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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

FANNY SPINA FRANÇA

Resistência, Visibilidade e a Luta pela Democracia:


O boletim ChanacomChana e o movimento de lésbicas na década de 1980

FLORIANÓPOLIS
2018
FANNY SPINA FRANÇA

Resistência, Visibilidade e a Luta pela Democracia:


O boletim ChanacomChana e o movimento de lésbicas na década de 1980

Projeto   de   Pesquisa   Histórica   apresentado   ao


Processo Seletivo do Programa de Pós­Graduação em
História da Universidade Federal de Santa Catarina,
aplicado   para   a   linha   de   pesquisa   História
Entrecruzadas de Subjetividades, Gênero e Poder

FLORIANÓPOLIS
        2018
Resumo:
O presente trabalho se propõe a investigar a organização das mulheres lésbicas nos
anos   finais   da   ditadura   civil­militar   brasileira,   tomando   como   fonte   o   folhetim
ChanacomChana  publicado pelo Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), entre os
anos   de   1981   a   1987.   As   mulheres   lésbicas   foram   alvos   de   diversas   perseguições
policiais,   onde   a   sua   luta   pela   liberdade   de   expressão   da   sua   sexualidade   se
interseccionava com a luta pelo fim do regime militar.

Palavra   Chave:  Resistência   Lésbica;   Ditadura   e   Homossexualidades;   Imprensa


Alternativa
SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO …....................................................................................... 4

2. DESCRIÇÃO DA FONTE …..................................................................... 5

3. OBJETIVOS ….......…................................................................................ 5

3.1 OBJETIVO GERAL …........…........................................................... 5

3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ….................................................. ...... 5

4. JUSTIFICATIVA ….................................................................................... 6

5. QUESTÕES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS …................................. 7

6. BIBLIOGRAFIA DO PROJETO …........................................................... 11


Introdução

Nós   estamos   atrasadas   porque   existimos,   mas   sempre   abdicamos   de


existir. Existimos nos cochichos, nos bochichos, em algum barzinho, em
algumas   boates,   n'alguma   cama   com   algum   corpo,   nas   fantasias   e
sonhações   que,   na   maioria   das   vezes,   arquivamos   desde   sempre.   Nós
estamos atrasadas porque temos medo, receio, cagaço mesmo de viver o
que   somos.   Porque   não   construímos   o   espaço   do   nosso   viver.   Porque
vivemos na clandestinidade. (...) A repressão perpassa todas as esferas do
nosso   existir.   O   fato   de   sermos   mulheres   homossexuais   duplica   a
repressão. Além de mulher, ser homossexual é muito, né? Quer ver muito
mais?   Mulher,   negra,   homossexual.   Quer   ver   mais?   Nós   estamos
atrasadas porque os valores garantidos pelos esquemas repressivos têm
conseguido  um   desempenho   eficaz.   (JORNAL   LAMPIÃO   DA   ESQUINA,
1970, ed. 12, p. 7).

As   sexualidades   dissidentes   sempre   foram   temas   para   se   guardar   “as   sete


chaves”,   com   o   histórico   de   perseguição,   repressão   e   censura.   Assim,   “o   tema
restringia­se   apenas   a   livros   psiquiátricos,   condenações   murmuradas,   piadas
degradantes   e   referências   históricas   e   literárias   veladas”   (OKITA,   2015   p.17),   é   a
partir das novas perspectivas da historigrafia surgidas durante o século XX que se abre
a possibilidade de abordagem de outras temáticas. Entretanto, é após a formulação da
categoria gênero nos anos 1990 que se viabiliza a problematização das sexualidades
nos estudos históricos.
Assim, se as mulheres interrogaram a historiografia a respeito da sua
invisibilidade,   interpelando   o   paradigma   da   história   baseado   na
universalidade   do   masculino,   os   estudos   sobre   o   “universo”
homossexual  também   partiram   do   questionamento   da   invisibilidade
do sujeito homossexual, lésbico, travesti e transexual. Tais estudos não
interpelam apenas a universalidade do masculino, mas, sobretudo, a
universalidade da matriz heterossexual. (VERAS  & PEDRO, 2014 p.
104)
Mesmo assim continuamos remando contra a corrente para retirar o véu da
invisibilidade   acerca   da   lesbianidade,   transvestilidades   e   homossexualidade,   sendo
que   esta   última  possuiu   mais   iniciativas  de   pesquisas  do   que  as   outras  formas  de
sexualidade.   Por   isso   escolho   abordar   o   recorte   das   mulheres   lésbicas   e   seus
moviementos durante a ditadura civil­militar no Brasil, motivada a uma inquietação
política   e   historiográfica   por   me  inserir  no   contexto   de  ativismo   lésbico  feminista,
assim concordo com Luana Farias Oliveira:
Sem receio de parecer exagero, digo que debruçar­se sobre esse tema
requer não apenas um engajamento político feminista, mas também
um   esforço   arqueológico.   É   preciso   investigar   a   participação   de
lésbicas   na   História   para   conseguir   rasgar   o   pano   em   que   o
patriarcado tenta nos esconder. (2017 p.7)

Assim   as   mulheres   lésbicas   são   escondidas   nas   páginas   da   história,   por   esta
majoritáriamente   ter   sido   escrita   e   voltada   aos   homens   e   moldada   pelo   padrão
heterossexista. Então este trabalho se coloca também em uma perspectiva crítica ao fazer
historiográfico   tradicional   (VERAS   &   PEDRO,   2014   p.104)   e   também   devolver   ao
movimento das mulheres lésbicas a sua memória (OLIVEIRA, 2017 p.7).
Na   segunda   metade   do   século   XX,   com   os   subversivos   ventos   do   Maio   de   68
francês, evento marco onde questionamentos sobre a sexualidade, liberdade sexual e as
relações   raciais   e   de   gênero,   a   “revolução   dos   costumes”   e   a   “revolução   sexual”,
emergiram   ao   redor   do   mundo.   O   episódio   de   28   de   junho   de   1969   entrou   para   a
história como a Revolta de Stonewall, onde a comunidade homossexual de Nova Iorque se
insurgiu   contra   as   batidas   policiais   no   bar   que   nomeia   o   fato,   tornando­se,
posteriormente,   no   Dia   Internacional   do   Orgulho   LGBT.   Dessa   forma   conhecendo   o
contexto internacional dos movimentos LGBT, iniciei o questionamento sobre como essas
articulações e movimentos se deram no Brasil. Assim explorando a bibliografia sobre o
tema me deparei com uma contradição: o único evento assemelhado com a  Revolta de
Stonewall foi proagonizado e organizado pela mulheres lésbicas, entretanto a quantidade
de trabalhos sobre estas é bem inferior aos trabalhos produzidos sobre os homens gays,
seus grupos e iniciativas. 
Considerado pelo jornal Lampião da Esquina como “nosso pequeno Stonewall”
(FERNANDES,  2014   p.146),  o   levante  lésbico   ocorrido   em  19  de  agosto   de 1983,
tendo como cenário o Ferro’s Bar, frequentado pelas lésbicas na noite paulistana. O
fato se desencadeou pela contínua tentativa de expulsão das militantes do Grupo de
Ação Lésbica Feminista (GALF) que lá vendiam o seu boletim ChanacomChana. Como
reação o GALF juntamente com outros grupos homossexuais, imprensas alternativas,
artistas   e   contando   com   a   participação   das   deputadas/os   do   Partido   dos
Trabalhadores (PT) e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O
número   quatro   do   boletim  ChanacomChana  é   um   relato   das   escritoras   sobre   o
episódio contendo em sua capa o título “Ferro’s Bar, dia 19 de agosto: uma vitória
contra o preconceito”, a matéria principal “Democracia também para as lésbicas: uma
luta   no   Ferro’s   Bar”   descreve   o   processo   de   construção   do  happening,   como   foi
chamado no texto, onde é evidenciado a intersecção entre a luta pela livre expressão
da sexualidade e a luta pela democracia, como pode ser constatado neste trecho:
Isso não impede que busquemos ótimas relações com os partidos de
oposição – PMDB, PT e PDT – pois nossas lutas se cruzam em alguns
pontos   essenciais,   como   é   o   caso   de   luta   pelas   liberdades
democráticas.   Por   isso,   fizemos   questão   de   convidar   para   o
“happening”   político   do   Ferro’s:   deputada   Ruth   Escobar   (PMDB),
vereadora Irede Cardoso (PT), deputado federal Eduardo Suplicy e a
bancada do PT na Assembleia Legislativa, através de carta endereçada
ao   líder   de   sua   bancada   Marco   Aurélio   Ribeiro.   (ChanacomChana,
1983 p.2)

O   boletim  ChanacomChana,   centro   do   conflito   no   Ferro’s   Bar,   abordava


temáticas como a recente história do movimento lésbico feminista, registros de suas
atividades, temas de formação sobre o feminismo e lesbianismo, ainda apresentava
poemas e uma seção para as cartas das leitoras. Assim, este foi um instrumento de
diálogo entre as lésbicas, proporcionando sua visibilidade e registro deste movimento,
por   isso   escolho   o   boletim   para   ser   a   fonte   analisada,   por   ser   produto   desde
movimento.
As pesquisas que partem da abordagem Homossexualidades e Ditadura surgem
a partir dos debates organizados pelas comissões da Verdade do Estado de São Paulo
“Rubens Paiva”, em 26 de novembro de 2013, e a Comissão Nacional da Verdade
(CNV), em 29 de março de 2014, que foram fundamentais para a organização do livro
Ditadura e homossexualidades  (GREEN & QUINALHA, 2014 p.17), que referencia a
discussão   deste   trabalho   nesta   fase   inicial.   Sobre   a   utilização   do   termo
homossexualidades   ao   invés   da   sigla   LGBT,   assim   como   os   autores   do   livro,   será
utilizado para evitar o anacronismo, uma vez que os termos utilizados  à época são
homossexualidade e homossexualismo.
A   Ditadura   Civil­Militar   (1964­1985)   brasileira   criou   meios   para   que   os
moralistas   e   conservadores   que   assumiram   o   poder   tivessem   meios   para   agir   e
perseguir gays, lésbicas, transexuais e travestis e após o decreto do Ato Institucional 5
(1968) alimentando os dossiês com a combinação de “desvio moral” e “subversão”
(FICO, 2014 p. 15). Dessa forma foi se justificando as batidas policiais em locais de
socialização destas pessoas, perseguição, prisão e censura de qualquer matéria que
representasse a homossexualidade como algo comum. 
Os conhecidos Anos de Chumbo e o milagre econômico (1969­1973) colocaram
em   cena   a   seguinte   contradição:   por   um   lado   a   intensificação   da   repressão   e
vigilância, do outro o aumento da capacidade de consumo, principalmente das classes
médias e nos centros urbanos se abriu a possibilidade para a proliferação de espaços
de socialização de gays e lésbicas com o caráter semipúblico como boates e bares
(GREEN & QUINALHA, 2014 p.23). E a partir destes espaços se criou um público­alvo
para o ativismo, apesar das dificuldades para a politização devido ao forte contexto de
repressão e vigilância, que gerava medo do ativismo político, bem como a vida semi­
clandestinas na qual as pessoas com sexualidades divergentes viviam (GREEN, 2014
p.187­189)
O   contexto   de   atuação   destes   movimentos   se   dá   no   processo   de   distensão
iniciado em 1974, que ficou popularmente conhecido, como a abertura lenta, gradual
e   segura   encabeçada   pelo   presidente   Ernesto   Geisel,   onde   foi   possibilitada   a
rearticulação   dos   movimentos   sociais,   estudantis   e   sindicais,   e   o   surgimento   do
movimento homossexual e lésbico.
O primeiro coletivo politizado da causa homossexual surgiu em 1978, o Grupo
de Afirmação Homossexual – Somos. Mas seu crescimento expressivo aconteceu após
o   debate   sobre   homossexualidade   realizado   pelo   Centro   Acadêmico   de   Ciências
Sociais da Universidade de São Paulo (USP) em fevereiro de 1979.
O debate ocorreu a noite, sobre a homossexualidade, contou com a
participação do jornal Lampião e do Grupo Somos, atraindo mais de cem
pessoas e provocando uma polêmica entre os diferentes setores da esquerda,
os membros do Somos e outros gays e lésbicas que assistiam ao evento e
que, em seguida, entraram para o grupo ou formaram outros. (GREEN, 2014
p.190)
Este evento também aproximou um grupo de quinze lésbicas, que ingressariam
em março do mesmo ano no Somos, se organizando no subgrupo Lésbico Feminista
(LF) (FERNANDES, 2014 p.129), que foi embrião para a formação do GALF. Esses
grupos tiveram um importante papel em diversos eventos que colocaram o regime
militar em cheque, levantando sempre a dupla bandeira das liberdades democráticas e
da luta pelo respeito aos homossexuais. São exemplos a participação no histórico ato
do Primeiro de Maio de 1980 onde ativistas do Somos foram com a faixa “contra  à
discriminação ao(à) trabalhador(a) homossexual”, e no mesmo ano em 13 de junho o
ato público nas escadas do Teatro Municipal de São Paulo contra a violência policial
legitimada pelas operações Rondão e Limpeza comandas pelo delegado José Wilson
Richetti, tendo como alvo lésbicas, negros, gays, travestis e prostitutas (FERNANDES,
2014   p.138).   Esta   é   mais   uma   evidencia   da   intersecção   das   pautas   das   ditas
“minorias” com a luta pela redemocratização, apesar do estigma que a época colocava
estas lutas como “menores”, postura tomada por grande parte da esquerda.
As tensões com os grupos de esquerda eram intensas e foi um ponto central
para a ruptura da fração Lésbica Feminista em 17 de maio de 1980, quando foi dado o
grito   de   independencia   total   (ChanacomChana,   1983   p.2)   levando   a   fundação   do
Grupo Ação Lésbica Feminista. O grupo escolheu na afirmação o termo lésbico por
entender que assim:
nos denominarmos lésbica representa não só uma forma de afirmação
nossa sexualidade específica, mas, muito mais que isso, significa uma
postura política de recusa ao papel submisso e dependente atribuído
as mulheres e uma proposta de desobediência e autonomia na busca
de novas formas de ver o mundo. Através dela, identificamos a nossa
luta   contra   o   preconceito   e   passamos   a   existir   política,   social   e
culturamente, rasgando o manto da invisibilidade que tanto interessa
o sistema. (ChanacomChana, 1983 p.1)

E o termo feminista por considerar que: “nos vemos como parte do Movimento
de Mulheres e na sua luta contra a discriminação e em sua procura de transformar as
relações pessoais bem como porque, além disso, acreditamos na ação organizada e
conjunta   de   todas   as   mulheres.”   (ChanacomChana,   1983   p.2).   Estes   trechos   são
retirados   da   terceira   edição   do   boletim   onde   se   comemora   os   quatro   anos   de
existência do GALF, e assim podemos destacar alguns pontos que apontam para a
necessidade de interseccionar a luta das mulheres com as lésbicas, ficando evidente ao
longo   do   relato   na   atuação   de   espaços   do   movimento   feministas   levantando   a
bandeira da sexualidade, apesar do rechaço das mulheres heterossexuais, bem como a
produção de panfletos voltados ao combate a violência doméstica e a perseguição as
prostitutas, assim também atuavam nos espaços dos movimentos homossexuais com a
pauta do combate ao machismo.
Por   fim,   compreendo   que   o   estudo   do   movimento   lésbico   e   do   boletim
ChanacomChana nos possibilita novos olhares para o processo redemocratização onde
a   atuação   de   coletivos   políticos   estudantis,   sindicais,   de   combate   ao   racismo,
feministas e da diversidade sexual tiveram uma importante atuação para o desgate e
fim do regime militar, possibilitando a investigação de outros agentes que também
sofreram repressão e perseguição por parte do aparato repressivo do regime militar,
onde neste caso lésbicas, gays e negras/os eram persseguidos não por uma escolha
política mas sim pela sua existência. 
Descrição da Fonte

Antes de entrarmos na descrição da fonte a ser utilizada, é importante lembrar
que   à  época  da  ditadura houveram  várias  formas  de imprensa  alternativa  com    o
“fundamento comum a oposição intransigente ao regime militar” (LIMA, 2001 p.1),
ligados   a   correntes   político­ideológicas   diversas.   No   ano   de   1961   surge   o   Snob,
primeira publicação  gay no  Brasil com circulação  no  Rio  de Janeiro,  tinha  mais o
caráter de colunismo social, “voltado para os contatos sociais entre os homossexuais
que viviam nas regiões de Copacabana e Ipanema” (NETO, 2013 p.4). E dessa forma
houveram outros jornais com a temática homossexual no Rio e em Salvador (LIMA,
2001 p.2). Foi em 1978 com a criação do jornal Lampião da Esquina, onde:
Foi um período em que a discussão a respeito da sexualidade tomou
de  assalto   o  panorama   cultural   e  político,   com   os  novos   ventos   da
redemocratização   e   o   fim   da   censura   prévia.   A   era   das   rupturas
influenciava o nascimento de uma imprensa altamente especializada,
segmentada e de caráter militante, representada pelo jornal Lampião.
(LIMA, 2001 p.2)

Produzindo cultura e ativismo para os gays na época, abordando as suas pautas
específicas bem como de outras “minorias”. Em 1979 os editores do jornal convidaram
a   LF,   outros   coletivos   e   independentes   para   escrever   um   artigo   sobre   a   vivência
lésbica, intitulado “Amor entre mulheres”, publicado no exemplar de comemoração de
um ano do  Lampião da Esquina.  Esta foi  a primeira oportunidade que as mulheres
lésbicas tiveram de falar para um amplo público por si próprias, fazendo oposição a
como  eram retratadas pela  imprensa através  da patologia ou das  páginas  policiais
(FERNANDES, 2014 p.133­134).
Três   anos   depois,   em   1981   as   militantes   do   GALF   lançam   o   boletim
ChanacomChana  publicado   até   1987,   contando   com   12   edições,   sendo   o   primeiro
editado em fevereiro de 1981, o seu segundo número só veio ser publicado em oito de
março   de   1983   devido   a  comemoração   da  data  (ChanacomChana,  1983   p.7­6).  O
obejetivo   do   boletim   era   falar  “claramente   da   vida   das   lésbicas,   sem   vergonha  ou
medo” (FERNANDES, 2014 p.145) 
Nesta   parte   inicial   da   pesquisa   consegui   encontrar   apenas   duas   edições
disponíveis   no   Acervo   Bajubá   de   Memória   LGBT   que   organiza   conteúdos   da   arte,
cultura e memória LGBT brasileira. Estas edições são a número três e quatro. A edição
três do ano de 1983, comemorativa de quatro anos de atuação do GALF, sua matéria
principal   “GALF:   4   anos   de   atuação”,   assinada   por   Miriam,   além   disso   tem
depoimentos de militantes do grupo, a seção de poesia, de carta das leitoras, informes
de reuniões e eventos promovidos pelo grupo. A edição quatro de setembro de 1983,
a  matéria   principal  entitulada  “Democracia  também  para as  lésbicas:  uma   luta no
Ferro’s Bar”, assinada por Vanda, relata as movimentações de 19 de agosto daquele
ano, da sua construção até o dia em si, apresenta também uma seção de poesias, o
texto “Autonomia” assinado por Rosely, depoimento de uma militante do grupo, uma
entrevista com Tom Santos, diretos da peça “Fim de Caso”, na seção de informes uma
homenagem a Sandra Mara Hazer, importante figura transexual e poeta da época que
havia se suicidado. Estas edições descritas eram mimeografadas.
Outras edições são disponibilizadas por grupos ativistas lésbicos que preservam
a memória deste movimento, infelizmente não tive resposta em tempo hábil para a
escrita deste projeto.
Os jornais são fontes que relatam expressões do cotidiano de grupos, um dos
veículos   de   comunicação   que   cumpriu   um   papel   muito   importante   em   diversos
momentos da história, servindo para informar, disputar narrativas, entreter, formar
politicamente,   ser   instrumento   hegemônico   ou   contra­hegemônico   e   mobilizar
ativismo.   Lembrando   que,   também   diversas   organizações   políticas,   ao   longo   da
história, utilizavam o jornal como meio de dispersão de suas ideias. Pensando nisso, o
boletim  ChanacomChana  pode  ser  caracterizado   como   contra­hegêmonico,  pois  em
meio a uma sociedade marcada pelo machismo e o heterossexismo ousa a falar das
mulheres que amam mulheres, e por fazer oposição aberta ao regime militar, também
podemos ver no boletim a tarefa de aproximar lésbicas ao ativismo por trazer sempre
informes sobre as atividades do GALF, possuir uma seção de carta das leitoras nos
aponta   à   comunicação   entre   editoras   e   leitoras,   como   também   um   espaço   de
afirmação da existência das lésbicas invisibilizadas pelo manto da lesbofobia.
Dessa   formas   este   tipo   de   fonte   nos   permite   investigar   através   de   relatos
factuais a experiência das mulheres lésbicas, sendo elas ativistas ou não, durante o
período ditatorial.
Outro acervo que complementaria este trabalho seria os arquivos da Divisão de
Segurança Pública do Ministério da Justiça (DSI/MJ) que corresponde aos Documento
do   Serviço   Nacional   de   Informações   (SNI),   localizado   no   Arquivo   Nacional,   estes
documentos   podem   ser   acessados   somente   com   autorizações   por   isso   não   estão
levantados nesta etapa. Eles são referentes aos órgãos de governo da época, tendo a
misão   de   vigiar   a   sociedade   e   taxar   os   elementos   perigosos   que   representassem
ameaça   a   “moral   e   bons   costumes”.   Como   dito   anteriormente   as   sexualidade
dissidentes foram perseguidas e qualquer intenção de tocar no assunto era censurada,
logo contar com este acervo nos possibilita trazer a visão da agência do Estado sobre
estas sexualidades na época.
O artigo  Imorais e Subversivos: censura a LGBTs durante a ditadura militar no
Brasil (2016) escrito pela arquivista e historiadora Jacqueline Ribeiro Cabral, traz um
breve apanhado para este arquivo e aponta alguns documentos onde os algozes da
censura e repressão dão seus pareceres, entretanto a documentação analisada é sobre
os gays. Por isso o interesse no levantamento de fontes dentro desses arquivos para
“tirar do armário” os documentos oficiais que abordem as mulheres lésbicas, uma vez
que   houve   uma   verdadeira   perseguição   literária   a   escritora   Cassandra   Rios   e   sua
ficção lésbica, e também operações policiais que prendiam essas mulheres pelas ruas
do centro da cidade de São Paulo, uma delas ocorrida em 15 de novembro de 1980
ficou conhecida  como “Operação  Sapatão” responsavel  pela prisão  de  200  lésbicas
(OLIVEIRA, 2017 p.16­17). Ambas com agenciadas pelo aparelho repressor do regime
militar. 
Objetivos

Objetivo Geral:
O presente projeto objetiva investigar através do boletim ChanacomChana (o movimento
lésbico durante a década de 1980, e assim compreender as formas de intersecção entre a luta e
pauta deste movimento pela redemocratização no Brasil.

Objetivos Específicos:
• Analisar as 12 edições do boletim ChanacomChana que circulou de 1981 a 1987;
• Pesquisar as formas de organizações de lésbicas, gays, transexuais e travestis, no
contexto da ditadura civil-militar (1964 - 1985)
• Investigar as relações entre o Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF) com outros
grupos homossexuais;
• Investigar a ligação entre ativismo homossexual e o ativismo pela redemocratização no
Brasil;
• Sistematizar atos e manifestações públicas realizadas com a participação organizada dos
movimentos homossexuais;
• Levantar nos arquivos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) documentos ligados à
temática;
• Levantar documentação nos arquivos da Divisão de Segurança Pública do Ministério
da   Justiça   (DSI/MJ)   que   corresponde   aos   Documento   do   Serviço   Nacional   de
Informações (SNI);
• Levantar documentos da militância homossexual, ex. panfletos, cartas públicas, atas de
reuniões, abaixo-assinados, etc.
Justificativa

As mulheres lésbicas foram sendo invisibilizadas ao longo da história pelas estruturas


patriarcais e heterossexistas, relegando a existência destas apenas ao fetiche cis-masculino, ao
mesmo tempo em que foi alvo de perseguição e repressão. Essa tríade do pecado, doença e do
crime acabam sendo lugares comuns na existência das sexualidades dissidentes dentro sistema
capitalista e patriarcal, por isso compreendo, enquanto historiadora lésbica, que seja
importante contar outras narrativas para esta existência que não sejam carregadas desses
significados, sendo substituidas por histórias de resistência, arte e solidariedade.
Após o lançamento do livro Ditadura e Homossexualidades (2014), organizado por
James N. Green e Renan Quinalha, abre-se caminho para esta nova abordagem na pesquisa
sobre este período no Brasil. Por isso identifico como relevante este tema para a pesquisa
histórica, apesar de ainda ser um debate “periférico” dentro da acadêmia.
Enxergo na linha de pesquisa Histórias Entrecruzadas de Subjetividades, Gênero e
Poder, muitas proximidades com esta pesquisa, primeiramente a partir da reflexão a cerca da
relação de gênero e sua interface com a sexualidade, estudando o movimento social das
mulheres lésbicas. Segundo por compreender que a linha “têm contribuído para a vitalização,
diversificação e configuração, senão de um campo específico de estudo, de uma tendência nos
estudos historiográficos brasileiros: a entrada em cena das homossexualidades analisadas em
sua pluralidade” (VERAS & PEDRO 2014 p.100).
Por fim esta pesquisa também é motivada pelo momento conjuntural em que vivemos
em nosso país, onde o ódio e a intolerância se aliam a ignorância para relativizar os episódios
mais nefastos da história brasileira como é o caso da escravidão e do regime militar.
Juntamente com estes elementos vem novamente o argumento de eliminação física
daquelas/es que transgridam a “moral e os bons costumes”, um destes alvos persistem sendo a
população LGBT, ao mesmo tempo em que esta população vem saindo de seus armários e
tomando mais espaços públicos. Sobre alguns falsos argumentos que afirmam que as
homossexualidades são degenerações dos tempos em que vivemos se faz necessário
historicizar as diversas sexualidades existentes.
Questões Teóricas e Metodológicas

Indentifico nesta temática uma ótima aproximação para o conceito de


interseccionalidade, que se refere a simultaneidade de opressões, sendo criado pelas
feministas negras ao final da década de 1980 para compreender as maneiras específicas que
estas sofrem descriminações, surgindo como crítica ao dito “feminismo branco” que na maior
parte de seus espaços contempla somente a branquitude e a cis-hetero-normatividade. A
interseccionalidade apontada neste trabalho vem para dar conta das múltiplas opressões que
perpassam as mulheres lésbicas em um contexto de um regime militar.
Também creio que a interseccionalidade nos ajuda a dar conta de relações próximas e
simultaneas que é a opressão e a exploração. Assim entendemos as suas interações para a
reprodução do sistema capitalista, que além de impor uma exploração entre classes, também
impõe o modelo familiar nuclear cis-heteronormativo, sendo este alicerce para a opressão à
gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis.
Dessa forma, o conceito de gênero também agregará na pesquisa por ser chave de
leitura sobre a construção social que determina a diferenças entre os sexos, servindo de aporte
também para compreendermos os porquês da maior visibilidade aos gays e aos estudos
relacionados a este grupo, enquanto as trajetórias dos movimentos e mulheres lésbicas são
relegadas à invisibilidade.
Nosso objeto é um movimento social, que deve ser compreendido através de
identidade coletivas construidas a partir de um processo histórico, social e cultural, por isso
terei que aprofundar a leitura sobre os movimentos LGBTs durante a execução da pesquisa.
Bibliografia

CABRAL, Jacqueline Ribeiro. Imorais e subversivos: censura a LGBTs durante a ditadura


militar no Brasil. In: Periódicus, Salvador, n. 4, v. 1, nov.2015-abr. 2016 p. 127-150
CHANACOMCHANA. Ed n°3. São Paulo, 1983
CHANACOMCHANA. Ed n°4. São Paulo, set/1983
FERNANDES, Marisa. LÉSBICAS E A DITADURA MILITAR – Uma luta contra a opressão e
por liberdade. In: Ditadura e Homossexualidades: repressão, resistência e busca da verdade.
FICO, Carlos. Prefácio In: Ditadura e Homossexualidades: repressão, resistência e busca da
verdade. GREEN, James N.; QUINALHA, Renan (org.) 2014 p.14-16
GREEN, James N.; QUINALHA, Renan (org.) 2014 p. 125-147
GREEN. James N. O GRUPO SOMOS, A ESQUERDA E A RESISTÊNCIA À DITADURA. In:
Ditadura e Homossexualidades: repressão, resistência e busca da verdade. GREEN, James N.;
QUINALHA, Renan (org.) 2014 p.177-194
GREEN, James N; QUINALHA, Renan. Introdução. In: Ditadura e Homossexualidades:
repressão, resistência e busca da verdade. GREEN, James N.; QUINALHA, Renan (org.) 2014
p.17-24
LIMA, Marcus Antônio Assis. Breve histórico da imprensa homossexual no Brasil. 2001
OLIVEIRA, Luana Farias. Quem tem medo de sapatão? Resistência lésbica à Ditadura Civil-
Militar (1964-1985). In: Periódicus, Salvador, n. 7, v. 1, maio-out. 2017 p.6-19
NETO, Miguel Rodrigues de Sousa. MOVIMENTO GAY E IMPRENSA NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO: O LAMPIÃO DA ESQUINA (1978-1981). In: XXVII Simpósio
Nacional de História – ANPUH, 2013
VERAS, Elias Ferreira; PEDRO, Joana Maria. Os silêncios de Clio: escrita da história e
(in)visibilidade das homossexualidades no Brasil. In: Revista Tempo e Argumento, Florianópolis,
v. 6, n. 13, p. 90 ‐ 109, set./dez. 2014.

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