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As notas que se seguem foram apresentadas numa mesa redonda, promovida pela
AFIPE, na PUC. Conservam, inteiramente, o tom coloquial da apresentação.
resultado de um longo trabalho, com origem nos distantes anos 70, desenvolvido
bandeira da presença da Filosofia no ensino médio sempre foi muito cara. Ela a
experiência, mais ou menos longa, como professor de filosofia. Esta foi, e ainda
filosofia, não sou capaz de imaginar nenhum outro ofício no qual eu viesse me
sentir mais próximo de mim mesmo e ao qual eu terminasse por dever tanto.
Entretanto, nem o gosto nem a gratidão pelo ofício garantem que sejamos bons
ensino.
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Iniciação
curva-te
curva-te
submete-te
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Alguma coisa, certamente. Mas não muito. O que, aliás, é uma passagem
podemos nos valer, igualmente, de Pascal: sabemos muito para sermos céticos,
sabemos pouco para sermos dogmáticos. Daqui, amor ao saber, desejo de saber,
e não saber.
filosofia? A nossa humanidade, por si só, não nos tornaria, a todos, filósofos?
bastaria viver para querer compreender? Não é bem assim. Nem a compreensão
parece tão desejável e nem o interesse pela filosofia é generalizado. E mais, bem
mais: uma certa suspeita, ora mais paciente, ora mais impaciente, paira, a todo
7. Parece, então, que isto que constitui a condição humana, esta curiosa herança a
nós destinada, sem qualquer indicação de remetência, não basta para que nos
limite é enfrentado por outros meios: religião, mito, senso-comum, ciência, etc..
E este é o padrão da quase totalidade das civilizações. Por outro lado, este
descolamento.
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8. Então, o que mais faz de alguns de nós filósofos, estudiosos da filosofia,
qual nos tornamos professores? Ou ainda, o que ensinamos a toda essa gente
falando de uma maneira muito geral, uma luta contra a imediateidade. O que é
vista como um enfrentamento das mortes evitáveis. Para dizer com os gregos:
11. Mas se esta é a fonte, se esta tem sido, em muitos casos, a fonte, um já longo
acervo se constituiu sobre esta fonte. Trata-se da tradição tão múltipla da história
da filosofia, isto é, os que, antes de nós, reagiram ao cenário acima descrito com
Um poderoso acervo de recursos está diante de nós, nele somos treinados, ele é
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matéria de que nossa razão é feita. Não existe filosofia duradoura, conseqüente
12. Mas aqui, uma vez mais, corremos o risco da imediateidade: podemos nos tornar
perspectiva, reconstituir, para usar uma expressão já antiga, a ordem das razões
pensamento, pensamos pensamentos. Mas isto pode ser tudo? Certamente que é
importante saber o que, de fato, teria dito Platão ou Descartes. Mas ainda mais
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provenham, e examinar sua adequação ao problema em exame. Assim, o Teeteto,
15. Mas este é o nosso cenário, o que fazemos em sala de aula, o que ensinamos?
condição humana, marcada por iguais doses de dor e maravilhamento. Penso que
guias, toda solução final é, sempre e tragicamente, uma amputação. Mesmo que
17. Também me parece que devemos insistir no valor da racionalidade. Não de uma
desmentida, mas que, por fim, se amplia e se enriquece diante de cada ato
seja do ponto de vista pessoal, seja do ponto de vista público, como o exercício
da racionalidade. Não é isto o que dizia Sócrates? Uma vida não examinada não
18. A quem devemos ensinar filosofia? Nas nossas salas, não desobedecemos
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seria melhor falar a uns poucos escolhidos? Mas não é preciso obedecer Sócrates
sempre. Por mais custoso, ou mesmo sem sentido, que isto nos pareça, e a mim,
parece, é preciso supor que qualquer dos nossos alunos pode aprender o que nós
queremos ensinar. Num certo sentido, somos, potencialmente, todos, vá lá, quase
a sala possível. Esta passagem do que é dado para o possível é a face mais
19. Diante de outras possibilidades profissionais, o nosso oficio vale a pena? Não
devemos ouvir a advertência de que a busca das pessoas, em sua imensa maioria,
visa outros fins? De novo, é de Sócrates que nos lembramos: os atenienses não
teriam razão em condená-lo? Não temos sorte de receber uma condenação mais
20. Ou devemos ouvir este daimon que insiste em nos dizer que, contra toda
sentido, mesmo que para sempre insaciada, é que nos humaniza? Certamente
que não se trata de uma tarefa fácil. É mais fácil quando o aviltamento tem o
21. Não nos resta senão uma aposta. É o que penso: uma defesa de um humanismo
corajoso, renovado, um pouco cético, mas não muito, prospectivo e, onde for
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Ressentimento o adversário a ser enfrentado. Ressentimento que, à maneira de
pretensão.
22. Mas, enfim, uma vez mais com Platão, lembremo-nos: “É necessário,
pois, a propósito disso, fazer uma das coisas seguintes: não perder a ocasião de
instruir-se, ou procurar aprender por si mesmo, ou, então, se não se for capaz de
uma nem outra dessas ações, ir buscar em nossas antigas tradições humanas o
que houver de melhor e menos contestável, deixando-se assim levar como sobre
uma jangada, na qual nos arriscaremos a fazer a travessia da vida, uma vez que
não a podemos percorrer, com mais segurança e com menos riscos, sobre um
transporte mais sólido: quero dizer, uma revelação divina” (in Reale, G. História
da Filosofia).
Ricardo Fenati