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POSITIVIDADE E CONCEITO DE DIREITO1


Pettrhus Anderson Pontes Santiago2

1. A noção de direito e a estrutura e classificação do seu conceito e da sua definição


Muito se pondera a respeito da conceituação do direito. Seria ela uma gota no oceano
ou o próprio oceano? A resposta de um leigo, por exemplo, sobre o que é direito, certamente
diferirá da resposta de um jurista, mas o que garante que este esteja correto e aquele não? Este
problema conceitual, cujo cerne se encontra na epistemologia jurídica, vem sendo discutido
desde que se tomou consciência dele, quando depois, principalmente, da prática romana, que
subjugou os problemas teóricos. A discussão sobre qual o objeto natural do direito, sobre seu
caráter científico ou não, sobre sua ontologia; problemas estes abordados inclusive por Dante,
tamanha a sua complexidade. E, justamente por ela, as mais diversas visões a respeito
irromperam de pensamentos filosóficos, sociológicos e até antropológicos; sem ignorar,
obviamente, o caráter jurídico. A maioria delas radicalista, como o positivismo, o que
culminou num acirramento das discussões e elevou a quantidade de proposições acerca da
conceituação do direito, visto que os métodos se diferenciaram e, muitas vezes, entraram em
choque. Alguns usaram deduções lógicas, outros, observações quantitativas, e então houve
alguém que se valeu de teorias bibliográficas. A grande quantidade de conclusões observadas
não confere, no entanto, a uma em especial a razão, muito pelo contrário. Portanto, a resposta
do jurista não desfavorecerá a do leigo, apenas terá um embasamento teórico mais bem
fundamentado, tendo em vista seus estudos na área, o que não transformará a visão do outro
num erro total.
É comum ao leigo, cujo conhecimento se enquadra no senso comum, ter uma noção
sobre a discussão proposta, até porque a materialidade do direito pode ser encontrada em seu
cotidiano: as normas, as sanções, os tribunais, sem entrar ainda num viés linguístico, mas seus
direitos, deveres, a constituição, o juiz, o advogado, etc. O cidadão que nunca estudou esse
assunto, no entanto, tende a ter uma visão limitada sobre ele, o que é claramente aceitável,
assim como um jurista não saber executar uma cirurgia. É normal, portanto, que este leigo –
mesmo que venha, a posteriori, a ser um jurista ou mesmo sociólogo jurídico –, ao tentar
conceituar o direito, tome-o, de início, por meio de suas normas, como algo que regule o
comportamento do ser humano. Essa visão inicial, como que pré-concebida, é algo esperado,
e não sem seus méritos, pois se sabe que, embora obrigatoriamente imbuído pelos valores

1
Texto de João Maurício Adeodato, presente no livro Ética e Retórica
2
Acadêmico da Faculdade de Direito do Recife – Universidade Federal de Pernambuco
2

sociais da sociedade na qual se encontra inserido, o indivíduo que inicia um estudo tem
necessariamente uma intuição a respeito dele, já que “não se pode, com efeito, estudar um
assunto sem se ter dele uma noção preliminar3”. Ou seja, mesmo afetado pela filosofia que o
rege, pela religião que segue, pelos preconceitos inatos, todos conseguem propor conceitos,
ou noções, mesmo que apenas iniciais, como as hipóteses científicas, acerca do que
pretendem estudar. Com o direito não pode ser diferente, e é nesse ponto em que justamente
se inicia a problemática do seu estudo.
O direito não é como a física ou a medicina, com objetos cujos conceitos costumam
ser estáticos e designam uma só característica; por exemplo, a gravidade não é nada além do
que já costuma ser, uma força. No direito, esse estaticismo é uma quimera que a modernidade
trata sabiamente de esquecer. Um conceito não é singular, não designa um único objeto, assim
como um objeto não possui apenas um único conceito, o que hoje é conhecido por norma
pode, no futuro, não mais sê-lo. Entre os juristas, esse óbice pode não ser espantoso, pois a
mutabilidade do objeto com o qual trabalham se mostra assim que se inicia o trabalho, quando
tentam conceituá-lo.
Um dos primeiros obstáculos é notabilizado quanto se considera o direito quanto
verbete, qualidade em que se mostra polissêmico. São dez as acepções que contabilizou
Montoro, desconsiderando as suas subdivisões, mas contando suas acepções secundárias, ou
seja, que não são necessariamente levadas em conta nos estudos jurídicos. O direito pode ser
entendido como norma, lei, regra social, isto é, o direito-norma; também pode sê-lo como
poder, faculdade de um indivíduo ou agrupamento, conhecido como direito-faculdade ou
direito subjetivo. Relaciona-se, também, seu conceito ao de justiça, ao que é devido por ela –
sendo essa uma das mais clássicas acepções –, o que o configura como direito-justo. Há ainda
a ideia do direito como ciência, ou seja, redundantemente, a ciência do direito, cuja expressão
é autoexplicativa. E, como última das acepções fundamentais, o direito quanto fato social,
fenômeno da vida em sociedade, equivalente aos fatos econômicos e culturais, por exemplo;
muito estudado pela sociologia jurídica, este é conhecido como direito-fato social.4 Entende-
se, ainda, direito, mesmo que com menos consideração didática, como tributo – os direitos
alfandegários –; o direito como reto, segmento geométrico reto; como certo, em relação à
certeza; como correto (“cidadão direito”); e, inegavelmente, como oposto ao lado esquerdo5.

3
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. P. 1.
4
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 26ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
P. 56.
5
Idem, Ibidem. P. 64.
3

Além da dificuldade semântica, o objeto do direito também é constituído por um


espírito variável. Os sociólogos costumam defender que a estrutura do direito se baseia num
simples fato social; os idealistas defendem-na no âmbito valorativo; e os normativistas, como
o próprio nome propõe, no das normas6. No entanto, nenhum dos três radicalismos propostos
representa de fato o que acontece na realidade jurídica, pois o direito não é estático, rígido,
inflexível. Muito pelo contrário, o direito é como um ser vivo que é constantemente estudado,
mas nunca totalitariamente compreendido. O estudo que mais aparenta se aproximar da
realidade foi o de Miguel Reale, em que apresenta uma estrutura tridimensional do direito,
que pode ser chamada de fática-axiológica-normativa. Ela pressupõe de um fenômeno
jurídico a existência de um fato técnico, de um valor que o significa e de uma norma que os
relaciona, ou seja, são três fatores indissociáveis, que atuam em conjunto, cada um exigindo
do outro na mesma quantidade que são exigidos. Sua integração dinâmica e dialética
resultaria, assim, na vida do direito7. No entanto, o que se percebe é que Reale agrupou três
tendências radicais, o que leva à conclusão de que, se outra corrente radicalista e bem
fundamentada como foram as três de que ele se valeu surgisse, a teoria da tridimensionalidade
poderia vir a ser descartada. Porém, isso são apenas especulações.
Outra dificuldade que resulta dessa numerosa quantidade de teorias a respeito do
objeto do direito é exatamente o desacordo gerado entre os estudiosos, que preferem uma ou
outra tendência, seja ela radical ou mais moderada, resultante de outra ou mais inovadora.
Essa é também uma questão evolucionista que será ainda abordada.
Por último, como outra grande dificuldade do estudo do direito, é que ele, tal como se
pensa, não se concretiza. Isto é, ontologicamente o direito se mostra distorcido, visto que
nunca atingirá a realidade na qual o estudioso pensa, com a qual ele julga trabalhar. Isso o
força a escolher, entre alguns fatos, em qual ele irá focar, sendo obrigado, assim, a
desconsiderar outros fatos tão importantes quanto. Fica claro, portanto, que nenhum estudo do
direito consegue atingir uma totalidade epistemológica, pois partes que deveriam ser
conhecidas, analisadas e criticadas não os são. O que não impede, no entanto, que se tente
aperfeiçoar, aprimorar, a visão que se tem sobre o conceito do direito e sobre o próprio.
É interessante, a princípio, para a conceituação do que quer que seja, ter-se uma noção,
uma ideia, do que se entender como “conceito”, ou melhor, a definição do conceito e da
própria definição. Sem fugir à redundância que neste problema se imiscui, pode-se
compreender o conceito como um julgamento verdadeiro – tomando como base a verdade

6
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. P. 384.
7
REALE, Miguel. Op. Cit. P. 65.
4

grega, isto é, a alétheia, que, de modo resumido, “é a manifestação daquilo que é realmente
ou do que existe realmente tal como se manifesta ou se mostra8.” – sobre um objeto,
elucidando, por meio de suas definições, suas idiossincrasias e suas semelhanças com
qualquer outro objeto; sendo a “definição” justamente essa elucidação – muitas vezes
valendo-se da lógica – de significações acerca do que comporá o conceito do objeto. Portanto,
como um julgamento, o conceito se torna mais abrangente e, logo, mais abstrato, podendo
inclusive suas bases conceituais entrar em choque, enquanto a definição, a prioristicamente,
mostra-se mais objetiva, apelando para os enfoques linguísticos e essenciais do objeto, que
são naturalmente imutáveis, o que o transformam no que são. Pode-se afirmar, portanto, que o
conceito se vale das definições, estas, por sua vez, se valem da lógica, da essência e da
linguagem, o que sugere que a complexidade segue em ordem crescente do menor elemento
sintomático ao maior, que, neste caso, é o conceito.
A identificação predominante de um conceito com um objeto, no entanto, pode ser
perigosa, pois ela limitaria a amplitude enriquecedora que o conceito pode abranger. Ou seja,
mesmo que a conceituação atinja um nível de exatidão eficaz, é sempre aconselhável que se
deixe brecha para críticas, análises, réplicas, pois o conhecimento nas ciências humanas é
resultado de discussões. Desta forma, vê-se que o que se busca é fixar os vários conceitos e
definições já estabelecidos, de forma que se chegue a uma compreensão acerca não do que o
direito é, mas sim do que ele pode ser; até porque ele não é único.
Em busca dessa compreensão, é válido analisar a etimologia do termo, pois se
aproxima, assim, do ponto que deu origem ao que hoje se entende como direito, o que auxilia
inegavelmente a interpretação. A noção de direito, a princípio, vinculava-se ao termo latim
jus, que deu origem às palavras que hoje também se relacionam ao direito, mas não têm
necessariamente o mesmo significado, como “jurisprudência”. Esse termo pode ter sido
derivado tanto de jussum – que se relaciona ao mandamento, à ordem, ao decreto de alguém –
quanto de justum – algo que deriva do justo, cujas origens mais remotas (do védico Yós) o
relacionam à divindade9. O termo “direito”, por sua vez, vem do baixo latim, pois a
simbologia romana para o jus se encontrava em sua deusa Iustitia, que dizia que o jus
acontecia quando o fiel da balança que ela segurava com as duas mãos se encontrava

8
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13ª ed. São Paulo: Ática, 2003. P. 96.
9
MONTORO, André Franco. Op. Cit. P. 53/54.
5

totalmente vertical e reto, do que deriva “rectum”, e então “derectum”, uma retidão da base ao
topo10. O termo se popularizou com o passar do tempo e é hoje o que predomina.
Uma análise científica, no entanto, pelo seu rigoroso teor sistemático, pode ser mais
eficaz para a compreensão do direito. Onatte, considerando o conhecimento vulgar como útil,
mas insuficiente, acredita que essa análise pode ser formalista – simplificando o direito como
mera norma –; analítica – procurando analisar a realidade jurídica como um todo –;
subjetivistas – visando o caráter humano –; e sociológicas – vendo o direito como um fato
social. Essas visões de Onatte, porém, podem limitar a ampla concepção que o direito pode
adquirir, pois são tipos fixos e majoritariamente ideais, que não abrangem a realidade tal
como ela é, mas apenas se aproxima dela. Além disso, o fato dessa divisão impossibilitaria
outras visões. Justamente por isso não se pode se ater a essas convenções já propostas; elas
têm a sua importância, mas claramente não são e nem podem ser únicas, exclusivas,
exatamente como nunca foram.

2. Evolução histórica de perspectivas sobre o direito


A evolução histórica do direito é prova indubitável de que convenções e tipos ideais
não são o suficiente para conceituá-lo, é muito mais proveitoso valer-se das inúmeras
concepções acerca dele para que, aplicando-se uma análise crítica do que já proposto, chegue-
se a uma ideia conceitual.
O direito quanto direito primitivo não tinha uma noção sobre si mesmo, ou seja, era
praticado sem a consciência de sua existência. Segundo Tércio, “o conhecimento do direito,
como algo diferenciado dele, é, pois, uma conquista tardia da cultura humana11”, ideia que se
mostra verídica, pois, mesmo tendo existido sociedades tão complexas – como a egípcia, por
exemplo – as ideias mais remotas que se têm de direito sobre si surgiram apenas na Grécia
Clássica; ideias essas que podem ser, hoje, consideradas por demais ingênuas. Uma das
primeiras menções que se pode relacionar com o direito veio de Heráclito, propondo uma “lei
natural”, o que se leva a considerá-la como provável precursora do jusnaturalismo; os sofistas
criam no direito por meio da força de quem impunha a lei; e, para Platão, o direito seria algo
inflexível que teria como finalidade última a realização da justiça. Aristóteles, dentre os
gregos, diferencia-se em relação aos estudos do direito, iniciando um importante avanço das
ideias jurídicas ao propor a equidade, ideia que sustenta até hoje o direito positivo.

10
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. 7ª ed. São
Paulo: Atlas S.A., 2013. P. 10.
11
Idem, Ibidem. P. 31.
6

O fato de que boa parte das ideias gregas seja ingênua se justifica pelo fato de que
eles se preocupavam mais com a teoria do que com a prática, ao contrário dos romanos, ainda
hoje mundialmente conhecidos no campo jurídico pela sua práxis, que lhes afastou
consideravelmente do campo da epistemologia. Estes tinham como ideal a “prudência”, cuja
representação se encontrava na deusa Iustitia, que, de olhos vendados, simbolizava a sua
preferência pela a audição, o que, numa tradução mais prática, vinculava-se ao saber-agir, a
“um equilíbrio entre a abstração e o concreto12”. Os romanos, portanto, se preocuparam em
resolver conflitos, e os métodos que utilizaram para tanto foram aproveitados pela
epistemologia jurídica posterior, o que justifica sua importância.
Um conceito que muito se difunde acerca do direito é ele quanto natural ou positivo,
questão que já se encontra levantada por Aristóteles, o qual considerava direito natural como
universal e o direito positivo como particular, além daquele buscar uma bondade objetiva e
este, um estabelecimento de ações que podem ser efetivadas de mais de uma maneira se não
estiverem estabelecidas13. A questão, no entanto, começa a ganhar mais profundidade e
notoriedade a partir da Idade Média, com um dos grandes nomes responsável pela evolução
do direito: Tomás de Aquino, que, porém, provavelmente se equivoca – considerando sempre
a visão atual do direito – ao propor a teoria do jusnaturalismo teológico. Suas ideias sobre leis
eternas como divinas e inatingíveis, cuja revelação generalizada feita pela Igreja configura as
leis naturais – estas sendo, segundo ele, basilares ao conceito de direito –, que, quando postas
em prática se transformam na lei humana, mostram-se sem fundamento científico e até
contraditórias. Porém, percebe-se que, para a visão da época, a ideia teve a sua relevância,
assim como a teve o legado que deixou para a posteridade. Por exemplo, dela vem uma das
claras influências ao jusnaturalismo racionalista, que, todavia, tenta proscrever a vontade
divina e dar vez a uma razão estipulada, como que intrínseca à consciência humana. A ideia,
porém, peca no mesmo ponto de Tomás: uma falta de provas e de métodos, o que a
descredibiliza, mas não a apaga da história, já que toda grande ideia, mesmo que apenas
momentânea, serve de alicerce para as ideias, tanto a favor ou contra às passadas, vindouras.
Uma dessas foi a escola histórica, que surgiu justamente em contraposição à ideia
justanuralista, tanto racional quanto teológica, iluminista e racionalista. Pregam a
irracionalidade como motora da história, mas pecam em excesso de romantismo e
conservadorismo, visto que eram pessimistas a tal ponto de considerarem trágica todas e

12
Idem, Ibidem. P. 11.
13
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 1ª ed. São Paulo: Ícone, 1995.
P. 17.
7

quaisquer mudanças, pois, segundo eles, toda a história foi uma perpétua tragicidade por
conta delas, mesmo sendo eles saudosistas extremados. Sendo esta escola influenciadora do
direito, tendo como figuras célebres Savigny, estipulou o direito como um puro direito
positivo, que culminaria dos costumes e tradições do povo em questão, o que justifica a ideia
de Volksgeist de “espírito do povo” como causa do direito. O direito, neste âmbito, seria algo
intrínseco a cada sociedade, evoluindo juntamente a ela.14 Ainda neste contexto, surge a teoria
imperativista de Jhering, modernamente ainda relevante, que considera a norma jurídica como
uma coação orientadora para o comportamento do homem. Esta escola deu impulso à ótica
cientificista que tomaria força mais tarde com os positivistas, e deixaram para a posteridade
conceitos dos mais sensatos sobre não apenas o direito, mas também sobre a própria
humanidade, claudicaram somente na crença irrefutável na irracionalidade, esquecendo-se de
que não só nisso se baseia a capacidade evolutiva humana.
O fato de a Antiguidade e Idade Média terem apresentado ideias ingênuas,
insuficientes ou limitadas não significa que as ideias mais modernas sejam todas elas
complexas e absolutas. Após o historicismo, muitas correntes, escolas e autores se mostraram
por demais limitados, apresentando retrocessos nas noções de direito. Como exemplo, tem-se
a sociologia de Herman Kantorowicz, que acendeu a noção do direito como fato social, mas é
também considerada por muitos como uma renascença do jusnaturalismo. Kelsen, também, na
sua “Teoria Pura do Direito”, alega que “na afirmação evidente de que o objeto da ciência
jurídica é o Direito, está contida a afirmação – menos evidente – de que são as normas
jurídicas o objeto da ciência jurídica15”, o que leva à conclusão de que, para ele, o direito são
as normas jurídicas, uma visão restrita que desconsidera os demais fatos que influem sobre
ele, como os econômicos e religiosos, e que dá ao caráter do direito a imutabilidade, algo que
a própria história trata de evidentemente negar.
A modernidade, por outro lado, vê o surgimento de outros tipos de pesquisadores e
pensadores sobre o direito: os moderados, conciliadores, e é justamente deles que surgem os
conceitos mais completos do direito, pois não se enveredam por caminhos radicalistas, como
o de Kelsen, mas sim conciliam as ideias radicalistas, inspiram-se em autores clássicos, e
moderam ao ponto de não afirmar que a verdade está no que eles, os modernos, dizem. Um
dos exemplos é Carlos Cossio, que tenta conciliar Kelsen, Husserl e Heidegger, e então
propõe a visão do direito como “conduta em interferência intersubjetiva”, sem retirar do
direito o caráter normativista. Há, também, Alf Ross, que se vale da positividade de Savigny,

14
Idem, Ibidem. P. 45/53.
15
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. P. 79.
8

avultando-a, e divide o conceito de direito em “validade” e “eficácia”. Essa consubstanciação


de que se utilizam os estudos modernos fundamenta e aponta a complexidade que vem
atingindo o estudo do direito.
3. Pressupostos lógicos do conceito de direito
É evidente a estrutura multifacetada do direito, mas o que torna as diferentes
concepções acerca dele em direito? Isto é, o que torna o direito-norma em direito? E o direito-
justo? As inúmeras possibilidades de conceituações não podem excluir o que as transforma
exatamente em um conceito de direito. Por exemplo, não se pode chamar de direito a
afirmação da própria ignorância, pois isso já é filosofia, mas se pode chamar de direito a
norma que regula o comportamento de quem afirma ser ignorante. Ao longo da história o
conceito de direito variou tanto quanto as sociedades e as formas dela. O que se entende por
direito hoje não é exatamente a mesma coisa que se entendia por direito na Roma Clássica
assim como o que se entende por Estado hoje não o é, mas não o é exatamente, pois “deve
haver” não, há algo que permanece, que sobrevive às mutações, como as características que
tornam o homem em um homem mesmo depois de tantos milênios de evolução e tantos pelos
a menos. São essas características que tornam o direito no que ele é a sua essência, o que não
exclui, porém, que haja outras características mais efêmeras que distinguem o direito de uma
determinada época para outra, mas que não o sustentam, ou seja, o direito não pode ser
estudados sob esses aspectos.
A essência é o ser e o não ser. Silêncio é a ausência de som, e o som é a ausência do
silêncio. É o ser e o não ser que o diferenciam do seu antônimo, ou do seu próximo. A
essência é o nome próprio antes do sobrenome, e, assim como o nome próprio de uma pessoa,
ela não está na coisa de que dizem ser ela a essência, ela foi posta, e, por ter sido posta
anteriormente à tomada de consciência de que existe essência, ela é essencial. A essência é
um estabelecimento clássico, é algo posto antes de nós e que perdurará depois de nós.
Tomando o clássico exemplo da mesa: a essência não é como um perfume que a mesa exala, a
mesa não diz que é mesa, não há na mesa algo que necessariamente a caracterize como tal,
isto é, a essência da mesa não é algo intrínseco a ela, mas nela posto anteriormente a se
descobrir de que existia algo chamado “essência”. Sim, a essência existe, existe porque foi
estipulada muito antes de se saber que o era.
É nesse contexto em que se insere a busca pelo conceito de direito, pois os juristas que
o procuram devem saber discernir entre quais os aspectos efêmeros e essenciais do direito,
pois é nestes em que se encontram a base para o conceito, isto é, o conceito de determinado
ser busca a sua essência, já que, além de auxiliar a conceituação, “a possibilidade de se
9

fornecer a essência do fenômeno confere segurança ao estudo e à ação. 16”. Para tanto, valem-
se da lógica, mas não exclusivamente. A lógica é uma abstração, o objeto direito é real,
influenciado por inúmeros outros fatores, como econômicos, sociais, históricos e até
religiosos. Faz-se necessário, portanto, uma coadunação de lógica, estudos ontológicos,
sociológicos, filosóficos, estabelecimentos de objetos materiais, sensíveis, tangíveis, como as
normas coercitivas, a fixação de fatos inquestionavelmente observáveis, como o ordenamento,
por exemplo. Em decorrência disso, vê-se a relevância, ainda que muito se objete em relação
a ele, do tradicionalismo, que fornece visões preliminares e clássicas que podem clarear a
noção do que seja essencial ao direito. É com base, então, majoritariamente, num estudo
lógico e tradicional – que pode, sim, configurar um estudo moderno – que se levantam hoje os
pilares da conceituação do direito, a busca pelo seu real objeto, pela sua essência.

4. Especificidade do objeto jurídico


Desse estudo lógico e tradicional decorre a necessidade de destacar o direito frente às
demais ordens normativas. Ou seja, é imprescindível que, antes de tudo, separe-se o direito da
religião, da moral e dos usos sociais; que dirigem as interações humana. São muitos os
desacordos entre os juristas em relação ao meio pelo qual isso seja feito, mas as várias
discussões sobre o assunto resultaram em alguns fundamentos que possibilitam essa distinção,
chamados notas distintivas.
A primeira delas foi a exterioridade da conduta humana, cuja grande referência se
encontra em Thomasius, que distinguiu a ação humana em duas fases: a interna, no contexto
mais subjetivo, no campo da consciência, na qual o único juiz regulador é o próprio indivíduo,
que só pode recorrer à moral; e a externa, ou seja, sua relação com os outros membros da
sociedade. Nesta ação exterior há uma autoridade reguladora que não o próprio indivíduo, e é
neste aspecto que surge essa nota distintiva, a exterioridade.17 Porém, ela é insuficiente para
separar totalmente o direito das demais.
Outra nota que auxilia a distinção é a heteronomia do objeto jurídico, termo este
encontrado e desenvolvido na filosofia de Kant, que pode se encontrar inserido dentro da
exterioridade, visto que é apenas um detalhamento desta. A heteronomia é o termo que
designa a autoridade do direito de impor suas leis sem levar em total consideração a vontade
de um indivíduo, ou seja, são as leis fixadas a priori.

16
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Op. Cit. P. 12.
17
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. P. 654.
10

Há ainda a coercitividade, que é a possibilidade legitimada do direito de usar a


violência para se fazer obedecido. A ideia de coação é tão forte que muitos a consideram
intrínseca ao direito, como Kant e Jhering – este colocando a coação e a norma como
elementos inseparáveis. Essa nota muito se confunde com a coercibilidade proposta por
Thomasius, mas se distinguem justamente por esta não considerar a coação como obrigatória
e intrínseca ao direito, mas como algo que pode estar ligado ao direito, que é extrínseco a ele,
que pode existir ou não.18 Muitos hoje tomam estas duas notas como apenas uma, cuja ideia
prevalecente é a da primeira, o que deixa claro, portanto, que a coação é, hoje, um elemento
mais considerado natural ao direito, e não independente dele.
Como última destacada nota distintiva, tem-se a bilateralidade do direito – diferente da
bilateralidade simples –, que se apoia na relação dual entre indivíduos, com teor jurídico, ou
seja, com a ideia de direitos e obrigações, poderes e deveres. O que faz desta característica do
direito uma nota distintiva é que ela opera de modo eficaz na sociedade, diferentemente das
outras ordens normativas, que, apesar de também algumas se preocuparem com as relações do
sujeito, não obtêm êxito. Existem, além dessas quatro notas, outras, que podem ser notas
individuais ou especificações destas – como o é a própria heteronomia –, como a alteridade:
que, vinculada à teleologia, importa-se com o relacionamento humano. Porém, muitas dessas
notas padecem de base teórica ou científica, e acabam não sendo utilizadas.

5. Conclusão: o direito majoritariamente como direito posto


Fica claro, depois de tudo, que propor uma definição de direito é uma grande
presunção, visto que toda definição não prescinde de fundamentos teóricos acerca do que ela
mesma propôs, ou seja, as definições necessitam de outras definições que a definam e assim
sucessiva e eternamente, de modo que não se chega a uma conclusão definitiva. Além do
mais, a complexidade já elucidada do direito deixa evidente que o seu caráter múltiplo
renuncia a definições unitárias, sendo mais positivo analisá-lo sob seus diferentes aspectos
fundamentais.
Cabe analisar, de início, o direito quanto positivo e natural. A existência de um não
nega a existência do outro. Há quem acredite que o direito é apenas o positivo e o que o
natural é somente uma moral vigente, pois a existência do direito positivo é inquestionável, já
que é tangível, diferentemente do direito natural, que é uma abstração. No entanto, este pode
ser considerado como um ideal moral que se busca atingir por meio do direito positivo. O

18
Idem, Ibidem. P. 655/658.
11

caráter inquestionável do direito positivo é o motivo pelo qual este tem sido mais estudado
pela dogmática jurídica.
Ademais, o fundamento de validade do direito não é retirado de uma norma ou de um
fato palpável, mas sim de ambos, pois ambos se complementam. Uma norma não faria sentido
sem um fato, assim como um fato não o faria sem uma norma. A mesma coisa acontece ao
fenômeno que pode resultar no conceito de direito, ele não pode ser único e exclusivo, pois
esse não é o caráter do direito. “O conceito” de direito – já que o mais sensato seria “os
conceitos” – é resultado de variados fatos que se complementam em sociedade.
Outro viés que se pode tomar para se conseguir explanações mais precisas é a análise
da realidade jurídica, que pode ser observada sob o aspecto empírico, analítico e hermenêutico
– sempre considerando que essas tipificações são meros Tipos Ideias, tais quais propostos por
Weber, que não correspondem à complexidade da realidade tal como ela realmente é, mas o
seu uso auxilia na compreensão acerca dela, por isso são tão necessários.
O empirismo, como mostra Chaui, busca a verdade por meio da experiência
sensorial19. O caráter predominantemente empírico do direito, portanto, mostra-se
logicamente sustentado pela sua positividade, cujos aspectos irrefutáveis se relacionam àquilo
que a este caráter se coliga: o poder – estatal ou não – que permite institucionalizar o direito,
ou seja, torná-lo formal. Assim, poder-se-á dominar com mais eficácia a sociedade, uma vez
que os critérios que a regem foram estabelecidos por quem a governa. Justamente por esse
fato é que o caráter empírico do direito é tão prestigiado ao se estudá-lo. Além do mais, o fato
de reduzir o direito a uma experiência facilita a sua abrangência, ou seja, tomado como
empírico, as chances de o direito se mostrar efetivo aumentam exponencialmente.
O aspecto analítico, por sua vez, com finalidade de conceituar o direito a partir da
norma jurídica, divide-se em três: validade, estrutura lógica e natureza do fato. Este caráter se
concentra numa análise formal e restrita às normas estabelecidas, o que destaca sua relação
com o positivismo jurídico, mas dissociam-se no momento em que, para este, o fato é
correlato à norma, e para aqueles, não. Esse aspecto do direito começou a ganhar força com o
advento do capitalismo, que, em busca de uma uniformidade nas transações comerciais, deu
especificidade ao direito20, e hoje tem ainda maior relevância, visto que, cada vez mais, o
direito-norma predomina como “conceito superior” de direito, não atendendo exclusivamente
às necessidades do capitalismo, mas também visando a garantir e reforçar a ordem alcançada

19
CHAUI, Marilena. Op. Cit. P. 71.
20
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. 1ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007. P.
13.
12

por meio das normas nos últimos séculos. No entanto, esse aspecto é demasiadamente estrito
para se considerá-lo eminente no estudo abrangente que envolve o direito.
Por último, o caráter hermenêutico do direito, que é fruto de uma já desenvolvida
teoria acerca da axiologia envolvida no comportamento humano ao qual se reporta o direito,
trouxe a este a noção do valor. Este fator valorativo confirma a presença, ainda que pequena,
de uma subjetividade no processo jurídico tanto de formulação das normas quanto de
julgamento ou interpretação delas – sendo esta interpretação à qual se refere Tércio, ao
afirmar que “a determinação do sentido das normas, o correto entendimento do significado
dos seus textos e intenções, tendo em vista a decidibilidade de conflitos constitui a tarefa da
dogmática hermenêutica.21”, o que corrobora a influência subjetiva, visto que toda
interpretação é subjetiva –, trazendo à tona a noção de direito natural como variante da moral
da sociedade ou do indivíduo, o que pode atestar a sua abstrata existência. Essa existência,
ainda que vaga, difusa e contestável, do direito natural não retira, no entanto, do direito
positivo a sua credibilidade, visto que este é o que trabalha com objetos palpáveis e
observáveis que ainda servem como maiores influenciadores nas decisões da epistemologia
jurídica. Porém, não se pode excluir as concepções acerca do direito natural do estudo do
direito somente porque este não influi diretamente sobre ele, o que não é uma afirmação de
todo correta, pois, por mais que seja o direito positivo alicerce da epistemologia jurídica,
assim também o é o direito natural para o direito positivo.

21
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Op. Cit. P. 221.
13

Referências:
- Primária:
ADEODATO, João Maurício. Positividade e Conceito de Direito. Capítulo quinto do
livro Ética e Retórica: Para uma teoria da dogmática jurídica. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,
2009.
- Secundárias:
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de Filosofia do Direito. 1ª ed.
São Paulo: Ícone, 1995.
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. 13ª ed. São Paulo: Ática, 2003.
FERRAZ JR, Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão,
Dominação. 7ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 2013.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MASCARO, Alysson Leandro. Introdução ao Estudo do Direito. 1ª ed. São Paulo:
Quartier Latin, 2007.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 26ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2005.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 23ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2003.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

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