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DE ESCRITA
FILOSÓFICA
Departamento de Filosofia
Graduação em Filosofia
apoio PROACAD
Escrever ensaios filosóficos é um exercício de diálogo em, pelo menos, dois sentidos. Por
lugar, por pessoas que você conhece mais ou menos bem, que lhe permitem, inclusive, discutir
filosofia tomando um café ou bebendo uma cerveja, como seu colega de sala de aula, seu professor
ou amigos recentes de um congresso. Em segundo lugar, esse diálogo é composto por seres
históricos, que você “ressuscita” em toda leitura de uma obra clássica - são, na feliz expressão de
Robert Brandom, os “mortos-vivos” da filosofia. Todo debate filosófico interessante é uma parte de
uma longa, geralmente milenar, conversa entre pessoas de diferentes tempos e lugares. Para
o que outras pessoas já disseram sobre o mesmo assunto, não só para reproduzir suas posições,
quando for o caso, mas sobretudo para poder compará-las, avaliá-las e tomar posição própria a
respeito delas. Portanto, escrever não é, por mais paradoxal que possa soar, um ato solitário. É um
momento de reunião com pessoas de nosso imaginário social, que envolve conflito e conciliação.
Por outro lado, há o diálogo consigo mesmo. Nenhuma ideia filosófica importante é
obviamente falsa ou obviamente verdadeira; quando assim parece, é porque alguém está tratando-as
com despreparo e superficialidade. Se quisermos escrever algo de valor sobre uma ideia filosófica,
precisamos assumir a dupla responsabilidade de sermos sinceros sobre nossa posição a respeito dela
e de sermos generosos na compreensão das posições que divergem da nossa. Nada disso é trivial;
nada disso é fácil de realizar. Várias habilidades devem ser cultivadas e simultaneamente
mobilizadas para se obter bons resultados. Aprender a escrever ensaios filosóficos requer tempo,
técnica e prática.
O objetivo dessas oficinas é lhe auxiliar em um aspecto específico, mas crucial, desse
aprendizado - o aspecto prático. Há muita bibliografia de qualidade acessível sobre as técnicas para
se escrever textos argumentativos. Consultá-la e estudá-la ajuda bastante, mas só até certo ponto.
Pois escrever ensaios é um saber predominantemente prático e o que faz a diferença, nesse casos, é
a prática continuada e sistemática. Somente com a prática insistente, através de erros e acertos,
obtemos conhecimento do que significa ser claro e conciso, dos recortes necessários para a escrita
de um artigo sobre determinado problema ou dos atalhos que podemos tomar para reconstruir um
bicicleta, desenhar ou cozinhar. Não basta sabermos o que fazer, precisamos saber como fazer.
Essas oficinas de escrita filosófica lhe oferecem um espaço e um momento do dia em que
você poderá fazer isso através de uma imersão conjunta com seus colegas. Mas elas proporcionam,
sobretudo, um caminho simples, para que os resultados da prática manifestem-se com mais rapidez
e possam aperfeiçoar-se ao longo do tempo. Esse caminho consiste, basicamente, em adotar como
modelo de escrita uma estrutura básica de ensaio filosófico e mostrar, a partir de exemplos, como
cada elemento dessa estrutura pode ser construído. Caberá a você se familiarizar com essa estrutura
e imitar os bons exemplos para bem preenchê-la. Naturalmente, com o tempo e a prática persistente,
você poderá trabalhar com estruturas mais complexas e construir textos cada vez mais originais.
Para fins didáticos, a estrutura básica de ensaio argumentativo adotada aqui possui cinco
partes: (1) a formulação do problema e da tese filosófica; (2) a elaboração dos argumentos para
sustentar a tese; (3) a demonstração de que os argumentos usados são válidos; (4) a demonstração
de que as premissas são verdadeiras e (5) a exposição dos resultados obtidos e desdobramentos
possíveis. Nessa primeira edição das oficinas, a carga horária disponível não permitirá abordar cada
uma dessas partes e, por isso, decidimos concentrar os esforços em exercícios para a primeira parte,
que trata da elaboração precisa de uma questão filosófica e da exposição clara da posição a ser
adotada, no ensaio, diante dela. E, mesmo com essa restrição, não haverá tempo para contemplar,
durante as oficinas, tudo aquilo que é relevante para se explorar um tema filosófico, de modo a
identificar uma questão sobre a qual tomar posição e dissertar. Mas é preciso começar de algum
ponto e essa primeira parte talvez seja, dentre aquelas cruciais para a produção de bons ensaios
filosóficos, a que recebe menos atenção ao longo dos cursos de graduação em Filosofia.
A formulação do problema e da tese em 14 passos
[1] Qual o tema do texto que você está lendo? Qual o tema que você quer tratar? Você consegue
[2] Quais os principais conceitos que fazem parte desse tema? Tente estabelecer uma relação
ordenada e coerente entre eles. Guarde esse esboço para compará-lo mais adiante.
[3] Tente delimitar ainda mais o tema a partir de um problema filosófico específico. Escolha apenas
[4] Dê especial atenção ao verbo do problema. Ele indica a principal atividade de seu texto. Você
[5] O problema formulado deixou mais claro o esboço do passo [2]? Faça novas revisões e ajustes
[6] Que autores (clássicos e contemporâneos) abordam esse mesmo problema? Eles formulam o
problema de outro modo? Se sim, é possível ajustar o problema inicialmente formulado para
estabelecer um debate?
[7] Qual a tese que responde a esse problema? Tente enunciá-la em uma frase curta e clara apenas
[8] Há outras respostas ou respostas antagônicas a sua formulação? Coloque-as em uma lista.
[9] O que há de controverso entre as respostas? Elenque os diferentes pontos controvertidos, como
[10] Quais os pontos fortes e os pontos fracos de cada uma das respostas (ou de cada conjunto de
respostas)?
esclarecimento ou aprimoramento?
[12] Determine o objetivo do texto com base na resposta à questão (sua tese).
[14] Antecipe-se: exponha, de maneira direta e clara, a conclusão do seu texto, isto é, as
interpretaram essa afirmação como _________.; outras enfatizaram o fato de que _____________”.
“Nas discussões sobre __________, um ponto controverso é __________. Por um lado, ______
argumenta que __________. Por outro lado, _______ afirma que __________. Há inclusive quem
“Quando se pensa a respeito de ________, a maioria de nós concorda que _______. No entanto,
essa concordância geralmente se dissipa quando se toca na questão do(a) ___________. Pois,
enquanto algumas pessoas estão convencidas de que ______, outras acreditam que _______”.
Exemplos de formulação do problema e da tese filosófica
Neste capítulo nos perguntaremos se existe num sentido qualquer algo como a matéria. Existe
uma mesa que tem certa natureza intrínseca e que continua a existir quando não a estou olhando, ou
a mesa é simplesmente um produto de minha imaginação, uma visão-de-mesa num sonho muito
prolongado? Esta questão é da maior importância. Pois …
Antes de nos envolvermos em questões duvidosas, tratemos de encontrar um ponto mais ou
menos fixo de onde partir. Apesar de...
[...]
Assim, é de nossos pensamentos e sentimentos particulares que temos uma certeza primitiva.
E isto se aplica aos sonhos e alucinações assim como às percepções normais: quando sonhamos ou
vemos um espectro, certamente temos as sensações que pensamos ter; mas por várias razões
consideramos que nenhum objeto físico corresponde a tais sensações. Assim, a certeza de nosso
conhecimento a respeito de nossas próprias experiências não deve ser limitada pelo reconhecimento
de casos excepcionais. Temos aqui, por conseguinte, no domínio de sua validade, uma sólida base a
partir da qual começar nossa busca do conhecimento.O problema que temos que considerar é este:
admitindo que estamos certos dos nossos dados dos sentidos, temos alguma razão para considerá-
los como sinais da existência de alguma outra coisa diferente, que podemos denominar de objeto
físico? Quando tivermos enumerado todos os dados dos sentidos que podemos naturalmente
considerar em conexão com a mesa, teremos dito tudo o que se pode dizer sobre a mesa, ou existe
ainda algo a mais - algo que não é um dado dos sentidos e que persiste quando saímos do aposento?
AGOSTINHO, Santo. O Livre-Arbítrio. São Paulo: Paulus, 1995, 2a. ed. Tradução de Nair de Assis
Oliveira.
O discurso sobre construção social está na moda. Mas o que significa e qual o seu propósito?
A ideia central parece razoavelmente clara. Dizer que algo é socialmente construído é dar
ênfase à sua dependência relativamente a aspectos contingentes da nossa existência social. É dizer:
isso não poderia ter existido se não o tivéssemos construído; e não precisávamos de o ter
construído, de modo algum, pelo menos não na sua forma presente. Se fôssemos outro tipo de
sociedade, tivéssemos outras necessidades, valores ou interesses, poderíamos muito bem ter
construído algo de tipo diferente, ou construído essa mesma coisa diferentemente. O contraste
inevitável se dá com um objeto que existe naturalmente, algo que existe independentemente de nós
e em cuja formação não tivemos intervenção.
Há certamente muitas coisas, e fatos acerca dessas coisas, que são objeto de construção social
no sentido especificado por essa ideia nuclear: o dinheiro, a cidadania e os jornais, por exemplo.
Nenhuma dessas coisas poderia ter existido sem a sociedade e cada uma delas poderia ter sido
construída de modo diferente, se o tivéssemos decidido.
Entretanto, como Ian Hacking corretamente observa na sua recente monografia, The Social
Construction of What? (1999), o discurso sobre a construção social é frequentemente aplicado não
só a itens mundanos — coisas, tipos e fatos — mas também às nossas crenças acerca desses itens.
Considere o livro The Social Construction of Women Refugees (1992), de Helene Moussa.
Claramente, a intenção que preside ao livro não é a de insistir no fato óbvio de que algumas
mulheres se tornam refugiadas em virtude de acontecimentos sociais. Ao invés, a ideia é denunciar
o modo pelo qual uma crença particular foi moldada por forças sociais: a crença de que há um tipo
particular de pessoa — a mulher refugiada — digno de ser distinguido de outros, a fim de receber
atenção especial.
O discurso sobre a construção social da crença, entretanto, exige algum desenvolvimento da
sua ideia nuclear. Pois é simplesmente uma verdade trivial acerca de qualquer crença que tenhamos
que não foi necessário termos acabado por adotá-la e que poderíamos não o ter feito caso fôssemos
diferentes do que efetivamente somos. Considere a crença que temos de que os dinossauros outrora
vaguearam sobre a Terra. Obviamente, não era inevitável que acabaríamos por chegar a ter essa
crença. Poderíamos nunca ter considerado essa questão. E, depois de a termos considerado,
poderíamos ter chegado a uma conclusão diferente por variadíssimas causas: poderíamos não estar
interessados na verdade; poderíamos não ter sido suficientemente inteligentes para descobrir a
resposta; poderíamos nunca nos ter deparado com os indícios relevantes (o registro fóssil).
Essas observações apresentam-nos diversos sentidos enfadonhos segundo os quais qualquer
crença pode ser considerada dependente de fatos contingentes acerca de nós. A questão importante
diz respeito ao papel do social, depois de todos esses fatores terem sido levados em consideração:
ou seja, mantendo fixas as nossas capacidades e inteligência, e dado o nosso interesse na questão e
o nosso desejo de descobrir a verdade acerca dela, e dada a nossa exposição aos indícios relevantes,
será que ainda precisamos de invocar valores sociais contingentes para explicar a razão de
acreditarmos que existiram dinossauros? Se a resposta for “Sim” — for verdade que outra
sociedade, diferindo da nossa somente nos seus valores sociais, teria chegado a uma crença
diferente e incompatível — então poderíamos afirmar que a nossa crença em dinossauros é uma
construção social.
É crucial, portanto, que por um lado se distinga entre uma afirmação construtivista quanto a
coisas e fatos e, por outro, uma afirmação quanto a crenças, pois se tratam de classes distintas de
afirmações e têm de ser justificadas de maneiras diferentes. A primeira corresponde à afirmação
metafísica de que algo é real mas criado por nós; a segunda corresponde à afirmação epistêmica de
que a explicação correta da razão por que temos uma dada crença particular tem a ver com o papel
que essa crença desempenha em nossas vidas sociais, e não exclusivamente com os indícios
apresentados em seu favor. Cada tipo de afirmação é interessante à sua própria maneira.
DELEUZE, Gilles. Logique du Sens. Paris: Les Editions Minuit, 1969.
A obra de Lewis Carroll tem tudo para agradar o leitor contemporâneo: são livros para
crianças, sobretudo para meninas; palavras esplêndidas, insólitas, esotéricas; tabelas, códigos e
decifrações; desenhos e fotos; um conteúdo psicanalítico profundo, um formalismo lógico e
linguístico exemplar. E, para além do prazer, algo a mais, um jogo de senso e contrasenso, caos e
cosmos. Mas as núpcias entre a linguagem e o inconsciente já foram organizadas e celebradas de
tantas maneiras diferentes que é preciso resgatar o que elas foram precisamente para Lewis Carroll,
com o que elas foram organizadas e celebradas nele, graças à ele.
Apresentamos uma série de paradoxos que formam a teoria do sentido. Que essa teoria não
seja separável dos paradoxos, explica-se facilmente: o sentido é uma entidade não existente; ele
estabelece inclusive relações bem particulares com o contrassenso. O lugar privilegiado de Lewis
Carroll vem do fato de que ele produz o primeiro grande relato, a primeira apresentação dos
paradoxos do sentido, seja reunindo-os, seja renovando-os, seja inventando-os, seja preparando-os.
O lugar privilegiado dos estóicos deriva do fato de que eles foram iniciadores de uma nova imagem
do filósofo, em ruptura com os pré-socráticos, com o socratismo e com o platonismo – e essa nova
imagem encontra-se já estreitamente ligada à constituição paradoxal da teoria do sentido. A cada
série correspondem, portanto, figuras, que são não apenas históricas, mas tópicas e lógicas. Como
sobre uma superfície pura, certos pontos de uma figura numa série remetem a outros pontos de
outra figura: o conjunto das constelações-problemas, com seus correspondentes jogos de dados, as
histórias e os lugares, um lugar complexo, uma ‘história complicada’ - esse livro é um ensaio de
romance lógico e psicanalítico.
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1953.
Observações Preliminares
Infinito é o número dos mundos físicos imagináveis, logicamente possíveis. Entretanto, a fantasia
neste campo.
experiência, que pelas próprias forças não consegue desviar-se delas um passo sequer. Somente a
forte pressão da refinada experiência científica logra libertar o pensamento humano das suas
[...]
A reviravolta à qual chegou a Física dos últimos anos no que concerne ao problema da
Por mais que se tenha filosofado acerca do determinismo e do indeterminismo, sobre o conteúdo, a
oferece a física dos quanta, dando-nos a chave que nos capacita a compreender o tipo de ordem
[...]
tarde, vale também quanto às reflexões por mim feitas há mais de dez anos atrás.
[...]
Cabe antes de tudo verificar o que o pesquisador da natureza entende ao falar de “causalidade”.
Quando emprega ele este termo? Evidentemente, toda vez que supõe haver uma “dependência”
Que significa, porém, “dependência”? Na ciência, em todo caso, ela é expressa sempre por uma lei.
Por conseguinte, a causalidade não passa de uma outra palavra para designar a existência de uma
lei.
O conteúdo do princípio da causalidade é constituído manifestamente pela afirmação de que tudo no
universo acontece segundo uma lei. É uma e mesma coisa afirmar a validade do princípio da
Para podermos formular o enunciado causal ou a tese determinística, impõe-se previamente definir
o que se deve entender por lei natural ou por “dependência” recíproca entre eventos da natureza.
Com efeito, somente depois de possuirmos clareza sobre o referido ponto, poderemos compreender
o sentido do determinismo, o qual afirma que todo acontecimento constitui membro de uma relação
causal, que todo processo ou evento em sua totalidade depende de outros processos ou eventos.
A distinção que acabamos de fazer coincide, quanto a seu objeto, com a estabelecida por H.
[...]
A mim parece mais simples e mais acertado caracterizar a mencionada diferença como distinção
Em que casos dizemos que um evento A “determina” um evento B, que B “depende” de A, que B se
prende a A através de uma lei? Que significam no enunciado “se ocorrer A, ocorrerá também B”, os
[...]
constitui o verdadeiro critério da causalidade, e isto no sentido prático, o único em que se possa
2017.
A generalização de uma prática leva, em alguns casos, à forte pressuposição de que ela conduz, ou pelo
menos conduziu em algum momento, a finalidades louváveis. Este é o caso quando a prática foi inicialmente
adotada, ou depois mantida, como um meio para tais finalidades, e se fundamentou na experiência do modo
pelo qual poderiam ser mais efetivamente alcançadas. Se a autoridade dos homens sobre as mulheres, quando
primeiramente estabelecida, tivesse sido o resultado de uma conscienciosa comparação entre diferentes
maneiras de constituir o governo da sociedade; se, depois de se tentarem vários outros modos de organização -
governo das mulheres sobre os homens, igualdade entre os dois, e tantos modos mistos e divididos de governo
quantos possam ser imaginados -, tivesse sido decidido, com testemunho da experiência, que o modo no qual
as mulheres estão totalmente sob o governo dos homens, sem participação nos assuntos públicos, e sendo cada
uma, em privado, obrigado a prestar obediência ao homem ao qual tenha associado seu destino, é o arranjo
mais propício para a felicidade e o bem-estar de ambos, então sua adoção poderia, em geral se basear na
evidência de que, na época em que foi adotada, era o melhor; mesmo assim, as considerações que o
recomendaram, como tantos outros fatos sociais primitivos de grande importância, teriam subsequentemente,
com o decorrer dos tempos, cessado de existir. Mas o estado em que este caso se apresenta é em cada aspecto
inverso disso. Em primeiro lugar, a opinião a favor do sistema atual, que subordina totalmente o sexo fraco ao
forte, se baseia apenas numa teoria, pois nunca se experimentou nenhum outro; assim, não se pode pretender
que a experiência, no sentido em que comumente se opõe à teoria, tenha enunciado qualquer veredicto. E, em
segundo lugar, a adoção deste sistema de desigualdade nunca foi resultado de uma deliberação, ou
premeditação, ou quaisquer ideias sociais, ou qualquer noção do que poderia levar ao benefício da humanidade
ou à boa ordem da sociedade. Veio simplesmente do fato de que, desde o mais remoto crepúsculo da sociedade
humana, toda mulher (devido ao valor a ela atribuído pelo homem, combinado com sua inferioridade em força
física) viu-se num estado de servidão a algum homem. Leis e sistemas de uma sociedade organizada sempre
começam reconhecendo as relações existentes entre indivíduos. O que era um mero fato físico é convertido
num direito legal, ganha a sanção da sociedade, visando principalmente a implementar meios públicos e
organizados de garantir e proteger esses direitos, substituindo o conflito irregular e sem lei da força física. (p.
229-230).
KING JR., Martin Luther. Carta da prisão da cidade de Birmingham. 1963.
[A]lguém poderia muito bem perguntar: “Como você defende o desrespeito a algumas leis e
a obediência a outras?” A resposta está no fato de que há dois tipos de leis: há leis justas e há leis
injustas. Eu concordaria com Santo Agostinho que “uma lei injusta simplesmente não é lei”.
Agora, qual é a diferença entre as duas? Como se pode determinar quando uma lei é justa ou
injusta? Uma lei justa é um código feito pelo homem, que concorda com a lei moral ou a lei de
Deus. Uma lei injusta é um código que não está em harmonia com a lei moral. Para pôr nos termos
de São Tomás de Aquino, uma lei injusta é uma lei humana que não está enraizada na lei natural e
eterna. Qualquer lei que eleve a personalidade humana é justa. Qualquer lei que degrade a
personalidade humana é injusta. Todas as leis segregacionistas são injustas porque a segregação
Buber, o grande filósofo judeu, a segregação substitui uma relação “Eu-isso” por uma relação “Eu-
tu” e termina por relegar as pessoas ao status de coisas. Assim, a segregação somente é econômica e
sociologicamente improcedente, mas é moralmente errada e pecaminosa. Paul Tilich disse que o
pecado é separação. Não é a segregação uma expressão existencial da separação trágica do homem,
uma expressão de seu terrível estranhamento? Assim, eu posso instigar os homens a desobedecer as