Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
No entanto, é fato visível inclusive pela grande indústria cinematográfica que o novo
milênio abre com a emergência de cineastas africanos, em conjunto com uma onda de
jovens cineastas afrodescendentes, por toda a diáspora, a promover um despertar de
atitudes e ideologias que se alastram, reforçam e sustentam uma forte adesão
identitária com caráter profissional, emocional e ético, cuja tendência aponta para a
constituição de mudanças políticas tanto na estética como no mercado. Sem dúvida,
que, uma tal condição perturba a ordem discursiva vigente no campo do cinema, o que,
gradativamente, se manifestará em projeto político no campo do imaginário destas
populações. Identificamos estas ocorrências ao longo das lutas anti-coloniais na África,
na segunda metade do século XX, às lutas pela igualdade cidadã, ações afirmativas e
reparações, conforme mais recentemente por toda a diáspora nas Américas e Europa.
Assim, onze anos depois, o resultado transparece na proeza de mobilizar, fora do eixo
midiático predominante, nacional e internacionalmente, aquela multidão de jovens
negras e negros devotados a integrarem profissionalmente o campo do audiovisual com
propostas transformadoras para o mercado e ainda com a oportunidade de ouvir
profissionais de origem africana e de outros países do contexto da diáspora. E,
sobretudo, desenvolve em perspectiva comparada exibição de vários trabalhos de
diretores africanos sobre o que é fazer Cinema Contemporâneo com repercussão
Mundial. O objetivo é também provocar a reflexão sobre a formação, o modo de
produção e disseminação da imagem do negro pelos cineastas e profissionais do audio
visual. Trata-se, a partir desta perspectiva, de um projeto de re-educação etnopolítica
que, implicitamente, pauta o reconhecimento e valorização do aspecto humano do ser
negro no modo atual, em especial, por intermédio do cinema.
Esta é uma das atribuições de uma instituição pública de ensino superior. E o Centro
Afro Carioca de Cinema e o LEECCC-UFF já se preparam para o 11º Encontro, para 2019,
fundamental no momento em que vivemos para o aprofundamento da reflexão e
demonstração das realizações no campo do audiovisual em pleno território de disputas
de narrativas restauradores das condições de máxima precariedade e subordinação das
populações afrodescendentes.
E qual teria sido a relevância de todo este processo de produção e da realização deste
Encontro? Neste 10º Encontro, realizado 11 anos depois do primeiro, todas as
expectativas foram superadas. O número inédito de 180 obras recebidas para inscrição,
das quais 76 foram selecionadas, foi marcante, sobretudo pelo fato de a presença de
mulheres negras foi esmagador, com 29 filmes, entre curtas e longas metragens. Os
curadores do evento, Joelzito Araújo e Janaina Oliveira, imprimiram um tom estendido
ao projeto em relação aos dos anos anteriores, ao incluírem convidados internacionais
que revitalizaram em grande estilo a conexão África, Brasil e Caribe, bem como
trouxeram novas reflexões de fundo político, estético e conceitual po intermédio não
somente de filmes mas também de debates e master classes. Assim foi com a presença
de Manthia Diawara, crítico, cineasta e scholar renomado, professor titular da Escola de
Cinema da New York University. Nascido no Mali mas radicado nos EU, Diawara possui
uma obra de referência tanto para o cinema negro como para o cinema etnográfico, em
especial pelo sua obra em permanente diálogo crítico e elegantemente des-construtivo
de Jean Roush.
Foram, na verdade, 10 dias transcorridos com muita luz, ação, conhecimento e emoção
inundando as salas do Odeon, do Mar, do Centro Cultural da Justiça Federal, todos no
Rio, e do Centro de Artes da UFF, em Niterói. Um verdadeiro desafio ao regime de
visualidades vigente ao mobilizar e engajar uma multidão de jovens e potentes cineastas
negros e uma plateia extremamente politizada e participantes, sementes que vingam
depois de uma década de sementes plantadas neste chão do audiovisual afro-brasileiro.