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CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
FANNY SPINA FRANÇA
FLORIANÓPOLIS
2018
FANNY SPINA FRANÇA
FLORIANÓPOLIS
2018
Resumo:
O presente trabalho se propõe a investigar a organização das mulheres lésbicas nos
anos finais da ditadura civilmilitar brasileira, tomando como fonte o folhetim
ChanacomChana publicado pelo Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF), entre os
anos de 1981 a 1987. As mulheres lésbicas foram alvos de diversas perseguições
policiais, onde a sua luta pela liberdade de expressão da sua sexualidade se
interseccionava com a luta pelo fim do regime militar.
1. INTRODUÇÃO …....................................................................................... 4
3. OBJETIVOS ….......…................................................................................ 5
4. JUSTIFICATIVA ….................................................................................... 6
Assim as mulheres lésbicas são escondidas nas páginas da história, por esta
majoritáriamente ter sido escrita e voltada aos homens e moldada pelo padrão
heterossexista. Então este trabalho se coloca também em uma perspectiva crítica ao fazer
historiográfico tradicional (VERAS & PEDRO, 2014 p.104) e também devolver ao
movimento das mulheres lésbicas a sua memória (OLIVEIRA, 2017 p.7).
Na segunda metade do século XX, com os subversivos ventos do Maio de 68
francês, evento marco onde questionamentos sobre a sexualidade, liberdade sexual e as
relações raciais e de gênero, a “revolução dos costumes” e a “revolução sexual”,
emergiram ao redor do mundo. O episódio de 28 de junho de 1969 entrou para a
história como a Revolta de Stonewall, onde a comunidade homossexual de Nova Iorque se
insurgiu contra as batidas policiais no bar que nomeia o fato, tornandose,
posteriormente, no Dia Internacional do Orgulho LGBT. Dessa forma conhecendo o
contexto internacional dos movimentos LGBT, iniciei o questionamento sobre como essas
articulações e movimentos se deram no Brasil. Assim explorando a bibliografia sobre o
tema me deparei com uma contradição: o único evento assemelhado com a Revolta de
Stonewall foi proagonizado e organizado pela mulheres lésbicas, entretanto a quantidade
de trabalhos sobre estas é bem inferior aos trabalhos produzidos sobre os homens gays,
seus grupos e iniciativas.
Considerado pelo jornal Lampião da Esquina como “nosso pequeno Stonewall”
(FERNANDES, 2014 p.146), o levante lésbico ocorrido em 19 de agosto de 1983,
tendo como cenário o Ferro’s Bar, frequentado pelas lésbicas na noite paulistana. O
fato se desencadeou pela contínua tentativa de expulsão das militantes do Grupo de
Ação Lésbica Feminista (GALF) que lá vendiam o seu boletim ChanacomChana. Como
reação o GALF juntamente com outros grupos homossexuais, imprensas alternativas,
artistas e contando com a participação das deputadas/os do Partido dos
Trabalhadores (PT) e do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). O
número quatro do boletim ChanacomChana é um relato das escritoras sobre o
episódio contendo em sua capa o título “Ferro’s Bar, dia 19 de agosto: uma vitória
contra o preconceito”, a matéria principal “Democracia também para as lésbicas: uma
luta no Ferro’s Bar” descreve o processo de construção do happening, como foi
chamado no texto, onde é evidenciado a intersecção entre a luta pela livre expressão
da sexualidade e a luta pela democracia, como pode ser constatado neste trecho:
Isso não impede que busquemos ótimas relações com os partidos de
oposição – PMDB, PT e PDT – pois nossas lutas se cruzam em alguns
pontos essenciais, como é o caso de luta pelas liberdades
democráticas. Por isso, fizemos questão de convidar para o
“happening” político do Ferro’s: deputada Ruth Escobar (PMDB),
vereadora Irede Cardoso (PT), deputado federal Eduardo Suplicy e a
bancada do PT na Assembleia Legislativa, através de carta endereçada
ao líder de sua bancada Marco Aurélio Ribeiro. (ChanacomChana,
1983 p.2)
E o termo feminista por considerar que: “nos vemos como parte do Movimento
de Mulheres e na sua luta contra a discriminação e em sua procura de transformar as
relações pessoais bem como porque, além disso, acreditamos na ação organizada e
conjunta de todas as mulheres.” (ChanacomChana, 1983 p.2). Estes trechos são
retirados da terceira edição do boletim onde se comemora os quatro anos de
existência do GALF, e assim podemos destacar alguns pontos que apontam para a
necessidade de interseccionar a luta das mulheres com as lésbicas, ficando evidente ao
longo do relato na atuação de espaços do movimento feministas levantando a
bandeira da sexualidade, apesar do rechaço das mulheres heterossexuais, bem como a
produção de panfletos voltados ao combate a violência doméstica e a perseguição as
prostitutas, assim também atuavam nos espaços dos movimentos homossexuais com a
pauta do combate ao machismo.
Por fim, compreendo que o estudo do movimento lésbico e do boletim
ChanacomChana nos possibilita novos olhares para o processo redemocratização onde
a atuação de coletivos políticos estudantis, sindicais, de combate ao racismo,
feministas e da diversidade sexual tiveram uma importante atuação para o desgate e
fim do regime militar, possibilitando a investigação de outros agentes que também
sofreram repressão e perseguição por parte do aparato repressivo do regime militar,
onde neste caso lésbicas, gays e negras/os eram persseguidos não por uma escolha
política mas sim pela sua existência.
Descrição da Fonte
Antes de entrarmos na descrição da fonte a ser utilizada, é importante lembrar
que à época da ditadura houveram várias formas de imprensa alternativa com o
“fundamento comum a oposição intransigente ao regime militar” (LIMA, 2001 p.1),
ligados a correntes políticoideológicas diversas. No ano de 1961 surge o Snob,
primeira publicação gay no Brasil com circulação no Rio de Janeiro, tinha mais o
caráter de colunismo social, “voltado para os contatos sociais entre os homossexuais
que viviam nas regiões de Copacabana e Ipanema” (NETO, 2013 p.4). E dessa forma
houveram outros jornais com a temática homossexual no Rio e em Salvador (LIMA,
2001 p.2). Foi em 1978 com a criação do jornal Lampião da Esquina, onde:
Foi um período em que a discussão a respeito da sexualidade tomou
de assalto o panorama cultural e político, com os novos ventos da
redemocratização e o fim da censura prévia. A era das rupturas
influenciava o nascimento de uma imprensa altamente especializada,
segmentada e de caráter militante, representada pelo jornal Lampião.
(LIMA, 2001 p.2)
Produzindo cultura e ativismo para os gays na época, abordando as suas pautas
específicas bem como de outras “minorias”. Em 1979 os editores do jornal convidaram
a LF, outros coletivos e independentes para escrever um artigo sobre a vivência
lésbica, intitulado “Amor entre mulheres”, publicado no exemplar de comemoração de
um ano do Lampião da Esquina. Esta foi a primeira oportunidade que as mulheres
lésbicas tiveram de falar para um amplo público por si próprias, fazendo oposição a
como eram retratadas pela imprensa através da patologia ou das páginas policiais
(FERNANDES, 2014 p.133134).
Três anos depois, em 1981 as militantes do GALF lançam o boletim
ChanacomChana publicado até 1987, contando com 12 edições, sendo o primeiro
editado em fevereiro de 1981, o seu segundo número só veio ser publicado em oito de
março de 1983 devido a comemoração da data (ChanacomChana, 1983 p.76). O
obejetivo do boletim era falar “claramente da vida das lésbicas, sem vergonha ou
medo” (FERNANDES, 2014 p.145)
Nesta parte inicial da pesquisa consegui encontrar apenas duas edições
disponíveis no Acervo Bajubá de Memória LGBT que organiza conteúdos da arte,
cultura e memória LGBT brasileira. Estas edições são a número três e quatro. A edição
três do ano de 1983, comemorativa de quatro anos de atuação do GALF, sua matéria
principal “GALF: 4 anos de atuação”, assinada por Miriam, além disso tem
depoimentos de militantes do grupo, a seção de poesia, de carta das leitoras, informes
de reuniões e eventos promovidos pelo grupo. A edição quatro de setembro de 1983,
a matéria principal entitulada “Democracia também para as lésbicas: uma luta no
Ferro’s Bar”, assinada por Vanda, relata as movimentações de 19 de agosto daquele
ano, da sua construção até o dia em si, apresenta também uma seção de poesias, o
texto “Autonomia” assinado por Rosely, depoimento de uma militante do grupo, uma
entrevista com Tom Santos, diretos da peça “Fim de Caso”, na seção de informes uma
homenagem a Sandra Mara Hazer, importante figura transexual e poeta da época que
havia se suicidado. Estas edições descritas eram mimeografadas.
Outras edições são disponibilizadas por grupos ativistas lésbicos que preservam
a memória deste movimento, infelizmente não tive resposta em tempo hábil para a
escrita deste projeto.
Os jornais são fontes que relatam expressões do cotidiano de grupos, um dos
veículos de comunicação que cumpriu um papel muito importante em diversos
momentos da história, servindo para informar, disputar narrativas, entreter, formar
politicamente, ser instrumento hegemônico ou contrahegemônico e mobilizar
ativismo. Lembrando que, também diversas organizações políticas, ao longo da
história, utilizavam o jornal como meio de dispersão de suas ideias. Pensando nisso, o
boletim ChanacomChana pode ser caracterizado como contrahegêmonico, pois em
meio a uma sociedade marcada pelo machismo e o heterossexismo ousa a falar das
mulheres que amam mulheres, e por fazer oposição aberta ao regime militar, também
podemos ver no boletim a tarefa de aproximar lésbicas ao ativismo por trazer sempre
informes sobre as atividades do GALF, possuir uma seção de carta das leitoras nos
aponta à comunicação entre editoras e leitoras, como também um espaço de
afirmação da existência das lésbicas invisibilizadas pelo manto da lesbofobia.
Dessa formas este tipo de fonte nos permite investigar através de relatos
factuais a experiência das mulheres lésbicas, sendo elas ativistas ou não, durante o
período ditatorial.
Outro acervo que complementaria este trabalho seria os arquivos da Divisão de
Segurança Pública do Ministério da Justiça (DSI/MJ) que corresponde aos Documento
do Serviço Nacional de Informações (SNI), localizado no Arquivo Nacional, estes
documentos podem ser acessados somente com autorizações por isso não estão
levantados nesta etapa. Eles são referentes aos órgãos de governo da época, tendo a
misão de vigiar a sociedade e taxar os elementos perigosos que representassem
ameaça a “moral e bons costumes”. Como dito anteriormente as sexualidade
dissidentes foram perseguidas e qualquer intenção de tocar no assunto era censurada,
logo contar com este acervo nos possibilita trazer a visão da agência do Estado sobre
estas sexualidades na época.
O artigo Imorais e Subversivos: censura a LGBTs durante a ditadura militar no
Brasil (2016) escrito pela arquivista e historiadora Jacqueline Ribeiro Cabral, traz um
breve apanhado para este arquivo e aponta alguns documentos onde os algozes da
censura e repressão dão seus pareceres, entretanto a documentação analisada é sobre
os gays. Por isso o interesse no levantamento de fontes dentro desses arquivos para
“tirar do armário” os documentos oficiais que abordem as mulheres lésbicas, uma vez
que houve uma verdadeira perseguição literária a escritora Cassandra Rios e sua
ficção lésbica, e também operações policiais que prendiam essas mulheres pelas ruas
do centro da cidade de São Paulo, uma delas ocorrida em 15 de novembro de 1980
ficou conhecida como “Operação Sapatão” responsavel pela prisão de 200 lésbicas
(OLIVEIRA, 2017 p.1617). Ambas com agenciadas pelo aparelho repressor do regime
militar.
Objetivos
Objetivo Geral:
O presente projeto objetiva investigar através do boletim ChanacomChana (o movimento
lésbico durante a década de 1980, e assim compreender as formas de intersecção entre a luta e
pauta deste movimento pela redemocratização no Brasil.
Objetivos Específicos:
• Analisar as 12 edições do boletim ChanacomChana que circulou de 1981 a 1987;
• Pesquisar as formas de organizações de lésbicas, gays, transexuais e travestis, no
contexto da ditadura civil-militar (1964 - 1985)
• Investigar as relações entre o Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF) com outros
grupos homossexuais;
• Investigar a ligação entre ativismo homossexual e o ativismo pela redemocratização no
Brasil;
• Sistematizar atos e manifestações públicas realizadas com a participação organizada dos
movimentos homossexuais;
• Levantar nos arquivos da Comissão Nacional da Verdade (CNV) documentos ligados à
temática;
• Levantar documentação nos arquivos da Divisão de Segurança Pública do Ministério
da Justiça (DSI/MJ) que corresponde aos Documento do Serviço Nacional de
Informações (SNI);
• Levantar documentos da militância homossexual, ex. panfletos, cartas públicas, atas de
reuniões, abaixo-assinados, etc.
Justificativa