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CRÍTICA

m arx ista
Revolução chinesa,

Entrevista
antimperialismo e a
luta pelo
socialismo hoje *

João Quartim de Moraes: Na re- Lênin esquecendo a luta contra a injus-


senha que consagrou em O Globo (“Pro- tiça e a opressão? E a esquecia o Mani-
sa & Verso”, 1.1.05) a seu livro Fuga festo do partido comunista quando
da História? – A Revolução Russa e a conclamava o proletariado vitorioso a
Revolução Chinesa vistas de hoje, Lean- servir-se do poder político em primeiro
dro Konder pondera que “a motivação lugar “para ampliar, com a maior rapi-
estrita e estreitamente econômica não dez possível, a massa das forças produ-
combina com os ideais dos socialistas, tivas”? Em realidade, em ambos os ca-
com a luta incessante que eles travam sos, a industrialização, a modernização,
contra as desigualdades, contra a opres- o desenvolvimento das forças produti-
são, contra as injustiças, e em favor de vas são identificados como o instrumen-
um aumento da participação das cama- to fundamental, numa situação bem
das populares na vida política”. determinada (o controle do aparelho
estatal) para começar realmente a
Domenico Losurdo: Quando edificar a nova sociedade à qual se aspi-
sintetizava na fórmula “soviet + eletrifi- ra, para aumentar-lhe a capacidade de
cação” os objetivos básicos do país sur- atração e defendê-la em caso de neces-
gido da Revolução de Outubro, estaria sidade, para levar adiante concretamente

*
Esta entrevista, concedida pelo filósofo italiano Domenico Losurdo a João Quartim de
Moraes, foi suscitada por uma resenha crítica, de autoria de Leandro Konder. Publicada
no jornal carioca O Globo (01/01/2005), sob o título “Novas idéias para repensar velhas
concepções”, a resenha trata de dois livros de Losurdo recém traduzidos para o português.
O livro Fuga da história? A revolução russa e a revolução chinesa vistas de hoje, o objeto
central da entrevista, foi editado pela Editora Revan no 2o semestre de 2004.

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os ideais de emancipação que tinham Cerca de dez anos depois, ardem
presidido a revolução. as chamas da segunda guerra mundial e,
Não diversamente se apresenta- no que concerne à China, está em curso
vam as coisas no referente à República a resistência contra o imperialismo ja-
Popular Chinesa. Em meu livro relem- ponês. No mundo todo a palavra está
brei a afirmação feita por Mao em se- decisivamente com as armas, mas Mao
tembro de 1949, na imediata seqüên- sente todavia necessidade de reiterar:
cia da tomada do poder, segundo a qual
Washington aspirava a tornar a China “Nas condições atuais de guer-
dependente da “farinha americana” e, ra, todos os organismos, as esco-
portanto a transformá-la em “uma co- las e a unidade do exército de-
lônia americana”. Aos olhos do grande vem dedicar-se ativamente à cul-
dirigente comunista era bem claro o fato tura das hortaliças e dos cereais,
de que a luta contra o imperialismo es- à criação dos suínos, à coleta da
tava passando da fase predominante- lenha, à produção do carvão de
mente militar à fase predominantemen- lenha; devem desenvolver o ar-
te econômica. A verdade é que nesta luta tesanato e produzir uma parte
a dimensão econômica nunca esteve dos cereais necessários a seu sus-
ausente e Mao nunca a perdeu de vista. tento […] Os dirigentes do Par-
Eis o que ele escrevia em 23 de janeiro tido, de governo e do exército em
de 1934 (Nossa política econômica), todos os níveis, bem como os das
quando se tratava de defender peque- escolas devem aprender, sistema-
nas e isoladas áreas “libertadas” e sob o ticamente, a arte de dirigir as
controle comunista do cerco e do ata- massas na produção. Aquele que
que da reação: não estuda atentamente os pro-
blemas da produção não é um
“Os imperialistas e o Kuomintang bom dirigente” (Pela redução do
fixaram-se o objetivo de abater as preço dos arrendamentos, 1 de
regiões vermelhas, de minar a outubro de 1943).
edificação econômica […] So-
mente nossa vitória sobre o im- Cultivar “hortaliças” e “cereais”,
perialismo e o Kuomintang, so- criar “suínos” mas onde está terminada
mente nosso trabalho planifica- a luta contra a opressão e a injustiça?
do, organizado, no campo da Em realidade, foi exatamente pela so-
edificação econômica, podem sal- lução de tarefas tão modestas e tão pro-
var nosso povo de uma desgraça saicas que passou a vitória de uma gran-
sem precedente”. de revolução, que desfechou um golpe
devastador no imperialismo e conferiu
um enorme impulso à causa da eman-

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cipação dos povos. O universal se reali- mica a partir de condições e de relações
za sempre através da mediação do par- de força menos desastrosas, eis que tal
ticular, e quem busca o universal em esquerda torce o nariz: ela só é capaz de
sua não contaminada pureza não o en- reconhecer e apoiar uma luta pela eman-
contrará nunca. cipação quando tal luta ocorre em con-
A situação atual apresenta não dições trágicas. Ainda que com algum
poucos pontos de contato com o passa- esforço, com o olhar voltado ao passa-
do. Sem dúvida, bem longe de exercer do, uma certa esquerda logra nutrir sim-
o poder somente sobre regiões bastante patia pelo esforço das regiões vermelhas
limitadas do imenso país asiático, hoje dos anos 1920, 1930 e 1940 para pro-
controlam-no em seu conjunto. Mas, duzir cereais e hortaliças e a criar por-
todavia, está como circundada pelo cos durante a luta de resistência contra
mundo capitalista e imperialista, o qual o Kuomintang e o imperialismo japo-
continua a conduzir contra ela uma nês; mas reserva somente frieza e des-
política de sufoco econômico. Sem dú- dém para o atual esforço da República
vida, hoje muita coisa mudou, mas os Popular Chinesa em desenvolver, por
Estados Unidos tentam impedir de to- exemplo, a indústria eletrônica e a in-
dos os modos o acesso da China às formática.
tecnologias mais avançadas. Se não num
estado de subdesenvolvimento propri- JQM: Mas Leandro Konder ob-
amente dito, Washington gostaria de jeta que pôr o acento sobre o desen-
manter o grande país asiático, de um volvimento das forças produtivas sig-
jeito ou de outro, em condições de atra- nifica esquecer ou relegar ao segundo
so, de modo a poder pressioná-lo, plano o ideal da igualdade.
ameaçá-lo, e no momento oportuno
golpeá-lo e desmembrá-lo. E, de novo, Losurdo: Quando atingiu o po-
o crescimento das forças produtivas é der, em 1949, o Partido Comunista
um elemento essencial da resistência Chinês assumiu a direção de um país
contra o imperialismo. Mas a tal pro- cuja renda per capita era a mais baixa
pósito se verifica um fenômeno bastan- do mundo. Tão extrema desigualdade
te singular. Uma certa esquerda se co- relativamente aos países mais subdesen-
move justamente e se entusiasma quan- volvidos não era um dado natural.
do vê um povo pisoteado, humilhado e Eminentes estudiosos têm chamado a
esfomeado buscar desesperadamente atenção para o fato de que, ainda no
sacudir o jugo da opressão e melhorar final do século XVIII, a esperança de
sua própria situação; mas, quando este vida chinesa estava quase em níveis in-
povo conquistou o poder e está em po- gleses, sendo, pois, superior à média da
sição de conduzir a luta pela consolida- Europa continental. Sobrevêm em se-
ção da independência política e econô- guida as infames guerras do ópio. Sem-

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pre no século XVIII as diferenças de particular, bem longe de significar o
renda e de bem-estar entre as grandes esquecimento do ideal da igualdade, o
civilizações eram antes reduzidas. Su- prodigioso desenvolvimento econômi-
cessivamente, as conquistas coloniais e co da China atual é o ponto mais alto
a industrialização do Ocidente vão sen- da luta para pôr fim a uma ordem in-
do acompanhadas passo a passo pela ternacional fundada na desigualdade e
desindustrialização dos países por ele imposta pela violência capitalista e im-
subjugados. É a história da formação perialista.
do Terceiro Mundo e de seu subdesen- Sem dúvida, além do nível inter-
volvimento. nacional, o problema da igualdade se
A partir pelo menos da Revolu- põe também no âmbito de cada país em
ção de Outubro a luta contra esta pa- particular. E, no referente à China, não
vorosa desigualdade em prejuízo do sul há dúvida de que as regiões litorâneas
do mundo, imposta pela agressão e pelo se desenvolvem mais rapidamente do
saque capitalista e imperialista, é um que as do Oeste. Nem poderia ser de
aspecto central da luta de classe em ní- outro modo: seria bem estranho um
vel internacional. Após ter sido obriga- materialismo histórico e um marxismo
da a conduzi-la por décadas no plano que não levassem em conta a geografia.
militar, o povo chinês pode agora E, no entanto, cabe precisar que o con-
desenvolvê-la no plano mais propria- traste entre Este e Oeste da China não
mente econômico. E não há dúvida de é entre desenvolvimento e subdesenvol-
que grandes resultados foram consegui- vimento mas entre dois graus diversos
dos. Ainda que de extraordinária rele- de desenvolvimento. É como se estivés-
vância, a ultrapassagem do subdesen- semos em presença de dois trens que
volvimento por mais de um quinto da trafegam com velocidades diversas, mas
população mundial talvez não seja, em direção de um nível comum, que é
mesmo assim, a coisa mais importante. o da redução e da anulação do atraso e
A causa da igualdade entre os povos da desigualdade em relação aos países
pode agora dar grandes passos adiante mais desenvolvidos.
também no plano cultural: o Ocidente Mesmo aqueles que por ora via-
capitalista e imperialista está a ponto jam no trem menos veloz deixaram já
de perder o monopólio da tecnologia, para trás as tragédias do passado. Já me
do qual até agora se valeu não só para referi às condições desastrosas do gran-
controlar e estrangular o Terceiro Mun- de país asiático, no momento em que
do, mas também para tornar crível sua os comunistas chegaram ao poder: a
pretensão de representar a Civilização morte por inanição era um fato quoti-
enquanto tal e seu direito a dominar os diano e nos momentos de crise ela eli-
“bárbaros”. Mais uma vez, para quem minava milhões de vidas humanas.
sabe ver a unidade do universal e do Embora tendo sensivelmente melhora-

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do a partir de 1949, a situação alimen- vontade de proceder a uma “redistribui-
tar da China continuou por algum tem- ção da riqueza” e levar ao término “a
po a ser bastante precária. No final dos última etapa do milagre China”, abran-
anos 1950, em conseqüência do desa- gendo as regiões centrais e o Oeste.
piedado embargo imposto pelo imperia- Mutações extraordinárias estão já em
lismo, bem como de alguns erros de curso:
direção política, uma carestia provocada
por condições meteorológicas adversas “Xian é famosa no mundo pelos
se transformou numa catástrofe: a morte guerreiros de argila, mas está se
por inanição tornou a golpear em larga tornando – se tornará – o Silicon
escala a população chinesa. É verdade Valley da Ásia. Um caso que é
que a distribuição dos escassos recursos pouco conhecido. Trinta e seis
era fortemente igualitária. E, no entan- universidades, um projeto para
to, ainda que bem reduzida em termos empregar até 2007 cem mil en-
quantitativos, a diferença que subsistia genheiros no parque tecnológi-
entre aqueles que tinham e aqueles que co onde se desenvolverão as pes-
não tinham à disposição o pedaço de quisas no campo do software e
pão capaz de assegurar a sobrevivência da indústria aeroespacial. Quem
constituía uma diferença e uma desi- sabe se em Xian se produzirão
gualdade absoluta. E esta desigualdade os componentes para os Boeing
absoluta só foi eliminada graças ao de- e para os Gulfstream?” (Fabio
senvolvimento das forças produtivas. Cavalera, La nuova Lunga Mar-
Sem dúvida, ainda é necessário cia verso Ovest, em Corriere della
caminhar muito ao longo da estrada da Sera de 20 de dezembro de 2004,
realização da igualdade. De outro lado, “Corrier Economia”, p. 7)
é exatamente fazendo alavanca sobre
pontos de força das regiões litorâneas JQM: Konder acha, porém que
que agora é possível imprimir uma ul- se “a contradição decisiva” opusesse “a
terior e decisiva aceleração ao desenvol- capacidade de desenvolver as forças
vimento das outras regiões. É um pro- produtivas do socialismo” à do capita-
cesso em curso há alguns anos, que já lismo, “é possível que este último leve
conseguiu alguns importantes resulta- vantagem”.
dos, ainda que difundindo-se de modo
irregular e em manchas desiguais. Há Após ter-me criticado de algum
algum tempo, nas páginas econômicas modo em nome da ortodoxia (não se
dos mais importantes diários italianos, deve esquecer a luta de classe contra a
podia-se ler uma análise bastante signi- opressão e a exploração), Leandro
ficativa: a linha política dos atuais diri- Konder liquida tranqüilamente uma das
gentes de Pequim caracteriza-se pela pedras angulares da teoria de Marx. Não

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há dúvida de que no âmbito do pensa- lismo comportam uma pavorosa dissi-
mento deste desempenha um papel cen- pação de recursos materiais e um cruel
tral o tema do desenvolvimento das for- sacrifício de vidas humanas.
ças produtivas: o comunismo pressupõe
uma extraordinária riqueza material que JQM : Konder vê em tua confi-
permita a cada indivíduo satisfazer suas ança no triunfo do socialismo na Chi-
próprias necessidades; e o socialismo, na uma “aposta”, “no sentido que o ter-
que costitui o primeiro estágio do co- mo aposta assume na argumentação de
munismo, deve pôr as premissas para Pascal: o possível uso da razão em uma
isto tudo. esfera que vai além da razão”. Teria ele
A partir da posição de Konder, razão de te pôr nesta companhia?
não se compreende mais sequer o ma-
terialismo histórico: em termos marxis- Losurdo: Em realidade, a propó-
tas, a revolução derruba o ordenamento sito da China, o livro fala de “um pro-
social e as relações de produção que blo- cesso de longa duração” que já pode fe-
queiam o desenvolvimento das forças licitar-se de resultados extraordinários,
produtivas. Naturalmente, ninguém é mas cujo êxito é “totalmente imprevisí-
obrigado a ser marxista. No que me vel”. Mas a considerar,em vez disso, fa-
concerne, quero explicar brevemente vas contadas e já concretizado o êxito
por que, ao menos sobre este ponto, do capitalismo, estão Leandro Konder
continuo a considerar válida a teoria e tantos outros que, na esquerda, argu-
afirmada por Marx e Engels (e pelos mentam de modo semelhante ao dele.
comunistas chineses). Ao exemplo re- Neste ponto, entretanto, todos teriam
ferido pelo Manifesto do partido comu- a obrigação de esclarecer em primeiro
nista, da gigantesca destruição de for- lugar a si próprios o que ocorreu no
ças produtivas provocada pelas perió- grande país asiático. O partido comu-
dicas crises de superprodução da socie- nista, que em seu Estatuto e em seus
dade capitalista, podem ser acrescenta- documentos declara repetidamente ins-
dos numerosos outros, que fazem refe- pirar-se no marxismo-leninismo e pre-
rência à realidade atual do imperialis- tender avançar na via do socialismo e
mo. Nestes dias está sob os olhos de do comunismo, continua a deter o po-
todos a catástrofe que se abateu sobre o der. É tudo mera declamação? Confor-
Sudeste asiático: teria bastado uma por- me os dados referidos por um respeitá-
ção infinitésima das despesas militares vel diário burguês (Il Sole-24 ore, de 8
estadunidenses para pôr em funciona- de novembro de 2003), o partido con-
mento um sistema de pré-alarme sufi- tém em seu interior uma larga maioria
cientemente rápido e conter eficazmente de operários, de camponeses e de apo-
a fúria destrutiva do maremoto. Mais sentados: devemos considerar milhões
do que nunca, capitalismo e imperia- ou dezenas de milhões de homens e

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mulheres cúmplices ou vítimas idiotas distância da tomada do poder (por
de uma retórica privada de qualquer exemplo, em 1958), mas seria uma inú-
credibilidade? Historicamente, o Parti- til perda de tempo e de espaço, mesmo
do Comunista Chinês foi o protagonista porque já citei algumas em meu livro.
de uma das maiores revoluções da his- E então? Então é preciso encarar
tória. Terá mudado radicalmente de a realidade. A história e a teoria do Par-
natureza? E quando então se verificou tido Comunista Chinês são em larga
essa radical mudança de natureza? Com medida ignoradas. Sim, são conhecidas
a afirmação da linha que insiste na as teses enunciadas no curso do con-
centralidade do desenvolvimento das for- fronto com o Partido Comunista da
ças produtivas? Mas essa tem sido há lon- União Soviética e nos anos da Revolu-
go tempo a linha oficial do partido co- ção Cultural. Do resto se sabe pouco
munista em seu conjunto, e já o era ou nada. Quantos, por exemplo, ouvi-
quando a China estava na vanguarda da ram falar da polêmica desenvolvida por
luta contra o imperialismo. E, de outro Mao num texto programático da revo-
lado, essa linha podia e pode reivindicar lução chinesa (Sobre a nova democra-
continuidade relativamente às teses sus- cia, janeiro de 1940) contra os “fanfar-
tentadas, como vimos, pelo Manifesto do rões de esquerda”, os quais, “não com-
partido comunista e pelo próprio Lênin. preendem que a revolução está dividi-
Devemos agora considerar o Partido da em fases, que só podemos passar à
Comunista Chinês estranho ao marxis- segunda fase após haver completado a
mo e ao socialismo pelo fato de que to- primeira, e que não há a mínima possi-
lera uma vasta área de economia capita- bilidade de resolver tudo ‘com um só
lista? Releiamos então o que Mao decla- golpe”?
rava em 25 de dezembro de 1947: É por isto que um mesmo evento
foi percebido de maneira diversa e con-
“Dado o atraso econômico da traposta na China e fora dela. Interpre-
China, mesmo depois da vitória tada no Ocidente como sinônimo de
da revolução em todo o país, será abandono do marxismo e do socialis-
ainda necessário consentir por um mo, a chegada ao poder de Deng
longo período a existência de um Xiaoping e a reafirmação da centra-
setor capitalista da economia […] lidade da edificação econômica foram
Este setor será ainda um elemento saudados na China como a retomada e
indispensável da economia nacio- o desenvolvimento da linha que tinha
nal tomada em seu conjunto”. presidido o triunfo da Revolução Chi-
nesa e que tinha sido abandonada só
Poder-se-ia aduzir outras incon- por um período de tempo relativamen-
táveis tomadas de posição análogas por te breve.
parte de Mao, ainda depois de anos de

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Antes de considerar fato consu- munista a cumprir em condições dra-
mado a restauração do capitalismo na máticas um percurso de milhares de qui-
China, a esquerda do Ocidente e da lômetros, para se pôr à frente da luta
América Latina não faria melhor se es- popular de resistência contra um dos
tudasse uma linha, uma teoria, uma imperialismos mais bárbaros, represen-
tradição política em larga medida ig- ta indubitavelmente um dos grandes
norada? Estejam corretos ou equivoca- eventos épicos do vigésimo século e da
dos, o marxismo e o socialismo com história da humanidade enquanto tal.
características chinesas, que começam Mas nesse contexto convém sobretudo
a tomar forma já com Mao, merecem citar Huntington. Ele escreveu que, se
algo melhor do que a liquidação sumá- o gigantesco processo de industrializa-
ria e até mesmo preventiva. ção e modernização atualmente em cur-
so vier a alcançar sucesso, “a ascensão
JQM : Konder, enfim, conside- da China à função de grande potência
ra com explícito ceticismo tua afirma- ultrapassará qualquer outro fenômeno
ção de que há ainda “partidos e países comparável verificado na segunda me-
importantes empenhados no projeto tade do segundo milênio”. Tratar-se-ia,
de construção de uma sociedade que pois da ascensão decisivamente mais im-
vá além do capitalismo”. Detecta em portante dos últimos 500 anos de his-
tua resposta (a China é um país “habi- tória.
tado por mais de um quinto da huma- É uma afirmação feita em 1996,
nidade”) um “tom inclinado à epo- ano da publicação de O choque de civi-
péia”. Admites que o tom irônico de lização. Retrocedendo cerca de cinco sé-
Konder se justifique ? culos, nos defrontamos com a desco-
berta-conquista da América. É o mo-
Losurdo:Sublinham a extraordi- mento em que o Ocidente inicia sua
nária importância daquilo que está marcha triunfal, subjugando o mundo
ocorrendo no grande país asiático au- inteiro, pisoteando e freqüentemente
tores que não são inclinados aos entu- destruindo culturas inteiras, diziman-
siasmos fáceis e, menos ainda, aos en- do e até aniquilando os povos que as
tusiasmos fáceis “filo-chineses”. Ao se tinham elaborado. Não é um fato ca-
referir ao prometedor desenvolvimento sual que quem se prepara para fechar
na China das regiões que até agora ti- esse capítulo de história seja um país
nham ficado para trás, o jornalista já guiado por um partido comunista. É
citado do Corriera della Sera fala, já no um novo capítulo da história iniciada
título de seu artigo, da “nova Longa com a Revolução de Outubro, que
Marcha para o Oeste”. A Longa Mar- conclamou os escravos das colônias a
cha propriamente dita, que conduziu romper suas cadeias. O segundo capí-
um pequeno e perseguido partido co- tulo dessa história é aquele que inflige

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uma decisiva derrota à tentativa nazi- Como o futuro em geral, também
fascista de dar nova vitalidade à tradi- o futuro da China ninguém está em
ção colonial, à tentativa de escravizar condição de prever. Convém concen-
povos inteiros, como nos piores perío- trar-se no presente: certamente não fal-
dos do tráfico dos negros, para colocar tam as zonas de sombra, os erros, os
os Untermenschen, os presumidos atrasos, as contradições, os motivos de
homúnculos ou sub-homens, a serviço preocupação e de desapontamento. Por
da “raça dos senhores”. A Longa Mar- outro lado, está sob os olhos de todos o
cha representa para a Ásia aquilo que espetáculo de mais de um quinto da
Stalingrado é para a Europa: sobre a população mundial que, a passos bas-
vaga destas duas derrotas históricas do tante rápidos, supera a miséria, o sub-
imperialismo se desenvolve um pode- desenvolvimento, o atraso. Não é só
roso processo de emancipação dos po- questão de economia. Ignorar a forte
vos coloniais, que vai bem além da Se- carga de emancipação política, social e
gunda Guerra Mundial, investe cada ideológica inserida no extraordinário de-
ângulo do mundo e conhece momen- senvolvimento econômico da Repúbli-
tos particularmente significativos em ca Popular Chinesa significa ser inca-
paises como o Vietnã e Cuba. Hoje ve- paz de ver as árvores por causa da flo-
mos desdobrar-se um novo capítulo da resta.
história iniciada com a Revolução de
Outubro. Um país de civilização Domenico Losurdo
milenar, agredido a partir das guerras
do ópio, pisoteado, humilhado e desu-
manizado (“Entrada proibida aos cães
e aos chineses”!), se prepara para tor-
nar-se protagonista na cena mundial, e
não só no plano político mas também
no cultural e tecnológico, como já o ti-
nha sido por milênios. E, ao pôr fim a
um capítulo trágico de sua história na-
cional, a China tende a encerrar um
capítulo bem mais amplo da história
mundial no curso do qual, exatamente
por causa do domínio incontrastado do
Ocidente, e também para justificar as
formas brutais que ele assumiu, emer-
giram e se afirmaram muito tempo as
ideologias racistas mais grosseiras e in-
fames.

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LOSURDO, Domenico. Revolução chinesa, antiimperialismo e a luta pelo socialismo
hoje. Entrevista concedida a João Quartim de Moraes. Crítica Marxista, São Paulo, Ed.
Revan, v.1, n.20, 2005, p.151-159.

Palavras-chave:Revolução chinesa; Antimperialismo; Socialismo.

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