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Os inovadores estão chegando

“A criança nasceu para ser feliz... E nós somos responsáveis por dar a ela essa
oportunidade”. Com tal desejo, visão de infância e de educação, Valderez de Freitas
Valle aportou na Escola Israelita. Um belo casarão na Avenida João Pinheiro abrigava a
Escola, do Jardim de Infância ao 4ª ano do Ensino Primário. Pela primeira vez, uma
não judia e pedagoga estaria no comando. Corria a primeira metade dos anos 1960.
Jovem e recém-formada, ela logo se pôs a perguntar: Como fazer? O que fazer
de interessante, de diferente? Ela queria descobrir e inventar novos métodos. Como
professora trazia experiências, como diretora não. Ela apostou na inteligência coletiva,
“não por humildade, mas ignorância mesmo!”, conta Valderez às gargalhadas. Passou
a se reunir periodicamente com a diretoria da União Israelita, professores, pais da
comunidade judaica, funcionários, intelectuais para trocar ideias. Atitude que era
favorecida pela organização da Escola em diversas comissões, como a Pedagógica, de
Transporte, de Informações, que incentivavam a participação e a gestão
compartilhada.
Para alfabetizar as crianças, Valderez buscou fazer diferente do jeito que lhe
ensinaram: repetindo cartilhas. Repetindo o ba-be-bi-bo-bu ou as frases do “Livro de
Lili”. Buscava propostas mais lúdicas. No chão desenhava as letras com carvão, milho,
feijão, para as crianças escreverem com o corpo inteiro. Sentava-se com elas em roda
para conversar sobre o dia, as coisas que estavam acontecendo, o que pensavam e
sentiam. Filosofia para criança, já naquela época.
Observando a dificuldade da meninada com a escrita do português, ela
incentivou a feitura de Haikais. Aquela poesia concisa de origem japonesa depois
difundida no mundo, que transcende a linguagem usual e o pensamento linear. Exige a
introspecção para captar uma experiência, um instante e de dizer o máximo com o
mínimo de palavras. Valderez, inicialmente, conduzia as crianças para um relaxamento,
para que sentissem o vazio. Depois deveriam observar imagens, mensagens e histórias
que iam construindo mentalmente. Esta inspiração deveria ser descrita em poucas
palavras na primeira estrofe. A segunda estrofe deveria trazer a reflexão sobre a
inspiração. Na terceira estrofe deveria haver uma conclusão. E assim os Haikais das
crianças eram a síntese de três etapas: inspiração, reflexão e conclusão. “Começaram
a encher caderninho e melhoraram a capacidade de escrever”, lembra-se com alegria
Valderez.
Na equipe de professores estava Berta Goifman – futura bibliotecária da Escola
da Serra. No currículo, o amor cultivado pelos livros desde a infância, a habilidade com
o piano, os ideais de um mundo mais igualitário, o envolvimento com a União da
Juventude Comunista, o gosto e o hábito da reflexão e do debate. Berta levava as
crianças a descobertas e vivências da cultura judaica e brasileira.
Para ampliar as contribuições pedagógicas e atrair mais gente para a Escola
Israelita, Valderez foi à procura de alguns mestres do seu Curso de Pedagogia e do
Curso de Didática, da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras1 (futura UFMG), e outros
educadores para oferecer um seminário gratuito à cidade. Entre eles estavam a
psicóloga Helena Antipoff, a professora de didática Alaíde Lisboa de Oliveira e a
psicóloga e professora Maria Silvia Machado, conhecedora das teorias de Piaget. O
seminário repercutiu nos jornais, reverberou na cidade, atraiu muitos educadores,
inclusive professores universitários, contou com a presença de membros da Secretaria
de Educação. Mais famílias descobriram e se interessaram pela Escola Israelita e
matricularam seus filhos. Mais crianças não judias chegavam.
Uma carta da Direção da União para os sócios proprietários mostra a firmeza
com o propósito educacional, a busca constante pelo aperfeiçoamento e o entusiasmo
com a evolução da Escola:
Os métodos mudaram. O único que não muda é o ideal: a formação de bons
cidadãos judeu-brasileiros. Longe veio o tempo que educar é questão de jeito e
o que se exigia de um professor era somente paciência para falar às crianças...
Educar é uma ciência, e ao professor é exigido estar a par do que de mais
moderno existe na teoria e na prática dessa ciência. A Escola Israelita está
avançando... ela sabe estar a altura da nova pedagogia...Seu quadro de
professores selecionado e testado consegue que a criança sinta prazer em
aprender e conviver.

Em meados 1967, a escola precisou deixar o casarão da Avenida João Pinheiro.


A solução encontrada, em comum acordo com a diretoria, foi o uso provisório de
alguns ambientes da nova sede da União Israelita. Na Rua Pernambuco, 326, ponto
nobre da cidade, os judeus progressistas haviam comprado um terreno e erguido um
belo clube para ser local de encontro e lazer. Os sionistas já haviam se afastado e
fundado a Associação Israelita e a escola Theodor Herzl. No novo local, a meninada

1
A Faculdade de Filosofia Ciências e Letras começou por iniciativa de um grupo de professores
do Colégio Marconi. Em 1939 eles fundaram a Faculdade de Filosofia para formar professores
em novas áreas. Em Belo Horizonte, os cursos superiores instalados desde o final do século XIX
e início do século XX eram voltados basicamente para a formação de engenheiros, médicos,
dentistas, farmacêuticos e advogados. Dez anos depois, a Faculdade foi integrada à
Universidade de Minas Gerais (UMG), e em seguida, foi federalizada tornando-se a UFMG.
passou a desfrutar também da piscina e das quadras. Para melhor acomodar a escola,
que ia do Jardim de Infância ao 4º ano do Ensino Primário, decidiram construir um
andar com oito salas. Uma comissão levantou recursos entre os judeus e conseguiu
empréstimos bancários a juros baixos. Os engenheiros José Mintz e Abrão Brum,
responsáveis pela obra, entregaram o anexo em 1967. A União seguiria mantenedora
da escola. Os pais continuariam ajudando na realização de eventos, tais como bingo,
bazar e noite dançante, para gerar dinheiro a favor da escola, sempre deficitária. As
turmas continuavam com poucos alunos, e o lucro não sendo objetivo.
Para a equipe da diretora Valderez chegou Naum Weinberg, ou Moré2 como a
meninada lhe chamava, para dar aulas de hebraico 3 e tradições judaicas. Querendo
motivar, incentivar a participação, dar segurança e ver o aluno feliz, ele foi inventando
um jeito muito peculiar de trabalhar. Com atividades lúdicas, criativas e desafiadoras,
permeadas por uma “didática afetiva” e pelo uso da liberdade com responsabilidade –
que descobrira com Mr. Neill, o fundador da Summerhill School 4 -, Naum envolvia a
meninada.
Aventura, coragem, adrenalina, iniciativa, coletividade, liberdade, liderança
eram conteúdos escolares na “Coloninha de Férias” que ele oferecia. Uma atividade
inspirada no Escotismo, que em Israel equivale ao movimento juvenil judaico. A
meninada ficava quatro dias distante de Belo Horizonte e da família, em dormitórios
coletivos, dividindo responsabilidades, participando de atividades esportivas, lúdicas,
formativas. Caminhadas noturnas ajudavam as crianças a “ter menos medo das coisas
pequenas”, lembra Naum. Vania Mintz, à época aluna, anos depois coordenadora
pedagógica da Escola da Serra, recorda-se da Coloninha:

A gente andava no escuro, com silêncio absoluto. E havia os códigos,


os sinais para gente poder caminhar. Os monitores ficavam escondidos,
e a gente tinha que achá-los. Era muita emoção! O medo que a gente
sentia! Era incrível!

Naum, com seu lema “vida ativa é vida vivida”, estava sempre desafiando,
criando jogos e brincadeiras. Matemática e educação financeira podiam ser aprendidas
brincando de “banco”, usando “cheque” para comprar na cantina, que era
2
Moré/Morá – professor/professora em hebraico.

3
Língua oficial de Israel depois da criação do Estado de Israel.

4
O jornalista Alexander Sutherland Neill (1883-1973) foi o fundador da Summerhill School, na
Inglaterra. Um sistema educativo no qual flexibiliza a hierarquia, dá à criança liberdade para
escolher e decidir o que aprender, ajudar na gestão da escola.
administrada pelos próprios alunos – um exemplo da influência da Summerhill School,
que inverte a hierarquia e aposta no aluno como gestor. Descobrir o maior número
possível de mares, numa época sem internet nem Google, foi um desafiou para a
garotada que navegou no conhecimento e descobriu quase 50 mares, entre outras
informações que vieram a reboque. Naum embarcava as crianças num “navio”, de fato
a piscina, para uma longa “viagem imaginária" até Israel para conhecer outras regiões
e países, incluindo a Itália para comer pizza. Ele incentivava a aproximação das
crianças de escolas do Rio de Janeiro, São Paulo e Israel. O contato ia por meio de um
lindo cartão postal enfeitado com flores secas. Explicando a intenção do gesto ia um
texto mimeografado. Convicto que “a criatividade é dom tão universal quanto a
memória e a inteligência”, ele desafiava. Propunha diversas atividades para a criança
ampliar a percepção, aprender a ver as coisas sob os mais diversos ângulos, procurar
novos caminhos. A atividade podia ser a feitura de uma escultura no giz ou andar pela
escola observando cada canto para olhar o mesmo com outra visão, com mais
percepção. “Naum tinha uma energia de criatividade que era contagiante, todo mundo
queria inventar!”, recorda-se Vania Mintz.
Para ele, que fora estudante da Escola Israelita numa época de relações
autoritárias, outro componente imprescindível era a afetividade. Opressão que vinha
atada à história da educação brasileira e explícita em diferentes formas de castigar.
Punições que foram abrandando, seja pela construção da sensatez ou pela constituição
de leis e estatutos nacionais e internacionais para proteger a criança e seus direitos.
Ele relembra:
Quando eu fui aluno não senti nenhuma afetividade no trato. Na escola
Primária, muito pelo contrário, havia um diretor autoritário e que, por
qualquer falta, colocava o aluno no quarto escuro de castigo.

Brincando, Naum desafiava e, às vezes, premiava. O prêmio por fazer todas as


atividades podia culminar num passeio na Chimbica – uma rural azul e branca. O carro
foi um presente-surpresa, envolto em um laço de fita no Dia das Crianças, dado pelos
pais e por sugestão de Naum. Entre os passeios proposto por ele, a ida à Praça do
Cruzeiro, hoje Praça Milton Campos, local onde a Avenida da Afonso Pena terminava.
Lá a meninada se esbaldava na guerra com sementes de mamona – vegetação que
fora tão comum em Belo Horizonte.
Naum acabou substituindo Valderez na direção, que saíra para cuidar do
Instituto Brasileiro Édouard Claparède, por ela fundado, para atender crianças com
necessidades especiais. Na equipe de Naum estava Myriam Weinberg, coordenando o
Jardim de Infância, e de 1ª a 4ª série estavam Cleia Dicker e Luiza Lerman
Chaimowicz. Esta, mais adiante, assumiria a direção da Escola.
Luiza chegou trazendo mais referências pedagógicas, mais ideias. Ela estudara
no Instituto de Educação de Minas Gerais 5, onde fizera o curso Normal para ser
professora primária. Lá usufruíra do Programa Brasileiro-Americano de Assistência ao
Ensino Elementar (PABAEE)6. Resultado de uma parceria entre governo de Minas e os
Estados Unidos. Resultado de uma parceria entre o governo de Minas e os Estados
Unidos. A formação em Pedagogia ela fizera na então Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (FAFICH), que funcionava
no bairro Santo Antônio.
Uma das fortes referências para Luiza era o educador Lauro de Oliveira Lima.
Um reformador, como gostava de ser chamado, que combatia métodos arcaicos de
ensino que eram usados nas escolas brasileiras. Um estudioso de Jean Piaget, que
defendia uma proposta de liberdade e criatividade na aprendizagem. Um perseguido,
torturado e vigiado pela ditadura militar, que trabalhou com Paulo Freire, Anísio
Teixeira e Darcy Ribeiro. Luiza levou as ideias de Lauro para o Einstein e, portanto, de
Piaget. Ofereceu para os professores grupos de estudo sobre o método Dinâmica de
Grupo7 e o colocou em prática.
Fazíamos dinâmicas diversas. Juntas as crianças decidiam as regras da sala, qual o
papel de cada uma. A gente gostava muito de trabalho em grupo. Um menino podia ser
monitor em um grupo, depois se misturava com outros grupos. Um aluno com mais
facilidade ajudava um grupo com mais dificuldade em determinada matéria.
Procurávamos montar grupos equilibrados, buscando a participação de todos, evitando
que os rejeitados ficassem isolados e valorizando a capacidade de todos.

Com a Dinâmica de Grupo se trabalha a sociabilidade da criança. O outro é uma


fonte de desequilíbrio, pois cada um tem uma visão diferente da realidade. É no grupo
que a criança desenvolve a moral. Segundo Piaget, a criança até uns 10, 11 anos
5
O Instituto de Educação de Minas Gerais, localizado próximo ao Parque Municipal, em Belo
Horizonte, substituiu a Escola Normal Modelo em 1946. Mesmo ano que encerraram a Escola de
Aperfeiçoamento.
6
Durante o governo de Abgar Renault, entre os anos de 1956 e 1958, Mário Casasanta esteve
à frente da Secretaria da Educação e firmou o convênio entre e Estado de Minas Gerais e o
governo norte-americano, resultando na instalação do Programa Brasileiro-Americano de
Assistência ao Ensino Elementar (PABAEE) – nas dependências do Instituto de Educação, então
sob a direção de Mário Casasanta. O programa tinha como objetivo possibilitar o
desenvolvimento de atividades relacionadas à educação, dentre as quais o estudo da psicologia
aplicada à educação, da orientação e da seleção profissional, visando a uma nova reforma do
ensino público. A ideia era fazer Belo Horizonte reviver o clima de "capital pedagógica do
Brasil".
7
A Dinâmica de Grupo foi criada pelo psicólogo alemão-americano Kurt Lewin, que aplicou
teorias de Piaget para desenvolver o método.
pode ainda estar na fase do egocentrismo, com dificuldade de compreender o ponto
de vista do outro. Portanto é importante fazer a “revolução copernicana do eu”, dizia
Piaget, estimular a compreensão do ponto de vista do outro e isso se faz com a
sociabilidade, a cooperação entre crianças. Estímulo que desenvolve também a
inteligência – tão estudada por Piaget – pois desenvolve o raciocínio, o pensamento
lógico.
Naum, com apoio Luiza Lerman Chaimowicz e Cleia Dicker, implantaria,
gradativamente, da 5ª à 8ª série. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
promulgada em 1971, extinguira a denominação “Ensino Primário”, que correspondia
aos quatro anos subsequentes ao Jardim de Infância. Com a nova lei, Primário e
Ginásio foram integrados no 1º grau, que corresponderia da 1ª à 8ª série.
Aproveitando que em 1972 a Escola inauguraria a 5ª série, Luiza deu uma sugestão
para deixar mais claro que a Escola não era exclusiva para judeus e para marcar o
início da ampliação da Escola: a troca do nome para Escola Albert Einstein. Em
assembleia, a diretoria da União Israelita aprovou. “Queríamos caminhar para uma
escola mais aberta e não sectária”, lembra Naum.
No cardápio pedagógico da escola havia novidade para motivar a criança:
clube da ciência, do xadrez, da eletricidade. Os alunos com facilidade em determinada
matéria ficavam um tempo a mais na escola após o término das aulas para ensinar os
que estavam com dificuldades. Exercício de ensinar para melhor aprender, para
praticar solidariedade. Reconhecimento de que a criança tem uma linguagem que a
aproxima de outra criança, muitas vezes, até mais que o adulto. “O aluno não tinha
papel passivo, não era submisso à autoridade do professor. Era uma tônica”, conta
Luiza Lerman. Na escola, procuravam compreender o raciocínio da criança quando ela
resolvia problemas. “A escola era um campo vasto, totalmente aberto, a gente fazia o
que podia de melhor em educação, não havia limitação”, recorda-se Luiza Lerman.
Outra característica da Escola é que não fazia seleção, recebia alunos com
dificuldades de aprendizagem. Dentro de suas limitações, os professores procuravam
ajudá-los e valorizá-los, lembra Naum:

Cada um era cuidado com o bom senso da época, com nossos princípios. Se um
aluno não conseguia aprender muito bem, eu chamava o professor e pedia para
prestar mais atenção nele, se dedicar muito a ele, colocá-lo mais na frente na
sala. Eu procurava sempre incentivar as crianças com mais dificuldade, valorizar
o que dava conta, as facilidades, desenvolver os potenciais. Na maioria das
vezes dava certo.
A Escola Israelita ia crescendo. A formação intelectual consistente seguia como
objetivo na Escola Israelita, bem como a formação emocional dos alunos. Desde os
tempos de Valderez havia muito cuidado no trato com eles.
Se para as crianças a felicidade corria solta, já em meados dos anos 1970, a
presença da Escola dentro da União Israelita começou a incomodar. Atas das reuniões
da diretoria à época, mostradas por Luiza Lerman, descrevem descontentamentos de
alguns sócios da União Israelita. E por algumas razões. A Escola, que crescera até a
8ª série, acabara utilizando outros espaços além daquele anexo construído
especialmente para ela. A área de lazer, por vezes, estava com aula quando sócios da
União queriam utilizá-la. Escolhas pedagógicas iam alterando o currículo e reduzindo o
cultivo de algumas tradições da cultura judaica – fato que desagradava alguns judeus.
Para Luiza Lerman “uma adaptação que a escola precisava fazer. Estava difícil
encontrar professores para transmitir a cultura judaica, a história do povo judeu, e a
maioria das crianças vinha de famílias que não eram tão conservadores em termos de
religiosidade”. Em outras épocas a Escola contratara professores de Israel para
trabalhar com a cultura judaica.
Belo Horizonte e todo o país viviam numa atmosfera fortemente repressiva da
ditadura militar, que esmagava a liberdade de expressão, vidas, perspectivas. Mas
crianças viviam envoltas em experiências afetivas e aprendizagens significativas.
Famílias mineiras iam descobrindo esse lugar, se identificando com a educação
proposta. Entre elas, o escritor Olavo Romano e Vania Pimentel, sua mulher à época,:
“Queríamos para nossos filhos uma escola que fosse arejada, com características de
liberdade, abertura, criatividade. Que levasse em conta o potencial de cada um e
oferecesse o máximo de oportunidades”.
Seguiam alterações na direção da Escola. Saiu Naum, depois Luiza Lerman.
“Desgastada pela pressão da comunidade judaica, sentindo que alguns judeus não
davam o devido valor à Escola e uma parte não estava interessada em manter a Escola
dentro da União Israelita”, Luiza passou o bastão. Contornar divergências e
insatisfações continuaria um desafio para quem ficou. Possível apenas por mais alguns
anos.
“Que educação nós queremos para o mundo que está aí? Para que serve a
educação? Qual a intenção maior da Escola Albert Einstein? Quais atitudes são
coerentes com a proposta?, perguntava o novo diretor Adilson Rodrigues Pereira, ao
Conselho de Pais, aos professores, pais, alunos e funcionários. Entre suas bagagens,
Adilson trazia experiências como professor de didática de Português na Faculdade de
Educação da UFMG. Com a professora Magda Soares da FAE-UFMG, ele escrevera
livros como colaborador ou coautor. Na coleção “Comunicação em Língua Portuguesa”
ao invés de gramática formal havia comunicação de massa – jornal, publicidade,
história em quadrinho – para o aluno ler e desenvolver outras linguagens e o senso
crítico.
Ele chegara, em 1976, apostando intensamente na reflexão coletiva e no
diálogo para analisar os processos pedagógicos, saber das expectativas da
coletividade, propor mais e novas estratégias didáticas, avançar na educação
progressista. Fora indicado por Luiza Lerman e aceito depois de sabatinado pelo
Conselho de Pais. À época, era composto por Berta Goifman e o marido Jayme, José
Mintz e a mulher Miriam, Bernardo Wajnman, Tobias Chaimowicz e a mulher Luiza
Lerman Chaimowicz, Moisés Chacham, Aron e Gilda Dicker, entre outros. Gente que
também colaborava com a construção da proposta pedagógica. O professor da
Faculdade de Educação da UFMG Miguel Arroyo e ex-Secretário Adjunto de
Educação de Belo Horizonte, levara os filhos para lá estudar e também se integrou
ao Conselho de Pais. Ele recorda-se da prática de Adilson:
Havia muitas reuniões para discutir: Qual a educação queremos para os
filhos? Qual educação queremos na escola? Mais em termos de coincidir que
tipo de ser humano queríamos formar.

Adilson enfatizava que queria educadores na equipe, mais que professores. “O


educador pensa na educação como um todo e usa a matéria dele para desenvolver
habilidades que o aluno vai precisar como ser humano, como cidadão. O professor
segue uma matéria, o educador vai além”, distingue Adilson. Alguns professores não
se adaptavam e optavam por sair.
As reflexões com alunos e professores sobre as práticas e as vivências levaram
à definição de uma espinha dorsal pedagógica que Adilson denominou de +CCC: mais
criatividade, crítica e cooperação. Na origem, o CCC significava o Comando de Caça
aos Comunistas. Um movimento de extrema-direita, que enfrentava os opositores do
regime militar em vigência com espancamento, atentados à bomba, invasões.
Com ironia, Adilson explicitou sua aversão à truculência e reafirmava o caminho para o
fortalecimento de um cidadão ativo e crítico. “Educação com interrogação, com
pergunta, não com ponto final” era o que Adilson pretendia, relembrando ideias de
Paulo Freire e dando continuidade à proposta da Escola de dar voz ao aluno, de
incentivar o questionamento.
Para o erro, Adilson pedia à equipe “tratamento com banda de música e tapete
vermelho!”. Esse elemento que costuma, em toda escola, ser explicitado sem
delicadeza, gritado com vermelho e, por vezes, envergonha o errante, deveria no
Einstein ser reverenciado. Paulo Freire dizia que “é justamente o equivocar-se que
permite avançar no conhecimento (...) “a força do negativo no conhecimento é parte
essencial do conhecimento, chama-se a isso erro, risco, curiosidade, pergunta” 8. E no
Conselho de Classe, a equipe pedagógica procurava avaliar cada aluno não
comparativamente ao colega, mas a ele mesmo, se crescera o tanto que poderia.
Afinal, “como comparar grama com coqueiro? O que é maior? Qual critério para
definir?”, instigava Adilson. Ele insistia para que desenvolvessem o potencial de cada
um.
Na percepção de Vania Mintz – aluna à época e futura coordenadora do Ensino
Médio da Escola da Serra – com Adilson na direção “a escola, que tinha uma linha
inovadora, foi radicalizando”.

Lembro quando deixamos de ter prova. Eu dando volta na piscina decorando alguma
coisa. Depois num momento eu já não tinha mais de fazer isso. Lembro que isso foi
conversado: ‘Vocês acham que devemos decorar? Para que serve decorar? Não é
melhor trabalhar e acrescentar conhecimento e dividir com os colegas? Para quê cada
um sozinho ficar decorando para fazer prova?’ As decisões eram conversadas com a
gente. Quando deixou de ser obrigatório o uso do uniforme perguntaram: ‘O que
representa o uniforme na escola? Vocês acham importante?’ Aboliu-se a
obrigatoriedade, mas tinha a camiseta para quem queria estar identificado. As coisas
eram construídas. Era sentar e conversar sobre.

Vania está se referindo ao fim de um modelo de prova, pois Adilson definira


com os professores que as provas deveriam ser preferencialmente com consultas.
“Qual o sentido de repetir o que estava no livro?” Ele indagava. O professor deveria
desafiar mais a reflexão, a criatividade e a capacidade de o aluno resolver novas
situações-problema. O movimento para inovar era constante. Entre as estratégias para
desenvolver a linguagem e incentivar a leitura adotaram o livro Didáctica de la Lectura
Creadora da argentina Maria Hortência Lacau. “A proposta coloca o aluno como
coautor. Lido o livro, ele entrevista o personagem, muda o final. Pode fazer julgamento
de um personagem, a favor ou contra ele, desenhar o personagem como imagina”
explica Adilson.
Professores da UFMG e outros intelectuais iam sendo atraídos pela proposta
que também procurava enriquecer e reinventar processos de aprendizagem, a forma
como trabalhar conteúdos. O conhecimento como ponto de partida para desenvolver e
8
FREIRE, Paulo; FAUNDEZ, Antonio. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 1998. 4. ed.
ampliar habilidades intelectuais – questionar, comparar, avaliar, analisar, relacionar,
pesquisar.
Por certo, havia pais e professores que não abraçavam ou colocavam em
dúvida as propostas e os resultados, e se afastavam. Quando surgia o receio de a
escola não estar preparando o filho para enfrentar o vestibular, Adilson argumentava:
“Vestibular é um aspecto, a escola prepara para a vida, é muito mais que fazer uma
prova de profissão”. Outra dúvida colocada foi sobre o volume de para casa. Adilson
pedia aos professores que não sobrecarregassem os alunos com atividades para fazer
em casa. E isso não significava fazer defesa do ócio, mas dosar a quantidade de para
casa. Queria “mais vivência, que a vivência fosse discutida na escola”. Houve quem
ficasse preocupado, pois achava que o filho estava “meio na flauta”. A crítica gerou
polêmica. Qual a boa medida do para casa? A Escola da Serra enfrentaria o mesmo
questionamento.
Na gestão de Adilson, Jornalismo, Arte, Artesanato, Cinema, Turismo tornaram-
se disciplinas optativas nas 7ª e 8ª série. Estavam fora das exigências da Secretaria de
Educação. Turismo, cinco professores já haviam tentado, sem sucesso, torná-la
interessante ao gosto dos alunos. Foi nesse enredo que, em 1978, chegou Tieko
Takamatsu – a futura Supervisora Pedagógica da Escola da Serra. Formada em
História, trazia no currículo experiência como professora e coordenadora pedagógica
em escolas particulares de Belo Horizonte. Quando ela assumiu a disciplina de
Turismo, na turma da 8ª série, somou História e Arte para a meninada estudar história
de Minas, do Barroco, da Arte. E seu jeito de ser e de dar aula foi agradando. No ano
seguinte, se tornaria professora de História.
Num dia de muito sol, carregando um guarda-chuva, chegou outro professor
que seguiria para a Escola da Serra: Rodrigo Sarmento para dar aula de Matemática.
Adilson gostou logo do jeito dele e da proposta. Rodrigão marcaria muitos de seus
alunos nas duas escolas pela maneira de ensinar, seu humor, suas estratégias
pedagógicas. Luis Sartori do Vale, que adorava desenhar nas aulas dele na Escola da
Serra, recorda-se: “O Rodrigo dizia que o desenho desenvolve o pensamento espacial,
tridimensional. Então, deixava desenhar. Ele nunca me chamou atenção, pois achava
que era a forma como eu aprendia. Num colégio, onde fiz Ensino Médio, o primeiro
torra foi por desenhar na sala de aula”.
Em Belo Horizonte, nos anos 1970, outras poucas e pequenas escolas também
já estavam construindo uma linha pedagógica mais inovadora, com currículo mais rico
que ultrapassava exigências da Secretaria de Educação. Entre elas estavam Balão
Vermelho, Instituto Brasileiro Èdouard Claparède, Pica Pau Amarelo e Criança Feliz.
Esta já recebia crianças com necessidades especiais, à época chamada com
deficiências. Propósitos semelhantes com o Einstein deram a Adilson a ideia de criar o
grupo das “Escolas Nanicas”. Assim ele nomeou em referência e homenagem à
Imprensa Nanica. Este nome foi criado pelo jornalista e escritor João Antônio, que
trabalhava no Pasquim – um periódico de grande sucesso que, como outros, fazia
frente de contestação e de luta contra o regime militar. As escolas “Nanicas” se
reuniam no Einstein para compartilhar e discutir práticas pedagógicas, bem como os
problemas comuns de administração e economia escolar. Observavam que as pautas e
as políticas definidas pelo Sindicato das Escolas Particulares, o SINEP-MG, eram mais
voltadas para as grandes escolas.
Em 1979 Adilson despediu-se do Einstein, onde encontrara “um terreno já
aplainado, trabalhado com a ideia da liberdade, do respeito e da não discriminação”.
Onde sentia que ele e a equipe podiam “aprender errando e acertando, sem ter que
gerar lucro”. Recebeu uma escola “pronta para dar continuidade”, e deixou “para ser
melhorada. Um processo”. Entre os judeus permaneciam divergências. “Eu sentia que
nem todos gostavam da escola dentro do clube. Havia quem não tivesse mais
paciência com criança, barulho e achava a escola uma intrusa. O velhinho ia jogar,
rezar, e o barulho de criança incomodava. A biblioteca israelita era dentro de uma sala
de aula e na frente da sinagoga. A escola foi ocupando tudo”, recorda-se Adilson.
A próxima na direção da Escola seria Malu Brandão, que já havia sido
professora no período de Naum, Luiza Lerman e Adilson. Formada em Geografia, havia
enfrentado o primeiro vestibular9 unificado da UFMG realizado do Mineirão em 1970.
Todos os estudantes deveriam fazer provas de todas as matérias. Desafio grande, pois
até então, nos três anos do 2º Grau, os estudantes escolhiam uma área de interesse:
humanas, exatas ou preparação para serem professores. Os militares não confiavam
nas instituições federais para garantir ordem e segurança na realização das provas,
então determinavam onde deveria ser o exame. Os candidatos sentados nas
arquibancadas faziam as provas sobre pranchetas, expostos ao sol, vigiados por fiscais,

9
Até 1911, os estudantes das universidades brasileiras eram ex-alunos de colégios tradicionais.
Nesse ano Ministro da Justiça e dos Negócios Rivadávia da Cunha Corrêa, instituiu a prova de
admissão à universidade, que passou a se chamar “vestibular” em 1915. Havia prova escrita e
oral. Além das matérias tradicionais, havia o conteúdo do primeiro ano do curso que o
candidato desejava fazer. A partir da década de 1960 eram submetidos a longas provas com
questões de múltipla escolha, modelo de exame alvo de críticas de especialistas na época .
A partir de 1970 o conteúdo da prova foi restrito a matérias do científico.
alguns com binóculos. O formato se repetiu algumas vezes na década e em outros

estados brasileiros.

Quando Malu chegou ao Einstein, primeiro para dar aula, “a escola que sempre
quis”, lhe “abriu um mundo”. Com os grupos de estudo propostos por Luiza Lerman,
descobrira Lauro de Oliveira Lima. Com Adilson, especialmente, viu seu trabalho ser
questionado para descobrir e inventar novas didáticas. “Professora dedicada e
respeitada, assimilou e respondeu bem as novas propostas”, conta Adilson. Em 1980,
depois de ter se afastado por um período, Olavo Romano, representando a diretoria,
lhe convidou para voltar. Ela aceitou o desafio de assumir a direção geral da escola e a
coordenação do Ginásio. Trabalho “pesadíssimo”, conta ela, pois no seu currículo trazia
experiência como professora.
Entre as dificuldades, o relacionamento com alunos de uma turma. Um dia eles
expuseram sua inconformidade. Picharam no muro da escola “Abaixo a ditadura da
Malu”. No primeiro momento, “foi sofrido” para ela. Mas encarou o fato, que
demonstrava que eles sabiam o que se passava no país e que na Escola havia
liberdade de expressão.

Fui sentar com eles para entender o porquê, e descobri que eu não estava mais sendo
aquela pessoa afetiva que fora quando professora, não tinha mais tempo para brincar
com eles. Fui explicar que meu tempo estava muito pequeno, o que significava dirigir
uma escola inteira e com aquelas características. Eles estavam sofrendo. Quando
entendi o que estavam sentindo, foi muito bom. Quando se é dura demais para colocar
limites, acontece esse tipo de coisa.

Seria mesmo uma atitude autoritária ou Malu estava exercendo sua autoridade?
“Delimitar o que era aceitável não era tarefa fácil naquele tipo de escola”, reconhece
ela. A equipe tinha que enfrentar duas situações. Os pais que achavam que a Escola
dava liberdade em excesso. O filho se tornava mais questionador na escola e da
escola, queria saber os porquês, e em casa queria fazer o mesmo. Por outro lado, pais
que viviam com intensidade a abertura democrática e queriam ambientes mais
libertários. Para pensar e estabelecer os limites e traçar as normas eram realizadas
discussões com a equipe pedagógica e os alunos. Decisões com acertos e erros,
inevitáveis.
Para dividir parte do trabalho, em meados de 1982, Malu convidou Tieko para a
coordenação de 5ª a 8ª. E continuava contando com Ângela Dumont na coordenação
de 1ª a 4ª, e Zoé, vinda do Balão Vermelho, na coordenação do infantil. Ambas
trabalhando desde o tempo de Adilson. Malu sentia-se integrada à comunidade, e até
sua mãe colaborava. Foi quem transformou a nova biblioteca da escola, que fora
transferida para uma sala maior, numa ambiente mais aconchegante. Fez grandes
almofadas coloridas para a meninada poder espichar o corpo e ler com mais conforto.
Ideia, posteriormente, levada para a Escola da Serra.
O Einstein ia “ocupando, ocupando, ocupando a União. Ocupando salas de
cima, muito espaço lá em baixo”, recorda-se Malu, que se despediu da Escola em
1982. Para assumir a direção da escola chegou a educadora e psicóloga Arminda Matta
Machado. Viriam mais mudanças.

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