terra do humor, tem esse titulo não em vão, mas pelo fato do cearense ser
a criatura que em tudo acha um motivo para mangar, tirar um sarro, fazer uma
prosa, e quando digo tudo, é exatamente tudo.
Seja da miséria, da violência, por ser corno, ou por ser feio, o cearense
sempre acha uma maneira de tirar proveito da situação e assim, mostra que já nasce
com essa coisa dentro de si, traz consigo essa maneira jeitosa, de muitas vezes
esquecer os sofrimentos vividos por alguns momentos, e passa a rir dele, como se
zombasse de um simples pretexto.
Seja do jeitinho engraçado do paulista falar “porta”, do chiado na voz do
carioca, ou do jeito manso e calmo do baiano, lá está um cearense mangando,
fazendo imitações e mostrando um lado peculiar de cada região do Brasil. Manga da
corrupção, da falta de justiça, manga dele mesmo, pois cearense da gema é
destemido, manga até do diabo chupando manga! Um povo que aprendeu a rir do
próprio sofrimento, um povo que em meio ao aperto, arranja um jeito e improvisa
algo até que venha a solução, muitas vezes reclamando de sua sofrida condição, em
outras, olhando pra trás e dando graças a Deus por ser um nordestino pobre, mas
ter um teto onde pode abrigar-se com sua família.
Encerro aqui este artigo, já mangando daqueles que saem do nosso estado, e
vão tentar uma “vida melhor” nas cidades norte-sul do país, daqueles que se acham
tão bons ao abrirem a boca pra falar mal dessa terra tão encantadora, com praias
desenhadas a mão pelo Criador, e um sol feito sob medida para deixar mais belas
nossas morenas! Deles eu mango! E aqui torno a dizer, se um dia mestre Charles
conhecesse meu Ceará, e as belezas que aqui há, creio que assim ele diria:
“Um dia desperdiçado, é um dia sem de nada poder mangar”

| Alex Costa |
| Morte e Vida Severina |
[Falam os vizinhos, amigos, pessoas que vieram com presentes, etc.]

−De sua formosura


já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.

−De sua formosura


deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.

−Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.

−Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesina,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já se adivinha.

−De sua formosura


deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.
−De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste cinza.
−De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como palmatória
na caatinga sem saliva.
−De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.

−É tão belo como a soca


que o canavial multiplica.
−Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.
−Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
−É tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

−Belo porque tem do novo


a surpresa e a alegria.
−Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
−Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
−Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

−É belo porque com o novo


todo o velho contagia.
−Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
−Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
−Com oásis, o deserto
com ventos a calmaria.

| João Cabral de Melo Neto |


| Neo-Religião Precipitada |

Havia três dias que Maria estava no seu leito de morte, depois de um
caminhão bater de frente contra o seu carro na contra-mão; Maria, nesses
três dias antes de morrer, pensava na morte o tempo todo - como seria
tudo aquilo? Ela era uma dessas mulheres que depois que soube que ia morrer
começou a ter uma intimidade com Deus, Mas era uma convicção nunca vista,
era tanta força na fé que mandou até comprar umas santinhas, que passaram
a acompanha-la noite e dia; agora que o caminhão lhe dava a certeza que no
avesso da carne tinha algo, Maria tinha uma visão própria da morte, uma visão
só sua, quando começou a pensar na morte, escolheu uma morte só para si,
colocando as coisas boas de cada religião para que ela desfruta-se melhor do
paraíso: colocou o ouro e o descanso eterno que oferecem os evangélicos,
mas não quis nada desse negocio de esperar até o juízo final para ser levada
aos céus, ela se acolheu na religião espírita, que não acredita em juízo final,
segundo ela era uma pessoa muito boa, para ter que ir ao inferno, então ela
ia direto para o céu, sem esperar o juízo final, ia de jato expresso para lá,
sem escala, para a paz, o ouro e o descanso eterno, quase assim como Paris,
que lembra de uma de suas viagens lá no tempo de sua infância, a Paris cheia
de ouro nos seus monumentos e iluminada; Maria pensou, pensou, ficou muito
feliz, em saber que agora ela tinha fundando outra religião, e estava
completamente salva.

Maria morreu, Maria acertou em alguma coisa, segue viva. Maria só não
acertou nas outras afirmações de sua neo-religião precipitada, não há ouro,
há sim muita lama, não há paz, há muita vontade de comer, Maria consegue
agora respirar debaixo d’agua, se retorce sobre uma lama entre folhas das
árvores que caem, sai e entra de dentro dagua, e fica durante horas tomando
Sol, junto com um monte de Jacarés, de vez em quando se sente ameaçada
por pescadores, sai correndo atrás de alguns turista... lá no Mangue, onde o
rio Jaguaribe se encontra com o litoral do Ceará, mas para Maria tudo isto
que lhes digo já pouco importa, está entretida com um tênis que arrancou do
pé de um rapaz que corria da polícia.

| Lucas Lima |
grupo.eufonia@gmail.com

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