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Supervisão editorial
Marcos Simas
Capa
Oliverartelucas
Revisão
Carlos Buczynski
Diagramação
Clara Simas
CRISTIANISMO VERDADEIRO
Discernindo a fé verdadeira da falsa
William Wilberforce
Brasília
© 2006 Editora Palavra
Título original
Real Christianity
Impressão
Imprensa da Fé, SP
1ª Edição brasileira
Setembro de 2006
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sem o consentimento prévio,
por escrito, dos editores, exceto para breves citações, com indicação da fonte.
Obra publicada originalmente em inglês sob o título: Real Christianity : discerning true
faith from false beliefs.
ISBN
CDD: 230
CDU: 274.1/07
Sumário
Prefácio ..................................................................................... 7
Introdução .............................................................................. 13
Capítulo I ................................................................................ 19
Concepções inadequadas acerca da importância do cristianismo
Capítulo II .............................................................................. 27
Conceitos inadequados acerca da natureza humana
Capítulo IV ............................................................................. 65
Conceitos inadequados acerca da natureza e da disciplina do
cristianismo prático
Editando os clássicos
James M. Houston
Nota do Editor
O livro
O autor
James M. Houston
Introdução
atesta que Cristo está vivo e que o seu povo diferente existe
para fazer diferença.
A já longa trajetória de militância na política estudantil,
sindical e partidária, ou envolvimento nos movimentos sociais
cristãos, minha e de muitos da minha geração, não teria sido
possível sem atentarmos para a vida e as idéias de homens como
William Wilberforce. Os leitores de hoje poderão dar novos ru-
mos às suas vidas sem rumos, ou com falsos rumos a partir da
leitura de Cristianismo Verdadeiro, com sua análise sobre a im-
portância do cristianismo e do estudo das Sagradas Escrituras,
e a percepção de conceitos inadequados da natureza humana e
do comportamento humano, sua condenação em relação à in-
diferença no que diz respeito à verdadeira doutrina, ou ao amor
desordenado às glórias deste mundo. Um texto que analisa o
contexto da história do seu país, as suas mazelas e aponta para
a excelência e o valor do verdadeiro cristianismo, não só para
as vidas dos indivíduos como para a vida das nações, e quais os
passos práticos para a compreensão e a vivência desse verdadei-
ro cristianismo.
Os clássicos nunca ficam ultrapassados, mas sempre atu-
ais. Alimentam as novas gerações, pois não são antiguidades,
mas expressões históricas do eterno.
Robinson Cavalcanti
Cientista político e escritor,
é Bispo anglicano.
Capítulo I
“o que faço não é o bem que desejo, mas o mal que não quero
fazer, esse eu continuo fazendo” (Romanos 7.19). Na lingua-
gem do puritano Richard Hooker, “os pequenos frutos que obte-
mos com a santidade são, Deus sabe, corruptos e doentios. Não
colocamos jamais a confiança neles. Não desafiamos nada no
mundo por eles. Ousamos não clamar a Deus para ajuste de
contas, como se o tivéssemos em nossos livros contábeis. Nossa
demanda contínua para com Ele é, e deve ser, que carregue nos-
sas enfermidades e perdoe nossas ofensas”.
Esta é a história moral e estas são as condições do ho-
mem. Os contornos da pintura podem variar. A coloração
pode às vezes estar mais escura ou, às vezes, com um matiz mais
leve. Mas os princípios da composição e os contornos majes-
tosos são os mesmos em toda parte. Para onde quer que volte-
mos nossos olhos, descobrimos provas deprimentes de nossa
depravação. Quer olhemos para os tempos antigos quer para os
modernos, para as nações bárbaras ou civilizadas, para a con-
dução do mundo ao nosso redor ou para o monitor dentro do
peito, ou mesmo para aquilo que lemos, ouvimos, executamos,
pensamos ou sentimos, a mesma lição humilhante se impõe
sobre nós.
As circunstâncias podem variar de indivíduo para indiví-
duo. A servidão de uns é mais rigorosa que a de outros. Alguns,
também, por um tempo, parecem ter escapado de seu confina-
mento. Mas ninguém é completamente puro. Todos, sem exce-
ção, em um nível maior ou menor, carregam consigo as obras
vergonhosas de seu cativeiro.
Em uma investigação completa e justa, esta deve nos le-
var à constatação de que as coisas são realmente assim. Como
deve o pecado ser considerado em relação ao homem? Há al-
guma possibilidade de outra explicação que não essa de alguma
mácula original, algum princípio radical de corrupção? A causa
poderosa foi apontada, a qual pode completa e suficientemente
responder pelo efeito maléfico.
34 CRISTIANISMO VERDADEIRO
•Que “Pois Deus tanto amou o mundo que deu o seu Fi-
lho Unigênito para que todo o que nele crer não pereça, mas
tenha a vida eterna” (João 3.16).
• Que o nosso bendito Senhor de livre e espontânea von-
tade deixou a glória do Pai, e se fez homem.
• Que “foi desprezado e rejeitado pelos homens, um ho-
mem de dores e experimentado no sofrimento” (Isaías 53.3).
• Que “foi traspassado por causa das nossas transgressões,
foi esmagado por causa das nossas iniqüidades” (Isaías 53.5).
• Que “o Senhor fez cair sobre ele a iniqüidade de todos
nós” (Isaías 53.6).
• Que por fim “humilhou-se a si mesmo e foi obediente até
à morte, e morte de cruz...” com o propósito de que todos os que
realmente se arrependerem e tenham a verdadeira fé venham a
ele, não pereçam, mas tenham a vida eterna (Filipenses 2.8).
• Que Ele “está à direita de Deus, e também intercede por
nós” (Romanos 8.34).
42 CRISTIANISMO VERDADEIRO
intenso das paixões para com seu objeto legítimo. Por outro
lado, elas apresentam como altamente criminoso um coração
frio, duro e insensível. A Bíblia declara que a mornidão é objeto
da repulsa e da aversão divina. E que Deus abençoa e se deleita
no zelo e no amor. Ele promete, nas Escrituras, desfazer um co-
ração de pedra e implantar uma natureza mais calorosa e terna
em seu lugar, como resultado de Seu favor restituído; elas são a
obra de Sua graça renovadora.
É a oração de um mestre inspirado, em favor daqueles por
quem ele mais estava interessado, “que o amor deles”, já reco-
nhecido como sendo grande, “aumente cada vez mais” (Fili-
penses 1.9). As Escrituras prescrevem esses modos de adoração
como os que mais podem despertar as emoções adormecidas e
mantê-las em constante atividade. A soma expressa da música
e do canto aumenta seus resultados.
Se olharmos para os personagens de maior destaque nas Es-
crituras, nós os encontraremos calorosos, zelosos e apaixonados.
Quando envolvidas em sua atividade favorita de celebração da
bondade de seu supremo Benfeitor, suas almas parecem incendiar
e seus corações se iluminam em arrebatamento. Os poderes da
linguagem são inadequados para expressar seu nível de contenta-
mento. Eles convidam toda a natureza a juntar-se em coro, e a se
unir a eles nos aleluias de gratidão, alegria e louvor.
O homem segundo o coração de Deus está repleto des-
sas expressões ardentes mais do que qualquer outro escritor. Os
textos do salmista parecem nos ter sido concedidos a fim de
dar o tom dessas expressões, assim como deram a todas as ge-
rações anteriores. Em seu comentário sobre os Salmos, o bis-
po de Norwich, Dr. George Horne, parecia estar aquecido pela
mesma chama celestial quando disse: “na linguagem deste livro
divino, os louvores da igreja têm sido oferecidos diante do trono
de graça geração após geração”.
Quando aprouve a Deus fazer parar o futuro apóstolo dos
gentios em sua carreira extraordinária, e torná-lo um monu-
52 CRISTIANISMO VERDADEIRO
doutrinas não são mais do que uma teoria estéril e inútil (ou no
mínimo desnecessária). Podemos substituir esta teoria por um
plano mais simples e menos dispendioso.
Mas será que isto seria possível? Estaria o cristianismo
então reduzido a um mero credo? Sua influência estaria res-
trita a algumas poucas possibilidades externas? Sua essência
consistiria somente de algumas poucas opiniões especulativas
e algumas poucas crenças inúteis e não proveitosas? E pode-
ria ser esta a base da distinção significativa que é claramente
feita pelo evangelista entre os que aceitam, e os que rejeitam
o Evangelho? “Quem crê no filho tem a vida eterna; já quem
rejeita o Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece
sobre ele” (João 3.36).
Esta atitude negligente é semelhante à da situação que
ocorria nas viagens de Espanha e Portugal no século XVI. Sain-
do em direções opostas, do oeste para o leste respectivamente,
eles cruzavam um com o outro no momento exato em que pensa-
vam estar mais distantes. Assim, cristãos nominais chegam com
um trajeto diferente ao mesmo ponto e ocupam praticamente
o mesmo espaço daqueles que, eles consideravam, tinham um
ponto de vista oposto do deles, e cujas crenças detestavam. Mas
que cortesia perversa de linguagem seria esta, na qual o nome de
“cristianismo” tenha encorajado a este sistema imprestável?
sim como seu divino Autor. Todo empenho e toda busca devem
reconhecer a sua presença. Ela é como a circulação de sangue
que anima todas as partes do corpo humano e comunica sua
influência bondosa a seus menores e mais remotos tecidos.
Mas a noção de religião cultivada por muitos entre nós
parece totalmente diferente. Eles começam tirando as cercas do
campo de ação de um certo território que pode ser produtivo e
para o qual podem ter olhado com um olhar de interesse. No
entanto, eles o vêem como campo proibido.
Depois, designam para a religião um pedaço de terra –
maior ou menor, de acordo com suas visões e circunstâncias
– no qual ela tenha meramente uma jurisdição qualificada. Isto
feito, eles supõem que têm o direito de vagar a esmo pelo res-
tante do amplo território.
Em outras palavras, a religião pode reclamar somente uma
proporção declarada de seus pensamentos, seu tempo, seu di-
nheiro e sua influência. Se derem uma permissão liberal a um
ou mais desses recursos, eles então supõem que satisfizeram à
religião. O resto é deles; fazem com ele o que bem entendem.
Pagaram seus dízimos; satisfizeram à demanda da igreja. Por cer-
to obtiveram permissão para desfrutar do que resta sem interfe-
rência!
É quase impossível descrever com veemência suficiente o
engano resultante deste erro fundamental. Suas conseqüências
são óbvias. Pois ele presume que a maior parte das ações huma-
nas seja indiferente à religião. Se os homens não são respon-
sabilizados por seus verdadeiros vícios, eles são aprovados na
execução de suas tarefas religiosas e não se desviam para terreno
proibido. E se refletem os direitos à porção de terra dada à reli-
gião, o que mais esperar deles?
Assim, ao invés de manter distância de todo o pecado
– que por si só é o que podemos fazer de mais seguro – eles pro-
vavelmente não se importarão em chegar bem perto daquilo
que consideram a fronteira. De fato, se sentirem que não a ul-
76 CRISTIANISMO VERDADEIRO
toda a honra e glória a quem elas são devidas. Ele é falso, por-
tanto, porque exalta o que deveria ser humilhado. Também é
criminoso, porque invade o privilégio de Deus.
As Escrituras nos ensinam que a humanidade está sujeita
ao erro, e, portanto, o mundo comete erros em suas recomenda-
ções. Isso não é tudo. Elas também nos lembram que seu julga-
mento é obscurecido e seu coração depravado: daí seus aplausos
e seu desprezo, na maioria das vezes, serem sistematicamente
mal direcionados.
Note o forte contraste quando o espírito benevolente e
desinteressado do cristianismo aspira mais do que a simples exce-
lência. Ele quase nunca sucumbirá à repugnância e à ofensa ao
suscitar desconfiança ou um doloroso sentimento de inferiori-
dade. A Palavra de Deus nos ensina que podemos professar sem
ofensas essas doutrinas e preceitos do cristianismo juntamente
com princípios, anseios e sistemas do mundo. Às vezes, no en-
tanto, o cristão terá de se opor e divergir desses valores.
Por estas e outras razões, o seguidor de Cristo deve con-
cordar em abrir mão do favor mundano. Ou mais ainda, ele de-
veria encorajar uma santa inveja ou desconfiança de si mesmo,
quando o mundo, generosa e exageradamente, lhe dedicasse
louvor.
Uma vez que devemos direcionar nossas paixões para as
coisas do alto e nos associarmos às coisas celestiais – e constante
e totalmente desejar o amor e o favor de Deus –, a conseqüência
natural é a de que o amor ao aplauso humano deve ser pre-
judicial à saúde. Pois ele tende a atrair nossa atenção para as
preocupações terrenas e manter cativos os nossos desejos dentro
dos limites estreitos deste mundo. Uma vez impuro – reforçado
pela tendência por desejar e amar demasiadamente as opiniões
positivas e recomendações do homem –, devemos enxergá-lo
com desconfiança.
As Santas Escrituras nos advertem, portanto, contra o de-
sejo desordenado ou a busca incansável pela estima e pela honra
CONCEITOS INADEQUADOS ACERCA DA NATUREZA E DA
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DISCIPLINA DO CRISTIANISMO PRÁTICO
trata, não procura seus interesses”, e que “Tudo sofre, tudo crê,
tudo espera, tudo suporta” (I Coríntios 13.4, 5, 7).
Analise a vida por inteiro, da primavera da juventude,
com seu vigor de confiança juvenil, esperanças ardentes, às bus-
cas em vão e esperanças frustradas da vida em idade avançada.
Uma pequena experiência pessoal com o egoísmo da humani-
dade desestimulou o entusiasmo generoso e os sentimentos bons
que primeiro desfrutamos. A consciência viva e a simplicidade
confiante de nossos primeiros anos foram repreendidas.
Acima de tudo, a ingratidão adoece o coração e arrepia e
engrossa o sangue da vida da benevolência. Por fim, nosso Nero
juvenil – doce e susceptível – torna-se um tirano implacável e
cruel.
Como é com a benevolência natural, também o é com
as chamadas vidas úteis. Novamente, seu valor intrínseco está
pronto a ser supervalorizado. Elas são o resultado de uma ocupa-
ção e de uma atividade naturais, que são sinônimo de movimen-
to constante. E elas também amam receber crédito por isso.
Se for de conhecimento geral que a religião tende a esti-
mular essas “utilidades”, elas tenderão a ser “religiosas” também.
No entanto, se a sua conduta fosse analisada, observaríamos
uma perda da verdadeira bondade, a qual só pode ser fruto de
um princípio mais elevado. Se elas tivessem essa bondade nelas,
elas teriam sido notadas e a sua influência teria sido estendida
a outros.
Suponhamos, no entanto, que o padrão dessas qualidades
de benevolência e utilidade fosse maior do que o que descre-
vemos. Será que, ainda assim, elas poderiam ser um substituto
para o amor supremo e o temor a Deus, e o desejo dominante de
promover a Sua glória?
Permitir a elas este argumento seria como permitir aos
homens que abolissem o primeiro mandamento, na preferên-
cia de obedecer ao segundo. Mas a verdadeira religião não tem
condição de inventar uma composição de deveres como esta.
102 CRISTIANISMO VERDADEIRO
A excelência do verdadeiro
cristianismo
mento. Pode ser ainda mais valioso descobrir algumas das cau-
sas em questão, a fim de observar como as circunstâncias o afe-
tam. A experiência garante – e a razão justifica e explica – que
a perseguição geralmente tende a despertar o vigor e estender
o predomínio da opinião que ela busca destruir. “A máquina
maligna da perseguição ricocheteia sobre si mesma”.
O cristianismo, particularmente, tem sempre crescido sob
perseguição, uma vez que, em tempos assim, não há lugar para
adeptos mornos. O cristão é então lembrado de que o reino de
seu Mestre não é deste mundo. Quando tudo sobre a terra es-
curece, ele olha para o céu em busca de consolo. E então vê a
si mesmo como um peregrino e um estrangeiro. Pois é na hora
da morte que ele examinará bem suas bases e se agarrará a seus
fundamentos.
Mas quando a religião está em uma situação de quietude
e prosperidade, o efeito oposto tende a tomar lugar. Os soldados
da igreja militante têm então a tendência de esquecer que estão
em guerra. Seu ardor afrouxa e seu zelo definha. John Owen
fez uma comparação apropriada: a religião, em uma situação de
prosperidade, é como uma colônia há muito estabelecida em
um país estrangeiro. Ela passa a ser assimilada em suas caracte-
rísticas, comportamento e língua pelos habitantes nativos até
que todos os vestígios de sua distinção tenham desaparecido.
Se esses princípios gerais acerca dos efeitos da persegui-
ção e da prosperidade forem verdadeiros, sabemos então o que
esperar da situação do cristianismo em nosso país. Pois ele tem
estado, por um longo tempo, incorporado a um contexto que
está intimamente misturado a nossas instituições civis. As pes-
soas em geral simplesmente crêem que ele possui um interesse
comum a todas elas. A religião teve permissão para “exaltar sua
fronte mitral em fóruns e parlamentos”.
Ela é como um estabelecimento cujos escritórios são extre-
mamente numerosos. Ao contrário do sacerdócio judaico ou dos
brâmanes entre os hindus (uma casta de sucessão hereditária),
126 CRISTIANISMO VERDADEIRO
outros, eles então passam por “pessoas de boa índole”. Seus co-
rações, no entanto, talvez não estejam mais supremamente cen-
trados na grande obra da salvação como haviam estado antes.
Ao contrário, sua inclinação principal está sobre suas crescen-
tes fortunas ou no sustento de suas famílias.
Enquanto isso, eles se vangloriam de ter deixado seus ví-
cios, os quais estranhamente não são mais tentados a cometer.
Por fim, a terceira idade produziu seus avanços. Agora,
mais que em qualquer outro tempo, esperaríamos que esta fosse
a ocasião para dar às coisas eternas a maior de todas as atenções.
Nada disso! Espera-se deles agora que sejam indulgentes para
com as fraquezas e tolices da juventude, lembrando que quando
foram jovens entregaram-se às mesmas práticas.
Isto se opõe radicalmente ao repúdio pelo pecado que é
por certo característica do verdadeiro cristão. Tal repulsa faz
com que olhem para seus vícios passados de seus dias de ju-
ventude com vergonha e tristeza. E então, ao invés de serem
condescendentes para com os jovens em suas selvagerias e in-
conseqüências – privilégio de sua idade e das circunstâncias (!)
– eles estão prontos a adverti-los acerca daquilo que provou ser,
para eles, matéria de amarga reflexão.
Assim, por toda a vida, consideramos vários meios de fa-
zer calar a voz da consciência, “paz, paz, dizem, quando não há
paz alguma” (Jeremias 6.14). E encontramos essa complacência
em nós mesmos e nos outros, embora ela devesse somente pro-
ceder da consciência de se estar reconciliado com Deus e da
busca humilde pela esperança de possuir Seu favor.
Eu sei que muitos irão definir esses sentimentos como in-
justos. Não me sinto desencorajado por essa avaliação.
É tempo de dar cabo dessa ladainha insensível de caridade
que insulta a verdadeira compreensão e faz calar os verdadei-
ros interesses pelo bem estar de nossos semelhantes. Quanto
remorso e amargura eles armazenam para seu tormento futuro!
Que bobos miseráveis eles são por essa caridade tão distorcida,
144 CRISTIANISMO VERDADEIRO
especialmente quando foi para Oxford pela primeira vez como es-
tudante. Ele achou os estudos ali “uma interrupção ociosa e inútil
de estudos proveitosos, horrível e intensamente superficial.”9
Mas Wesley ficou encantado com o Discurso sobre a Simpli-
cidade, do Cardeal Fenélon; a obra deu a ele a percepção de que
a simplicidade é “aquela graça que força a alma a deixar todas as
reflexões desnecessárias e voltar-se para si mesma.”10 Em férias, sua
amiga e guia espiritual, Sally, deu a ele uma cópia do livro de Jere-
my Taylor, Regra e Exercício do Santo Viver e Morrer. Ele admite que
essa obra “selou definitivamente minha prática diária de registrar
minhas ações (que eu tenho fielmente continuado até o presente
momento), e que me levou, mais tarde, a prefaciar aquele primeiro
Diário com as regras e resoluções de Taylor. Isso me ajudou a desen-
volver um estilo de introspecção que me manteria em constante
contato com a maioria de meus sentimentos.”11 É de se questionar
o quanto teriam Fenélon e Jeremy Taylor contestado as convic-
ções de um jovem confuso.
Aproximadamente naquela mesma ocasião, Sally também
encorajou Wesley a ler a obra de Thomas à Kempis, Imitação de
Cristo. Essa obra também deixou sua marca nele, de modo a fazê-
lo decidir-se por pertencer a Deus ou perecer. Essas obras, no en-
tanto, em certo sentido, somente prolongaram por treze anos a
necessidade de John Wesley de reconhecer que deveria “nascer de
novo” e aceitar Deus como seu próprio Salvador. Elas, ao mesmo
tempo, deixaram marcas indeléveis em seu caráter e ministério.
Finalmente, pensamos em C. H. Spurgeon e na profunda
influência que os autores puritanos tiveram sobre toda a sua vida
e ministério. Ele tinha uma coleção de 12.000 livros, aproximada-
mente 7.000 deles de escritores puritanos. Spurgeon leu por vezes
incontáveis Maçãs de Ouro, de Thomas Brooks. Ele também de-
dicou muito tempo à obra de Brooks, Remédios Preciosos Contra
os Artifícios de Satanás. Ele tinha enorme prazer em todas as doces
obras devocionais de Brooks.
Mas livros de Thomas Goodwin, John Owen, Richard Char-
nock, William Gurnall, Richard Baxter, John Flavell, Thomas
Watson, e, é claro, John Bunyan, também eram companheiros
de Spurgeon.12 Ele então confessa em seu Conversa sobre Comen-
tários que a obra Comentário de Matthew Henry sobre as Escrituras
APÊNDICE 167
portanto, lê-la de tal modo que ela nos ajude a estarmos inspirados
e afinados com Deus no “homem interior”. Pois é a escrita que nos
coloca em sintonia com o céu e molda o nosso caráter em Cristo.
James M. Houston
NOTAS
1. Eclesiastes 3:11.
2. C. S. Lewis, Peso de Glória (São Paulo, SP: Edições Vida
Nova, 1993).
3. C. S. Lewis, God in the Dock, Walter Hooper, ed. (Grand
Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1970), 200-207.
4. Citado em G. F. Barbour, The Life of Alexander White
(New York: George H. Doran Co., 1925), 117-118.
5. Citado em Richard L. Greeves, John Bunyan (Grand Ra-
pids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1969), 16.
6. F. J. Sheed, ed., The Confessions of St. Augustine (New
York: Sheed & Ward, 1949), 164.
7. Ibid.
8. Steven Ozment, The Age of Reform, 1250-1550 (New Ha-
ven, CT: Yale University Press, 1980), 239.
9. Robert G. Tuttle, John Wesley: His Life and Theology
(Grand Rapids, MI: Zondervan, 1978), 58.
10. Ibid., 100.
11. Ibid., 65.
12. Earnes W. Bacon, Spurgeon: Heir of the Puritans (Grand
Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans, 1968), 108.
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