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Os Selos do Dharma

Por

J. E. Marinho Cardoso

Rio de Janeiro - Brasil

2015
Os Selos do Dharma
Prefácio

Introdução

A Abordagem Budista

Motivação

As Três Joias

A Natureza Búdica

Os Cinco Preceitos

Os Selos do Dharma

Impermanência e Vacuidade

Sofrimento

Nirvana

Contemplação dos Selos

Apêndices
Tripitaka

As Nobres Verdades

O Caminho Óctuplo

Originação Dependente

As Seis Perfeições - Paramitas


Glossário
Glossário
Prefácio
Sidarta Gautama, que um dia se tornaria conhecido como Buda ("O
Iluminado" ou "desperto"), viveu no Nepal entre os séculos VI e IV A.C.
Embora os estudiosos concordem que ele de fato viveu, os eventos de sua
vida ainda são debatidos. De acordo com a mais conhecida história de sua
vida, depois de explorar diferentes ensinamentos por anos, e não encontrando
nenhum que fosse aceitável, Gautama mergulhou em profunda meditação.
Durante sua meditação, todas as respostas que vinha procurando foram
esclarecidas, e alcançou a iluminação, tornando-se Buda.
Todas as práticas autênticas do Buda carregam consigo pelo menos três dos
quatro ensinamentos essenciais chamados Selos do Dharma ou Marcas da
Existência. Estes ensinamentos do Buda são: impermanência, sofrimento,
insubstancialidade (“não eu”) e nirvana. Assim como os documentos legais
autênticos têm a marca ou a assinatura de uma testemunha, todas as práticas
genuínas do Buda têm as marcas desses ensinamentos.
Embora muito tenha sido escrito sobre Budismo, existindo inclusive vários
livros que abordam os Selos do Dharma. A proposta deste livro se concentra
em apresentar estes ensinamentos de forma simples e ideais para o mundo
contemporâneo.
Buda Shakyamuni
Introdução
No Hinduísmo como no Budismo a palavra "Dharma" refere-se não só ao
princípio ou lei que ordena o universo, embora tenha outros significados. No
Budismo corresponde aos ensinamentos dados por Buda e as experiências
internas ou realizações desses ensinamentos. Razão pela qual encaramos o
Budismo como um caminho de ensino e prática, de transformação não só
individual, mas também social.
A palavra "Buda" é um título e não um nome que foi dado em primeiro
lugar a um príncipe chamado Sidarta Gautama, que viveu há 2.500 anos no
norte da Índia. Tal título significa "aquele que está acordado", ou seja, que
passou pela experiência direta, exata e ampla da natureza final da realidade,
conhecida como "iluminação".
Os budistas acreditam que todas as pessoas tem potencial para a
iluminação e que, se quisermos, podemos utilizar os princípios e práticas do
Budismo para começar no caminho do crescimento pessoal e
desenvolvimento espiritual.
Mesmo após a morte de sua figura-chave, o Budismo tem se adaptado a
muitas sociedades diferentes, encontrando maneiras de expressar a visão do
Buda em diferentes culturas e épocas históricas. Assim, o que nós chamamos
hoje de Budismo deu origem a muitas escolas diferentes que se
desenvolveram para atender um determinado tempo e lugar, levando ao
surgimento de várias tradições.
No Budismo são geralmente reconhecidos dois grandes ramos: Theravada
("A Escola dos Anciãos") e Mahayana ("O Grande Veículo"). O primeiro se
difundiu no Sri Lanka e no Sudeste da Ásia (Tailândia, Myanmar etc.). Já o
segundo é encontrado em toda a Ásia Oriental (China, Coréia, Japão, Vietnã
etc.) e inclui também as tradições da Terra Pura, Zen, Nitiren, Tibetano,
Shingon, e Tiantai (Tendai). Algumas classificações reconhecem um terceiro
ramo, o Vajrayana, que é visto como um corpo de ensinamentos atribuídos a
siddhas indianos (seres perfeitos), enquanto outros o classificam como uma
parte do Mahayana, estando presente principalmente no Tibete e na
Mongólia e em partes adjacentes da China e da Rússia.
Buda não deixou nada escrito, transmitindo seus ensinamentos oralmente
por muito anos. Logo após a sua morte, seus discípulos reuniram-se para
recitar e organizar os ensinamentos dados por ele na forma de Discursos e
Regras monásticas, tal como foram originalmente ensinados. Também
conhecido como os "Três Cestos", o Tripitaka ou Tipitaka é o Cânone budista
organizado em três coleções: na primeira está a doutrina encontrada nos
discursos; na segunda a disciplina na forma de leis e regras de conduta
monásticas; e na última estão as dissertações filosóficas. Conforme a fonte
de consulta, o Tripitaka pode apresentar diferença na organização de suas
coleções. (Ver apêndice: Tripitaka)
Com o passar do tempo, as diferentes escolas do Budismo acabaram
proporcionando diferentes apresentações dos ensinamentos do Buda. Então, o
que todas elas têm em comum, e que diferencia o Budismo de outras religiões
e filosofias?
Para responder a questão proposta, podemos citar os Cinco Preceitos, as
Três Joias, os Selos do Dharma, as As Nobres Verdades, a Originação
Dependente, o O Caminho Óctuplo e as Seis Perfeições (Paramitas). (Os
quatro últimos podem ser encontrados no apêndice)
A Abordagem Budista
Embora pessoas diferentes tenham pontos de vista diferentes do que seja o
Budismo, podemos afirmar que o Budismo difere da noção de religião que a
maioria das pessoas tem. Isso talvez ocorra porque o Budismo promove o
exame crítico de suas próprias doutrinas, e em razão de ser eminentemente
um método que confia na demonstração empírica e na inferência lógica e
racional. Com efeito, os budistas creem que são responsáveis pela qualidade
da suas vidas, por sua felidade e por suas potencialidades. Assim sendo, cada
um de nós tem a capacidade de se tornar inteiramente compassivo, sábio e
hábil.
Quando estudamos o Budismo não estamos algo que foi criado ou
imaginado pelo Buda, estamos estudando a nós mesmos - a natureza do nosso
corpo, fala e mente - a principal ênfase está na natureza da nossa mente e
como ela funciona na vida cotidiana. Sem se ocupar com questões
metafísicas do tipo "Qual é a natureza de Deus?" ou qualquer coisa assim.
Por que é tão importante conhecer a natureza de nossa própria mente? Visto
que felicidade e sofrimento são estados mentais e desde que ambos não caem
do céu, suas causas principais são encontradas na mente. Se desejamos ser
verdadeiramente felizes e livres do sofrimento, temos que entender o que a
mente é e como ela funciona.
O Budismo explica logicamente como a satisfação vem da mente, não de
algum tipo de ser sobrenatural no qual temos que acreditar. Tal ideia pode ser
difícil de aceitar, porque, a partir do momento em que nascem, grande parte
das pessoas coloca extrema ênfase na crença de que a fonte da felicidade está
do lado de fora, nos objetos externos. Este ponto de vista equivocado
supervaloriza as coisas materiais, resultando em percepções e pensamentos
distorcidos da realidade. Portanto, se quisermos paz, felicidade e alegria
verdadeiras, precisamos perceber que tais qualidades vêm do nosso interior
parando de procurar por elas caoticamente no exterior. A valer, as
circunstâncias exteriores só podem nos fazer felizes se nossa mente estiver
em paz.
O entendimento em relação as delusões que povoam a mente comum é a
prática dos ensinamentos de Buda. Delusões que são maneiras distorcidas de
perceber a nós mesmos, aos outros seres e ao mundo a nossa volta.
Colocando todos os ensinamentos de Buda em prática, realizaremos
facilmente a visão e a intenção última de Buda e ficaremos livres de todas as
visões e intenções equivocadas. Na realidade, todas as pessoas têm o mesmo
potencial para controlar e desenvolver suas mentes. Não há distinção de
acordo com a raça, cor ou nacionalidade. Da mesma forma, todos podem
experimentar paz mental e alegria duradouras. A nossa capacidade humana é
grande - se pudermos usá-la com sabedoria, nossa vida além de preciosa será
extremamente significativa; mas ao usá-la com ignorância e apego emocional
nós desperdiçaremos nossa vida sem perceber quão preciosa e rara ela é.
Em poucas palavras, podemos afirmar que na abordagem budista nossa
inteligência além de ser encorajada também é respeitada. Com efeito, os
ensinamentos do Buda são similares as refeições que realizamos ao longo do
dia, não comemos tudo de uma vez, pois cada refeição recebe toda atenção
sendo degustada de modo apropriado evitando a indigestão. Dessa maneira,
podemos escolher um prato a outro, sem a obrigação de ter que comer tudo, o
mesmo se dá com os ensinamentos do Buda, pois escolhemos aquele que nos
é mais adequado agora e deixamos os demais para mais tarde.
Então, como faremos para praticar os ensinamentos budistas, o Dharma?
Antes de tudo, compreendendo claramente o que não é Dharma e assim
eliminarmos todas as atividades que criam as causas do nosso sofrimento.
Falar sobre a prática do Dharma diz respeito principalmente as práticas de
ouvir/ler, contemplar o significado daquilo que ouvimos/lemos e meditar
sobre o significado daquilo que entendemos. Usamos essa forma de ouvir/ler,
contemplar e meditar para trazer o Dharma à nossa experiência, assim estas
três atividades são da maior importância. Daí dizermos que praticar o
Budadharma é não só tes​tá-lo e com​pro​vá-lo, mas é também nossa maior
responsabilidade - o principal caminho que temos que trilhar.
Vamos ouvir/ler, aprendendo e praticando de acordo com a nossa própria
capacidade atual para que possamos assimilar os ensinamentos no nosso
ritmo, afinal não existe um dogma a ser seguido cegamente. Desse modo,
compreendemos e apreciamos gradualmente cada ensinamento que de início
possa parecer desimportante ou até mesmo complexo. Cabe a cada um de
nós, verificar através da lógica e da experiência a veracidade daquilo que foi
ensinado por Buda, como um ourives testa uma peça para checar se ela é
ouro. Tal abordagem é possível porque o próprio Buda pediu a seus
discípulos que testassem tudo que ele ensinou.
Ao descrever as dificuldades pelas quais passamos e as respectivas causas,
O Buda também ensinou de que modo elas são eliminadas. Pela familiaridade
com seus ensinamentos, vamos notar que ele não criou ou inventou o
caminho para a libertação definitiva de todos os sofrimentos. O Buda
recomendeu que fossemos diretos e práticos, sem enveredarmos pela
especulação intelectual inútil e exibicionista, estudando seus ensinamentos,
contemplando e meditando a respeito de cada um deles. É ouvindo ou lendo
muitas instruções de Dharma que poderemos transformar dificuldades em
caminho espiritual e usá-las para aumentar nossa sabedoria.
Aqueles que se tornaram praticantes sábios e realizados agiram desta
maneira, pela familiarização e prática dos ensinamentos, se livraram do
engano e da confusão. Ao compreendermos que, embora as delusões estejam
enraizadas em nós, elas não são inerentes à nossa mente, podendo então ser
removidas. Se praticarmos o Dharma de maneira correta e organizada, o
verdadeiro poder da prática do Dharma surgirá e nossa prática terá resultados
maravilhosos.

É através das nossas meditações que submeteremos o Dharma a um exame


crítico e, desse modo, reforçaremos nosso respeito por Buda e nossa
confiança nele como um mestre verdadeiramente autêntico de sua doutrina, o
Dharma. Ao agir assim, não só acentuamos nossa compreensão do caminho
budista, bem como nosso respeito pela comunidade de praticantes, nossos
amigos esírituais, a Sangha.
Motivação
O Buda usou a analogia dos três potes para explicar como remover os
obstáculos à aprendizagem do Dharma. Sempre que estudarmos o Dharma,
seja ouvindo ou lendo, é importante fazê-lo com motivação ou intenção
correta e de uma forma benéfica. Vamos abandonar três falhas, isto é, não
sejamos como os três tipos de potes:
1. O pote emborcado: Nenhum Dharma penetra em nossa mente porque
estamos adormecidos ou distraídos embora presentes. Dessa forma, retemos
muito pouco ou nada do que foi dito/lido porque estamos perdidos nos
pensamentos e imagens mentais.
2. O pote furado: Estamos despertos, estamos ouvindo e motivados, mas
esquecemos rapidamente o que foi dito/lido. Como praticar o Dharma, se não
lembramos dele?
3. O pote sujo: É quando nós ouvimos/lemos sem distrações, mas a nossa
motivação está poluída porque filtramos tudo que ouvimos/lemos segundo as
nossas interpretações. Nossa mente está cheia de opiniões e preconceitos. Já
sabemos tudo. Temos tantas ideias rígidas que nada novo pode nos afetar ou
nos leva a questionar as nossas suposições.
Nós agora temos a intenção de aprender algo sobre o Dharma. De fato, não
pegamos este livro para ler alguma grande história ou para aprender a ser um
profissional bem sucedido e ficar rico. A única motivação que poderíamos ter
é aprender sobre o Dharma. Nem sempre é fácil estudar o Dharma. Mas
estudar e praticar o Dharma é algo que vai ser muito útil para nós e para as
gerações vindouras. Isso vai ajudar a propagar o Dharma no nosso próprio
país, fazendo com que floresça por muitos e muitos anos.
Sempre que estudarmos o Dharma ou fizermos qualquer prática de
Dharma, a coisa mais importante é ter uma motivação pura. Se temos uma
motivação pura, tudo o que fazemos com o nosso corpo, fala e mente vai sair
benéfico. Mas se a nossa motivação não é pura, então, apesar dquilo que
fazemos com nosso corpo, fala e mente parecer salutar do lado de fora, no
final será insalubre. No entanto, ler este livro denota que além de querermos
aprender sobre o Dharma, nós também queremos praticá-lo; isto demonstra
que somos humildes o suficiente para aprendermos algo novo que beneficie
os outros seres e a nós mesmos.
É maravilhoso ter a motivação para adentrar a porta do Dharma, para
estudá-lo e praticá-lo. Esta é uma motivação inequívocamente altruísta.
Muito embora, essa motivação inicial que nos aproxima do Dharma seja uma
boa motivação, é importante ter uma motivação verdadeiramente vasta - a
motivação da bodichita. O sentido literal do termo bodichita é “mente de
despertar ou mente de iluminação”. Ela é definida como uma mente que,
motivada por compaixão por todos os seres vivos, espontaneamente busca a
iluminação. Sem o desejo espontâneo de proteger todos os seres vivos do
sofrimento, não poderemos gerar uma mente tão virtuosa.
A necessidade de amor está na própria essência da existência humana, não
aquele amor que está misturado com apego, mas aquele que resulta da
interdependência que todos os seres compartilham entre si. Amor que é a
verdadeira proteção contra o sofrimento e que é motivado por equanimidade,
pois todos os seres são preciosos e importantes. Já a compaixão é uma
qualidade mental inerente em todos nós, capaz de nos proporcionar paz e
força interiores verdadeiras e duradouras. Podemos cultivá-la para
transformar nossos sentimentos aflitivos em sentimentos que conferem bem-
estar. Assim, reduzimos as emoções destrutivas, induzidas pelo egoísmo, e
aumentamos com atitudes construtivas e altruístas, propiciando felicidade
para nós e para os demais seres. Colocando o Dharma em prática vamos
conhecer um grau de tranquilidade interior cada vez maior que resulta do
desenvolvimento da compaixão e do amor. Quanto mais nos importamos com
a felicidade dos outros seres, maior se torna o nosso próprio senso de bem-
estar.
Por vezes, nossa motivação é influenciada por aflições ou pelo mero desejo
de apreciar a nós mesmos, e se este for o caso, então devemos nos livrar dela.
Em vez disso, nossa motivação estará voltada para trazer benefícios para
todos os seres sencientes, sem deixar de incluir a nós mesmos. É por isso que
estudamos o Dharma, é por essa razão que lemos, contemplamos e
meditamos sobre os ensinamentos budistas com a motivação pura da
bodichita. Esta é a melhor razão para praticar o Dharma.
As Três Joias
A ida ao refúgio é o primeiro passo no caminho budista à liberdade
interior, mas não é algo novo. Buscamos refúgio em todas as nossas vidas,
embora principalmente em coisas externas, na esperança de encontrar
segurança e felicidade. Alguns de nós buscam refúgio no dinheiro, alguns nas
drogas. Outros buscam refúgio no sucesso profissional, na vida familiar, na
vida espiritual etc.
A ida ao refúgio tem um objeto triplo, isto é, as Três Joias ou Três
Tesouros. Este objeto é a base de todas as formas de Budismo. A expressão
“Joia Tríplice” também é muito utilizada e designa o Buda, o Dharma e a
Sangha constituindo o foco central de inspiração e devoção para os budistas.
A Primeira Joia: O Buda
A ida ao refúgio ou tomar refúgio no Buda é recorrer àquele que é a
encarnação suprema da pureza, sabedoria e compaixão. Visto como
professor, mestre ou guru incomparável que pode guiar-nos com segurança
quando navegamos no oceano de sofrimentos - o samsara.
No Budismo Mahayana, enquanto o "Buda" pode referir-se ao Buda
histórico, chamado de Buda Shakyamuni, "Buda" também faz referência a
"natureza búdica", o carácter absoluto, incondicionado de todas as coisas. E
numa dimensão mais profunda e ainda mais comum, todos nós temos a
Natureza de Buda. Assim, tomar refúgio no Buda não é se esconder na
segurança de um ser poderoso. Refúgio nesta situação é mais como nos
movermos para uma nova perspectiva, para uma nova consciência. Ao tomar
refúgio no Buda, nos alinhamos com a capacidade de reconhecer o Buda que
há em nós, de buscar a capacidade de despertar para o que o Buda
experimentou. Esta joia preciosa faz referência ao encontro com a nossa
própria natureza de Buda.
A função desta primeira joia é conectar a nossa experiência emocional com
a prática dos ensinamentos budistas. Pela prática regular nossa mente se
acalma, proporcionando clareza mental, maior equilíbrio aos pensamentos e
as nossas emoções. Apesar das constantes mudanças exteriores,
experimentamos não só menos agitação mental, mas podemos equilibrar os
pensamentos e as emoções, e assim sofremos menos. Ao manter a mente
serena, sob quaisquer condições, nos permite ver, ouvir, cheirar, tocar e
saborear claramente as “coisas”, de momento a momento, como elas
realmente são.
A Segunda Joia: O Dharma
Apesar da palavra “dharma” apontar para vários significados, no caso faz
referência a “tomar refúgio no Dharma”, que é muito mais do que apenas
confiar e aceitar os ensinamentos budistas. É também confiar na nossa prática
do Budismo.
No nível elementar, Dharma pode ser entendido como os próprios
ensinamentos do Buda. Mas, também contempla os ensinamentos contidos no
Tripitaka – a coleção de sutras e shastras (comentários canônicos)
oficialmente reconhecidos. Podemos considerar também que o Dharma é a
corporificação do Buda. É o Dharma que nos ensina a verdade e nos guia
rumo à iluminação. O Dharma descreve como são as coisas; é o método pelo
qual podemos aprofundar nossa compreensão da realidade e gradualmente
mudar a nós mesmos. O Dharma ensina compaixão por nós mesmos e pelos
outros através da compreensão das Quatro Nobres Verdades, levando a
liberação do sofrimento. O caminho envolve abraçar o ensinamento do Buda
e aplicar esse conhecimento na vida cotidiana.
Trabalhar com a mente para tentar transformá-la na mente de iluminação é
semelhante a trabalhar com um lote de terra, a fim de cultivar flores. Para
cultivar plantas no solo deste terreno precisamos aumentar a capacidade da
terra para incentivar o cultivo. Nós adicionamos água e fertilizantes, de modo
que o solo tenha a capacidade de sustentar o cultivo das sementes e,
posteriormente, das respectivas plantas. Ao mesmo tempo, retiramos tudo
que possa prejudicar o cultivo: ervas daninhas, pragas etc.
O Buda ensinou que todo sofrimento tem origem na mente, ou seja, no
pensamento. É o pensamento que discrimina as coisas como boas ou ruins,
que faz suposições, julgamentos e causa separação. Nosso pensamento cria
tudo; tudo vem do pensamento. E o apego aos nossos pensamentos cria mais
e mais problemas. Assim, se quisermos ter sabedoria e aprofundar o
entendimento, antes de tudo devemos retornar à nossa mente antes do
surgimento do pensamento, aquele ponto onde não há nome nem forma, que
é anterior ao pensamento.
A Terceira Joia: A Shanga
Apesar da palavra “sangha” também apontar para vários significados, no
caso faz referência a “tomar refúgio na Sangha”, num grupo particular de
budistas, leigo ou monástico, que pratica junto. Inclui também todos os
budistas espalhados pelo mundo. A Sangha é de grande importância, pois nos
mantém na direção correta. Os praticantes do Dharma além de nos ajudarem
na prática dos ensinamentos, também nos fornecem as diretrizes básicas, a
fim de alcançarmos a iluminação.
A Unidade das Três Joias
Os sutras budistas foram ensinados pelo Buda e pelos seus discípulos, e,
posteriormente, recolhidos e escritos por membros da Sangha. Concentrar-
nos sobre estes textos só proporciona uma compreensão limitada da Joia
Dharma. Isso nos levaria a desconsiderar o Buda, que deu estes
ensinamentos, e a Sangha, que partilha o Dharma. O Budismo salienta o
Dharma - o caminho que conduz ao fim do sofrimento - somente em
conjunto com o Buda e a Sangha. Os três são inseparáveis.
Há outra interpretação que percebe a unidade das Três Joias, e que decorre
da analogia que vê o sofrimento como doença, na qual o Buda é o médico
que incidiu sobre os sintomas e as causas dessa doença, como parte do
esforço para trazer a cura. É ver os ensinamentos do Buda – o Dharma -
como a terapia ou o remédio que promove a cura para os grandes problemas
da vida. Enquanto a equipe de enfermeiros é a Sangha, nós somos os
pacientes que estão aflitos, diante das muitas situações insatisfatórias da vida.
A cura se dá quando seguimos as orientações dadas pelo médico, o que
significa praticar os ensinamentos, com o apoio e a orientação da equipe de
enfermeiros.
Cabe observarmos também que cada uma das Três Joias abriga as outras
duas. Não faz sentido considerar o Buda, a Verdade ou a Comunidade de
prática como partes separadas do todo. Ao nos refugiarmos nas Três Joias,
mais que expressar nossa devoção, vivenciamos a união das Três Joias como
uma unidade. Desta forma, as Três Joias representam “tesouros” ou virtudes
que já estão dentro de cada um de nós. Portanto, buscar refúgio nas Três Joias
é retornar ao santuário de nossa verdadeira natureza, de nossas virtudes inatas
e da nossa bondade.
A Joia Tríplice e a Compaixão
É importante saber o que é compaixão, porque muitos confundem com
sentir pena ou por ter apego àqueles que são mais próximos, mas isso não é
compaixão. Compaixão é o senso de preocupação sincera, mas é mais do que
isso, é a noção clara de que todos os seres têm exatamente o mesmo direito à
felicidade. Essa compreensão é que enseja a compaixão. Compaixão é
reconhecer o sofrimento do outro e ativamente se engajar internamente (por
uma solução) como se esse sofrimento fosse de fato seu. Portanto, a
compaixão é verdadeira quando se assenta na compreensão da igualdade de
todos os seres no que diz respeito a querer felicidade e a evitar sofrimento.
Compaixão também não é sinônimo de auto-sacrifício, porque não se deve
ser negligente em relação a si mesmo. Graças a compaixão cresce dentro de
nós um senso de conexão e um cuidado sincero em relação: a nós mesmos,
nossos amigos, estranhos e inimigos. De forma objetiva, a compaixão não vê
a quem.
A compaixão é a raiz das Três Joias. É a raiz de Buda porque todos os
Budas nascem da compaixão. É a raiz do Dharma porque os Budas dão
ensinamentos motivados pela compaixão. É a raiz da Sangha porque ouvindo
e praticando o Dharma a comunidade budista se torna Sangha.
A Natureza Búdica
Basicamente, falar sobre a Natureza de Buda é fazer referência a natureza
fundamental de todos os seres vivos. Dizer “todos os seres vivos”, ou “seres
sencientes”, ou “todas as formas de vida” ou “todas as criaturas” contempla
todos os seres e todas as formas de existência. Em razão dessa natureza, todos
os seres podem atingir a iluminação. Quer dizer, quando o Buda se iluminou,
ele percebeu que todos os seres, sem exceção, têm a mesma natureza e
potencial para a iluminação, e isso é conhecido como Natureza Búdica.
Portanto, a Natureza de Buda refere-se à natureza inata ou original como
Buda, que é intrínseca aos seres sencientes. Ao mesmo tempo, também
significa o potencial para tornar-se Buda.
Existem todos os tipos de comentários, teorias e doutrinas sobre a Natureza
Búdica, que a princípio podem ser difíceis de entender. Isso se dá porque a
Natureza Búdica não faz parte do entendimento convencional ou conceitual
das coisas, e explicá-la por meio da linguagem pode ser um tanto complexo.
Para simplificar, imagine uma jarra vazia. O espaço interior deste objeto é
exatamente o mesmo que o espaço externo; apenas as frágeis paredes da jarra
separam um do outro. A Natureza Búdica está encerrada dentro das paredes
da mente comum. Mas quando nós despertamos do sono da ignorância, é
como quebrar a jarra em pedaços. O espaço "interno" se funde imediatamente
com o espaço "externo" - há um e apenas um só espaço. Nesse exato
momento, percebemos que eles nunca estiveram separados nem eram
diferentes; na verdade, sempre foram o mesmo.
Às vezes, a Natureza de Buda é descrita como um "eu verdadeiro" ou "eu
original". E, certas vezes, é dito que todos os seres têm a Natureza de Buda.
Isso não está errado. No entanto, as pessoas ouvem isso e imaginam que a
Natureza de Buda é como uma alma ou algum atributo ou característica que
todo ser possui, como inteligência ou um mau temperamento. Esta não é uma
visão correta.
Outra maneira de colocar isso é dizer que a Natureza Búdica é "algo" - esta
talvez não seja a palavra certa - que realmente existe, e o mesmo é válido
para todos os seres. E esse "algo" já está desperto, iluminado. Porque os seres
se agarram a uma falsa ideia de um "eu" finito, separado ou independente de
tudo o mais, eles não enxergam nem vivenciam a si mesmos como Budas.
Mas quando os seres compreendem a natureza de sua existência, eles
experimentam a Natureza de Buda que sempre esteve presente.
Ao dizer Buda, a pessoa naturalmente pensa no príncipe indiano Sidarta
Gautama, que alcançou a iluminação... Buda, no entanto, tem um significado
muito mais profundo. Na realidade, significa que alguém despertou
completamente da ignorância e se abriu ao vasto potencial de sabedoria. Um
Buda é aquele que colocou um ponto final ao sofrimento e frustração, e
descobriu a felicidade e a paz duradouras e imortais.
Entretanto, muitos são céticos, alegando que este estado búdico parece
mais com uma fantasia ou um sonho, ou uma conquista impossível. É
importante lembrar sempre que Buda era um ser humano, como nós. Ele
nunca reivindicou ser uma divindade, mas simplesmente sabia, por
experiência própria, que tinha a Natureza Búdica - a semente da iluminação -
e que todos os seres também têm.
A Natureza de Buda é um direito natural de todos os seres sencientes, daí
afirmar que a Natureza Búdica é tão boa como a Natureza Búdica de qualquer
Buda. Esta é a boa notícia que o Buda trouxe da sua iluminação em
Bodigaya, e que muitas pessoas acham tão inspirador. Sua mensagem - de
que a iluminação está ao alcance de todos - proporciona grande esperança.
Através da prática, nós também podemos nos tornar despertos. Se isso não
fosse verdade, o Budismo já teria desaparecido por completo.
Todos os seres têm natureza de Buda porque todos os seres têm dentro de
si a Essência do Buda, esta semente, que pode florescer como um Buda e que
constitui o potencial para a iluminação. Mas o que é um Buda?
Resumidamente, um Buda é alguém que desenvolveu tanto a compaixão
quanto a sabedoria ao nível máximo, além de todos os limites. Sabedoria,
neste contexto, não se refere a um acúmulo de conhecimento, mas a
capacidade de ver a verdadeira natureza de todas as coisas. Compaixão, neste
sentido é uma mente que, com a motivação de apreciar todos os seres vivos,
deseja libertá-los do seu sofrimento. O que caracteriza um Buda, portanto, é a
união da sabedoria e da compaixão.
Para determinar se a Natureza de Buda existe em todos os seres, é preciso
analisar se eles possuem as qualidades de sabedoria e compaixão. Sem
sabedoria e compaixão, é impossível tornar-se um Buda, mas se alguém
possui uma quantidade embrionária dessas qualidades, então ele pode
desenvolvê-las ao seu nível final e se tornar um Buda. A prova mais concreta
da presença desta natureza é que todos possuem, em diferentes graus, estas
qualidades de sabedoria e compaixão.
Segundo o Budismo, não há ser que não possua alguma sabedoria e alguma
compaixão. Cada ser tem uma quantidade mínima de amor, bondade ou
compaixão, pelo menos, para si ou para um outro ser. Em sua Natureza
Búdica ou Natureza Original, todo ser é puro, livre e feliz. Entretanto,
desconhece essa Natureza Original, em especial pelo jogo das emoções
aflitivas, tais como: o apego desejoso, a possessividade, a aversão, o ódio, o
ciúme, a delusão etc. Assim, todos os seres sensíveis continuam no ciclo do
nascimento e morte - o samsara - sem reconhecerem a sua Natureza de Buda
devido à ignorância. Mas se puderem perceber a sua Natureza de Buda,
podem deixar as delusões, libertar-se do samsara e alcançar o extinção de
todos os sofrimentos - o nirvana.
O Buda libertou-se das emoções aflitivas e do carma, alcançando a
onisciência do Despertar. Nele, todos os defeitos desapareceram e todas as
qualidades da pureza interior desabrocharam. O Desperto alcançou a
realização infinitamente superior, e por essa razão busca-se refúgio nele. O
Buda mostra o caminho que conduz ao fim do sofrimento e sua maneira de
guiar é ensinando o Dharma, cuja prática conduz à liberação. Por último, a
Sangha – os que praticam o Dharma e o transmitem a outros – que ajuda na
progressão do caminho espiritual.
Os Cinco Preceitos
O Budismo é antes de tudo um sistema filosófico e ético que tem três
pontos de apoio: Moralidade, Desenvolvimento Mental e Sabedoria. Em que
a moralidade é o ponto de partida da boa prática do Dharma e alicerce do
crescimento espiritual. Daí o Budismo enfatizar a importância dos preceitos
morais para o aperfeiçoamento das ações da mente, do corpo e da fala. Por
exemplo, não mentir, roubar ou tirar a vida de outras pessoas. No entanto, a
tradição budista reconhece que a vida é complexa e levanta muitas
dificuldades, e isso não quer dizer que há um único curso de ação que vai ser
bom em todas as circunstâncias. Na verdade, em vez de considerar as ações
como certas ou erradas, o Budismo ensina que elas podem ser hábeis ou
inábeis.
Viver é agir, e nossas ações podem ter consequências quer prejudiciais ou
benéficas para nós mesmos e para os outros seres. A ética budista está
preocupada com os princípios e práticas que ajudam a pessoa a agir de forma
a ajudar ao invés de causar sofrimento. O núcleo do código de ética do
Budismo é conhecido como os Cinco Preceitos ou Cinco Preceitos Puros, e
estes são a destilação de seus princípios éticos. Os preceitos não são regras ou
mandamentos, mas "princípios de formação", que são realizados de forma
livre e precisam ser postos em prática com inteligência e sensibilidade. Dessa
forma, toda a ação pode ser encarada do ponto de vista dos Cinco Preceitos.
Afinal, sempre podemos perguntar: O que estou fazendo agora é mau ou me
torna uma pessoa mais deludida? O que estou fazendo agora melhora minha
situação ou me traz o bem? O que estou fazendo agora é bom para os
outros?
Na verdade, a essência de todos os preceitos morais é o não egoísmo. As
obrigações morais ensinadas pelo Buda na forma de regras ou princípios
orientam o comportamento, e podem variar na ordem, quantidade e conforme
a tradição budista. Esses preceitos têm como objetivo afastar os praticantes
das ações negativas, frutos da ignorância, e conduzi-los ao caminho do bem.
Suas finalidades básicas são:
- Não prejudicar os outros seres;
- Promover o bom carma, ou mérito.

Os Cinco Preceitos
A lista dos Cinco Preceitos que conformam os pilares da ética budista é:
- Não matar.
- Não roubar.
- Não mentir.
- Não ter má conduta sexual.
- Não se entorpecer com álcool ou drogas.
Embora para aqueles que abraçam a vida monástica o número de preceitos
a serem observados seja bem maior, o budista leigo conseguirá evoluir e
melhorar o seu carma mesmo observando somente os Cinco Preceitos.
Os Selos do Dharma
Antes de falar sobre os Selos do Dharma precisamos considerar a seguinte
questão: “O que é a realidade?” Os dicionários nos dizem que a realidade é "o
estado das coisas como elas realmente existem". Avançando um pouco mais,
podemos afirmar que todas as coisas podem ser vistas de acordo com dois
níveis de realidade:
- Relativa; empírica; fenomenal ou convencional,
- Absoluta; fundamental; final ou última.
Segundo o Budismo Mahayana, o caminho do Buda em sua totalidade
pode ser entendido por meio de uma estrutura composta por dois pontos de
vista ou Duas Verdades:
- Verdade Relativa: que é relativamente verdadeira, mas absolutamente
ilusória;
- Verdade Absoluta: que é definitivamente verdadeira, a experiência
autêntica além de toda ilusão.
Seja qual for o fenômeno a ser conhecido, a sua compreensão se dá em
termos da verdade convencional, ou em termos da verdade última. Mas,
apenas em termos dessas duas verdades e não por meio de quaisquer outras
verdades. Daí a importância dos Selos do Dharma, pois se uma suposta
“verdade” contradiz ou entra em conflito com os Quatro Selos do Dharma,
ela não pode ser considerada um ensinamento autêntico do Buda. Uma
“verdade” que não for timbrada com todos os Selos do Dharma não pode ser
considerada uma verdade budista nem parte integrante do Dharma. Desde
que selo significa uma marca que confirma a autenticidade. Sem esses Quatro
Selos o caminho buddista passaria a ser teísta, um dogma religioso, e a
própria finalidade do Budismo se perderia.
Então, o que são e quais são os selos? As escolas budistas com base nos
ensinamentos do Buda reconhecem os Selos do Dharma, denominados
também como Características da Existência (ou Marcas da Existência) que
são vistos como as características definidoras do Budismo. Com efeito, os
principais conceitos da Psicologia Budista sobre a consciência estão contidos
nos Selos do Dharmma, pois só os ensinamentos autênticos do Budismo
possuem essas quatro características básicas.
Os Selos do Dharma não só respondem a pergunta: “Qual é a essência do
Budismo?”, mas permitem encontrar as razões porque o Budismo às vezes é
considerado uma filosofia e não uma religião. Se encontrarmos tais selos ou
marcas numa filosofia ou caminho este poderá ser considerado um autêntico
caminho do Buda.
O Primeiro Selo afirma que todos os fenômenos condicionados são
impermanentes. O Segundo Selo diz que todos os fenômenos têm a natureza
do sofrimento. O Terceiro Selo diz que todos os fenômenos são vazios
(vacuidade). O Quarto Selo afirma que o nirvana é a completa ausência de
conceitos ou extremos.
É bom ressaltar que ao investigarmos a natureza última da realidade, não
tomamos as palavras do Buda como uma autoridade suprema, mas sim como
referências ou “placas de trânsito” que nos orientam no caminho que leva ao
fim do sofrimento. Outro ponto a ser observado, é que a singularidade do
Budismo está expressa nos Quatro Selos, embora apenas os três primeiros
sejam mencionados por algumas tradições budistas.
Impermanência e Vacuidade
Ainda muito jovens aprendemos a olhar para a realidade empregando duas
dimensões: espaço e tempo. Pouco a pouco nos familiarizamos com essa
perspectiva espaço-tempo, que passa a fazer parte dos modos pelos quais
pensamos e organizamos a realidade.
Ciente de que vivemos nossas vidas a partir dessa perspectiva espaço-
tempo porque não olhar o Primeiro Selo e o Terceiro Selo juntos. Na verdade,
impermanência e insubstancialidade (“não eu”) são aspectos da mesma
realidade, ou seja, enquanto a impermanência é a insubstancialidade (“não
eu”) vista a partir do ponto de vista do tempo, a insubstancialidade (“não eu”)
é a impermanência vista do ponto de vista do espaço.
O Conceito de Impermanência
O mundo em que vivemos, a nossa mente, corpo e natureza básica estão
em constante mudança, mudando e mudando automaticamente. Embora a
vida seja esse caleidoscópio sempre em movimento - uma ligeira mudança, e
todos os padrões se alteram – é comum nos fixarmos em certas ideias e é
exatamente o apego às ideias fixas ou a resistência que abala nossa mente,
causando desconforto, agitação e isolamento.
No entanto, mesmo que tudo seja transitório, podemos ver a
impermanência facilmente, através da simples observação. Pela ótica do
tempo, podemos notar a impermanência na quantidade de mudanças que
ocorrem ao longo das estações do ano, nos meses, semanas, dias, ou mesmo
num único dia, que tem vinte e quatro horas. E dentro destas vinte e quatro
horas existem mudanças de hora em hora, de minuto a minuto e de um
segundo para outro segundo. Não podemos negar que há mudanças, pois cada
novo segundo que surge, logo desaparece – a natureza de cada instante é
fugaz. Mas podemos notá-la também pela ótica do espaço, ao questionarmos
onde estávamos ao acordar, e que deslocamentos sucessivos ocorreram a
partir daí até chegarmos onde estamos agora - quando nossos olhos
percorrem, neste instante, cada palavra de cada linha desta página.
O que quer dizer “impermanência”? A palavra “impermanência” é a
tradução comumente aceita para o termo anicca ou anitya. Impermanência ou
inconstância significa que aquilo que depende de causas e condições é
transitório. Todo fenômeno composto está em um estado de fluxo
interminável, transformando-se continuamente em outra coisa, eternamente
em decomposição e reorganizando-se, pois não dura para sempre.
“Composto” significa aquilo que é produzido, que é condicionado (causas e
condições). Por exemplo, uma pessoa é um fenômeno composto por isso é
necessariamente impermanente. Logo, podemos sintetizar essa marca ou
característica numa única frase: “todos os fenômenos compostos são
impermanentes”.
Ao ensinar sobre a impermanência, Buda não propôs uma nova teoria
apenas revelou a verdade da impermanência, isto é, que tudo está sujeito a
fenecer, desvanecer num fluxo, embora a mente insista em buscar segurança
ou permanência. Não há nada que não oscile, decaia ou mude. De acordo
com os ensinamentos do Buda, a vida é comparável a um rio. É um momento
em progressão, uma série sucessiva de diferentes momentos, que se unem
para dar a impressão de um fluxo contínuo. Ela se move de causa em causa,
de um efeito a outro, de um ponto a outro, de um estado de existência para
outro, ou seja, o rio de ontem não é o mesmo rio de hoje. O rio deste
momento não vai ser o mesmo rio do momento seguinte. O mesmo acontece
com a vida. Ela muda continuamente, tornando-se uma coisa ou outra de
momento a momento.
Os budistas observam que neste mundo não há nada que seja fixo e
permanente. Cada coisa está sujeita a mudança e alteração. "A deterioração é
inerente a todas as coisas compostas", declarou o Buda a seus seguidores
evidenciando que a existência é um fluxo, um contínuo vir a ser. O Budismo
declara que há cinco processos os quais nenhum ser humano tem controle e
que ninguém pode mudar. Estes cinco processos são nomeadamente: o
processo de envelhecer, de não cair doente, de morrer, da decadência das
coisas que são perecíveis e da extinção daquilo que é susceptível de cessar.
Deste modo, todas as pessoas estão presas a uma visão de mundo que nutre o
desejo de permanência e a busca por segurança sob diversas formas:
confortos, relacionamentos, saúde, felicidade, ideias, conceitos etc. quando as
pessoas se deixam iludir pela crença de que as doenças e a morte afetam
apenas os outros, por exemplo.
Tipos de Impermanência
A impermanência pode ser de dois tipos:
- Densa ou grosseira: refere-se a um objeto deixar de existir. A morte de
um ser humano ou a quebra de um carro são exemplos disso. Compreender
este tipo de transitoriedade não é muito difícil.
- Sutil ou tênue: em geral, e superficialmente algo parece o mesmo, mas ele
realmente está mudando a cada momento. Tudo o que surge não necessita de
qualquer outro fator que o influencie a desaparecer. Em outras palavras,
apenas seu surgimento já é a causa de sua cessação, porque as coisas mudam
a cada momento. Elas não permanecem estáticas, mesmo para o momento
seguinte.
Quando os fenômenos que nos cercam no mundo natural são observados
superficialmente percebemos as mudanças mais evidentes. Porém, quando
observamos certos fenômenos temos a impressão de que eles não mudam e
que irão durar por muito tempo. No entanto, mesmo que leve milhares de
anos, até aqueles que dão a impressão de serem aparentemente duradouros
também mudam. O fato é que eles mudam de forma sutil, e temos que aceitar
que tal processo de mudança ocorra de modo comparativamente mais lento
do que com outros. De fato, quando afirmamos que a impermanência dos
fenômenos são sutis, declaramos que eles não permanecem os mesmos num
par de momentos consecutivos. Todavia, se um fenômeno não mudasse -
ainda que sutilmente - de momento a momento, jamais cessaria de existir. Por
exemplo, o livro que estamos lendo neste instante não é o mesmo livro que
estávamos lendo no instante anterior, e ele só veio a existir porque o livro do
instante anterior cessou de existir.
Nada é Fixo ou Permanente
Mesmo sabendo que não vamos permanecer jovens para sempre, em algum
lugar das nossas mentes nutrimos a noção inata de que escaparemos da
impermanência. Quando paramos diante do espelho sentimos que estamos
olhando para nós mesmos e não demora muito para nos darmos conta do
quanto envelhecemos. Nossos corpos ficam sujeitos as marcas da passagem
do tempo, tanto a nivel externo quanto a nível interno, exibindo sinais típicos
e inexoráveis do envelhecimento e que podem ser facilmente percebidos
como a mudança do cabelo, da pele, dos braços, das pernas, a flacidez
abdominal etc., nos deixando preocupados e infelizes.
É interessante observar quanto há de cultural na maneira com que olhamos
para o envelhecimento. Mesmo quando queremos acreditar que envelhecer é
sinônimo de amadurecer com sabedoria e serenidade, que podemos viver
plenamente, sabendo aproveitar cada fase da vida com saúde e alegria, a
pressão social tem dificultado isso. Nas sociedades modernas não é incomum
que mulheres e homens escondam suas idades, como se o passar dos anos
fosse um motivo de vergonha, levando a fazerem grandes esforços para
melhorar a aparência que mostram no mundo.
O processo de envelhecimento é marcado por uma deterioração física e
mental que, às vezes, não aceitamos, gerando conflitos e dificuldades de
adaptação às novas circunstâncias vitais. De fato, a maioria das pessoas fica
infeliz com os primeiros sinais do envelhecimento, e com o aumento da
longevidade elas percebem que passam mais da metade da vida
envelhecendo. Mudanças vão surgir e serão inevitáveis, o corpo pede
repouso, descanso e cuidados, o mais adequado é dar isso tudo a ele. E se
nossa mente não está tão desperta nem tão ativa, significa que não podemos
esperar de nós mesmos o mesmo que esperávamos em etapas anteriores.
Nosssos corpos mudam a todo momento, e não há como evitar isso. Aquele
pulso da energia que reverberava em nós na adolescência se torna letárgico.
Nossos membros e sentidos falham. Mas pelo reconhecimento realista
conjugado com a aceitação da natureza mutável dos nossos corpos,
poderemos lidar de forma mais sábia com o sofrimento decorrente do
processo de envelhecimento. Dessa forma, vamos compreender que é da
natureza dos nossos corpos envelhecerem.
Outro equívoco muito comum em relação ao nosso corpo físico está
contido na expectativa de que ele nos traz felicidade duradoura. Ser saudável
é um apego reforçado culturalmente, há uma preocupação exagerada em nos
mantermos saudáveis que pode culminar no desenvolvimento de estados
mentais negativos ou até mesmo agressivos. Nestes casos, precisamos
compreender que é da natureza dos nossos corpos adoecerem, embora
ninguém goste de ficar doente não conhecemos ninguém que nunca adoeceu.
Assim, se pudermos aceitar a fragilidade de nossos corpos e que eles estão
sujeitos a adoecer estaremos cultivando um estado mental mais calmo e feliz.
Outro equívoco frequente sobre o corpo físico é que ele seria
intrinsicamente puro e atraente. Há um forte apego a boa aprência, reforçado
também pela sociedade em que vivemos. Corpos sedutores e atléticos são
valorizados e tendem a ser preferidos, já aqueles que não se encaixam nessas
categorias são preteridos ou até mesmo serem vítimas de preconceitos.
Podemos nos manter saudáveis, relativamente bem cuidados e bem vestidosn
mas sem gerar forte apego, pois preocupações exageradas com a aparência
podem nos deixar infelizes.
Logo, se procurarmos por uma entidade sólida e imutável para chamar de
"meu corpo", não acharemos nada. Não existe um fenômeno permanente e
estático que se possa identificar como corpo. E, assim como aquilo que
denominamos "meu corpo" pode ser fragmentado em cabeça, tronco e
membros; que por sua vez pode ser dividido em móleculas; e por sua vez em
particulas bem menores chamadas átomos; e continuando a fragmentá-lo
chegaremos ao ponto em que poderemos afirmar que "meu corpo" não é uma
entidade inerente. E nem é inerentemente atraente ou feio.
Essas quatro noções equivocadas - que nossos corpos são imutáveis, que
trazem felicidade duradoura, que são inerentemente puros e que possuem
natureza verdadeira e acessível - exageram as qualidades do nosso corpo nos
deixando ansiosos e infelizes. Daí a importância de estudar, contemplar e
meditar sobre a impermanência e também sobre nossa morte iminente, pois
dá um sentido maior de urgência ao uso de nosso renascimento humano atual.
Sem o reconhecimento dessa excelente oportunidade que a fugacidade da
vida nos concede, poderemos considerar nossa meditação sobre a morte
deprimente e masoquista.
As Duas Verdades e a Identidade
Antes de abordar a vacuidade vamos considerar um tema importante no
Budismo, que diz respeito as duas verdades: a convencional ou relativa;
última ou absoluta. A propósito, a verdade última não pode ser ensinada,
senão apoiando-se na verdade relativa. Mas só a realização da verdade última
conduz ao nirvana. Daí dizer que ambas são verdadeiras.
Todos os fenômenos podem ser vistos segundo dois níveis de realidade, em
que as duas verdades correspondem a dois pontos de vista da realidade: a
verdade ou visão relativa é convencional ou relativamente verdadeira, mas
absolutamente ilusória; e a verdade ou visão absoluta é definitivamente
verdadeira, a experiência autêntica além de toda ilusão. É por não incidirmos
no reconhecimento radical da verdade relativa, enquanto tal, que também
podemos designar por verdade convencional; mas é pela absolutização
indevida de qualquer ser ou forma que mantemos a ilusória separação entre
sujeito e objeto.
A verdade convencional é o nível empírico, relativo e fenomenal àquilo
que nos parece ser, onde causas e condições, nomes e rótulos podem ser
validamente compreendidos. A verdade absoluta é um nível profundo de
existência, para além do primeiro, que os budistas descrevem como o
fundamental, ou realidade final ou última, a natureza da realidade, e que
muitas vezes é tecnicamente referido como "vazio". Assim, pelo estudo e
prática regular do Dharma é possível perceber, ao mesmo tempo, as coisas
como existentes mundo afora (a verdade convencional), bem como
reconhecer que não dispõem de uma existência inerente (a verdade absoluta).
Sustentar essas duas posições aparentemente contraditórias só é possível
quando reconhecemos que a “realidade” não é um fenômeno com existência
objetiva e independente da nossa experiência.
As Duas Verdades são a explicação de um dado objeto que está sendo
observado por dois ângulos diferentes. Estas Duas Verdades são fenômenos
diferentes. Uma flor, por exemplo, que tem um nível relativo de existência
onde todas as convenções podem ser aplicadas, como cor e cheiro. Depois há
a realidade mais profunda, absoluta. A natureza absoluta age como base para
receber as coisas ou permitir a elas que tenham todas as suas diferentes
funções. Visto que as Duas Verdades são explicadas tomando o mesmo
objeto, elas também são consideradas como mutuamente excludentes.
Portanto, o Budismo vê a realidade a partir de duas perspectivas. Da
perspectiva última, o "eu" é visto como ilusório, como uma construção vazia
de existência intrínseca. Da perspectiva convencional, percebemos um "eu"
de modo convencional que parece ser independente das pessoas e coisas.
Basicamente, nós não temos um "eu" mas na vida cotidiana nós temos. Buda
sabia que no nível convencional há um "eu", pois funcionamos a partir da
perspectiva relativa nos relacionando com o mundo e com tudo que nele
existe. Mas no nível básico, os fenômenos não existem como coisas
separadas ou duradouras. Tudo o que há é uma rede de inter-relacionamentos
que se desenvolve constantemente.
O conceito de Vacuidade (“não eu”)
Embora falemos de um "eu" no Budismo, consideramos qualquer conceito
de "eu" meramente imputado ou identificado na dependência de um corpo-
mente. Conhecer realmente a natureza do "eu" é escapar do samsara. Por
isso, é imperativo nos dedicarmos a investigação da real natureza desse "eu".
O fato de existirmos como indivíduos não pode ser negado. Isso é afirmado
pela nossa própria experiência cotidiana.
Buda ofereceu uma visão a respeito, na qual propõe que o "eu" existe
meramente na dependência de suas partes mentais e físicas. Assim como não
pode haver um celular livre das partes que o compõem, não pode haver um
"eu" que exista de forma independente das partes que compõem uma pessoa,
explicou Buda.
Buda ensinou que imputar um "eu" unitário, imutável, permanente e
autônomo, independente das partes que compõem um indivíduo, introduziria
algo que não existe e, desse maneira, reforçaria um sentimento instintivo de
"eu". Por isso, Buda propôs a ideia da insubstancialidade ou não eu - a
impessoalidade.
O que quer dizer “não eu”? A expressão “não eu” é a tradução do termo
anatta ou anatman, e indica que nada existe de forma isolada e independente.
Na verdade, nada existe como entidade sólida e independente. Tudo carece de
existência independente, de uma natureza essencial, do seu "próprio ser". Isso
é o que queremos dizer com existência inerente – entidades sólidas e
independentes que existem por si mesmas, completamente independentes da
influência de qualquer outra coisa. É assim que as coisas aparecem e são
percebidas por nós. Daí dizermos que é vazio/vazia de existência inerente,
carecendo de natureza própria, porque todas as coisas são interconectadas e
interdependentes. Logo, podemos sintetizar essa marca ou característica
numa única frase: “todos os fenômenos são vazios”.
Enquanto acharmos que nossas partes ou agregados têm uma existência
natural legítima, não conseguiremos eliminar nosso apego à noção de "eu"
completamente. Daí os budistas advogarem o cultivo do discernimento da
ausência do "eu" - vazio -, pois trabalham para reconhecer a ausência de um
"eu" autossuficiente e substancialmente real. Para chegarmos a uma
percepção profunda dessa impessoalidade ou o "não eu" da pessoa devemos
desenvolver a mesma percepção da insubstancialidade dos fenômenos - das
partes de que são compostos. Logo, em relação a existência intrínseca de
nosso "eu" e dos fenômenos ocorre o mesmo.
Enquanto atribuirmos existência objetiva ao mundo que nos cerca, vamos
nutrir uma multiplicidade de noções e sentimentos, como apego, raiva e
aversão. Pela compreensão da impessoalidade chegamos a negação de
qualquer vestígio de apego a uma ideia de realidade inerentemente existente,
independente e objetiva. Portanto, é pelo cultivo do discernimento desse
significado extremamente sutil do vazio - a ausência de existência autônoma -
que poderemos solapar a ignorância fundamental que nos prende ao samsara.
Insubstancialidade e Identidade Pessoal
A questão básica em relação as aflições emocionais reside na falsa ideia de
identidade. Essa cegueira do "eu" deve ser abolida por meio do estudo de nós
mesmos, ou seja, pelo estudo do Dharma. Com efeito, o Budismo considera a
ideia de alma eterna ou "eu" uma ilusão, uma ignorância fundamental que
deve ser removida. Pelo estudo, contemplação e meditação no Dharma
poderemos reconhecer que, na raiz das nossas aflições cotidianas, encontra-se
um apego forte e equivocado àquilo que percebemos como nossa identidade
intrinsicamente real. Enquanto nos apegarmos a essa ideia de existência
objetiva - de que existe algo de maneira concreta e identificável - estaremos
sujeitos ao desejo e a aversão.
A crença em nós mesmos como um ser único e integrado é muita poderosa.
Nós pensamos: Este é o meu corpo. Esta é a minha mente. Buda ensinou que
este ponto de vista, é não só inerente e equivocado, sendo também fonte de
muito sofrimento. Quando começamos a desconstruí-lo pela meditação,
questionando se o "eu" ainda existiria sem o corpo e suas respectivas partes,
sem os seis sentidos e sem as memórias, poderemos compreender que o "eu"
é apenas um conceito.
De acordo com os ensinamentos budistas, o núcleo da consciência é
composto de vários elementos, os cinco tipos de agregados (skandhas) que
são classificados em duas categorias: mente e corpo. De acordo com as
escrituras budistas, o "eu" existe com base nos skandhas e não como algo que
não está relacionado com eles ou que venha de outro lugar. Há a sensação
inata de que nosso corpo é propriedade nossa, damos por certo que nosso
corpo pertence ao "eu". Da mesma maneira, há uma sensação inata de "minha
mente", de forma que a mente também é vista como pertencente ao "eu".
Portanto, isso contribui para transmitir uma falsa ideia de uma consciência do
"eu", e em vista disto, consideramos que o "eu" é diferente do corpo e da
mente.
Embora acreditemos nisso, quando procuramos um "eu" analiticamente,
não encontramos um "eu" existente à parte do corpo e da mente. Por outro
lado, se esse "eu" não existisse absolutamente, não haveria nenhum ser
humano; indicando então que se trata de um "eu" convencional, que é mera
imputação ou nome que não é substancial. Quando chegamos à conclusão de
que a essência de um fenômeno não pode ser encontrada depois de ter sido
investigada através da análise, essa não é uma indicação de esse fenômeno
não existe, mas se presta a negar sua existência inerente. Vamos
compreender, que a partir da análise de um fenômeno que tem, no nivel
convencional, qualidades como a de ir e vir ou produção e cessação, resulta
na refutação da existência intrínseca ou inerente.
Insubstancialidade e Interdependência
Nada realmente existe como um objeto independente. Um carro, quando
examinado de perto, tem quatro rodas, um chassi, um motor; visto ainda mais
de perto é simplesmente a mistura de metal e borracha, vidro e plástico, couro
e pintura. Um livro não é um todo unificado; é a combinação de páginas
individuais, que são feitas de fibra de papel e de tinta. E assim por diante, até
uma visão molecular ou atômica. É um equívoco acreditar que o carro é um
todo sem partes, quando na verdade é composto de infinitas partes que são
interdependentes.
Portanto, ao vermos algo que nos agrada - no nosso exemplo um carro -
nós o percebemos como possuidor de uma qualidade real de existência entre
suas partes. Não vemos o carro como uma coleção de partes, mas como uma
entidade existente, dotada de qualidades específicas típicas de um carro. E,
quando se trata de um carro que desperta o desejo de adquirí-lo, nossa
percepção é acentuada pelas qualidade percebidas como inerentemente
existentes e que são entendidas como parte da natureza do carro. Devido a
percepção equivocada do carro surge o desejo de adquirí-lo. Igualmente, a
aversão em relação a outro carro do qual não gostamos surge como resultado
de atribuirmos qualidades repulsivas que lhe seriam intrínsecas.
Como as coisas não existem apenas por sua livre e espontânea vontade,
mas na dependência de condições, elas mudam onde quer que encontrem
condições diferentes. Desta forma, elas vêm a existência sob a dependência
de certas condições e cessam de existir sob a dependência de condições. A
própria falta de qualquer existência inerente, independente de causa e
condições, é a base para todas as mudanças possíveis para um dado
fenômeno, tais como nascimento, cessação e assim por diante.
Consequentemente, quer seja um fenômeno externo ou interno, não há nada
que não seja dependente de suas partes ou de seus aspectos.
Ao relacionarmos esse processo com o modo como vivenciamos nosso
sentido de existência e também ao modo como surge a ideia de "eu", notamos
que ele se dá, invariavelmente, em relação a algum aspecto de nossas partes
físicas ou mentais. A ideia que temos de nós mesmos baseia-se não só no
sentimento de nosso eu físico e afetivo, mas também porque sentimos que
esses aspectos físicos e mentais têm existência própria. Logo, uma mera
sensação corporal de calor ou frio contribui para nutrir o sentimento de
sermos um "eu" sólido e legítimo.
No nívem superficial, a existência dependente e o vazio, explicados acima,
pode parecer contraditórios. Porém, no nível mais profundo pode chegar a
compreender que os fenômenos, por serem vazios, existem de forma
dependente e, por causa dessa existência dependente, são vazios por natureza.
Assim, pode-se estabelecer tanto o vazio como a existência dependente num
único fundamento, mas que possui duas faces.
O Continuum da Mente e o Continuum do Mero Eu
Todos os seres sencientes são dotados de mente, que é muito mais que
pensamentos e capacidades mentais. Mente no sentido usado no livro, é
consciência ou consciência mental, – uma forma de energia não física – que é
naturalmente lúcida e reflete tudo que é vivenciado como se fosse um
espelho. Desse significado decorre também que ninguém faz parte de uma
mente maior ou universal, pois cada um tem a sua própria corrente mental ou
continuum mental - continuidade da mente no tempo.
Diferentemente do cérebro, que tem pensamentos e sensações, a mente não
é uma coisa, mas o espaço no qual os pensamentos, sensações, sentimentos,
percepções, lembranças e sonhos vêm à luz. Todavia, a mente não é espaço
propriamente dito, porque ela nunca tem formato e cor. Já o espaço pode ter
formato e cor: claridade durante o dia e escuridão durante a noite. Apesar da
mente não deixar rastros, é possível reconhecer que ela além de não ter
formato e cor também não tem forma, tamanho, cheiro ou som. Embora
intangível, ela está presente em todos os lugares, e em todos os tempos,
permitindo o surgimento dos objetos e está envolvida com eles; pode-se
afirmar inclusive, que todos os fenômenos são precedidos por ela.
Ao nos enxergarmos como seres humanos, nossa identidade depende do
corpo-mente. Esse continuum do "eu", composto por uma coleção de
momentos de "mim mesmo", tem seu início no nascimento ou na concepção e
termina na morte. Ao olhar para o passado pensamos "Quando era um
bebê...", "Quando aprendi a ler...", "Quando era adolescente...", "Quando era
adulto...", nós desenvolvemos uma forte identificação com o continuum que
contempla todas as etapas de nossa vida. Sem a identificação como seres
humanos, ou seja, como "eu" ou "mero eu" será que esse "eu" teria começo
ou fim?
Uma mente surge em dependência de uma mente do mesmo tipo que lhe é
anterior, que requer que haja um antigo continuum sem começo da mente. Se
a produção de uma mente não dependesse de momentos anteriores da mente,
mas pudesse ser produzida sem causas, então a mente poderia ser produzida
em qualquer lugar a qualquer tempo, algo sem sentido. De modo semelhante,
se a mente não fosse produzida como um continuum de uma entidade anterior
da mente e, no lugar, fosse produzida por algo físico, ela poderia ser
produzida ou não, o que também não faz sentido. Logo, isso indica que a
mente é um continuum de uma entidade anterior da mente. Dito de outro
modo, se houve um momento inicial para o continuum da nossa mente, uma
hipótese seria ele ter brotado do nada, outra possibilidade apontaria para uma
causa que não seria minimamente proporcional à natureza da própria mente.
Como nenhuma dessas hipóteses é aceitável, podemos afirmar que o
continuum da mente não tem começo.
Visto que o continuum dos momentos da mente deve estender-se ao
passado por momentos infinitos. E, assim como o continuum da mente não
tem começo, a identidade do "eu" imputada por esse continuum é desprovida
de início. E quanto ao fim da mente? Como não há começo, também não há
fim. Portanto, não termina com a morte; esse continuum não cessa.
Meios Hábeis
Todos nós podemos compreender a impermanência e o “não eu” de forma
intelectual, mas este ainda não seria o entendimento final. Se meditarmos
cuidadosamente sobre a impermanência, veremos que ela não significa
apenas que os fenômenos estão sujeitos à mudança. De início, ao olharmos
para a natureza das coisas, notamos que elas não permanecem como são por
dois momentos consecutivos. E porque elas não permanecem inalteradas de
momento a momento, estão sujeitas a mudança contínua. Assim, ao captar o
que o Buda quis dizer com impermanência e a forma como ela afeta tudo que
é condicionado, compreendemos com facilidade que o livro que estamos
lendo, a cadeira em que estamos sentados e o nosso corpo não escapam a
mudança contínua. Contudo, temos por hábito dar nome ou rotular as
pessoas, coisas etc., embora elas pareçam sólidas e substanciais, mesmo que
em constante transformação, não tem uma natureza que permaneça sempre a
mesma. Se a natureza de algo não tem identidade fixa ou permanece a
mesma, como pode ser considerada sua verdadeira essência ou natureza? Daí
afirmarmos que quanto à impermanência há a falta de uma identidade
imutável, fixa ou estática no que se mostra transitório. Contemplar a
impermanência nos leva a descoberta do “não eu”.
Meditar sobre o “não eu” demandará mais tempo porque consideramos a
nós mesmos, as coisas e o mundo como entidades sólidas, estáveis e
duradouras, apesar das constantes evidências de que tudo está sujeito à
mudança e à destruição. Nossa noção de “eu” parece imutável. “Eu” sou “eu”
e “eu” continuarei sempre assim. Somos muito apegados ao corpo, o que nos
leva a acreditar que existe uma essência absoluta em nosso interior que seria
nosso verdadeiro “eu”. Assim como os seres humanos, todos os fenômenos
carecem de natureza própria. Os fenômenos surgem em decorrência de outros
fenômenos. Assim que as causas e condições que os geraram e os mantém se
extinguem, todos os fenômenos deixam de existir.
Dizer que os fenômenos não têm natureza própria é dizer que seu
surgimento depende de outros fenômenos ou que eles são “vazios”. Não ter
natureza própria significa que as coisas ou fenômenos dependem de outras
coisas para existir. Nenhuma delas é independente ou capaz de existir sem as
demais. É como quando vemos uma miragem: não há nenhum objeto
verdadeiramente existente lá, embora pareça existir. Com o vazio
(vacuidade), o Buda quis dizer que as coisas não existem verdadeiramente
como nós erroneamente acreditamos que seja, e que elas são vazias de uma
existência falsamente imputada. De forma simplificada, quando falamos
sobre o vazio, queremos dizer que a forma como as coisas aparecem não é a
maneira como elas realmente são. Vacuidade no Budismo é o vazio de um
“eu”. As coisas são vazias de um “eu”, um “eu” inerente. É como no exemplo
da miragem, podemos vê-la e achar que é real, mas ao chegar perto, vemos
que ela carece de existência inerente.
Na verdade, os ensinamentos do Buda são meios ou ferramentas; eles não
são a verdade absoluta. Então nós temos que dizer que a impermanência e o
“não eu” são meios hábeis para nos ajudar a realizar a verdade; eles não são a
verdade absoluta. O Buda disse: "Meus ensinamentos são um dedo apontando
para a lua. Não se engane ao pensar que o dedo é a lua. É por causa do dedo
que você pode ver a lua".
Sofrimento
A palavra “sofrimento” é a tradução do termo dukkha ou dukha, cujo
sentido mais próximo seria o de “insatisfação”. É preciso deixar claro que
não existe uma única palavra que expresse a completa profundidade, extensão
e sutileza desse importante termo. Na tentativa de esclarecer o sentido dessa
palavra muitas traduções alternativas são utilizadas (desconforto, estresse,
insatisfação etc.).
Todos os seres, incluindo os seres humanos, não querem sofrer, mas nós
sofremos. Isso ocorre não só por causa do nascimento e existência,
envelhecimento, doença e morte, mas também por causa da adversidade, do
desconforto e da frustração. Mesmo a felicidade leva ao desejo de mais
felicidade e assim experimentamos a felicidade temporária ou contaminada.
Na superfície, a vida pode ser boa, repleta de excitações ou distrações, com
o dinheiro no banco e um bom trabalho, mas quando arranhamos a superfície
é certo encontrar aquele sentimento oco e vazio de insatisfação. Não há como
negar que o sofrimento faz parte de nossa experiência humana e que tudo o
que é contaminado está sujeito ao sofrimento. "Contaminado" refere-se à
contaminação da mente por estados mentais negativos. Isso significa que
sofrimento não é um objeto exterior, mas um estado mental, ou seja, os
estados negativos da mente, e os objetos que percebemos em relação a eles.
Logo, podemos sintetizar essa marca ou característica numa única frase:
“todos os fenômenos tem a natureza do sofrimento”.
Os Três Venenos
Os fatores que envenenam a humanidade e a encaminham para o erro são:
- Raiva (aversão), que além da raiva pode aparecer como aversão,
significando o não querer ou afastar algo;
- Desejo (apego), que além do desejo pode aparecer como apego,
significando o ficar preso física ou mentalmente a pessoas, objetos e
fenômenos;
- Ignorância (visão equivocada), que além da ignorância pode aparecer
como delusão, significando não ter uma visão clara da vida, distorcer a
natureza verdadeira das coisas.
O Buda chamou de Três Venenos porque são toxinas perigosas para nossas
vidas. Esses venenos criam energias mentais negativas. Estas energias são
expressas em nossas ações, palavras e pensamentos, causando um sofrimento
cíclico, em cadeia, que se repete infinitamente. Estes venenos agem de
maneira interdependente. Quando temos uma visão distorcida da vida,
acabamos criando desejos e apegos. E quando não conseguimos o que
queremos, criamos aversão e ficamos com raiva.
Delusão
Moha é o termo comumente traduzido como "delusão”, podendo ser
explicado de diferentes maneiras e em diferentes níveis dentro de diferentes
ensinamentos ou tradições budistas. No nível mais fundamental, é a distorção
da verdadeira natureza da realidade; mais especificamente, a percepção
equivocada ou falsa da essência dos fenômenos.
A delusão se dá quando vemos algo, mas não conseguimos perceber que há
outra realidade implícita. A delusão nos engana e obstrui qualquer outra
visão. Ocorre geralmente quando olhamos para certa coisa e esquecemos
todas as outras. De modo geral, a delusão refere-se a crença em algo que
contradiz a realidade, trazendo perturbação e sofrimento.
As delusões são nosso verdadeiro inimigo e de todos os seres vivos porque
a escuridão da delusão oculta a natureza das coisas. Há três delusões
principais: ignorância, apego desejoso, e raiva. Destas surgem todas as outras
delusões, como ciúme, orgulho e dúvida.
A Natureza do Sofrimento
O Buda viu como todo sofrimento é causado pelo que chamamos de
existência condicionada e como todos nós estamos igualmente sujeitos a ela.
Precisamos entender que ele não pediu para que sofrêssemos, mas para que
entendêssemos o sofrimento como ele realmente é. Ao investigar a natureza
da nossa insatisfação subjacente também poderemos ver a respectiva história
e, a partir desse ponto, encontrar uma saída para a nossa situação. Se o
sofrimento é causado, então ele pode acabar - o sofrimento tem uma causa e
um fim.
Já que todo sofrimento tem uma causa, se a causa não for removida é
imposível escapar dela. Se, entretanto, tratamos a causa do sofrimento,
podemos evitar para sempre que ele se repita. Mesmo que nada possa ser
feito a respeito do sofrimento do passado, urge fecharmos a porta para o
sofrimento futuro. Portanto, devemos conhecer a causa do sofrimento, e suas
duas divisões: karma (ação) e klesha (impurezas mentais).
Neste exato momento, experimentamos muitos sofrimentos cuja causa nós
mesmos criamos em renascimentos anteriores. Todo sofrimento é criado pela
mente descontrolada e pelas ações não virtuosas. Para eliminar o sofrimento,
Buda deixou 84 mil ensinamentos, cada um referente a uma doença da mente
derivada dos Três Venenos. Escapar do oceano de sofriemntos - o samsara -
só depende de nós, pois se dependesse do Buda não haveria ninguém no
samsara, porque este foi seu maior desejo. Logo, cabe a nós mesmos
trabalharmos para nos libertar de todo tipo de sofrimento.
Existência Cíclica
Falar sobre sofrimento demanda que abordemos outro conceito importante,
o samsara. O conceito de samsara no Budismo refere-se ao ciclo de vida, que
inclui o nascimento, vida, morte e renascimento. O termo pode ser traduzido
literalmente como "movimento contínuo". Samsara é a contínua repetição do
ciclo de nascimento e morte, onde os seres passam pelos Seis Reinos da
existência. Este conceito está intimamente relacionado com as ideias de
carma e nirvana.
No ensinamento budista, a razão do samsara existir reside no fato de que
as pessoas se fixam em si mesmas e nas suas experiências. Ele vem da
ignorância culminando num estado de sofrimento e insatisfação. O samsara
pode ser superado por seguir o caminho budista e melhorar o seu carma.
Essencialmente, samsara é a vida na terra, cheio de tristeza e dor.
Carma
A palavra “karma” em sânscrito contém tantas implicações que a palavra
ação em português não consegue abarcar todo o seu conteúdo. De forma
sucinta, a lei da causa e efeitos ou causalidade afirma que nossas ações de
corpo, fala e mente geram consequências ou resultados. E a natureza destes
resultados será determinada pela natureza da intenção. As intenções boas
geram efeitos positivos, enquanto que intenções más produzem resultados
efeitos.
Muitos ignoram a lei da causalidade ou a entendem de modo equivocado,
acreditando que o carma denota alguma forma de fatalismo, sem
compreender que nossa vida é condicionada não só pelo nosso
comportamento presente, mas também pelas nossas ações passadas e,
portanto, não existe destino. Há também aqueles que pensam que podem
driblar os efeitos de seus atos ou até, de alguma forma, nem mesmo criar
causas, mas se iludem, pois todas as ações intencionais são causas que geram
efeitos, e estas necessariamente trazem resultados, que diferem apenas no
grau e no tempo de acordo com as circunstâncias. Existem ainda aqueles que
acreditam que as causas ou os efeitos surgem do nada, mas de acordo com a
lei do carma, as ações e experiências não podem surgir do nada. Nossas ações
de um dado momento são o resultado de ações e experiências anteriores. Da
mesma forma, não é possível para as ações desaparecerem sem deixar
resíduos ou resultados uma vez que a ação foi realizada. Muitos acham que
poderia ser de outra forma, embora o Buda tenha explicado que seria como
acreditar na hipótese de não criar ondulações num lago, ao qual se atira uma
pedra. Assim, nossas ações, em qualquer momento, não são apenas o
resultado de ações anteriores, mas também criam as condições para ações
futuras. O Buda disse: "Se você quer entender o passado, olhe atentamente
para o presente. Se você quiser entender o futuro, olhe atentamente para o
presente".
Tipos de Sofrimento
Para nosso benefício, os mestres budistas categorizaram o sofrimento em
diferentes divisões: os dois tipos, os três tipos e por último os oito tipos de
sofrimento. Vejamos esses três conjuntos de sofrimentos listados abaixo.
Estas listas são destinadas a ajudar-nos a ver o que está aqui dentro de nós da
forma mais clara e precisa possível.
O sofrimento pode ser divido em dois tipos:
1. Interno: É aquele que geralmente é considerado parte de nós: dor física,
ansiedade, ciúme, medo, raiva etc.;
2. Externo: É aquele que aparentemente vem de fora: catástrofes naturais,
crimes, guerras, chuva, calor etc.

O sofrimento também pode ser divido em três tipos:


1. O sofrimento do sofrimento: refere-se aos aspectos mais óbvios, como
dor, medo e angústia mental. Mesmo os animais são capazes de identificar
essas experiências evidentemente dolorosas como indesejáveis. Assim como
as pessoas, eles mostram um instinto natural para evitar tais experiências e se
livrar delas;
2. O sofrimento da mudança (impermanência): refere-se aos problemas que
a mudança traz: quando desaparece aquilo que antes surgiu; quando nada
permanece como é; quando todas as coisas passam por um período de
nascimento, maturação, transformação e destruição;
3. O sofrimento que permeia tudo: este é o aspecto mais difícil de entender,
refere-se ao fato de que nós sempre temos o potencial para sofrer ou podemos
entrar em situações problemáticas.

Há ainda uma última classificação que divide o sofrimento em oito tipos:


1. O sofrimento relativo ao nascimento e a existência: Embora ninguém se
lembre da dor sentida ao sair do útero da mãe, o próprio fato de que um bebê
recém-nascido chora ao invés de sorrir indica que não há felicidade no
nascimento;
2. O sofrimento relativo ao envelhecimento: Embora o envelhecimento seja
um processo lento que ocorre ao longo de vários anos, a realização, por vezes
súbita da redução dos pontos fortes da juventude e da habilidade é uma
experiência dolorosa para a maioria das pessoas;
3. O sofrimento relativo a doença: Muito poucas pessoas podem alegar
imunidade a doença ou a acidentes;
4. O sofrimento relativo a morte: A maioria dos seres humanos sofre
dolorosamente por estar ciente da inevitabilidade da morte;
5. O sofrimento relativo a estarmos separados de nossos entes queridos;
6. O sofrimento relativo a estar na presença daqueles que não gostamos;
7. O sofrimento relativo a não obter aquilo que desejamos;
8. O sofrimento relativo ao desequilíbrio dos Cinco Agregados, que
decorre dos cinco componentes que constituem nosso corpo e mente.

Os Cinco Agregados
A expressão “cinco agregados” é a tradução do termo skandha. O Buda
ensinou que nós como pessoas somos a combinação de Cinco Agregados de
existência. São eles: forma, sensações, percepções, formações mentais e
consciência.
Quando olhamos mais de perto para aquilo que nós chamamos de “eu”,
podemos ver que ele inclui vários elementos, não apenas as partes que
compõem os nossos corpos físicos, mas também os nossos vários sentidos e
nossas mentes. Os componentes que compõem os Cinco Agregados
trabalham juntos e de maneira tão perfeita que criam a sensação de um único
“eu”. Mas o Buda ensinou que não existe um "eu" que ocupa os Cinco
Agregados. Compreender os Cinco Agregados é útil para ver através da
ilusão do “eu”. Daí o Buda ter ensinado que os Cinco Agregados são
sofrimento.
No Budismo, quando queremos examinar o “eu” podemos fazer uso das
cinco categorias ou os Cinco Agregados. Cada coisa que nós pensamos como
"eu" é em função dos Cinco Agregados. Dito de outra forma, podemos
entender um indivíduo como um processo dos Cinco Agregados.
Na verdade, todos os fenômenos condicionados podem ser incluídos nestes
Cinco Agregados, mas quando estamos investigando o “eu” nos limitamos a
forma de nossos corpos e de nossos próprios pensamentos e assim por diante.
Os Cinco Agregados são:
1. Forma. Significa o nosso corpo, incluindo os cinco órgãos dos sentidos e
o sistema nervoso. A natureza do corpo é impermanente e interdependente.
2. Sensações. Existe um rio de sensações dentro de nós, e cada gota desse
rio representa uma sensação. A natureza das sensações é impermanente e sem
substância. Uma sensação qualquer surge, permanece por algum tempo, e a
seguir surge outra e assim sucessivamente.
3. Percepções. Existe um rio de percepções dentro de nós. Elas surgem,
permanecem por algum tempo, e depois desaparecem. O agregado da
percepção é composto da ação de prestar atenção, de nomear, formular
conceitos, e também daquele que percebe (sujeito) e daquilo que é percebido
(objeto).
4. Formações mentais. Qualquer coisa que venha a surgir a partir de outra é
uma "formação". Uma flor é uma formação, porque ela não surge do nada,
dependendo da luz do sol, do solo, da água, minerais etc. O medo também é
uma formação, uma formação mental. Nosso corpo é uma formação física.
Sensações e percepções são formações mentais, mas como são muito
importantes, receberam uma categoria própria. Existem cinquenta e uma
categorias de formações mentais. Portanto, o Quarto Agregado consiste em
quarenta e nove dessas formações mentais (excluindo-se as sensações e as
percepções). Todas as cinquenta e uma formações estão presentes dentro da
consciência armazenadora, sob a forma de sementes. Cada vez que uma
semente é afetada, ela se manifesta nas camadas superiores da nossa
consciência (mente consciente) como uma formação mental.
5. Consciência. A palavra consciência significa mente ou mente
consciente. O Budismo ensina que o que chamamos de consciência, consiste
em nove consciências separadas. Quando nascemos temos seis consciências:
visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil e mental. A sexta consciência pode
ser vista como a consciência da vontade. A sétima consciência como a
consciência emocional (não gosto/gosto). A oitava consciência como a
consciência intelectual que armazena todas as nossas experiências e
pensamentos. E a última consciência como a consciência búdica – natureza
original, natureza de Buda ou verdadeira natureza. Quando as formações
mentais não estão manifestadas, estão armazenadas na consciência
armazenadora sob a forma de sementes - sementes de alegria, paz,
compreensão, e assim por diante. Existem cinquenta e uma categorias de
sementes enterradas profundamente no solo de nossa consciência. Cada vez
que regamos uma delas, ou permitimos que outra pessoa as regue, essa
semente vai se manifestar e se tornar uma formação mental.
Desequilíbrio dos Cinco Agregados
O desequilíbrio dos Cinco Agregados se refere ao fato de que as
consciências se separam, ao invés de atuarem em harmonia, umas com as
outras. Não precisamos ficar preocupados, pois todas as pessoas
experimentam esse tipo de desequilíbrio.
Todos os dias, a todo instante, as consciências estão em conflito, umas com
as outras. De forma leve ou intensa, há este desequilíbrio dos Cinco
Agregados quando experimentamos, respectivamente, um fluir harmônico ou
confusão interior (paralisia).
Apego e os Oito Sofrimentos
Claro que o sofrimento está presente todos os dias - dor, dificuldades,
doenças e desconforto - mas tem mais a ver com o sofrimento psicológico,
aquele sentimento de insatisfação que está profundamente enraizado na nossa
mente.
Todos nós sofremos, e tomados como um conjunto, os Oito Sofrimentos
formam o mundo limitado e estreito que a maioria das pessoas cria para si
mesma. É assim que ficamos presos numa esfera de sofrimento, criados por
nós mesmos e acabamos cegamente apegados as nossas sensações. O insight
do Buda - que os Cinco Agregados que estão sujeitos ao apego levam ao
sofrimento – nos permite compreender o sofrimento no nível mais profundo.
Ele quer dizer que tudo sobre nós, todos os nossos componentes físicos e
mentais, estão sofrendo porque nos apegamos a eles de alguma forma. Mas,
se alcançamos o insight sobre a impermanência corretamente, vamos acabar
com os Oitos Sofrimentos.
O Buda atingiu a realização suprema de que a mente, que é guia do nosso
corpo, nunca envelhece ou morre. O Buda atingiu essa verdade, ele alcançou
a compreensão de que não existe, nem nascimento, nem morte; tampouco há
doença ou velhice. A nossa verdadeira natureza se quer nasce ou morre.
Nirvana
O termo “nirvana” está associado tanto ao Hinduísmo como ao Budismo.
Em ambos, a palavra se refere a um estado mais elevado de ser, embora
visualizem este estado de maneira muito diferente. É uma palavra do
sânscrito que pode ser traduzida como "extinção". Neste caso, significa
extinguir a ignorância, o ódio e o sofrimento. Para os budistas, a expressão
“cessação do sofrimento” é uma tradução comumente aceita.
Na visão budista, é o nome dado ao estado de libertação dos sofrimentos
ou ainda o "estado de liberdade da existência cíclica". Entendido também a
liberdade quanto aos efeitos do carma ou a extinção de dualidades e a fusão
do nirvana e do samsara numa existência absoluta. Ou ainda quiescência,
também chamado de “a equalização de toda pluralidade”. A multiplicidade de
significados ocorre porque para cada escola budista existem interpretações
diferenciadas do que seja o nirvana, e de como ele é alcançado.
Muito embora as várias escolas do Budismo entendam o nirvana de
maneira diferente, num ponto elas geralmente concordam: o nirvana não é
um lugar. É mais como um estado de existência. No entanto, o Buda também
disse que qualquer coisa que possamos dizer ou imaginar sobre nirvana vai
estar errado, porque é totalmente diferente da nossa existência comum.
Nenhuma expressão em qualquer idioma pode cobrir totalmente o verdadeiro
significado da experiência do nirvana. Explicar o nirvana é um pouco como
tentar explicar o sabor do açaí para alguém que nunca o provou. É difícil, se
não impossível. Daí dizermos que o nirvana está além do espaço, do tempo e
de qualquer definição.
No entanto, podemos entendê-lo como a cessação da ilusão - a extinção ou
descrença da dualidade. É a extinção de todas as noções e ideias, escapando
às nossas concepções de bem e mal, certo e errado, existência e não
existência. Quando nos libertamos dessas noções, poderemos tocar nossa
verdadeira natureza. Daí dizermos que o nirvana não é fabricado porque está
"além dos extremos".
O próprio Buda ensinou que o nirvana esta além da conceituação humana
ou imaginação, desanimando todos aqueles que se ocupavam com
especulações. O nirvana está além da felicidade e da infelicidade. É a
derradeira liberação das cadeias da ignorância e delusões. O caminho
proposto por Buda não leva à felicidade, mas a libertação do sofrimento por
estar livre da ignorância e suas confusões. Isso leva a um estado de felicidade
desprovida de felicidade e infelicidade, a paz última, sem opostos. Portanto,
atingir o nirvana é escapar do samsara. Quando alcançamos o nirvana,
paramos de acumular carma ruim.
Contemplação dos Selos
Meditação
A meditação é um esforço consciente para conhecer como a mente
funciona e treiná-la. A palavra Pali para a meditação é "bhavana" que
significa "fazer crescer" ou "desenvolver". A meditação pode ser comparada
a um excursão exploratória dentro das nossas mentes. Como já foi dito, trata-
se de um processo investigatório que tem dois objetivos: o primeiro é
entender como a mente funciona; e o segundo é treiná-la.
Ao entender como a mente funciona, compreendemos porque acabamos
agindo ou dizendo coisas em determinadas situações, que na maioria das
vezes acaba ferindo a nós mesmos e aqueles que estão a nossa volta. Já ao
treinarmos a mente deixamos de lado os hábitos mentais que prejudicam os
outros e a nós mesmos, e que nos afastam da verdadeira felicidade. Treinando
nossa mente vamos descobrir que somos capazes de manter a mente feliz e
em paz o tempo todo, até em circunstâncias difíceis, o que aliás é um
indicativo de que tivemos sucesso no nosso treino. Se treinarmos nossa mente
desse modo, tudo o que encontrarmos aumentará nossas realizações de
Dharma.
Gradualmente, a meditação nos propiciará a criação de um espaço mental
que permite responder ao mundo exterior de forma mais significativa,
ponderada e benéfica. De fato, a meditação além de nos mostrar como a
mente está agitada, também mostra como podemos ser felizes treinando-a, ou
seja, controlando essa agitação e reduzindo os estados mentais que a
produzem. Assim sendo, vamos cultivar estados mentais que nos tornam
felizes, alegres e pacíficos.
Para ser eficaz, a meditação deve ser praticada em conjunto com a
moralidade e a sabedoria. Sem um firme alicerce moral, a meditação nunca
pode gerar os frutos maravilhosos que poderia dar. Sem sabedoria, mesmo
que a prática produza bons resultados, estes não poderão ser utilizados ou
compreendidos plenamente pelo praticante. No budismo, damos a
moralidade, a meditação e a sabedoria são conhecidos como os Três
Teinamentos. Daí aparecerem agrupados desse modo, como se fossem um
todo, por ser fundamental que os três sejam praticados simultaneamente.
Tipos de Meditação
Existem dois tipos principais de meditação budista: Vipassana (insight) e
Samatha (tranquilidade). Os dois são muitas vezes combinados ou utilizados
um após o outro (normalmente o Vipassana segue o Samatha).
A finalidade básica da meditação Samatha ou tranquilidade é aquietar a
mente e treiná-la para se concentrar. O objeto de concentração é menos
importante do que a própria habilidade de concentração, e varia de acordo
com cada situação.
Muitas das habilidades aprendidas na meditação Samatha podem ser
aplicadas a meditação de Vipassana, embora o objetivo final seja diferente.
Como o próprio nome sugere, o objetivo da meditação Vipassana é a
realização de importantes verdades, daí ela ser chamada de meditação
“analítica” ou insight. Especificamente, aquele que pratica Vipassana espera
realizar as verdades da impermanência, sofrimento e vacuidade ("não eu").
Em cada meditação budista, tem de haver dois fatores: concentração e
sabedoria. A diferença entre Vipassana e Samatha é que na primeira a
sabedoria é o fator principal, enquanto que na última a concentração é o fator
principal. Mas deve entender-se que estes dois fatores devem coexistir em
ambas. O que se entende por sabedoria aqui é a compreensão da natureza do
objeto.
Meditação da Respiração
A meditação da respiração (Anapanasati) é uma forma de meditação
Samatha. Trata-se de pousar a atenção, leve e atentamente, na respiração. O
simples ato de direcionar a atenção para a respiração produz calma e
consciência. Isto pode ser praticado em qualquer lugar.
A principal atividade mental usada na meditação sobre a respiração é a
atenção plena (contínua-lembrança), a habilidade de manter a atenção
focalizada sobre o que quer que se esteja fazendo, sem vagar para outros
objetos. Aqui, o objeto da atenção plena é a própria respiração.
É entrar em contato com a expiração e deixá-la dissolver por si mesma, ou
prestar atenção à expiração de forma leve e suave, ou ainda ser um com a
respiração à medida que se relaxa na expiração.
Meditação Sentada
Ao praticar a meditação da respiração estaremos sentados numa almofada,
cadeira ou poltrona. É como se nós estivéssemos num laboratório. Nós
desaceleramos nosso corpo-mente o suficiente dedicando um olhar mais
atento à própria vida. É como assistir a um vídeo de dança e vê-lo em câmera
lenta. Uma vez que os movimentos individuais são vistos e as transições são
observadas, a versão em velocidade normal faz mais sentido quando se quer
aprender a dançar.
Meditar sobre o vaivém da respiração comporta três etapas indispensáveis:
1. Prestar atenção num objeto escolhido (no caso, a respiração);
2. Manter a atenção nesse objeto (passagem do ar nas narinas, vaivém do
abdômen ou dos pulmões);
3. Estar plenamente consciente (atenção plena ou contínua-lembrança) do
que o caracteriza, de sua natureza.

Meditando a cada dia, observamos claramente como tudo surge e


desaparece. Enquanto exploramos a impermanência, notamos uma série de
outras ocorrências interessantes também, e vivenciamos insights especiais
sobre a natureza da respiração e também do que surge ou interrompe nossa
concentração: pensamentos, sensações físicas, sons exteriores, emoções,
dores etc.
Iniciamos sempre com períodos de tempo curtos que permitem a repetição
quantas vezes quisermos. Quando meditamos, respiramos naturalmente.
Observar a Respiração
Sentados de forma ereta, respiramos natural e calmamente.
Colocamos a atenção na respiração.
Não forçamos a respiração de forma alguma — apenas a acompanhamos.
Cada vez que expiramos o ar e antes de inspira-lo de novo, vamos perceber
um intervalo natural. Descansamos nesse intervalo, nesse espaço aberto. E
quando inspiramos, não nos fixamos no ar que entra, mas avançamos
repousando nossa mente no intervalo que se abriu – na pausa entre a
inspiração e a expiração. Aos poucos, a respiração, o ato involuntário de
respirar e aquele que respira tornam-se um só; a dualidade e a separação se
dissolvem.
Variante 1 – Contar a Respiração
Contar a cada vez que respirar pode nos ajudar a manter a concentração.
Contamos “um” quando inspiramos e “dois” quando expiramos.
Continuamos contando até dez e, em seguida, reiniciamos a contagem.
Começamos novamente no “um” quando perdermos a contagem ou quando
nos deixamos distrair pelos pensamentos. Aos poucos, a respiração, o ato
involuntário de respirar e aquele que respira tornam-se um só; a dualidade e a
separação se dissolvem.
Respiramos normal e gentilmente. Inevitavelmente, pensamentos
aparecerão, mas mantemos uma atitude neutra diante deles. Em outras
palavras, não reagimos com desgosto, preocupação, excitação ou apego a
qualquer pensamento, imagem ou sensação que surja. Simplesmente
percebemos sua existência e voltamos nossa atenção ao objeto de meditação
– a respiração.
Variante 2 – Associar uma Frase a Respiração
Podemos associar uma frase curta ao vaivém da respiração.
Expirando, por exemplo, diremos mentalmente: “Inspiro”, e inspirando:
“Expiro”.
Aos poucos, a respiração, o ato involuntário de respirar e aquele que
respira tornam-se um só; a dualidade e a separação se dissolvem.
Respiramos normal e gentilmente. Inevitavelmente, pensamentos
aparecerão, mas mantemos uma atitude neutra diante deles.
Contemplando a Impermanência
Que é impermanência? Qual o benefício de contemplá-la? Estas são
algumas das perguntas que podemos abordar na sessão sobre a
impermanência. Qualquer assunto que nos ajude a compreender, que a nossa
vida está sempre mudando e mudando é uma boa escolha para a
contemplação. Algumas possibilidades são a própria respiração, o tempo, o
envelhecimento, a vida pessoal, relacionamentos etc.
Contemplando a Impermanência da Respiração
No Sutra Girimanda temos o seguinte trecho:
O que é, ó Ananda, a plena atenção na Inspiração e Expiração?
Aqui, ó Ananda, o monge que for para a floresta, seja para o pé de uma
árvore, seja para um abrigo vazio, senta-se de pernas cruzadas, colocando
seu corpo ereto, procurando a Atenção em frente de si. E ele inala
atentamente, e ele exala atentamente. Inalando uma profunda inspiração ele
sabe: “Estou inalando uma profunda inspiração”. Exalando uma profunda
expiração, ele sabe: “Estou exalando uma profunda expiração”. Inalando
uma curta inspiração, ele sabe: “Estou inalando uma curta inspiração”.
Exalando uma curta expiração, ele sabe: “Estou exalando uma curta
expiração”.
Vamos dedicar algum tempo em meditação, explorando o que o Buda
disse.
A ideia é observarmos qualquer coisa que venha a surgir, sem
envolvimento ou resistência. Observamos a natureza da interrupção, a nossa
reação, em seguida, retornamos suavemente à respiração. Continuamos a
explorar a respiração. Se algo surgir de novo, notamos nossa reação, em
seguida, retornamos para a respiração.
Aqui estão algumas perguntas que podem nos ajudar a explorar a natureza
impermanente da respiração: O que é isso? A respiração está inconstante?
Respiramos de forma longa e permanente por muito tempo, ou notamos uma
série de respirações? Qual a sensação no final da expiração? Qual é o
sentimento no início da próxima inspiração? Respiramos num processo
contínuo, em constante mudança? A profundidade e a sensação da respiração
muda?

Contemplando a Vacuidade (“não eu”)


No Sutra Girimanda temos o seguinte trecho:
E Ananda, o que é a percepção da Impermanência?
Aqui, ó Ananda, o monge que foi para a floresta, ou que foi para o pé de
uma árvore, ou que ocupou um abrigo que encontrou abandonado, considera
assim: O corpo é impermanente, as sensações são impermanentes, as
percepções são impermanentes, os pensamentos são impermanentes, a
consciência é impermanente. Assim ele vive refletindo na impermanência
desses Cinco Agregados da avidez [normalmente considerados como se fosse
um “eu”].
Esta é dita, ó Ananda, a percepção da impermanência.

No Sutra Girimanda temos o seguinte trecho:


E Ananda, que é a percepção da Inexistência de um “Eu”?
Aqui, ó Ananda, o monge que foi à floresta, ou que foi ao pé de uma
árvore, ou que ocupou um abrigo que encontrou abandonado, considera
assim:
- O olho é destituído de substância própria e a forma é destituída de
substância própria.
- O ouvido é destituído de substância própria e o som é destituído de
substância própria.
- O nariz é destituído de substância própria e o odor é destituído de
substância própria.
- A língua é destituída de substância própria e o gosto é destituído de
substância própria.
- O corpo é destituído de substância própria e a sensação é destituída de
substância própria.
- A mente é destituída de substância própria e os pensamentos são
destituídos de substâncias próprias.
- Assim nessas seis esferas internas e externas ele vive, refletindo nesses
destituídos de substância própria.
Esta é, ó Ananda, a percepção da Inexistência de um “Eu”.

Quando contemplamos nossa mente em meditação, nós encontramos cinco


tipos de experiências, mas não podemos encontrar qualquer “eu” que esteja
vivendo a experiência. De acordo com o que nós vimos no Primeiro Selo e no
Terceiro Selo, não há nada permanente, nem se quer um “eu” imutável. O que
nós imputamos como “eu” não passa de uma coleção de várias partes em
constante mudança. Estas partes - agrupadas em cinco partes, os Cinco
Agregados - não constituem uma entidade que é autônoma ou independente
e, portanto, não é considerada um “eu” que tem existência inerente.
A ideia é descobrirmos por conta própria que não podemos encontrar um
”eu” nos Cinco Agregados. De fato, nem mesmo os Cinco Agregados são
singulares ou permanentes.
Começamos meditando sobre a respiração. Então investigamos a natureza
de cada agregado. Aqui estão algumas perguntas que podem nos ajudar a
explorar a insubstancialidade dos Cinco Agregados:
- Olhando para o agregado Forma (Ex.: corpo físico), perguntamos: O que
é isso? Isso é permanente? Isso é sólido? Isso é feito de partes? Isso surge na
dependência de outras partes ou fatores? Isso é influenciado por outras partes
ou fatores?
- Olhando para o agregado Sentimento, perguntamos: O que é isso? Isso é
agradável, neutro ou desagradável? Isso é permanente? Isso surge na
dependência de outros fatores?
- Olhando para o agregado Percepção, perguntamos: O que é isso? Este
objeto que foi percebido é permanente? Isso surge na dependência de outros
fatores? Isso é feito de partes?
- Olhando para o agregado Formação mental (Ex.: pensamentos, emoções,
estados etc.), perguntamos: O que é isso? Esse pensamento é permanente?
Esse pensamento surge na dependência de outros fatores? Isso é feito de
partes?
- Olhando para o agregado Consciência, perguntamos:
Que imagem é essa, que é vista pela consciência da visão? Que som é esse,
que é ouvido pela consciência da audição? Que sabor é esse, que surge na
consciência do paladar? Que odor é esse, que surge na consciência do olfato?
Que toque é esse, que surge na consciência do tato? O que surge nessas
consciências é permanente? O que surge na consciência mental relativo às
outras consciências (visão, audição, paladar, olfato, tato) é permanente?
Apêndices
Tripitaka - Os Três Cestos
Após a morte de Buda seus ensinamentos se perpetuaram de forma
exclusivamente oral ao longo dos séculos. À medida que foram surgindo as
diversas escolas budistas, foram sendo escritos textos que procuravam
condensar e registrar os ensinamentos da tradição oral do Budismo,
acrescidos de novos desenvolvimentos filosóficos.
O Tripitaka, metaforicamente “os três cestos de flores”, é o conjunto da
doutrina budista. Cada um dos cestos refere-se a uma parte do pensamento e
prática do Budismo. Algumas escolas budistas centram-se apenas nas
escrituras e comentários de professores contemporâneos sobre as mesmas.
Outras dão relevância a um texto em particular, e há formas de Budismo que
não enfatizam o estudo de textos. Conforme a fonte de consulta, o Tripitaka
pode apresentar diferença na organização das primeiras coleções: Sutra
Pitaka/Vinaya Pitaka ou Vinaya Pitaka/Sutra Pitaka.
Primeiro Cesto - Sutra Pitaka
O primeiro cesto é o Cesto dos Sutras, que agrupa os ensinamentos do
próprio Buda, através de uma série de diálogos e sermões coletados por um
dos seus discípulos. Os Sutras estão agrupados em cinco nikayas ou coleções
que são:
1 - Digha Nikaya
É a primeira divisão do Sutra Pitaka e consiste de trinta e quatro sutras
agrupados em três vaggas ou divisões: Silakkhandha-vagga - A Divisão da
Virtude (13 sutras); Maha-vagga - A Grande Divisão (10 sutras); Patika-
vagga - A Divisão Patika (11 sutras)
2 - Majjhima Nikaya
É o segundo dos cinco nikayas, ou coleções, do Sutra Pitaka. Os Sutras
estão agrupados em três partes e cada parte em vaggas ou divisões, com 10
sutras em cada vagga ou divisões: Mulapannasapali (Primeira Parte) Os
Cinquenta Primeiros Discursos; Majjhimapannasapali (Segunda Parte) Os
Cinquenta Discursos do Meio; Uparipannasapali (Terceira Parte) Os
Cinquenta Discursos Finais.
3 - Samyutta Nikaya
É a terceira divisão do Sutra Pitaka contém 2.904 sutras agrupados em
cinco livros ou seções (Vaggas):Sagatha-vagga;Nidana-vagga;Khandha-
vaga;Salayatana-vagga;Maha-vagga
4 - Anguttara Nikaya
É a quarta divisão do Sutra Pitaka, consistindo de sutras organizados em
onze seções (nipatas).
5 - Khuddaka Nikaya
É a quinta divisão do Sutra Pitaka, é uma coleção abrangente de "livros"
contendo sutras completos, versos e pequenos fragmentos de ensinamentos
do Dharma. É composto de dezoito livros: Khuddakapatha, Dhammapada,
Udana, Itivuttaka, Sutra Nipata, Vimanavatthu, Petavatthu, Theragatha,
Therigatha, Jataka, Niddesa, Patisambhidamagga, Apadana, Buddhavamsa,
Cariyapitaka, Nettippakarana, Petakopadesa e Milindapanha.
Segundo Cesto - Vinaya Pitaka
O segundo cesto é o Cesto do Vinaya, onde estão reunidas as regras
disciplinares a que estavam obrigados a seguir todos os que fazem parte da
comunidade monástica, a Sangha. O Vinaya Pitaka também inclui as
histórias que estão por trás da origem de cada regra, relatando em detalhe a
maneira como o Buda solucionou a questão de como manter a harmonia
comunitária em uma ampla e diversa comunidade espiritual. O Vinaya Pitaka
tem quatro divisões: Sutravibhanga; Khandhaka (Mahavagga); Khandhaka
(Cullavagga); Parivara.
Terceiro Cesto - Abhidharma Pitaka
O terceiro cesto é o Cesto do Abhidharma, ou textos filosóficos que têm
como foco a transmissão do Budismo. O Abhidhamma Pitaka está dividido
em sete livros, embora o primeiro (Dhammasangani) e o último (Patthana)
combinados é que formem a essência dos ensinamentos do Abhidhamma. Os
sete livros são: Dhammasangani (Enumeração do Fenômenos); Vibhanga (O
Livro dos Tratados); Dhatukatha (Discussão com relação aos Elementos);
Puggalapaññatti (Descrição de Indivíduos); Kathavatthu (Pontos de
Controvérsia); Yamaka (O Livro dos Pares); Patthana (O Livro das
Relações).
As Nobres Verdades
As Nobres Verdades ensinadas pelo Buda serão apresentadas de forma
sucinta, pois em outra publicação veremos este assunto com riqueza de
detalhes.
O primeiro sermão do Buda após sua iluminação está centrado nas Quatro
Nobres Verdades, sendo considerado o seu primeiro e mais essencial
ensinamento, consistindo na base do Budismo. As verdades são:
- A verdade do sofrimento (dukkha)
- A verdade da origem ou causa do sofrimento (samudaya)
- A verdade do fim ou cessação do sofrimento e da origem do sofrimento
(nirhodha)
- A verdade do caminho que nos conduz a cessação do sofrimento e da
origem do sofrimento (magga)
O Buda é muitas vezes comparado a um médico. Nas duas primeiras
Nobres Verdades ele diagnosticou o problema (sofrimento) e identificou a
sua causa. A terceira Nobre Verdade é a percepção de que há uma cura. Na
quarta Nobre Verdade, o Buda estabeleceu o caminho óctuplo - é a prescrição
- o caminho para alcançar a libertação do sofrimento.
As duas primeiras verdades, as Nobres Verdades do sofrimento e da
origem do sofrimento, refletem realmente a natureza da nossa vida – elas
funcionam continuamente dentro de cada um de nós. A verdade da cessação e
a verdade do caminho que leva a cessação são métodos empregados para
eliminar o sofrimento e a sua origem. Nós precisamos cultivá-las em nós
mesmos visando superar nossas dificuldades e aflições. Logo, essas quatro
nobres verdades nos mostram não só a natureza da nossa vida na sua
totalidade, mas também a possibilidade de ultrapassar desta existência muito
limitada para uma existência que está livre de sofrimento e da sua respectiva
origem.
A Verdade do Sofrimento
A Primeira Nobre Verdade muitas vezes é traduzida como "A vida é
sofrimento". Muitas pessoas ao tomarem conhecimento desta verdade,
entendem que o Budismo ensina uma visão pessimista da vida e acabam se
afastando. Mas, é preciso entender que o significado da palavra “dukkha” faz
referência ao que causa dor, aflição, sofrimento, ansiedade e desconforto
tanto físico quanto mental. No entanto, o significado da palavra “dukkha”
também aponta para o que é temporário, condicional, ou composto. Mesmo
algo precioso e agradável é dukkha, porque isso um dia vai acabar. A
natureza do “eu” também está relacionada com a natureza da vida. Nós
também não somos temporários, condicionais e compostos? Podemos
compreender que a vida é impermanente, mas nós também não somos
impermanentes? O Buda ensinou que antes que possamos entender a vida e a
morte, devemos compreender o “eu”.
A Verdade da Causa do Sofrimento
A Segunda Nobre Verdade ensina que a causa do sofrimento é o desejo ou
a sede (tanha). Estamos continuamente procurando algo fora de nós mesmos
para nos fazer felizes. Mas não importa quão bem sucedido sejamos, nunca
permaneceremos satisfeitos.
O Buda ensinou que essa sede surge pela ignorância em relação ao “eu”.
Passamos a vida “agarrando” uma coisa depois da outra na busca por
segurança. Apegamo-nos não só às coisas físicas, mas também as ideias e
opiniões sobre nós mesmos e o mundo ao nosso redor.
Sofremos quando o mundo não se comporta da maneira que pensamos que
deveria e nossas vidas não estão em conformidade com as nossas
expectativas.
Os ensinamentos do Buda sobre carma e renascimento estão intimamente
relacionados com a Segunda Nobre Verdade.
A Verdade do Fim do Sofrimento
Os ensinamentos do Buda sobre as Quatro Nobres Verdades são por vezes
comparado ao tratamento receitado por um excelente médico que diagnostica
uma doença. A Primeira Verdade nos diz o que é a doença, e a Segunda
Verdade nos diz qual é causa da doença. A Terceira Nobre Verdade mantém
a esperança de uma cura.
O Buda ensinou que através da prática diligente, podemos colocar um fim
ao sofrimento.
A Verdade do Caminho que Nos Liberta do sofrimento
Na Quarta Nobre Verdade, o Buda é como um médico que prescreve
determinado tratamento para uma doença: O Caminho Óctuplo. Ao contrário
de outras religiões, no Budismo não há nenhum benefício especial em apenas
crer numa doutrina. Em vez disso, a ênfase está em viver a doutrina e
percorrer o caminho.
Os Oito Aspectos ou Oito Passos
A Quarta Nobre Verdade é a ver​da​de do cami​nho que leva à ces​sa​ção do
sofrimen​to, aque​le que nos mos​tra como supe​rar as cau​sas do sofri​men​to. É o
cami​nho rumo ao nirvana. Trata-se de seguir seus oito aspectos ou passos:
VER CORRETO.
INTENÇÃO CORRETA.
FALA CORRETA.
AÇÃO CORRETA.
MODO DE VIDA CORRETA.
ESFORÇO CORRETO.
PLENA ATENÇÃO CORRETA.
CONCENTRAÇÃO CORRETA.
O Caminho Óctuplo
O Caminho Óctuplo ensinado pelo Buda será apresentado de forma
sucinta, pois em outra publicação veremos este tópico com riqueza de
detalhes.
O Caminho Óctuplo é um veículo viável de libertação do sofrimento; o
meio pelo qual a iluminação poderá ser realizada; é o centro da prática
budista, o remédio que Buda como um médico ensinou para uma humanidade
que tem que lidar com as doenças da ignorância, do apego desejoso e da
raiva. O Buda ​incluiu a pala​vra “Cami​nho” na expres​são Caminho Óctuplo
justamen​te para que fosse pra​ti​ca​do e apren​di​do ao longo do tempo.
Implementar o Caminho Óctuplo é questão de prática ao invés de
conhecimento intelectual, mas para que seja seguido corretamente demanda
compreensão adequada.
O Buda histórico inicialmente explicou o Caminho Óctuplo em seu
primeiro sermão após sua iluminação, e que está dividido em três seções
principais: sabedoria, conduta ética e disciplina mental. O Caminho Óctuplo
promove o surgimento da visão e do conhecimento superiores, levando à paz,
ao conhecimento direto, ao despertar, ao Nirvana.
O Dharma é pro​fun​do e sábio, mas, ainda assim, pode ser compreendi​do
por todos aqueles que realmen​te se dedi​ca​rem a ele. Como mui​tos ​outros
ensinamentos do Budis​mo, o Caminho Óctu​plo é a divisão de um todo con​-
cei​tual que é essencialmente indi​vi​sí​vel. Na realidade, o Caminho Óctu​plo
deve​ria ser pra​ti​ca​do na ínte​gra, uma vez que suas par​tes são inter-relaciona​-
das. Logo, não deve​ria exis​tir sepa​ra​ção entre elas, mas o Buda diferenciou
esses oito fatores rela​ti​vos à práti​ca do Dharma por​que que​ria apresen​tá-los
de forma que esti​ves​sem ao alcan​ce de qual​quer pessoa.
O Caminho Óctu​plo é um guia para todos os aspec​tos da vida. Ele deve ser
imple​men​ta​do na vida diá​ria antes que e praticado com diligência. Ninguém
que pra​ti​que esse cami​nho há bastan​te tempo pode ter dúvi​das quan​to a seu
poder e efetividade, pois fun​da​men​ta-se em mora​li​da​de, crença e sabe​do​ria,
sendo o guia per​fei​to para os ensi​na​men​tos do Buda. A prá​ti​ca consistente
desse cami​nho leva, ao final, à ilu​mi​na​ção per​fei​ta.
As Três Seções
As três seções que constituem a espinha dorsal do Caminho Óctuplo são:
Sabedoria
Ver correto e Intenção correta são o caminho da sabedoria. Ver Correto
não é sobre acreditar na doutrina, mas em perceber a verdadeira natureza de
nós mesmos e do mundo que nos rodeia. Intenção correta refere-se à energia
e empenho, pois precisamos estar totalmente engajados na prática budista.
Conduta Ética
Fala Correta, Ação Correta e Modo de Vida Correto constituem o caminho
da conduta ética. Isso nos adverte para cuidar de nosso discurso, das nossas
ações e das nossas vidas diárias de forma que não façamos mal aos outros e
para cultivar salubridade em nós mesmos.
Disciplina Mental
Através do Esforço Correto, da Plena Atenção Correta, e da Concentração
Correta desenvolvemos a disciplina mental para cortar a ilusão. Muitas
escolas do Budismo incentivam os praticantes a meditar para atingir a clareza
e a concentração.

Os Oito Aspectos ou Oito Passos


Embora estudados individualmente cada aspecto do Caminho Nobre de
Oito Aspectos ou Oito Passos faz parte de um todo orgânico e indivisível.
São eles:
VER CORRETO. Significa ver de acordo com realidade de que existe o
sofrimento, a sua causa, o seu fim e o caminho que conduz a esse fim.
INTENÇÃO CORRETA. Significa renunciar às atitudes negativas e
cultivar a bondade e a não agressão em que os pensamentos estão livres de
sensualidade, má-vontade e crueldade.
FALA CORRETA. Significa não mentir ou enganar, não usar linguagem
pesada, não falar mal dos outros, não caluniar, não falar frivolamente e usar a
fala beneficiando a todos e conduzindo à harmonia, pela ternura que nutre a
todos os seres.
AÇÃO CORRETA. Significa não matar, não roubar, não cometer
adultério. Dentro da Ação Correta está, por exemplo, a proposta de não se
fazer uso de substâncias tóxicas que perturbem ou retirem a consciência da
mente.
MODO DE VIDA CORRETA. Significa ganhar a vida de maneira ética. É
a conduta correta no modo de viver, de se manter, com hábitos regulares e
saudáveis quanto a dormir, comer, trabalhar, fazer exercícios, repousar.
ESFORÇO CORRETO. Significa impedir os pensamentos negativos e
desenvolver os positivos. Com Esforço Correto, enten​de​mos ​melhor o
Dharma a cada dia que passa e aprende​mos a apli​cá-lo mais e mais em nossa
vida.
PLENA ATENÇÃO CORRETA. Significa a constante percepção de
nossos próprios pensamentos, sensações, reações, anseios.
CONCENTRAÇÃO CORRETA. Significa manter a mente calma e
concentrada promovendo a manifestação da sabedoria completa e verdadeira
a partir da qual surgem os pensamentos e ações corretas. Não se pode realizar
o Esforço Correto e a Plena Atenção Correta sem uma intensa concentração.
Originação Dependente
A Originação Dependente ensinada pelo Buda será apresentada de forma
sucinta, pois em outra publicação veremos este assunto com riqueza de
detalhes.
A Originação Dependente é um ensinamento central de todas as escolas do
Budismo. A visão fundamental ou a filosofia do Budismo é a da Originação
Dependente, que afirma que tudo está interligado. Tudo afeta tudo. Tudo o
que existe, só existe, porque outras coisas existem. Este é o ensinamento da
Originação Dependente. Este ensinamento tem outros nomes: origem
interdependente, ou (inter) surgimento dependente, etc. O termo sânscrito é
pratitya-samutpada ou se preferir em pali: panicca-samuppada, paticca-
samuppada e patichcha-samuppada.
A pratitya-samutpada é às vezes chamada de ensinamento da causa e
efeito, mas isso pode dar uma noção equivocada porque pensamos em causa e
efeito como duas entidades separadas: a causa sempre anuncia o respectivo
efeito e uma única causa conduz a um único efeito. De acordo com o
ensinamento da Originação Dependente: causa e efeito surgem juntos e tudo
o que existe é resultado de múltiplas causas e condições.
Ainda nessas ótica, a Originação Dependente diz respeito apenas à
dependência que uma coisa tem de causas e condições, e explica a origem de
tudo em termos de causa e efeito. É graças a Originação Dependente, por
exemplo, que nossa prática espiritual é eficaz e acarreta mudanças em nós.
Conforme os ensinamentos budistas, tais mudanças não acontecem por causa
da vontade de um ser divino; em vez disso, acontecem como resultado da
implementação da causas adequadas. Daí Buda ter afirmado que somos
nossos próprios mestres. Portanto, nosso bem-estar futuro está em nossas
mãos, somos nós - com nossas atitudes - que determinamos se nosso futuro
será feliz ou não.
Nada é Absoluto
Não há ser ou fenômeno que exista de forma independente dos demais
seres e fenômenos. Todos os seres e fenômenos existem por causa dos outros
seres e fenômenos. As coisas e seres perpetuamente surgem e perpetuamente
cessam porque outras coisas e seres perpetuamente surgem e perpetuamente
cessam. Tudo surge, existe e deixar de existir no vasto campo de existência
ou nexo de existência.
Nada é Permanente
A Originação Dependente relaciona-se com a vacuidade (“não eu”). O que
nós entendemos como nosso “eu”, nossa personalidade ou ego, são criações
temporárias dos skandhas - forma, sensação, percepção, formação mental e
consciência. Em outras palavras, um conjunto de fenômenos gera a noção de
que há um “eu” permanente, autônomo e distinto de tudo. Esses fenômenos
(forma, sensação, etc.) surgem por causa de outros fenômenos. Tudo no
mundo fenomenal é dukkha (sofrimento ou insatisfação), anicca
(impermanência) e anatta (sem essência individual; sem ego).
Dito de outra forma, uma onda não existe separada do oceano. A onda é
oceano. Embora a onda seja um fenômeno distinto, ela não pode existir
separadamente do oceano. Quando as condições que causam o surgimento da
onda estão presentes, nada é adicionado ao oceano. E quando a atividade da
onda cessa; nada é tirado do oceano.
Os Doze Elos
Há uma grande quantidade de ensinamentos e comentários sobre a
Originação Dependente, e o entendimento mais básico geralmente começa
com os doze elos, que descrevem uma cadeia de causas que levam a outras
causas. É importante entender que os elos formam um círculo; não há
nenhum primeiro elo. São eles:
- ignorância;
- ação intencional;
- consciência;
- mente/corpo, ou nome e forma;
- os seis órgãos dos sentidos (olhos, ouvidos, nariz, língua, corpo e mente)
e seus objetos (formas, sons, cheiros, gostos, objetos táteis e objetos da
mente);
- o contato entre o órgão dos sentidos, o objeto dos sentidos, e a
consciência sensorial;
- sensações;
- vir a ser ou tornar-se;
- nascimento;
- velhice e a morte.
As Seis Perfeições - Paramitas
As Seis Paramitas constituem a prática de um bodhisattva – é uma prática
Mahayana e é ensinada nos sutras da Perfeição da Sabedoria (Prajna-
paramita) e no Sutra do Lótus (Saddharmapundarika). No entanto, as
Paramitas – em todos os seus aspectos – também devem fazer parte da
prática Theravada, assim como da prática Vajrayana.
Paramita é um termo em sânscrito que significa "o que foi além", "o que é
mais excelente". Param significa "outro lado" ou "outra margem do rio",
enquanto ita significa alcançar. No Budismo, as Paramitas são as perfeições
ou culminações de certas práticas. Cada uma das Paramitas é uma travessia.
De acordo com o ensinamento do Buda, empregamos um barco (Dharma)
para desta margem (sofrimento) chegar à outra margem (não sofrimento) do
rio que é composto por quatro correntes: a corrente da carência, a corrente da
dependência da existência, a corrente da visão errada e a corrente da
ignorância. E alcançar a "outra margem" significa ultrapassar todas essas
correntes. Por isso, o Budismo compara este mundo ilusório onde vivemos
como "desta margem" que é o samsara, ao passo que a "outra margem" é o
nirvana.
As Seis Paramitas são as virtudes para serem cultivadas: generosidade,
disciplina (ética), paciência, esforço (entusiástico), concentração (meditação)
e sabedoria. Essas seis práticas são a chave para o surgimento da completa
iluminação e permitem atingir o estado no qual nos vemos livres das emoções
aflitivas e dos respectivos obstáculos.
A primeira paramita é Dana, a generosidade, altruísmo, desapego. A
prática do altruísmo é excelente antídoto para o egoísmo. Generosidade é
doar, é não esperar nada em troca, é mais do que abrir mão dos bens materiais
e de consumo, implica disposição para dar algo ao próximo de maneira
espontânea e de boa vontade.
A segunda paramita é Shila, disciplina (ética). Ética encontrada nos
ensinamentos dados pelo Buda. Perfeição que junta duas qualidades
igualmente importantes e profundas e que se manifesta de três maneiras
diferentes: coibir o mal, cultivar virtude e trabalhar voluntariamente pelo
próximo.
A terceira paramita é Kshanti, a paciência. Paciência é mais do que a
simples calma - é tolerância. Entretanto, paciência não é supressão da raiva, é
a possibilidade de perceber as dificuldades e defeitos dos outros e de
compreendê-los, sem julgar, criticar ou condenar. Portanto, é a capacidade de
aceitar com discernimento e serenidade tudo que surge. Sem serenidade e
paciência ninguém avança espiritualmente.
A quarta paramita é Virya, o esforço (entusiástico), que é determinação,
constância, empenho. Realizamos todas as tarefas com atenção, dedicação,
objetividade, responsabilidade. Importante saber que o esforço (entusiástico)
surge quando abandonamos o perfeccionismo e reconhecemos toda e
qualquer oportunidade como uma nova chance para o crescimento interior.
A quinta paramita é Dhyana, concentração, meditação ou samádi. Por
meio da meditação nos familiarizamos com os estados mentais positivos.
Conforme progredirmos no Budismo, aprendemos a alcançar estados de
samádi nas mais diversas situações – sentados, caminhando, trabalhando ou
fazendo qualquer coisa em que se possa estar plenamente atento. A meditação
tem dois atributos: O primeiro é o de parar (Shamatha) acalmando nosso
corpo e as nossas emoções. E a segunda (Vipashyana) que nos ajuda a olhar
para tudo cuidadosamente permitindo descobrir a natureza dos fenômenos e
como estão sujeitos à impermanência, insubstancialidade, e interexistência.
A sexta paramita é Prajna, a sabedoria, a compreensão, a percepção da
insubstancialidade. Esta paramita é considerada a Mãe das Paramitas, pois
nos traz consciência, percepção. Fé é sabedoria, não é crença. Considerada a
raiz de todas as qualidades, essa é uma virtude importante para a prática de
todas as outras, pois sem ela as demais virtudes se tornam cegas e com ela
cada virtude se torna mais forte.
Glossário
Agregados: Os constituintes psicofísicos de um ser senciente: forma,
sentimento/sensação, percepção/cognição, fatores/formações mentais (ou
composicionais) e consciência.
Anatma ou anatta: Vacuidade, "não eu", insubstancialidade.
Anitya ou anicca: Impermanência.
Apego: Aquilo que alimenta ou dá sustento. Combustível. O apego é uma
intensificação do desejo.
Atitudes desordenadas: Atitudes como ignorância, apego, raiva, orgulho e
mente limitada que perturbam a nossa paz mental e nos levam a agir de
maneira prejudicial aos outros.
Avidya ou avijja: é a principal causa de todo o mal e sofrimento no
mundo, obscurecendo a visão da verdadeira natureza dos fenômenos.
Buda: O “Buda” refere-se ao Buda Shakyamuni que viveu há mais de
2500 anos na Índia.
Cessação: Refere-se à cessação parcial ou completa de ações errôneas e
obstruções.
Ciclo de nascimento e morte: Ver samsara.
Cinco preceitos éticos: O principal princípio ético para budistas laicos,
abster-se de: matar, pegar o que não foi dado, ter má conduta sexual, mentir,
ingerir intoxicantes.
Composto: Faz referência a tudo que é feito de partes reunidas.
Concentração: É o poder de focar a mente em único objeto de forma
unidirecionada.
Condicionado: Produzido, construído, fabricado, se refere ao que surge de
causas e condições inumeráveis.
Consciência: O ato de notar os objetos sensoriais e ideias na medida em
que elas ocorrem; a cognição mais elementar dos objetos sensoriais e ideias;
qualidade mental que é um dos Cinco Agregados.
Contaminado: Refere-se a contaminação da mente por estados mentais
negativos.
Continuum: Continuidade, sequência.
Delusão: Fator mental que surge da atenção imprópria e torna a mente
agitada e descontrolada.
Dharma ou damma: Ensinamento do Buda; lei universal; caminho; uma
entidade de qualquer tipo - coisa, ideia, conceito etc.; ações virtuosas; vida
harmoniosa; direito natural; qualidades inerentes.
Dois sofrimentros: interno; externo;
Dukha ou dukkha: Sofrimento, insatisfação, estresse, desconforto etc.
Existência cíclica: Assumir um renascimento descontrolado sob a
influência das atitudes desordenadas e das marcas cármicas.
Existência inerente: Aquilo de que os fenômenos estão vazios; o objeto a
ser negado, ou refutado. Para a ignorância, os fenômenos parecem existir
independentemente, por si só, parecem existir inerentemente.
Forma: Fenômeno material; materialidade. O significado básico dessa
palavra é "aparência".
Formação mental: as forças e fatores que criam as coisas (física ou
mental), o processo de criação, e as coisas que são criadas como resultado.
Nesse sentido também pode ser interpretado como a dualidade sujeito/objeto.
Ignorância: Literalmente, “não ver” o que existe, ou como as coisas
existem. Ignorância da Verdade, da Realidade. A ignorância ao utilizar
erroneamente o conhecimento e não pela falta dele.
Impermanência: Diz respeito à constante mutação de todas as coisas que
estão no universo. Uma vez criadas, elas deterioram e acabam. Embora isso
seja particularmente verdadeiro para doenças humanas e morte, a idéia refere-
se à natureza de todas as coisas. É um dos motivos do sofrimento e uma das
marcas da existência.
Insight: Clara compreensão de uma questão que geralmente chega de
forma repentina.
Mahayana: O Grande Veículo, refere-se a uma das tradições do Budismo
existentes hoje em dia.
Meditação: Significa “familiarizar-se com os aspectos positivos e
virtuosos da mente”. É um método de treinamento da mente que leva a
enxergar o mundo com maior clareza e amplitude, ajuda a cultivar uma
consciência profunda e compassiva, que nos permite alcançar os objetivos e
encontrar um caminho otimizado em direção à realização dos valores mais
profundos.
Mente: Sinônimo de consciência e sensibilidade. Definida como “claridade
e saber”; uma entidade sem forma que tem a habilidade de perceber os
objetos. A mente se divide em seis consciências primárias e cinqüenta e um
fatores mentais.
Nirvana: é um estado de verdadeira paz no qual o praticante alcança a
cessação do sofrimento e da insatisfação, e o fim dos renascimentos no
samsara. É a liberação do carma. Estado além do sofrimento, transcendência
do sofrimento, estado além das causas do sofrimento, insatisfação e
problemas. Estado fora da Existência Cíclica.
Oito sofrimentos: nascimento e existência; envelhecimento; doença;
morte; estar separado de nossos entes queridos; estar na presença daqueles
que não gostamos; não obter aquilo que desejamos; os Cinco Agregados.
Paramita: significa "aquilo que alcançou a outra margem", mais
comumente traduzida como "perfeição".
Percepção: ato da memória ou reconhecimento; interpretação.
Raiva: um dos Três Venenos. Ser incapaz de suportar o objeto, ou ter a
intenção de causar algum mal ao objeto. A raiva é definida como aversão
com um forte exagero.
Realização: experiência estável de qualquer qualidade mental positiva,
como por exemplo, o amor, a renúncia ou a sabedoria.
Renúncia: a atitude de total desapego das experiências do samsara, por ver
que não há satisfação ou prazer verdadeiros nessas experiências. A
determinação de estar livre de todos os problemas e sofrimentos da
Existência Cíclica.
Sabedoria: Diferentes níveis de visão da natureza da realidade.
Samsara: existência cíclica - é o ciclo ininterrupto de mortes e
renascimentos aos quais os seres estão presos, caracterizado pelo contínuo
estado de sofrimento.
Seis Paramitas: verdades transcendentes que embasam e guiam a prática
de um bodhisattva, por vezes chamadas de "Seis Perfeições": (1)
Generosidade, (2) Disciplina (ética), (3) Paciência, (4) Esforço (entusiástico),
(5) Meditação e (6) Sabedoria.
Seis Reinos: No Budismo há um ensinamento que diz que há Seis Reinos
de existência. O reino dos deuses, semideuses, humanos, animais, fantasmas
famintos e os infernos.
Sensação: A qualidade de prazer, desprazer, ou neutra, que ocorre com
cada contato nos sentidos.
Shastra: Comentários explicativos dos sutras escritos pelos eruditos
budistas.
Sofrimento: Qualquer condição insatisfatória, dor física ou mental, e todas
as situações problemáticas.
Sutra: De forma geral são escrituras canônicas que são tratadas como
registros dos ensinamentos orais de Buda Gautama.
Theravada: A Escola dos Anciãos", refere-se a uma das tradições do
Budismo existentes hoje em dia.
Três Cestos: Os ensinamentos de Buda. As três divisões do Dharma:
Vinaya (disciplina), Sutra (discursos) e Abhidharma (metafísica).
Três Joias: também conhecida por Três Tesouros, Três Refúgios, ou Gema
Tripla, são as três coisas nas quais os budistas procuram a salvação e
orientação, num processo conhecido como tomar refúgio. São elas: Buda,
Dharma e Sangha.
Três Sofrimentos: O sofrimento do sofrimento; o sofrimento da mudança;
o sofrimento que permeia tudo.
Três Venenos: Segundo a doutrina budista, são três os fatores que
envenenam a humanidade e a encaminham para o erro – raiva (ou aversão),
apego (ou desejo), ignorância.
Tripitaka: Metaforicamente “os Três Cestos de Flores”, é o conjunto da
doutrina budista. Cada um dos cestos refere-se a uma parte do pensamento e
prática do Budismo. O primeiro cesto é o Cesto dos Sutras, que agrupa os
ensinamentos do próprio Buda, através de uma série de diálogos e sermões
coletados por um dos seus discípulos. O segundo cesto é o Cesto do Vinaya,
onde estão reunidas as regras disciplinares a que estavam obrigados a seguir
todos os que fazem parte da comunidade monástica, a Sangha. O núcleo dos
dois primeiros cestos é contemporâneo do próprio Buda. O terceiro cesto é o
Cesto dos Abhidharma, ou textos filosóficos que têm como foco a
transmissão do Budismo.
Vacuidade: A ausência de todas as falsas ideias sobre como as coisas
existem; especificamente, a ausência da autoexistência aparente e
independente dos fenômenos.
Vajrayana: Veículo de Diamante, também é chamado de mantrayana,
tantrayana, budismo esotérico ou tântrico.

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