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Paulo Malvasi 2
Marcos Claudio Signorelli 3
Pedro Paulo Gomes Pereira 4
Abstract Resumo
1 Centro Universitário The authors conducted an ethnographic re- No ano de 2012, realizamos pesquisa etnográfi-
Franciscano, Santa Maria,
Brasil.
search with transgender persons in Santa Ma- ca com travestis de Santa Maria, Rio Grande do
2 Universidade Anhanguera ria, Rio Grande do Sul State, Brazil, in 2012, Sul, Brasil, por meio de observação participante,
de São Paulo, São Paulo, using participant observation, semi-structured entrevistas e acompanhamento de suas vidas co-
Brasil.
3 Universidade Federal do interviews, and following their everyday lives. tidianas. Durante esse período, percebemos que
Paraná, Curitiba, Brasil. These individuals invariably experienced physi- as violências física e simbólica e o sofrimento de-
4 Universidade Federal de
cal and symbolic violence and the resulting dis- las decorrentes eram invariantes, condição com
São Paulo, São Paulo, Brasil.
tress, a condition they had to deal with in their a qual tinham que lidar em seus itinerários, em
Correspondência careers and daily practices and tasks. The article suas práticas e afazeres diários. Este artigo dis-
M. H. T. Souza
discusses the violence experienced by transves- cute as violências vivenciadas nas trajetórias
Centro Universitário
Franciscano. tites (in the family, school, police precincts, and percorridas pelas travestis (família, escola, dele-
Rua Irmã Rosália 47, Santa health services), specifically seeking to under- gacias, serviços de saúde), procurando, sobretu-
Maria, RS
97060-267, Brasil.
stand how such violence relates to their experi- do, compreender como tais violências estão rela-
marthahts@gmail.com ences with health services and how the latter cionadas às experiências nos serviços de saúde e
respond. como os serviços de saúde por elas acessados rea-
giram às violências.
Travestism; Violence; Homophobia
Travestismo; Violência; Homofobia
de imersão na vida diária do grupo pesquisado, sivamente. Desse modo, estabelece-se uma rede
focaliza detalhes e informações subjacentes, al- de interlocutores até que seja alcançado o objeti-
mejando explicar modos de vida e descrevendo vo proposto pelo estudo, denominado de “ponto
padrões de significado que informam as ações de saturação”. Tal ponto é atingido quando novos
sociais, assim como os tornam acessíveis. Na entrevistados passam a repetir os conteúdos já
pesquisa etnográfica, a proximidade permite um obtidos em entrevistas anteriores, sem acrescen-
olhar sobre o microcosmo de relações humanas. tar dados relevantes à pesquisa 22.
Cabe ressaltar que a pesquisa teve uma orienta- As observações e narrativas que emergiram
ção etnográfica, e, por uma opção na construção do campo foram transcritas, codificadas, cate-
deste artigo, aqui, privilegiamos as análises dos gorizadas tematicamente e cotejadas com acep-
depoimentos das interlocutoras. ções teóricas dos estudos de gênero, de violência
A descrição das causas externas que impac- e do campo da saúde coletiva no que tange às
tam na saúde amiúde não revela algumas das principais repercussões da violência nos itine-
complexas teias de significados construídas em rários vivenciados pelas travestis. Para escrever
torno da violência e, assim, dificulta a compreen- a etnografia, é significativo que o pesquisador se
são das experiências humanas em que a violên- aproprie dos dados coletados em campo, dando
cia ocorre 21. Portanto, defendemos a utilização um sentido às suas experiências 20. Como cate-
de métodos qualitativos, como a aproximação gorias emergentes neste estudo, destacaram-se:
etnográfica adotada neste estudo, para compre- (1) violência e sofrimento social na família; (2) na
ender essa complexa tessitura. escola; (3) na delegacia; e (4) nos serviços de saú-
Realizamos a pesquisa de campo no período de, que serão detalhadas na seção de resultados.
de janeiro a novembro de 2012, em distintos mo- O anonimato e confidencialidade das in-
mentos ao longo da semana e nos fins de sema- terlocutoras foram garantidos, sendo adotados
na, e também em diferentes horários, inclusive pseudônimos. Informamos todas as participan-
durante a noite e nas madrugadas. Acompanha- tes sobre os objetivos do estudo, e elas assinaram
mos, ao longo da pesquisa, 49 travestis residentes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
no Município de Santa Maria. Durante esse perí- sendo que esta proposta seguiu todos os procedi-
odo, participamos intensamente das atividades mentos éticos, tendo sido aprovada pelo Comitê
das travestis: festas, encontros, eventos por elas de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de
promovidos, atividades nas casas de algumas tra- São Paulo (UNIFESP, processo 1937/11).
vestis e nas pensões em que vivem. Estivemos
com as travestis em suas residências, quando
com a família nuclear, e nas pensões; nos diver- Resultados e discussão
sos serviços de saúde (unidades básicas de saúde
– UBS, hospitais); fomos chamados em casos de Na região central do Rio Grande do Sul, localiza-
violência e, sempre seguindo nossas interlocu- se Santa Maria, município brasileiro com 270 mil
toras, fomos à delegacia; quando da busca de habitantes, onde residiam as travestis no perío-
transformação corporal, permanecemos com as do de realização desta pesquisa. As travestis são
travestis nas sessões com “bombadeiras”; à noite, provenientes de pequenas cidades do interior do
fomos às festas, às casas de santo, às reuniões estado, além de Santa Maria, com idade entre
e mesmo na “pista”. Enfim, procuramos seguir 18 e 53 anos e Ensino Fundamental incomple-
nossas interlocutoras em seus diversos e intrica- to. A maioria divide aluguel com outras travestis,
dos caminhos. espaços nos quais se identificam por “manas”
O contato da autora principal deste estudo – sendo uma constante o perambular na região
com as interlocutoras data desde as ações de pre- pela busca dos “pensionatos”. A saída precoce
venção das DST/AIDS promovidas inicialmente da família nuclear é uma das justificativas para
na Secretaria Municipal de Saúde de Santa Ma- a procura de parcerias das “manas”. Com relação
ria, no ano de 1996, e, na sequência, no projeto à atividade laboral, três participantes desta pes-
AIDS II, no Consórcio Intermunicipal de Saúde quisa atuam como mães de santo, uma como pai
(1999/2008). A partir desse contato inicial com de santo, duas são diaristas, uma realiza serviços
o grupo de travestis, as demais participantes do gerais na rodoviária e as demais são profissionais
estudo foram sendo indicadas pelas próprias tra- do sexo. É habitual, na busca por desviar situ-
vestis. Fomos inspirados aqui na técnica “snow- ações que geram constrangimento, evitarem os
ball sampling” ou “bola de neve” 22. Essa estra- espaços públicos, como a rua durante o dia, e ou-
tégia é adotada em pesquisas qualitativas e con- tros locais comuns, como a farmácia, o mercado,
siste na indicação, pelos participantes iniciais de a padaria, entre outros.
um estudo, de novos participantes que, por sua Desde o início do trabalho de campo, obser-
vez, indicam outros participantes e assim suces- vamos claramente a exposição a situações de
violência física como uma constante no cotidia- “A maioria [das travestis] tem histórias tristes
no das travestis que, agredidas e feridas, como na família. Sempre teve um pai, um irmão, um tio,
demonstraremos no decorrer deste artigo, en- que xingou, bateu e expulsou a travesti de casa. É
contram, no atendimento nos serviços de saúde só começar a transformar o corpo que as coisas
e nas delegacias de polícia, uma extensão dessa pioram para o nosso lado”.
mesma violência. As travestis são também víti- Como muitas histórias que ouvimos duran-
mas de ofensas verbais em diferentes contextos, te a pesquisa, a de Victoria, 18 anos, também
como família, escola, pontos de prostituição e ressaltou, em julho de 2012, a associação entre
espaços públicos. As narrativas de nossas inter- transformação corporal e início da violência
locutoras descrevem processos que, atuando na família:
contra a diferença dos corpos das travestis, im- “Quando comecei a ingerir hormônios e usar
plementam e naturalizam a violência nas famí- roupas femininas, minha mãe foi embora, aban-
lias, nas escolas, nas delegacias e nos serviços de donou a família. Meu pai ficou morando nos
saúde. As narrativas das travestis fazem referên- fundos da casa dos meus avós, mas sempre que
cia a violências que perpassam suas trajetórias, chegava bêbado, me dava uma surra. E meus avós,
indicando um contexto que percebem como vio- até me aceitam, mas não querem que eu tome re-
lento. Na realidade, a violência se expressa como médios para ficar feminina. Preferiam quando eu
fenômeno que ocorre não em momentos excep- era neto, mas não me querem como neta. Dizem
cionais, mas, como parte constituinte das vidas que isso é pura sem-vergonhice. Fico pensando em
– a violência como fenômeno ubíquo, perpassan- que lugar vou morar se não tenho emprego e não
do diversas esferas da vida das travestis. Vamos consigo pagar um aluguel. Ouço piadas na escola
acompanhar então o itinerário dessas nossas e tento não dar muita atenção, pois, se parar de
interlocutoras, pela família, escola, delegacias e estudar, vai ser mais difícil ainda para arrumar
serviços de saúde. emprego depois”.
Quando a travesti resolve assumir seu pro-
Família cesso de feminilização, comumente, afasta-se da
família e da escola. No caso dos meninos e ado-
Das 49 travestis que participaram deste estu- lescentes gays, travestis e lésbicas, é dentro de
do, todas relataram ter vivenciado situações casa e na própria família que o preconceito e a
de agressão física e xingamentos em diferentes discriminação assumem características de cruel-
contextos e locais. Pelos relatos das interlocuto- dade, incluindo insultos, tratamentos compulsó-
ras, percebe-se que as agressões se iniciam no rios, humilhação, agressão física e até a expulsão
contexto da família nuclear e têm seguimento do lar 24.
no ambiente escolar, fazendo com que abando- A violência perpetrada pela família é uma das
nem esses espaços, formando novas “famílias” situações que as travestis evitam falar. A maioria
constituídas exclusivamente por travestis. Essas demonstrou desconforto ao falar de avós, pais
novas famílias são, em certa medida, formas de e irmãos. Em muitos casos, não conseguiram
lidar com a violência e com o sofrimento dela transformar o sentimento em discurso, e o silên-
decorrente. cio sobre essa discriminação em suas próprias
Após situações que envolvem a expulsão ou famílias de origem tornou-se um importante
mesmo a rejeição da família de origem e a di- dado da pesquisa. A intuição de que determina-
ficuldade de localizar moradia como qualquer dos abusos não podem ser verbalizados na vida
outro cidadão, as pensões de travestis tornam-se cotidiana está no reconhecimento de que não
os locais, quase exclusivos, onde elas são acei- se pode trabalhá-los no âmbito do cotidiano 25.
tas. Ao buscarem formar “casas” de convivência Essa violência traz à tona aquilo que constitui o
entre travestis, elas criam novos laços, muitas não-narrativo da violência: o que é indizível nas
vezes, ampliando a noção de família: ali elas formas da vida cotidiana.
constroem relações de afeto, sendo identificadas Quando as travestis precariamente conse-
por “manas” 23. guem falar sobre o tema, costumam confessar
As travestis vivenciam situações de opressão que um dos momentos de maior tensão nas
e discriminação desde quando suas escolhas e relações com seus familiares é o da “revelação”
mudanças corporais começam a se tornar co- aos pais. Os conflitos se agravam quando as tra-
nhecidas. A descoberta da sexualidade é o mo- vestis se assumem e se “montam” 26. Após anos
mento no qual convivem com surras, insultos e de sofrimento, no período em que o desejo de
diversos tipos de rejeição familiar. Não estar nos começar as modificações no corpo se evidencia,
padrões de gênero esperados pela família é um não há mais como esconder-se atrás de uma he-
dos primeiros obstáculos vivenciados pelas tra- terossexualidade desejada pelos familiares. Tam-
vestis, como observou Charlenne, 26 anos: pouco há como simular uma homossexualidade
que, no dizer de algumas travestis, implicaria noção não exclui a violência física, mas visa, so-
em menor violência na família. Thalya, 24 anos, bretudo, fazer ver a objetividade da experiência
tentando resumir as diferenças entre esses dois subjetiva das relações de dominação, muitas ve-
quadros, salienta que é comum o pai dizer: “um zes efetivadas em agressões físicas e psicológicas.
filho gay até engulo, mas travesti, nunca!”. Situa- A dominação masculina é um exemplo, por ex-
ções de rejeição são evidenciadas, na maioria das celência, da submissão que decorre da violência
vezes, por parte do pai, conforme revela a fala de simbólica 28, e “feminilizar” outro homem é um
Penélope, 23 anos: modo de ser visto pelos pares com maior poder.
“Meu pai só voltou a falar comigo poucos dias A atribuição, na escola, do lugar de “veadinho”
antes de falecer. Já faz dois anos que o meu pai identifica essas crianças e adolescentes com o
faleceu. Na verdade, toda a minha família tinha lugar do feminino moralmente discriminado,
dificuldade de aceitar, mas meu pai sempre foi sendo, então, acusadas de serem “putas”, o que
pior, ele sempre me batia muito”. justificaria toda a sorte de violência às quais es-
Em alguns casos, a violência sofrida no espa- tão submetidas em ambientes de sociabilidade
ço familiar pode ser tamanha que leva ao desejo com os pares geracionais, como a escola 29. Mes-
de suicídio, como salientou Stelly, 32 anos: mo antes da transformação corporal, as traves-
“Eu já tentei me matar algumas vezes. No iní- tis narram a experiência nas escolas, valendo-se
cio, foi muito difícil. E não sou a única que tem de expressões como medo e pavor. As escolhas,
essa história de querer morrer. E depois, buscar estilos e modos de vida das travestis são utiliza-
um tratamento na saúde porque ficamos depri- dos para legitimar e rotinizar as violências contra
midas é difícil, porque as pessoas acham que, se elas.
queremos ser travestis, o azar é nosso. Então, para À medida que suas escolhas vão se consoli-
não adoecer, a gente busca outras formas de não dando, as formas de violação vão se multiplican-
se deprimir. Tentamos levar tudo na brincadeira, do. É uma constante o perambular das travestis,
travesti geralmente é muito divertida, faz piada de um município para outro, em busca de mora-
de tudo”. dias e trabalho 30. O direito a uma casa e à con-
As primeiras experiências de rejeição na fa- vivência é violado em grande parte dos espaços
mília, vivenciadas pelas travestis, dão início a um disponíveis para locação.
processo de enfraquecimento da autoestima 9. A dissidência das normas heterossexuais é
Essa fragilidade pode torná-las, inicialmente, condenada na maioria dos itinerários percorri-
confusas e desorientadas, sendo esse o momen- dos pelas travestis. Os discursos religiosos e mé-
to em que o sentimento de pertença leva à apro- dico-científicos legitimaram instituições e práti-
ximação de pessoas que coadunam de mesmos cas sociais baseadas em um conjunto de valores
gostos, desejos, sonhos, pessoas que, de certa heteronormativos, os quais levam à discrimina-
forma, compartilham suas experiências, neces- ção negativa e à punição de diversos comporta-
sidades, desejos e projetos 9. mentos sexuais, sob a acusação de crime, pecado
ou doença 31. A violência na vida das travestis é
A escola múltipla e normativa, resultado da interação de
mudanças de representações culturais, experiên-
A escola é outro espaço em que violência e sofri- cia social e subjetividade individual 32.
mento conformam as experiências das travestis.
Tefhy, 38 anos, narrou, em agosto de 2012, uma Delegacia
história dramática de quando era “um menino
no pátio da escola”: Todavia, uma das maiores experiências de sofri-
“Na escola, não era só eu que percebia ser dife- mento se dá quando a violência cotidiana é efe-
rente. Todos os meninos também notavam. Quan- tuada por instâncias que deveriam amenizá-la ou
do eu tinha uns 12 anos, resolveram arrancar mi- erradicá-la. O sofrimento social 22,33 está presente
nhas roupas no pátio, na hora do recreio, na frente nas respostas aos problemas humanos por parte
de todos. Minha mãe foi na escola para saber o das instituições de política e dos programas sociais
que havia acontecido. Então, depois disso, meus que são, em princípio, organizados para saná-
pais me colocaram em uma academia para eu fi- los. As ambiguidades das práticas institucionais
car musculoso. Não gostava de ir à academia, mas voltadas para abrandar o sofrimento dos sujeitos
só assim fiquei respeitada e consegui continuar tidos como excluídos e vulneráveis e que, para-
estudando: forte, parecendo um homem!”. doxalmente, resultam na sua intensificação 33.
O modo pelo qual o sistema educativo opera, Existem, por exemplo, várias delegacias de
inculcando como “naturais” e “universalmente polícia para delatar os casos de violência no
legítimos” conteúdos arbitrários, constitui um Município de Santa Maria: da mulher, do ido-
elemento central da violência simbólica 27. Tal so, da criança e adolescente. Para denunciar os
cia é crucial no processo social de legitimação, LGBT, a qual permite a identificação pelo nome
normatização e simplificação por meio das quais indicado pela travesti.
a heteronormatividade busca se impor à experi- O Ministério da Saúde previu, para o ano de
ência de pessoas à margem das normas hegemô- 2014, a notificação dos casos de violência contra
nicas de gênero. travestis no âmbito do SUS, no entanto, a nossa
A violência simbólica se manifesta de manei- pesquisa em Santa Maria nos permite questio-
ra sutil, nem sempre é visível, porém, permeia nar: como ocorreu essa notificação se, como de-
as relações de desigualdades presentes em uma monstramos, as travestis raramente frequentam
sociedade. Essa violência simbólica revela-se na os serviços públicos de saúde? As delegacias de
família, na escola e, comumente, nos espaços pú- polícia, por sua vez, quando procuradas pelas
blicos, em que, não raras vezes, classificam-se os travestis, têm dificuldade de compreender as su-
sujeitos em categorias rígidas, por meio de me- as queixas, concebendo-as como culpadas pela
canismos complexos de patologização, crimina- situação em litígio ou pelo conflito. Nas delega-
lização e exclusão. Ao ser replicada por instâncias cias, as travestis são responsabilizadas pela vio-
que deveriam amenizá-la ou erradicá-la, como lência contra elas cometidas. O mesmo ocorre
os serviços de saúde e as delegacias de polícia, os nos serviços de saúde. É por esse quadro que,
processos de violência simbólica atuam naturali- após o término de nossa pesquisa, iniciamos
zando as representações dominantes. agora uma nova etapa, com maior protagonis-
Em todas as situações etnografadas, nos ca- mo das travestis no próprio processo de conhe-
sos em que há uma procura pelos serviços públi- cimento e com a participação de profissionais
cos, tais como as delegacias de polícia e serviços de saúde, discutindo o cuidado e acolhimento
de saúde, a violência era replicada e formava par- nos serviços de saúde. Essa foi uma solicitação de
te agravante do sofrimento das travestis. É justa- algumas travestis no decorrer da pesquisa.
mente por reproduzir a violência que deveriam O quadro de violência e sofrimento social re-
conter ou amenizar que, como demostramos, as latado neste artigo sugere o quanto ainda se tem
travestis, mesmo na presença de ferimentos gra- que caminhar para que se possa romper com es-
ves ou com intensas dores físicas, dificilmente se campo de violência. Talvez, um primeiro passo
procuram as instituições públicas de saúde. Elas seja repensar a formação dos profissionais que
sabem, pela experiência nesses espaços, que te- atendem as travestis, principalmente, a forma-
rão dificuldades no atendimento e enfrentarão a ção dos profissionais de saúde. Quem sabe se
indiferença, a humilhação, o julgamento moral multiplicarmos meios de debater temas como
e a baixa resolutividade. Como já mencionado, sexualidade, gênero e diferença, possamos faci-
um dos maiores embaraços apontados é a iden- litar o atendimento adequado de forma mais in-
tificação pelo nome masculino, o que demons- tegral para as travestis, minimizando as situações
tra, no mínimo, o desconhecimento de parte dos de violência tais como as citadas ao longo deste
profissionais de saúde de Santa Maria da Políti- trabalho.
ca Nacional de Saúde Integral para a população
Resumen Colaboradores
Hemos llevado a cabo una investigación etnográfica M. H. T. Souza contribuiu no desenho do estudo, na
con personas transgénero de Santa María, Río Grande condução da pesquisa de campo, na escrita e revisão. P.
do Sul, Brasil, durante el año 2012, a través de la ob- Malvasi, M. C. Signorelli e P. P. G. Pereira contribuíram
servación participante, entrevistas semiestructuradas y no desenho do estudo, no referencial teórico-metodo-
seguimiento de su vida cotidiana. Durante este período, lógico e na revisão do artigo.
se observó que la violencia física y simbólica y el sufri-
miento que resulta de ellos, eran invariables, una con-
dición que tenían que hacer frente en sus carreras, en
sus prácticas y actividades diarias. Este artículo descri-
be el panorama de la violencia experimentada en la ru-
tina de transexuales (familia, escuela, policía, servicios
de salud), con el objetivo particular de entender cómo
este tipo de violencia está relacionado con experiencias
en el cuidado de la salud y cómo los servicios de salud
reaccionaron a este tipo de situaciones de violencia.
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