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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

POR UMA EPISTEMOLOGIA TRANSMETODOLÓGICA


NO CAMPO DA COMUNICAÇÃO1
Lisiane Machado Aguiar2

Resumo: Este texto heurístico-interpretativo3, inspirado pelo seminário


Transmetodologia em Ciências da Comunicação, busca trabalhar com argumentos-
chave sobre a concepção transmetodológica (MALDONADO, 2008, 2006, 2003,
2002) articulando-os metodologicamente com algumas reflexões teóricas4 que
abordam a questão de método científico no campo da comunicação. A partir da
problematização entre essas diversas propostas procuro refletir sobre uma
epistemologia que seja transmetodológica para o campo da Comunicação. Para
isso, concebo a dimensão epistêmica não apenas como teoria do conhecimento,
mas como pensamento e prática dos princípios, hipóteses e resultados teórico-
metodológicos na produção de conhecimento.

Palavras-Chave: Transmetodologia 1. Epistemologia 2. Comunicação 3.

1. Uma reconfiguração epistêmica

“Construir teoria e metodologia em comunicação, hoje, implica a realização de


intensos investimentos de caráter cognitivo, lógico, vivencial, histórico e político.”
(MALDONADO, 2002, s/ p.). Inicio com esta citação porque ela nos faz refletir que pesquisa
científica em comunicação exige uma reconfiguração epistêmica que ultrapasse,
principalmente, a divisão artificial entre a dimensão teórica da dimensão metodológica. Para
isso, é possível adotar uma perspectiva transmetodológica que conjugue propostas
metodológicas mistas que inter-relacionem as construções conceituais e o entrelaçamento de
lógicas diversas, tão pertinentes, para as problemáticas em comunicação (MALDONADO,
2002, 2008).
1
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Epistemologia da Comunicação do XX Encontro da Compós, na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, de 14 a 17 de junho de 2011.
2
Bolsista de mestrado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, no
Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
UNISINOS, na Área de Concentração Processos Midiáticos - Linha de Pesquisa Mídias e Processos
Audiovisuais. Membro do Grupo de Pesquisa em processos comunicacionais: epistemologia, midiatização,
mediações e recepção (PROCESSOCOM). E-mail: lisiaguiar@gmail.com
3
Uma postura heurística-interpretativa combina práxis teórica e empírica no processo das descobertas,
produções e formulações do conhecimento. A interpretação situa-se longe de ser apriorística, pois ao articular
mutuamente teoria e prática a inferência não é apenas especulativa, mas heurística.
4
Essas teorias foram inspiradas pelo Seminário Transmetodologia em Ciências da Comunicação, ministrado
pelo Prof. Dr. Alberto Efendy Maldonado. Podem ser conferidas nas Referências Bibliográficas.

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Pensar a ‘problemática’ em uma investigação, que adota a proposta transmetodológica,


é construir o ‘problema de pesquisa’ aprofundando-o, fundamentalmente, em três dimensões:
da contextualização do problema/objeto situando-os nos seus múltiplos contextos; da
pesquisa empírica como recurso metodológico; e, da práxis teórica como meio de trabalhar
com os conceitos de forma crítica e renovadora. (MALDONADO, 2002). Dessa forma, me
permito a pensar que essas dimensões ao convergirem juntas ajudam a estabelecer uma
epistemologia transmetodológica que é criativa, mas acima de tudo crítica na hora de
conjugar a práxis teórica e as estratégias metodológicas ao caráter multicontextual das
pesquisas em comunicação.
Esse caráter multi, pluri, trans, interdisciplinar está presente desde a formação da
comunicação (WALLERSTEIN, et al., 1996), primeiramente, quando dentro das ciências
sociais lançou mão de sua existência autônoma como disciplina, depois vivenciando uma
transformação das práticas culturais comunicacionais contemporâneas. Essa mudança
cultural na sociedade - como aponta Maldonado (2008, 2006) e Martín-Barbero (2006) -
ocorre quando a mediação tecnológica comunicacional deixa ser apenas instrumental para
converter-se em experimental, ou seja, a tecnologia introduz mais do que novos aparelhos,
ela produz um “novo modo de relação entre os processos simbólicos” (MARTÍN-
BARBERO, 2006, p. 54). Nesse sentido, a dimensão simbólica vai sendo constantemente
reconfigurada e cada vez mais vai se instalando modos de vida ‘multimídia’, que, igualmente,
demandam métodos de configuração múltipla.
Essa característica faz da transmetodologia um importante renovador epistêmico, pois
une pensamento e experiência de forma a conjugar diferentes saberes, vivências, tecnologias
e estratégias metodológicas. Nessa lógica multidimensional Maldonado (2008) desenvolve
algumas premissas que ajudam a melhor compreender a proposta transmetodológica.

2. As premissas transmetodológicas em ciências da comunicação

Podemos pensar que existe um campo científico da comunicação se pensarmos pelo


prisma trabalhado por Bourdieu et al. (2003), no qual, para se formar um campo científico, os
conflitos epistemológicos acabam sendo os mesmos e inseparáveis dos conflitos políticos no
que se refere à autonomia conquistada. Ou seja, a epistemologia de um campo é científica

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quando as autoridades desse campo conseguem estabelecer uma definição da ciência segundo
a qual a realização mais perfeita consiste numa matriz do que o campo possui e produz de
investigação. Por isso, Bourdieu et al. (2003) defende a necessidade de perguntar: o que é
fazer ciência?
Preguntarse qué es hacer ciencia o, más precisamente, tratar de saber qué hace el
científico, sepa éste o no lo que hace, no es sólo interrogarse sobre la eficacia y el
rigor formal de las teorías y de los métodos, es examinar a las teorías y los métodos
en su aplicación para determinar o qué hacen con los objetos y qué objetos hacen”
(BOURDIEU et al., 2003, p. 25).

É importante recordar que a constituição do campo da comunicação é tão recente como


incipiente e, com isso, muitos pesquisadores, buscando desvendar o que é o campo da
comunicação, passaram a legitimar os estudos que poderiam ou não ser mantidos, a fim de
que o campo ganhasse cientificidade. Esse interesse crítico pela história social e intelectual
do próprio campo em determinar o que fica ou o que é banido resultou em uma controvérsia
sobre o grande número de teorias. Ao não encontrar um paradigma universal do campo
comunicacional, aceitou-se outro, o do pluralismo teórico. Porém, quando pensamos em um
pluralismo metodológico ainda encontramos muitas dificuldades em transcender os modelos
metodológicos prontos ou de seu uso apenas como ferramentas.
Contudo, o maior problema não parece ser o pluralismo teórico, mas o uso repetitivo de
fórmulas e de conceitos simplesmente trazidos de outras áreas do conhecimento sem reflexão
ou problematização. (MALDONADO, 2006). É importante esclarecer que essa pluralidade
não é um obstáculo, pelo contrário trouxe importantes contribuições na flexibilidade de novas
conjunções como, por exemplo, a união da etnografia para os estudos das redes sociais,
resultando no que conhecemos na comunicação como “netnografia”. Por outro lado, como
aponta Maldonado (2003), esses usos indiscriminados “tem confundido o fazer
comunicacional como um derivado dos fazeres da área de origem: são ilustrativos os casos da
lingüística aplicada; sociologia da cultura; psicologia comportamental de grupos; etnografia
de audiências (...).” (MALDONADO, 2003, p. 220).
Nessa perspectiva, pensar a comunicação não significa pensar que “tudo é
comunicação” ou que ela seja ciência de tudo, pois essa postura tira a comunicação do quadro
de referência científica para virar parte unicamente de um valor social. Para Maldonado

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(2002, 2006) uma possível solução está em uma postura crítica e renovadora em
comunicação realizando pesquisa da pesquisa5 para fazer avançar os conhecimentos na área.
A busca obstinada pela constituição científica do campo acadêmico da comunicação se
desdobra em uma forte tendência: o uso do empirismo como uma forma de comprovação da
pesquisa. De encontro a essa propensão, começo por lembrar, com Maldonado que na
“pesquisa em comunicação o empírico é imprescindível se considerarmos os sistemas,
estruturas e campos midiáticos como um referente central dos problemas de conhecimento
para a nossa área” (2006, p. 279). Bachelard (1981), por sua vez observa que o fazer
científico deve ser construído e conquistado de acordo com cada prática científica. Dessa
forma, percebo na concepção transmetodológica uma possibilidade de renovação da prática
investigativa, pois consegue conjugar as problematizações teóricas com as metodológicas e
com as dimensões empíricas do objeto.
A questão que rompe é como articular essas dimensões? Encontramos pistas nas dez
premissas propostas por Maldonado (2008). Entretanto, elas não serão retomadas de forma a
repetir o que já foi desenvolvido por Maldonado, a tentativa buscada aqui é de fazer avançar
esse conhecimento utilizando conceitos e propondo conexões entre elas e com outras
considerações realizadas pelos autores trabalhados nesse artigo. Para isso, serão apresentadas,
primeiramente, as premissas que compõe a transmetodologia com uma ideia chave para
depois articulá-las em conjunto.

5
Segundo Maldonado (2003) a pesquisa da pesquisa “propõe-se numa perspectiva epistemológica
histórica/genética/ construtiva/política que problematiza os paradigmas e modelos teóricos, explicitando-os na
sua configuração interna – sistemas de hipóteses, categorias, conceitos e noções - e vinculando-os às suas fontes
de conhecimento precedentes e contemporâneas. Isso significa problematizações teóricas aprofundadas que
estudem com respeito, sistematização e senso crítico os argumentos teóricos de cada modelo, realizando uma
desconstrução minuciosa - que requer de tempos lógico-reflexivos adequados ao amadurecimento da pesquisa –
e reformulando questões teóricas em inter-relação com outras vertentes conceptuais importantes para a
problematizações em comunicação.” (2003, p. 206, grifo do autor).

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Premissa 1

Situar o saber
Premissa 10 humanístico como Premissa 2
elemento central
Construção da pesquisa Desenvolver uma
combinada com a abordagem aberta
vida. Formar é
autoforma-se
Novos Ecologia
processos científica
culturais
Premissa 9 Razão Premissa 3
multilética
Comprometer-se Perspectiva Definir a
com a formação heurística investigação como
do pesquisador práxis
Visão
epistêmica
Perspectiva abrangente

Transmetodológica
Construção
do objeto
Premissa 8 Premissa 4
empírico
Confluên- Ter uma postura
Desenvolver um cia
pensamento construtiva
científica
epistemológico transdisciplinar
Configuração
crítico metodológica
diversificada Bons sensos
Esforço culturais
paradoxal
de distinção Premissa 5
Premissa 7
Fazer os sensos
Assumir a científicos fluírem
Premissa 6
problematização
metodológica da
Distinguir as
investigação
problemáticas
comunicacionais

FIGURA – Dez premissas da perspectiva transmetodológica

Como em um rito de passagem, o pesquisador guiado pela perspectiva


transmetodológica precisa desmistificar alguns paradigmas. O primeiro deles é situar o ser
humano como elemento central da pesquisa, ou seja, é livra-se de uma lógica hegemônica
que visa apenas o lucro, o capital para desenvolver uma ecologia científica. Para Boaventura
de Souza Santos (2006) é possível promover o diálogo entre o saber científico e o saber
humanístico. Dessa forma, uma ecologia científica significa “não apenas compreender o
mundo ou explicá-lo, mas também transformá-lo.” (2006, p.138). É fazer o conhecimento

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científico se confrontar com outros conhecimentos reconhecendo a diversidade. Nessa


ecologia o pesquisador pode ampliar sua visão de mundo, por exemplo, ao estudar as mais
diversas relações entre os seres vivos e o meio onde vivem, ele passa também a refletir sobre
suas recíprocas influências gerando novos conhecimentos.
É importante reconhecer que “não há conhecimentos puros, nem conhecimentos
completos; há constelações de conhecimentos” (SANTOS B., 2006, p. 154), pode-se afirmar
que a diversidade epistêmica é infinita. Desse modo, para realiza uma pesquisa é importante
ter uma abordagem aberta para a pluralidade. A razão deixa de ser instrumental e passa a ser
multilética6, como defende Maldonado (2008) na segunda premissa, ou seja, de diálogo
múltiplo.
O pesquisador com uma visão epistêmica abrangente - terceira premissa - passa a
realizar a investigação como uma práxis de saberes heterogêneos (MALDONADO, 2008,
2006). Nessa práxis há um cruzamento de conhecimentos e, portanto, constante criação e
renovação. Assim, “o conhecimento é interconhecimento, é reconhecimento, é auto-
conhecimento” (SANTOS B., 2006, p. 157). O desafio é romper com um saber centralizador,
não apenas na teoria, mas como uma prática constante do processo de pesquisar.
Nessa perspectiva, ao alimentar-se das teorias das mais diversas disciplinas é necessário
ter uma postura construtiva transdisciplinar, ou seja, as confluências científicas devem servir
para aprimorar ainda mais as formulações teórico-metodológicas fornecendo outras lógicas e
estratégias metodológicas. Todavia, nessa quarta premissa, é importante evitar pensar o
“transdisciplinar” como a superação dos conhecimentos desenvolvidos dentro dos
enquadramentos disciplinares, pois esses são uma necessidade organizativa das ciências.
“O transdisciplinar tem como uma de suas condições epistêmicas a realização do disciplinar.
É necessário estabelecer relações, intercâmbios, convergências, atravessamentos,
reformulações teórico/metodológicas (...)” (MALDONADO, 2008, p. 37, grifo do autor).
Igualmente é possível alimentar as práticas investigativas e fazer os sensos científicos
fluírem – quinta premissa – explorando em outros âmbitos o conhecimento como, por
exemplo, nos bons sensos culturais (MALDONADO, 2008; SANTOS B., 2006). No campo

6
Na concepção de Maldonado “refere-se à compreensão dos processos, fenômenos e práxis de inter-
relacionamentos dialéticos múltiplos, que expressam a densidade e riqueza do concreto em movimento.” (2008,
p. 36).

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da comunicação temos possibilidades infinitas de alimentar nossas pesquisas com dados


socioculturais. No caso da comunicação é possível pensá-la em termos metateóricos e
metametodológicos. Mas, o que significa isso? Significa “refletir, avaliar, reformular,
desconstruir, argumentar criticamente, desenhar estratégias para a resolução de problemáticas
fortes, tanto na dimensão conceptual quanto na sua relevância sociocultural, é um desafio da
conjuntura contemporânea”. (MALDONADO, 2003, p. 211).
Para saber filtrar e/ou organizar tanta informação é necessário um esforço paradoxal de
distinção das problemáticas comunicacionais - sexta premissa. Entretanto, esse empenho só
será satisfatório se assumirmos uma configuração metodológica diversificada. Essa sétima
premissa alerta que cada problema/objeto exige especificidades que só poderão ser
contempladas se tivermos configurações múltiplas. Para isso, é imprescindível um
pensamento epistemológico crítico - oitava premissa - para construir o objeto empírico.
(MALDONADO, 2008, 2006; BACHELARD, 1981).
O objeto empírico não está dado ele é resultado da inter-relação de teorias e concepções
metodológicas. Essa elaboração exige do pesquisador uma perspectiva heurística - nona
premissa - que é situar-se “longe das correntes especulativas, abstratas e formais, propondo
uma multilética que combina práxis teórica e empírica no processo heurístico das
descobertas, fabricações e formulações de conhecimento”. (MALDONADO, 2008, p. 40).
Para isso, há um comprometimento com a própria formação do sujeito/pesquisador que deve
desenvolver uma pesquisa não somente para a academia, mas para a vida, ou seja, ele forma-
se e autoforma-se também com os novos processos culturais é “situar-se nos processos
transcendentes das mudanças civilizadoras” (Ibid., p. 41) – décima premissa. Desse modo, é
necessário explorar e experimentar novas formas de realizar pesquisa.

3. A transmetodologia para pensar a processualidade em uma pesquisa

A partir do que vimos nas premissas transmetodológicas é possível romper com três
paradigmas que, no campo da comunicação, engessam a pesquisa: o isolamento de um objeto,
a rigidez metodológica e a separação entre o sujeito e o objeto.
Tendo em vista as pesquisas em Comunicação, principalmente as que ainda seguem
modelos paradigmáticos, muitas observam seus objetos unicamente por uma via. Seguindo o

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paradigma de isolar o objeto, adotam uma perspectiva determinista que o isola das diversas
conexões que poderiam existir, ou seja, para tentar compreender o objeto, acabam separando
os processos que o compõe em eixos específicos. Por exemplo, pensando nas pesquisas em
comunicação, ou focam na produção, ou na recepção, ou na interação social sobre a mídia.
(BRAGA, 2006).
Dessa forma, é importante não estagnar na perspectiva de que, estudando as estruturas,
é possível identificar os processos que são desenvolvidos, pois é na observação dos processos
em ação que melhor compreende-se a própria formação das estruturas.
Assim, é possível desenvolver uma pesquisa investigando não somente o objeto, mas os
próprios processos relacionados a ele, ou seja, cada objeto exige métodos próprios que se
conjugam entre o teórico e o empírico para construir o objeto e vice-versa.
Devemos compreender o método como processualidade, pois ela está presente em cada
momento da pesquisa. A processualidade se faz presente nos avanços e nas paradas, em
campo, em letras e linhas, na escrita, no sujeito/pesquisador, ou seja, a partir do
reconhecimento de que o tempo todo estamos em processo, em obra. Permito-me pensar com
Jesús Martín Barbero, para o qual é necessário passar dos meios às mediações, ou ainda,
refletir com sua frase sintomática, na qual é necessário perder o objeto para ganhar o
processo. Mas como ganhar o processo? Uma das possibilidades é se livrando da rigidez
metodológica.
Nesse sentido, pensando a questão da rigidez metodológica, a transmetodologia reverte
com os sentidos tradicionais de um único método para a obtenção de conhecimento. Podemos
pensar o método como um processo que vai sendo arquitetado e estabelecido em conexão
com o objeto, o contexto, a práxis teórica e o sujeito/pesquisador, tendo por intuito que a
pesquisa só se realiza no agenciamento desses diferentes processos.
De acordo com Morin, “o método só pode se construir durante a pesquisa; ele só pode
emanar e se formular depois, no momento em que o termo transforma-se em um novo ponto
de partida, desta vez dotado de método” (2003, p. 36). O método para Morin, portanto, “se
opõe a conceituação dita ‘metodológica’ em que ela é reduzida a receitas e técnicas”. (2003,
p. 36).
Como método o método cartesiano, ele deve inspirar-se de um princípio
fundamental ou paradigma. Mas a diferença é justamente paradigma. Não se trata
mais de obedecer um princípio de ordem (eliminando a desordem), de claridade
(eliminando o obscuro), de distinção (eliminando as aderências, as participações e

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as comunicações, de disjunção (excluindo o sujeito, a antinomia, a complexidade),


ou seja, obedecer a um princípio que liga a ciência à simplificação lógica. Trata-se
ao contrário, de ligar o que estava separado através de um princípio de
complexidade. “Fazer revolução por todas as partes”: assim falava Sainte-Beuve do
método cartesiano. É que Descartes havia formulado o grande paradigma que
iria dominar o Ocidente, a separação de sujeito e o objeto, de espírito e
matéria, a oposição entre homem e natureza. (2003, p. 37-38, grifo nosso).

Desse modo, as disciplinas do pensamento social, desde o final do século dezessete,


buscam na rigidez epistemológica, inspiradas no método cartesiano, uma maneira de alcançar
a verdade absoluta. Com isso, perderam a ênfase no processo e focaram no resultado
separando o sujeito e objeto do conhecimento.
No contexto da ciência moderna, a distinção entre sujeito e objeto existe para garantir
que o saber produzido possa ser validado de modo coletivo, pela comunidade científica. Para
Muniz Sodré:
a rigidez metodológica, quer nas ciências da natureza, quer nas ciências sociais, é
característica de um paradigma epistemológico em que a distância intransponível
entre sujeito e objeto de conhecimento permitia um processo de costura da hipótese
à experiência laboratorial supostamente universal, por meio de um caminho
denominado método”. (2003, p. 305).

De acordo com Jaques Marre, o cientista - e mais ainda o pesquisador empírico - “é


antes de tudo aquele que recomeça. É aquele que para fazer progredir a ciência, renuncia às
grandes filosofias do devir histórico, para se instalar na descontinuidade, na ruptura, no corte
epistemológico a ser operado” (1991, p. 4). Dessa forma, é possível defender que o sujeito,
inevitavelmente, também faz parte da processualidade da pesquisa, por que é através do seu
olhar, das suas percepções, das suas afecções que a pesquisa vai se constituir.
Assim, não se trata de dizer apenas que as representações do método alteraram-se
historicamente, mas que o próprio método, em sua materialidade, é necessariamente enredado
na complexa teia histórica da qual faz parte. Em outras palavras, defendo que o modo pelo
qual vemos, sentimos ou prestamos atenção em algo depende em grande parte das condições
histórico, contextuais e culturais que nos encontramos.
No entanto, a contribuição histórica não está na sua reconstrução sequencial, mas numa
leitura transversal dessas grandes descontinuidades. Foi exatamente o que o epistemólogo
Paul K. Feyerabend apresentou no início dos anos setenta: uma ruptura com o modo de
pensar as teorias do conhecimento. Elaborou uma crítica ao método científico. Feyerabend
afirma que ao realizar uma investigação não se deve perder o sentimento anárquico que cada

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indivíduo traz latente dentro de si, pois é esse sentimento que enriquece o trabalho, não
deixando que todas as pesquisas sejam conduzidas da mesma maneira e com um final
premeditado. Fica claro, então, “que a idéia de um método fixo ou de uma teoria fixa da
racionalidade baseia-se em uma concepção demasiado ingênua do homem e de suas
circunstâncias sociais” (2007, p. 42).
Se para Popper, a investigação científica inicia com um problema e avança resolvendo-
o, para Feyerabend “essa caracterização não leva em conta que os problemas podem ser
erradamente formulados, que se pode investigar acerca de propriedades de coisas e
processos que visões posteriores declararão não existentes” (2007, p. 401), ou seja,
problemas dessa ordem não são resolvidos, mas dissolvidos no domínio de uma
investigação.
Assim, o método utilizado em uma pesquisa é, sem dúvida, o alicerce de um trabalho,
pois sem ele não existe investigação e se torna mais difícil ao pesquisador responder aos seus
problemas. Contudo, Feyerabend (2007) afirma que o verdadeiro problema não está na
visualização de uma possível resposta, desde o início de sua formulação, pois o que torna
uma pesquisa rica são os percursos plurais que o pesquisador realiza no processo de
investigação.
De acordo com Feyerabend (2007, p.69) o “pluralismo das teorias e concepções
metafísicas não é apenas importante para a metodologia; é, também, parte essencial de uma
perspectiva humanitarista”. Para ele, os educadores progressistas buscam sempre cultivar a
individualidade, as crenças específicas e os talentos de uma criança. Contudo, essa educação
pautada em um modelo simplificador se propõe a preparar os jovens para a vida, mas isso não
significa que eles aprendam somente um conjunto particular de concepções, a ponto de
excluir tudo o mais.
E, caso um vestígio de sua imaginação ainda permaneça, não encontrará aplicação
adequada nas artes ou em um tênue domínio de sonhos que tem pouco a ver com o
mundo em qual vivemos? Não levará esse procedimento, no final, uma divisão
entre a realidade odiada e fantasias bem-vindas, entre a ciência e as artes, entre a
descrição cuidadosa e auto-expressão irrestrita? Os argumentos em favor da
proliferação mostra que isso não precisa acorrer. É possível conservar o que se
poderia chamar de liberdade de criação artística e usá-la na íntegra não somente
como via de escape, mas como meio necessário para descobrir, e talvez mesmo
modificar, os traços do mundo que vivemos. Essa coincidência da parte (o
indivíduo) com o todo (o mundo em que vivemos), do puramente subjetivo e
arbitrário com o objetivo e governado por regras, é um dos argumentos mais
importantes em favor da metodologia pluralista. (FEYERABEND, 2007, p. 69,
grifo do autor).

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O autor, portanto, mostra que a criatividade é um fator imponderável tanto no trabalho


científico como na vida do ser humano. O que desejo notar é que, durante muito tempo,
pensou-se que para fazer uma pesquisa era inevitável fugir das emoções, construindo um
método que conduzisse o pesquisador de maneira segura, ao conhecimento verdadeiro, pelo
qual só seria possível desenvolver declarações teóricas concretas se fosse isentando as
afecções do sujeito perante seu objeto de estudo. Contudo, o entendimento sobre a aquisição
de conhecimento, como podemos ver, passou por muitas fases e ainda está em constante
movimento de transformação, não apenas fazendo seus enunciados, mas criando novos
problemas e exigindo práticas originais de investigação.
No campo da comunicação, se percebe que certos modelos metodológicos
deterministas estão sendo bastante questionados, permitindo diferentes formas de se fazer
investigação. Com isso, vão se constituindo novos modos de pensar e, com eles, outros
processos metodológicos vão se desenvolvendo. Esse trabalho vê na perspectiva
transmetodologia uma possibilidade de renovação da prática investigativa, pois conjuga
processualmente as problematizações teóricas com as metodológicas, com as dimensões
empíricas do objeto e com as pluralidades do sujeito/pesquisador.

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