O Descobrimento da América sob a ótica cinematográfica e literária: similitudes e
divergências Thiago Firmino de Souza1
O ano de 1492 e o chamado “Descobrimento da América” foi o tema principal
das duas obras que serão analisadas nesse trabalho: o livro História do Novo Mundo de Serge Gruzinski e Carmen Bernand e o filme 1492. Ainda que analisando o mesmo assunto, as duas obras apresentam resultados diferentes porque o objetivo proposto em cada uma diverge. O livro faz uma análise histórica do processo de descoberta do Novo Mundo. Seu maior compromisso é com a verdade histórica, ou pelo menos com uma versão dela. Ele faz um estudo detalhado sobre a situação política, social, econômica e cultural dos colonizadores e dos colonos; mais do que isso, Gruzinski e Bernand mostram como se deu o choque e o contato entre essas duas partes. Em contrapartida, a indústria cinematográfica não tem tal compromisso com a verdade histórica e com análises científicas. Obviamente, o maior objetivo do filme é o entretenimento. E à custa desse muitos aspectos tem que ser sacrificados: partes importantes da história são resumidas de maneira que não alonguem o enredo; partes não tão importantes - mas que realçam o aspecto artístico da obra - recebem um enfoque desproporcional; sem falar, é claro, nas mudanças que podem ocorrer na história para que o resultado seja mais agradável. A história em si serve de plano de fundo para uma apresentação artística. Apesar disso, nada impede que os filmes possam trabalhar alguns (dificilmente todos) aspectos históricos de maneira verídica e ainda assim serem agradáveis de ver. Muitos são os exemplos dessa combinação, como Desmundo e O Pianista. 1492 não foge a essa regra. O objetivo desse trabalho é apresentar uma análise comparativa da maneira como o livro e o filme trabalham um mesmo aspecto histórico. Serão selecionados um aspecto em que as abordagens coincidem e um outro em que elas divergem. É pública e notória a verdadeira guerra entre espanhóis e índios - que culminou, junto com outros fatores, em um genocídio - instaurada na América com a chegada dos europeus. Tanto o filme quanto o livro fazem uma análise desse choque entre culturas 1 Aluno de graduação do 3ºperíodo do curso de História da Universidade federal de Juiz de Fora. divergentes de uma maneira muito semelhante. Ambos relatam o espanto inicial da população indígena com os europeus e como essa convivência se estabeleceu de maneira pacífica. Também fica claro nas duas obras que do mesmo modo que havia pessoas que acreditavam nesse tipo de convivência, muitos pensavam que os europeus deveriam submeter os índios violentamente. Eles trabalham também como que essa pacificidade foi sendo substituída por intolerância à medida que os europeus perdiam a paciência por não conseguir encontrar os metais preciosos e as especiarias que tanto buscavam. Essa relação – e a maneira que ela foi se transformando – entre índio e europeu, entre não-civilizado e civilizado é tratada de forma semelhante pelas duas obras. É claro que enquanto o livro tenta trazer credibilidade ao assunto tratado com dados quantitativos, o filme tenta chocar com imagens fortes e bem trabalhadas. Não tão notória assim é a ideia de que Colombo teve muita dificuldade para ter sua expedição patrocinada. Como nos mostra Gruzinski e Bernand, antes de propor a empreitada a Fernando e Isabel, o Almirante esteve em Lisboa com o mesmo intuito. Seu projeto, para sua tristeza, foi muito mal recebido. Colombo teria sido ridicularizado pelos portugueses – que estavam mais avançados na corrida marítima em reação à Espanha – e acabou indo tentar a sorte na vizinha ibérica com os Reis Católicos. Sua proposta também teria sido recusada pelos espanhóis, mas estes teriam mudado de ideia logo em seguida, vendo ali uma grande chance para ultrapassar Portugal no desenvolvimento naval. Mas não é bem assim que esse incidente é relatado no filme. Em 1492, Colombo teve sua proposta ridicularizada pelos próprios espanhóis, sem nunca ter passado por Portugal. Os grandes intelectuais das universidades de Salamanca teriam zombado Colombo pelos seus erros de cálculo e de custo da empreitada, classificando a como impossível. Até a volta de Colombo, que como conta o livro acontece em Portugal, nos é mostrada no filme como fato ocorrido inteiramente na Espanha. Há outros aspectos históricos das duas obras que coincidem, como a dúvida sobre quem foi o primeiro a avistar terra na viagem; outros tantos divergem, como a morte de Matin Alonso Pizon. A conclusão que chegamos é que o livro é muito mais seguro de ser adotado como fonte de conhecimento. Em contra partida, o filme é uma ótima fonte de entretenimento e tem muitos aspectos verídicos. A melhor maneira de uni-los é a utilização do livro como forma de obtenção de conhecimento científico e o filme como uma forma de construir uma imagem da situação.