orzn0%8 ‘Assassinos culturais- 28/08/2018 - JoBo Perera Coutinho - Folha
FOLHA DE S.PAULO
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Joao Pereira Coutinho (/cotunas/joaopereiracoutinho/)
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Assassinos culturais
Para a nova geracao, experiéncia cultural vale mais do que a posse de objetos
28.ago.2018 as 2h00
(B_EDIGAO IMPRESSA (tps: vm folha uolcombr/fsp/facsimile/2018/08/28/)
Angelo Abu/Folhapress
Sou um assassino cultural. Nao faa essa cara. Vocé também é. Eu sei que é
romAntico chorar quando uma livraria fecha as portas. Nao sou alheio a
essas lagrimas.
Pitpsiwav* flha.uol.com.brfcolunas/jo2opereiracoutnno/20 18/08/assassinos-culuraisshiml 1orrzr018 ‘Assassinos culturais- 28/08/2018 - JoBo Perera Coutinho - Folha
Mas convém nao abusar do romantismo —e da hipocrisia. Fomos nés que
matamos aquela livraria ¢ o crime nao nos pesa muito na consciéncia.
Falo por mim. 0s livros fisicos que entram l4 em casa sao cada vez, mais
ofertas —de amigos ou editoras.
De vez em quando, mais por razées estéticas que intelectuais, ainda cedo ao
vicio, sobretudo na ficco. Mas € um vicio caro, cansativo, redundante. Ja nao
tenho 20 anos.
Aos 20, quando viajava por territérios estranhos, entrava nas livrarias locais
como um faminto na capoeira. Comprava tanto e carregava tanto que
desconfio que o meu problema de ciatica é, na sua esséncia, um problema
livresco. Hoje?
Gosto da flanerie. Mas depois, em gesto que horroriza qualquer erudito,
fotografo capas com o meu celular antes de regressar para o diva. fi no
conforto doméstico que expresso os meus desejos ao psicanalista —o
famoso dr. Kindle—, esperando uma cura imediata. Que sempre vem.
Culpado? Um pouco. E em minha defesa sé posso afirmar que pago pelos
meus vicios. Nao sou como alguns leitores que, em sessdes de aut6grafos, ja
me apresentaram fotocépias dos meus livros para eu assinar.
Entenda: nao é 0 abuso e o roubo que me perturbam. £ a inteligéncia deles.
Se séo meus leitores e procedem dessa forma, o que é que isso diz sobre mim
como autor?
E quem fala em livrarias, fala em todo o resto, Eu nao matei apenas a
Borders, por exemplo, Eu ajudei a matar a Tower (nisin com/wnanswyRecords
(enipsfothacomewhansiay @ & Virgin tps ww flhavlcom.br/mercado/2013/01/1221052-ja-de-dvdsvira
artigo-aro-na-europa.shtm) Megastore (https: www folhauol.combr/mercada/2013/01/1221052.Lja-de-dvds-vira
drigo:nvonaeuropasitn). Havia lé dentro uma bizarria chamada CD —vocé se
lembra?
Hoje, com o Spotify, tenho uma espécie de discoteca de Alexandria onde
escuto os meus classicos e descubro novos classicos —todos os dias, a todas
as horas.
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Se juntarmos ao pacote os filmes do iTunes e as séries da Netflix, vocé
percebe por que motivo eu também tenho o sangue dos cinemas e dos
blocksbusters nas maos.
Eis a realidade: vivemos a desmaterializagao da cultura como nossos
antepassados viveram a revolucao da impressao com Gutenberg.
Mas néo é apenas a cultura que se desmaterializa, deixando mais vazias
no:
proprietarios de "coisas"; somos apenas consumidores e, palavra importante,
assinantes.
s salas e estantes. E a nossa relacao com ela. Nao somos mais
Um livro recente, que obviamente comprei via Kindle, analisa o fendmeno
sem abusar do jargio técnico: "Subscribed", de Tien Tzuo. £ uma reflexao
sobre a “economia de assinaturas’ que conquista a economia global.
Conta o autor que mais de metade das empresas que apareciam na famosa
lista das 500 da Fortune jé nao existiam em 2017. 0 que tinham em comum?
0 objetivo meritério de vender "coisas" —muitas coisas, para muita gente,
como sempre aconteceu desde os primérdios do capitalismo.
Pelo contrario:
as empresas que sobreviveram e as novas que entraram na
lista souberam
e adaptar a economia digital, vendendo servicos (ou, de
forma mais precisa, acessos).
A Netflix, que até 2007 vendia DVDs, optou sensatamente pelo streaming e
conseguiu 120 milhdes de assinantes em 11 anos. Ao mesmo tempo,
revitalizou a industria, manteve os profissionais em atividade —e ofereceu-
nos "House of Cards” (https:/olha.com/wrpsigto), "Peaky Blinders" ou "Alias Grace”
(https: www fotha ual com-br /clunas/lucianacoetho/2017/11/1934606-serie-alas-grace-tem-heroina-sob-medida-para-a
era.weinstein shtm)).
Spotify, que surgiu quando a industria discografica afundava sem hipotese
de salvacdo, representa agora mais de 20% das receitas.
Claro que na mudanca algo se perde —e eu, de temperamento conservador,
sei disso. O desaparecimento das livrarias, que nao acredito que seja total no
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