Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
RESUMO
O presente artigo científico busca estudar os princípios da insignificância e da
irrelevância penal do fato sob o prisma do delito de roubo. Expõe os entendimentos
doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema. A pesquisa bibliográfica foi a
metodologia usada, bem como exames a documentos indiretos referentes ao
assunto. Ficou evidenciado que, parte considerável da doutrina e jurisprudência
entende pela não aplicação de ambos os princípios ora analisados no caso do delito
de roubo, existindo uma minoritária parcela que infere de maneira contrária.
Constatou-se que, no caso do princípio da insignificância, entende esta última
corrente que, pelo fato do roubo ser um delito complexo e que tutela dois bens
jurídicos (patrimônio e liberdade individual), não será possível falar no citado crime
quando está ausente a ofensa a um desses bens, podendo haver a desclassificação
deste para outro delito que seja mais pertinente. Já quanto ao princípio da
irrelevância penal do fato, a corrente minoritária entende que, dependendo do caso
sob análise e tendo em vista o princípio da necessidade da pena, pode haver a não
aplicação desta, nos ditames do artigo 59 do Código Penal.
ABSTRACT
...
INTRODUÇÃO
1
Bacharelanda em Direito pela Universidade Potiguar – UNP. E-mail: talithamarc@hotmail.com
2
Professor Orientador da Universidade Potiguar – UNP. E-mail: emmanoel.unp@gmail.com
De acordo com o posicionamento da doutrina majoritária, temos que, não será
possível utilizar o princípio da insignificância (excludente da tipicidade material do
fato) no que se refere ao crime de roubo, pois, por se tratar de delito em que
necessariamente temos a incidência da violência ou grave ameaça à pessoa, não há
que se falar em conduta ínfima, desprovida de lesividade. Ademais, outro fator de
suma importância para a não aceitação ora discutida é a afetação da liberdade do
indivíduo que, originariamente, já é considerada de extrema relevância para o Direto
penal.
3
Carlos Vico Mañas apud BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus nº 184.556/ MS.
Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgamento: 13/08/2013, Publicado
no DJ de 22/08/2013. Disponível em HTTP://www.stj.jus.br. Acesso em: 22 abril 2014.
4
Segundo GOMES (2013, p. 51), o termo princípio da bagatela foi nomeado por TIEDMANN (em
JUS, p. 108-113) já a denominação princípio da insignificância foi dada por ROXIN (Kriminal-politik
und Strafrechtssystem, 2. Ed., 1973, p. 24, em JUS, 1964).
5
Wesley Costa de Oliveira. Princípio da insignificância e sua aplicação nas ações penais ambientais.
Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=4154>. Acesso em: 22 de
abril de 2014.
Noutro pórtico, segundo Bitencourt (2012, p. 60) o citado princípio da
insignificância foi primordialmente defendido por “Claus Roxin em 1964, que voltou a
repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema Del Derecho Penal, partindo do
velho adágio latino mínima non curat praetor”.
Desta feita, podemos concluir que o Direito Penal é considerado ultima ratio,
ou seja, só deve ser aplicado quando a necessidade for excepcional, quando o
controle social não mais tiver eficácia.
6
1991 apud LIMA, 2012, p. 131.
7Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Disponível em <
http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/mla_MA_19926.pdf>. Acesso em 19 de abril de 2014.
8
Carlos Vico Mañas apud BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus nº 184.556/ MS.
Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgamento: 13/08/2013, Publicado
no DJ de 22/08/2013. Disponível em HTTP://www.stj.jus.br. Acesso em: 22 abril 2014.
Segundo leciona Heleno Cláudio Fragoso (2003 apud SANCHES, 2014, p.
72):
Logo, por tudo até aqui explicitado, é de suma relevância que haja uma real
conformidade no que diz respeito à conduta punível e a intervenção do Estado.
[...]
Logo, é certo que, a conduta será considerada antinormativa pelo fato de não
ser imposta ou fomentada pelo direito penal e a tipicidade material está relacionada
a “se a conduta representa relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico”.10
9
Zaffaroni, 2004, p. 436.
10
Sanches, 2014, p. 72.
11 Bonfim ; Capez apud BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus nº 184.556/ MS.
Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, Julgamento: 13/08/2013, Publicado
no DJ de 22/08/2013. Disponível em HTTP://www.stj.jus.br. Acesso em: 22 de abril 2014.
Conforme elucida Gomes (2013) se um fato é insignificante ele é formalmente
típico, porém não há que se falar em tipicidade material. Ressalta ainda que, a
tipicidade formal que é composta da conduta, do resultado naturalístico, nexo de
causalidade e da adequação do fato à letra da lei, não exaure a composição global
da tipicidade penal, posto que, é necessária a observância da dimensão material
(desaprovação da conduta e desaprovação do resultado jurídico) para que haja
completude deste.
12
O Supremo Tribunal Federal reconheceu em 29.06.2004 a aplicação do princípio da insignificância
no Direito penal quando concedeu Medida Cautelar no Habeas Corpus 84.412-0/ SP. Relator: Min.
Celso de Mello, Segunda Turma. Julgamento: 19/10/2004. Publicado no DJ de 19/11/2004.
Disponível em HTTP://www.stf.jus.br. Acesso em: 22 de abril 2014.
13
Sanches, 2014.
O princípio da insignificância “é o que permite não processar condutas
socialmente irrelevantes, assegurando não só que a Justiça esteja mais
desafogada, ou bem menos assoberbada, senão permitindo também que
fatos nímios não se transformem em uma sorte de estigma para seus
autores. Do mesmo modo, abre portas para uma revalorização do direito
constitucional e contribui para que se imponha penas a fatos que merecem
ser castigados por seu alto conteúdo criminal, facilitando a redução dos
níveis de impunidade. Aplicando-se este princípio a fatos nímios se fortalece
a função da Administração da Justiça, porquanto deixa de atender fatos
mínimos para cumprir seu verdadeiro papel. Não é um princípio de direito
processual, senão de Direito penal.
Assim sendo, por tudo posto, sabe-se que, somente o caso concreto dirá se é
possível a aplicação ou não desse princípio, não havendo como taxar, através de
uma conceituação, quando obrigatoriamente será este observado.
De acordo com Greco (2011), o supracitado princípio teria uma dupla função. A
primeira seria de descartar condutas que a sociedade aceitasse e entendesse como
adequadas. A segunda função seria direcionada ao legislador e desta poderíamos extrair
duas vertentes: a) quando o legislador, na busca de salvaguardar os bens mais
importantes, for eleger condutas que serão proibidas, não poderá reprimir estas caso
sejam consideradas socialmente adequadas. Serviria o princípio da adequação social
como uma direção a ser seguida; b) já a segunda vertente teria o propósito de fazer com
14
Diomar Ackel Filho apud REBÊLO, José Henrique Guaracy. Breves considerações sobre o princípio
da insignificância. Disponível em: http://daleth.cjf.jus.br/revista/numero10/artigo7.htm. Acesso em:
22 de abril de 2014.
que o legislador repensasse os tipos penais e, além disso, revogasse aqueles que se
adaptaram fielmente à evolução da sociedade.
[...]
15
No mesmo sentido temos o entendimento de Gomes (2013, p. 187) cuja “A adequação social é causa
supralegal de exclusão da tipicidade”.
16
Capez, 2012, p. 32.
Registre-se o que ensina o mestre Francisco de Assis Toledo17, em sua obra
"Princípios Básicos de Direito Penal" - Ed. Saraiva - 4a ed. - 1991 - p. 132:
Assim sendo, segundo este princípio uma conduta será entendida como atípica
se estiver amparada pelo que o meio social entende como adequado (aquilo que não é
proibido pela cultura, costumes, entre outros), deixando então de ser injusta, e, acentue-
se, desde que não seja contrário ao que preceitua a Carta Magna, pois, segundo Gomes
(2013, p.188) “a adequação social está subordinada à democracia material, ou seja, sua
incidência tem que respeitar os direitos e garantias fundamentais das pessoas”.
17
Francisco de Assis Toledo apud BRASIL, Tribunal de Justiça de Minhas Gerais, APELAÇÃO
CRIMINAL N° 1.0351.02.012773-1/001. Relator: Exmo. Sr. Des. Alexandre Victor de Carvalho -
Relator para o acórdão: Exmo Sr. Des. Hélcio Valentim. 5ª Câmara Criminal. Julgamento:
03/10/2006. Publicação: 10/11/2006. Disponível em < http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 de abril
de 2014.
alguma para a seara penal, posto que, não se vislumbra uma ação ou resultado, ou
até mesmo ambos, que tenham relevante desvalor. Neste caso, estaríamos frente a
uma clara aplicação do princípio da insignificância.
18
GOMES, 2013, p. 21.
19
GOMES, Op. Cit., p. 28.
20
Entende-se que o princípio da irrelevância penal do fato foi introduzido no ordenamento jurídico
pátrio pelo penalista Luiz Flávio Gomes.
irrelevância penal do fato, assim, cabe ao juiz, ao averiguar a responsabilidade penal
do indivíduo diante de um caso concreto, deixar de aplicar a pena.
Fazendo uma análise, ainda que perfunctória, dos critérios que distinguem o
princípio da insignificância do princípio da irrelevância penal do fato, temos o
entendimento de Gomes (2013) acerca do tema.
21
Código de Processo Penal. Art. 397: Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos,
deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: [...] III - que o fato
narrado evidentemente não constitui crime [...].
pena no caso concreto, ou seja, há uma subjetivação dos critérios determinantes de
aplicabilidade deste princípio, ademais, implica em abertura e regular
desenvolvimento do processo criminal, ficando a cargo do juiz, em sentença,
dispensar a aplicação da pena fundamentadamente (tendo como base o art. 59, do
Código de Processo Peal), visto que esta se tornou desnecessária.
A não punição concreta do fato, nesse caso, não chega a afetar o seu
aspecto preventivo geral, desde que o juiz demonstre a justiça (no caso
concreto) da não incidência da pena, tendo em conta tudo quanto o sujeito
já padeceu e tudo quanto ele representa em termos positivos (falta de
antecedentes, primário, profissão certa, indenização em favor da vítima,
assistência total e absoluta para ela etc.).
[...]
22
Processo Nº 0102585-15.2011.8.20.0002, que está tramitando perante a 2ª Vara Criminal do
Distrito Judiciário da Zona Norte da Comarca de Natal – Rio Grande do Norte. Disponível em
<http://esaj.tjrn.jus.br>. Acesso em: 06 de abril de 2014. (Até o fechamento desse artigo o
processo ainda estava em tramitação).
campo da insignificância, justamente por serem estes característicos de outro
princípio, qual seja, o da irrelevância penal do fato.
[...]
[...]
23
GOMES, 2013, p.30.
24
GOMES, 2013, p.44-45.
25 Ibidem. p. 47.
Tratando-se de “roubo”, que envolve bens jurídicos sumamente importantes
(integridade física, liberdade individual etc.), pode ter incidência o princípio
da irrelevância penal do fato (se presentes todos os seus requisitos). 26
26
Ibidem. p. 48.
27
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência
a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena
- reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
Precedentes do STJ." (HC148.544/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, DJe13/12/2010.) [...].28
28
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, HABEAS CORPUS Nº 238.990 – SP, Relator: Ministra
LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 18/04/2013, Quinta Turma, Disponível em:
HTTP://www.stj.jus.br. Acesso em: 24 abril 2014.
29
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro
anos, e multa.
30
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver
reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a
fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
31
MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada. Apelação Criminal. Processo n. 2.0000.00.350097-4/000.
Relator: Des. Erony da Silva. Data do julgamento 04/12/2001. Data da publicação: 15/12/2001.
Disponível em: <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 de abril de 2014.
inconstitucional, por ferir o princípio da individualização das penas, mas também
injusta”.
Para o relator, não há que se falar em não aplicação da pena, mas é preciso
lembrar-se do requisito da moderação. Já que estaremos diante de um caso em que
haverá uma desproporção entre a pena e a conduta reprovável. Visto que, “Se
pensarmos no Estado como um ente orgânico, chegaremos à conclusão de que os
efeitos colaterais do remédio social imposto (pena) certamente são muito mais
graves do que a própria doença (crime)”.
[...]
A violência exercida tanto no caso dos autos, quanto nos exemplos citados
é exatamente a mesma. A única diferença que justifica uma maior apenação
no caso do segundo exemplo é a relevante ofensa ao patrimônio da vítima o
que não ocorreu nem no primeiro exemplo, nem no caso ora em análise.
Sabendo que o roubo é um delito complexo e que tutela dois bens jurídicos,
quais sejam o patrimônio e a liberdade individual, elucida o Douto Desembargador
que não será possível falar em roubo quando está ausente a ofensa a um desses
bens, o que, no caso em análise, seria o primeiro.
32
Art. 5º, XLVI, da CF/88 - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as
seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social
alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.
Para o relator a palavra que melhor resume a compreensão do princípio da
insignificância é suportável, ou seja, não estamos falando de uma conduta que seja
aplaudida pela sociedade, mas que o “Estado se vê obrigado a suportar em razão da
evidente desproporção entre a conseqüência legal prevista (pena) e o
comportamento indesejado”.
33
O voto proferido pelo Relator foi acompanhado integralmente pelos demais componentes da Turma
Julgadora - Alexandre Victor de Carvalho (Revisor) e Maria Celeste Porto (Vogal).
34
MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, Apelação Criminal N° 1.0713.07.075999-6/001. Relator:
Desembargador Alexandre Victor de Carvalho. Data do julgamento: 28/10/2008. Data da publicação:
10/11/2008. Disponível em <http://www.tjmg.jus.br>. Acesso em 24 de abril de 2014.
Tendo como base o princípio da lesividade, entendeu, na relatoria do recurso,
o Senhor Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, que deveria prosperar a
pretensão aduzida pela defesa.
[...]
35
MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, Embargos de Declaração Criminal N° 1.0702.08.540660-
2/002. Relator: Desembargador Alexandre Victor de Carvalho. Data do julgamento: 14/06/2010.
maço de cigarros e um isqueiro, o Senhor Desembargador Alexandre Victor de
Carvalho, quando Relator, posicionou-se no mesmo sentido de outrora, qual seja
“Não havendo lesividade relevante ao patrimônio da ofendida, ocorre a
descaracterização do crime complexo de roubo, pelo que o artigo 157 do Código
Penal não pode ser aplicado”, vejamos a ementa deste:
37
Código de Processo Penal, artigo 621 – A revisão dos processos findos será admitida: I- quando a
sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II-
quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos
comprovadamente falsos; III- quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência
do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial de pena.
Ora, sob essa ótica, privilegia-se, apenas, o objetivo reabilitador da sanção
penal. Onde ficam os objetivos da retribuição e da prevenção?
Por fim, votou pelo indeferimento da revisão criminal, pois o Estado não
poderia olvidar o seu “direito de punir”.
Assim sendo, conclui-se que, não há regra que defina o que é irrelevante ou
não para ser analisado sob o prisma do princípio da necessidade da pena, seria
necessário uma análise do contexto fático concreto, pois, ressalte-se, algumas
vezes, os males advindos de um sistema prisional falido, como é o caso do
brasileiro, podem ser ferrenhos, além de não cumprir com o necessariamente ao que
se propõe, qual seja, a ressocialização daquele que nele se encontra.
CONCLUSÃO
Este último princípio tem em vista questões como o falido sistema prisional
brasileiro e a liberdade humana.
REFERÊNCIAS