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I Fórum Nacional do
Patrimônio Cultural
SISTEMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL:
Anais VOLUME 1
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C R É D I TO S
Apresentação
A P R E S E N TA Ç Ã O
Desde 2007 o Iphan empreende esforços para a construção do Sistema Nacional de
Patrimônio Cultural (SNPC), coordenando a realização de diversas ações na área de gestão
do patrimônio cultural, tais como: reorganização da Associação Brasileira de Cidades
Históricas (ABCH); apoio à pactuação do Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes
Estaduais de Cultura (FNSDEC) para a criação do SNPC; criação do Grupo de Trabalho
do Patrimônio, que reúne o Iphan e os órgãos estaduais do patrimônio; realização da I
Oficina de Patrimônio; elaboração do quadro do patrimônio nos Estados; realização de
oficinas regionais para discutir o quadro do patrimônio e a construção do SNPC;
participação dos seminários de estruturação do Sistema Nacional de Cultura no subsistema
de patrimônio cultural; participação da organização da II Conferência Nacional de Cultura;
e elaboração dos Planos de Ação para Cidades Históricas.
Como parte do processo de construção do SNPC, o Iphan realizou, em parceria com
a ABCH e o FNSDEC, o I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural na cidade de Ouro
Preto, entre os dias 13 e 16 de dezembro de 2009. O objetivo do Fórum foi a discussão,
a reflexão, a construção e avaliação conjunta da Política Nacional de Patrimônio Cultural.
Espera-se que o Fórum se torne um evento bienal e que seja sempre realizado no município
que presida a ABCH.
Procurando atender ao critério de democratização das ações governamentais, as
inscrições para o Fórum foram gratuitas e realizadas através do sítio eletrônico do Iphan.
Efetivamente compareceram ao Fórum 351 participantes ouvintes e 119 convidados –
conferencistas, debatedores, comunicadores, coordenadores, relatores e expositores –, 3
chegando ao número total de 470 pessoas presentes durante os quatro dias do evento.
Durante o Fórum foram realizadas quatro conferências de abertura, duas conferências
temáticas; quatro mesas-redondas e dez sessões temáticas. Contamos com a presença de seis
conferencistas, 11 debatedores, 109 comunicadores e 34 expositores de pôsteres, além de
vários convidados.
O Fórum também ofereceu espaços e momentos para a realização de importantes
reflexões e discussões públicas, como a palestra sobre a II Conferência Nacional da Cultura
– CNC e o Fórum da ABCH.
Particularmente em relação ao Fórum da ABCH, ressaltamos a aprovação do seu
Estatuto e a recondução de Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, prefeito de Ouro Preto, à
presidência da ABCH, diante de expressivo comparecimento de representantes municipais.
Com o objetivo de registrar e tornar disponíveis, para consulta pública, as discussões
e os resultados do I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural, o Iphan edita esta publicação
em três volumes assim divididos:
Volume I – Três conferências de apresentação; uma conferência magna; duas
conferências temáticas; e quatro mesas-redondas e seus relatórios.
Volume II – Sessões temáticas de 1 a 5 e seus relatórios.
Volume III – Sessões temáticas de 6 a 10 e seus relatórios, e sessões de pôsteres.
SUMÁRIO
03 APRESENTAÇÃO 108 A CAIXA E O APOIO À CULTURA E À PROTEÇÃO
DO PATRIMÔNIO
07 INTRODUÇÃO Carlos de Faria Coelho de Sousa
ABERTURA PARA NOVAS DIMENSÕES
Ângelo Oswaldo de Araújo Santos AVALIAÇÃO DO PROGRAMA PELA UNESCO
113
Jurema Machado
11 O DESAFIO DE IMPLANTAR UM SISTEMA
NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL 118 AVALIAÇÃO DO PROGRAMA PELA UNIVERSIDADE
Daniel Sant’Ana FEDERAL DA BAHIA (UFBA)
Ana Fernandes
13 DESAFIOS E ESTRATÉGIAS PARA UMA NOVA
GESTÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL 127 MESA-REDONDA 1
Luiz Fernando de Almeida SISTEMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL
(SNPC) – INSTRUMENTOS E FORMAS DE
25 CONFERÊNCIA MAGNA FINANCIAMENTO
O CAMPO DO PATRIMÔNIO CULTURAL:
UMA REVISÃO DE PREMISSAS 127 PROGRAMA NACIONAL DE FOMENTO E
Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses INCENTIVO À CULTURA
Evaristo Nunes
41 CONFERÊNCIA 1
BASE PARA POLÍTICAS INTEGRADAS DE 136 PROGRAMA MECENAS – UMA EXPERIÊNCIA
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL, INSTITUCIONAL DE CAPTAÇÃO DE RECURSOS DE
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ECONÔMICO PESSOAS FÍSICAS PARA PROJETOS CULTURAIS
Weber Sutti José Cláudio dos Santos Júnior
189 SISTEMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL 292 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA
(SNPC) – COOPERAÇÃO, COMPARTILHAMENTO E DO PATRIMÔNIO CULTURAL
DEFINIÇÃO DE PAPÉIS Marcos Paulo de Souza Miranda
Honório Nicholls Pereira
304 DESAFIOS DA REGULAÇÃO DO PATRIMÔNIO
201 FRENTE PARLAMENTAR EM DEFESA DO CULTURAL
PATRIMÔNIO CULTURAL Ana Cristina Bandeira Lins
Jussara Hockmüller Carpes
313 PATRIMÔNIO NATURAL E CULTURAL, BENS
207 O PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO E O JURÍDICOS DE NATUREZA DISTINTA
CONTEXTO INTERNACIONAL Carlos Magno de Souza Paiva
Marcelo Brito
321 O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL
212 O PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO E OS DESAFIOS COMUM E CONCORRENTE NA PRESERVAÇÃO DO
DO COMPARTILHAMENTO DE COMPETÊNCIAS PATRIMÔNIO CULTURAL
Leonardo Barci Castriota Fabiana Santos Dantas
245 SISTEMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL 345 MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA O SISTEMA
(SNPC) – REGULAÇÃO E MARCOS LEGAIS NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL
Antônio Fernando A. L. Neri Mara Régia Di Perna
Introdução
A B E RT U R A PA R A N O VA S D I M E N S Õ E S
RESUMO
Breve panorama da atual política do Iphan, que vem implementando a *Prefeito de Ouro
prática do diálogo e da parceria como premissa de trabalho. Ressalta-se a Preto e presidente da
Associação Brasileira
abertura das políticas do patrimônio à participação dos municípios que de Cidades Históricas
possibilitam o respaldo local para garantir o uso pertinente e a adequada
conservação dos bens culturais brasileiros. Revela, ainda, a abertura do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional para o desafio de
um trabalho inovador, no sentido de fugir das amarras burocráticas da
análise de projetos e aprovação de plantas, para alcançar uma rotina
produtiva com um sedutor viés sociocultural.
PALAVRAS-CHAVE
Iphan, Parcerias, Diálogo.
7
O I Fórum Nacional de Patrimônio Cultural enseja uma ampla avaliação
das atividades não só do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – Iphan, como também dos municípios detentores de
tombamentos federais e comprometidos com a articulação decorrente da
criação, no início de 2009, de uma associação nacional para congregá-los.
O fato de o balanço dos resultados do Iphan ter transcorrido durante um
encontro que envolveu os municípios revela o primeiro ponto positivo da
atual política de patrimônio no país, a qual se resume na prática do diálogo
e da parceria como instrumentos de trabalho.
O Iphan sempre sofreu de isolamento, em fases mais ou menos agudas,
de um processo que o manteve à distância seja dos congêneres estaduais, seja
dos municípios nos quais se acham os bens culturais protegidos pela
chancela da União. Abrir a instituição ao entendimento e ao debate não a
enfraquece, como pensavam alguns, já que sua autoridade se debilita, em
verdade, quando permanece restrita a círculos burocráticos arredios à
realidade e, por isso, alheios às lides do cotidiano. Ao procurar e fomentar
o apoio dos municípios, o Iphan tem encontrado os colaboradores que lhe
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Introdução
percebida como uma descortesia com Renato Soeiro, que estava no cargo
havia doze anos, depois dos três decênios da gestão Rodrigo Melo Franco
de Andrade. Aloísio citou Camões, para lembrar que a vida é feita de
mudanças. Gilberto Gil mudou dirigentes inadaptados, reformulou o
Monumenta e o integrou ao contexto do Iphan. Unificou o programa
especial na grade da ação permanente do Instituto, o que corrigiu, de
pronto, distúrbios e anomalias que medravam no espaço de construção de
mais um monstrengo bicéfalo.
A criação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram, efetivada na gestão
do ministro Juca Ferreira, não mais terá sido uma derradeira tentativa de
redução do Iphan, quando já se verifica que a velha repartição de Rodrigo
Melo Franco de Andrade e Lúcio Costa havia acelerado, simultaneamente,
a sua revitalização de maneira a sustentar o desafio que lhe cumpre vencer,
na vida cultural do Brasil. Não há dúvida de que não se pode conceber uma
política de patrimônio sem os museus. Mas é inquestionável a constatação
de que o Iphan, na nova situação, se revitalizou e ganhou a densidade
perdida na virada do século. Foi o que se comprovou em Ouro Preto, no
largo panorama desdobrado pelos participantes do Fórum.
Tenho a convicção, forjada não nos gabinetes, mas na ação direta da
política patrimonial, que a interação entre o museu, o arquivo, a biblioteca
e a proteção patrimonial compõe um arco que não deve ser abalado ou 9
comprometido por secionamentos mutiladores da unidade imprescindível
ao sucesso da missão. A instituição que restringe e controla o uso da
propriedade privada de interesse cultural haveria de ser a mesma que oferece
a utilização exemplar de um imóvel protegido, por meio de um museu,
tornado escola e oficina de cultura, centro de lazer e fruição. Quando se
fragmenta um processo que pede o continuum do pensamento e da ação, a
unidade dos esforços e a coerência no desempenho, o caráter
multidisciplinar e a complementaridade circular, o que se alcança, quase
sempre, é uma diminuição geral, com perda para todas as partes. A
descentralização pode ser nefasta, se processada por meio da proliferação
de escaninhos herméticos ou da prevalência de interesses circunstanciais.
Impõe-se agora ao Ministério da Cultura, mais determinadamente, o
estabelecimento da sinergia entre seus institutos, com vistas à harmonia de
um grande programa em prol do patrimônio cultural.
O Iphan está bem equilibrado para tanto. Resistiu e evidencia a
capacidade de testemunhar um primado na política patrimonial, de vez que
o seu paradigma é essencial ao quadro federativo. Mário de Andrade disse
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Introdução
O D E S A F I O D E I M P L A N TA R U M
SISTEMA NACIONAL DE
PAT R I M Ô N I O C U LT U R A L
Daniel Sant’Ana*
RESUMO
O texto relata como as conferências municipais e estaduais fortaleceram *Presidente do Fórum
o desejo de construir um sistema compartilhado entre as esferas municipais, Nacional de Secretários
e Dirigentes Estaduais
estaduais e federais. Revela o desafio de promover o diálogo e a ação de Cultura, ano 2009;
compartilhada como os principais caminhos para uma atuação efetiva, seja Secretário de Cultura
do Acre
na preservação ou na promoção e na proteção do patrimônio histórico, seja
nos outros campos de responsabilidade da política de cultura, nas artes,
enfim, no respeito e na promoção da diversidade cultural.
PALAVRAS-CHAVE
Municípios, Ação compartilhada, Política cultural.
11
O ano de 2009 foi um ano muito especial para essa articulação sistêmica
sobre a qual o prefeito de Ouro Preto e presidente da Associação Brasileira
de Cidades Históricas, Ângelo Oswaldo, fez menção. Foi o ano de realização
das conferências municipais e estaduais, quando muitos desses mais de
cinco mil municípios brasileiros, que sequer têm um órgão gestor voltado
para a cultura, ou seja, um órgão gestor específico da área de patrimônio
histórico cultural, realizaram pela primeira vez suas conferências de cultura.
Muitos estados também realizaram, alguns pela primeira, outros pela
segunda vez as suas conferências que vão culminar na segunda grande
conferência nacional de cultura, prevista para o ano de 2010.
E na maioria dessas conferências o que se discutiu, o que se tem
discutido, são a implantação e o desenvolvimento dos sistemas de cultura
nas suas respectivas esferas municipal, estadual e nacional. O sistema
entendido realmente como mecanismo de articulação, de pacto, de
desenvolvimento de metas e de uma política de cultura de longo prazo.
Uma política capaz de definir as estruturas que integram esse sistema e suas
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Introdução
DESAFIOS E E S T R AT É G I A S PA R A
U M A N O VA G E S T Ã O D O
PAT R I M Ô N I O C U LT U R A L
RESUMO
O texto faz uma reflexão sobre o momento de transformação pela qual *Presidente do Iphan
passa o país e evidencia a importância da política de proteção ao patrimônio
cultural nesse contexto de reconstrução da identidade brasileira. Destaca a
importância da atualização dos conceitos que ampliaram o campo de ação
do Iphan, que passou de mero gestor de bens tombados para, enfim,
assumir seu papel de fomentador da política pública cultural, responsável
pelo levantamento, valorização e preservação de um patrimônio que
pertence a toda a sociedade brasileira. O texto fala da importância do PAC
das Cidades Históricas e o aponta como um exemplo de conquista do
Iphan, por se tratar de uma ação do patrimônio cultural que foi levada para
o seio da política pública do governo federal. 13
PALAVRAS-CHAVE
Patrimônio, Transformação, Transversalidade.
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Introdução
eram tombados e, fundamentalmente, os bens edificados. O Instituto
superou isso e coloca como perspectiva a condução de um processo de
criação e de gestão de uma política de patrimônio. Alguns elementos foram
fundamentais nesse processo e, no meu ponto de vista, a constituição de
uma política de patrimônio imaterial é determinante porque amplia o
campo de ação da instituição. Hoje, o instituto pode existir com
consistência em todo o território brasileiro, como em Roraima, Amapá,
independentemente de ter bens tombados ou não, ainda que deva ter bens
tombados. Mas o que pretendo enfatizar é que o universo do patrimônio,
sob o ponto de vista da ação da instituição, é bastante diferente, ou seja,
houve um redimensionamento do problema a ser enfrentado.
E sobre o ponto de vista do tipo de problema, trata-se de enfrentar um
problema que, por natureza, vive em processo de transformação, isto é, tem
uma natureza que não é estática, é dinâmica. E trabalhar com esse processo
de natureza dinâmica implicou estabelecer uma metodologia, implicou ter
clareza sobre o que é o processo de trabalhar com um bem cultural ou o que
é conhecer esse bem, o que é estabelecer uma política de salvaguarda para
esse bem – no caso, por exemplo, de trabalhar com bens culturais, com
alguns recortes de ação que estavam muito ligados ao populismo político.
Houve algo muito importante que foi o rompimento das relações de grupos
culturais, por exemplo, estabelecidas com o Estado na base de “pago para 15
você se apresentar naquela determinada festa”.
No campo do patrimônio material, acho que o conceito de paisagem
cultural é determinante também para se trabalhar com as ideias de dinâmica
social e transversalidade: ação, hoje feita pelo Departamento de Patrimônio
Material e Fiscalização, de tentar compreender um inventário, trabalhar
com inventários que tenham caráter regional no país. Isso é fundamental
nesse processo de transformação dessas ações no campo temático que
também tem uma natureza transversal, como o patrimônio naval, o
patrimônio ferroviário, que herdamos, aquele que pode ser considerado o
patrimônio cultural que não vai ser tombado e que, mesmo assim, vamos
trabalhar a sua gestão.
Apresento tudo isso como uma ampliação do campo temático da
instituição, que inclui ainda uma ampliação do repertório instrumental.
Repertório que, a meu ver, é importantíssimo e que foi incorporado, por
exemplo, pelo Monumenta, através de seu planejamento. A ação que
fazemos numa cidade tem de ser uma ação pactuada e planejada, e esse
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Introdução
Por outro lado, ficou mais claro, para todos nós, que a natureza da
questão do patrimônio era transversal e que a grande possibilidade de
articulação do campo do patrimônio cultural brasileiro se apresentava no
setor público. Era algo impressionante; isso que o Daniel Santana comentou
que, desde os anos 70, na gestão do ex-presidente do Iphan, Renato Soeiro,
de tentar construir uma política de criação de instituições estaduais, a gente
não tivesse tido uma reunião com todos os órgãos estaduais de preservação
do patrimônio. É como se o patrimônio tivesse dito: “Olha, há uma
transversalidade, há uma competência que é compartilhada, mas nós vamos
ignorar essa competência compartilhada sob o ponto de vista da nossa
estratégia, do nosso planejamento”.
Talvez, esse seja um dos maiores desafios aqui apresentado, quer dizer,
além da incorporação de diversos outros setores que estão trabalhando no
campo da memória social, do patrimônio. O grande desafio pode ser, de
fato, como compartilhar no setor público. E nós estamos falando de um
estado que tem uma política de cultura que fomentou uma política de
criação, por exemplo, de conselhos de patrimônio. Minas Gerais tem cerca
de quinhentas cidades com conselhos de patrimônio e esses conselhos todos
não passam pela nossa articulação, como parte do nosso processo de
planejamento.
17
Creio que isso também tem uma relação direta com o processo que
aconteceu nos últimos anos – articulação: a criação de estruturas de
financiamento da política cultural brasileira, da cultura de produção, da
cultura do Brasil, as quais não passavam pelo fortalecimento das instituições
que trabalham com a cultura brasileira. Talvez, a questão da Lei Rouanet
seja, hoje, a mais evidente, a mais discutida na mesa, ou seja, a Lei Rouanet
prescinde da política de financiamento majoritária do Ministério da
Cultura, ela prescinde das instituições e da institucionalização das políticas
culturais para que se efetive um processo de transferência de recursos
públicos. Não é à toa o que vimos acontecer nesses últimos anos: o
enfraquecimento ou a transformação de estruturas públicas de cultura; na
verdade, a transformação em estruturas que estavam intermediando projetos
da Lei Rouanet. E também não foi a troco de nada que, nesse processo
todo, quanto mais a Lei Rouanet se estabelecia como majoritária no campo
do financiamento, mais se diminuíam os orçamentos públicos,
principalmente nos municípios e nos estados brasileiros. Ou seja, é preciso
restabelecer uma relação muito clara entre a sistematização ou a
institucionalização da política pública e o seu financiamento.
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Por outro lado, destaco, ainda, outro grande desafio que está ligado ao
que o prefeito de Ouro Preto e presidente da Associação Brasileira das
Cidades Históricas, Ângelo Oswaldo, mencionou: o fato de a instituição e
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Introdução
o ponto de vista de identidade das nossas cidades, sob o ponto de vista de
relação do homem com o meio. E, se o patrimônio tem algo a dizer, acredito
que este seja o momento, porque estamos vivendo esse processo.
No campo, por exemplo, da arqueologia, somos cada vez mais acionados
para ações que estão acontecendo na direção amazônica do país. Quer dizer,
o nosso modelo cultural para a região amazônica é o mesmo modelo que
temos implantado na região sudeste ou na região nordeste do país. Como
é que o país vai discutir o seu modelo de desenvolvimento? O patrimônio
tem algo a dizer sobre isso? Se tiver, acho que conseguiremos nos recolocar
com outra importância para a sociedade brasileira e que não se restringe a
uma importância setorial.
Avalio que, de certa maneira, esse processo de esvaziamento que houve,
da discussão do campo do patrimônio, fez com que substituíssemos o
significado das coisas pelas coisas em si. Vejo como demanda muito comum
o dinheiro ou a capacidade de investimento para recuperar um sobrado ou
para recuperar uma igreja, por exemplo, e vejo poucas discussões sobre a
importância daquele meio urbano no processo de expansão ou de
compreensão da cidade. Percebo que as próprias instituições de patrimônio
contribuíram para isso e vejo a maior parte das obras que fazemos como
um agente público qualquer, como se não tivéssemos que explicitar o 19
significado das coisas que fazemos. Eu nunca vejo uma placa informando
que estamos restaurando um sobrado porque ele é importante. Vejo placas
que apresentam a empresa responsável pela obra e o valor da mesma. Ou
seja, esse processo de esvaziamento, de capacidade de articulação, de excesso
de necessidades, incluindo a de defender, também, as nossas condições de
trabalho, foi “eclipsando” o sentido e a razão da nossa existência como uma
instituição que fomenta a política pública de patrimônio cultural no país.
E, para isso, faz-se necessário conseguir explicitar o significado das coisas
que fazemos. E esse significado, no meu ponto de vista, vai além de ações
de educação patrimonial, formais e fôlderes, nos quais explicamos que o
que está sendo feito é mais do que isso. Tudo o que fazemos, na verdade,
deve ser pela importância daquilo que estamos fazendo.
Nós deixamos de compartilhar com a sociedade a importância da
preservação do patrimônio; é preciso recuperar esse processo que, no meu
ponto de vista, é o que vai dar novo significado para as nossas ações, criando
legitimidade social para o trabalho que já fizemos, que fazemos e que
devemos fazer.
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Introdução
patrimônio cultural. Considero isso importante; é sintomático desse
processo de crescimento e de articulação que estamos vivendo e isso nos
deixa claro essa responsabilidade. Hoje, o PAC é o nosso grande
instrumento de planejamento; por isso, pretendo fazer todo o esforço
possível, e esse esforço só terá um bom resultado se for compartilhado com
todos vocês, para que esse processo, de fato, seja uma mudança de rumos
dentro da instituição e na forma como a gente vem trabalhando até então.
O PAC, a meu ver, é a maior oportunidade que se estabeleceu nesse período,
no qual tenho o orgulho e o desafio de trabalhar nessa instituição.
Considero este fórum um momento que, na verdade, é um processo cujo
início se deu com a nossa percepção de que precisávamos criar interlocutores
institucionalizados. Interlocutores no campo dos governos estaduais, nas
cidades históricas, nos municípios, na sociedade brasileira, para que o Iphan
pudesse instituir uma interlocução com maior organicidade, resultando em
mais consequências. Este fórum, portanto, vem desse processo de percepção
e de criação. É um primeiro momento que, imagino, deve continuar. Na
verdade, não tenho nenhuma expectativa de que consigamos estabelecer,
neste momento, uma meta absolutamente clara do que nós vamos perseguir.
Doravante, acredito, tenho essa expectativa, que consigamos compartilhar
um diagnóstico das questões que estamos vivendo. E, ao compartilhar esse
diagnóstico, possamos conseguir compactuar algumas direções para que, 21
daqui a dois anos, na realização de um novo fórum, ele se configure como
um processo permanente de interlocução e de planejamento.
Desejo, então, um bom processo de discussão e espero que consigamos
sair daqui com mais clareza e com mais certeza, com mais confiança e com
mais desejo de construir o sistema nacional de patrimônio cultural
brasileiro.
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
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Introdução
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Conferência Magna
O C A M P O D O PAT R I M Ô N I O
C U LT U R A L : U M A R E V I S Ã O D E
PREMISSAS
RESUMO
O objetivo da conferência é convidar a uma reflexão crítica permanente *Professor emérito da
FFLCH/USP –
sobre certas premissas que orientam o trabalho no campo do patrimônio e Conselheiro do
que, por acomodação nossa, acabam por se desgastar ou se reduzem a Conselho Consultivo
do Patrimônio
referências mecânicas. Inicialmente, apresenta-se como a desarticulação Cultural
entre práticas e representações, acentuando estas últimas, esvazia o
patrimônio de seu conteúdo existencial e privilegia os perversos “usos
culturais da cultura”, concentrados em segmentos à parte do cotidiano e do
universo do trabalho. A seguir, discute-se a inconveniência da polaridade
entre material e imaterial. Ao se examinar a Constituição de 1988, vê-se
que sua grande novidade, no tema, foi deslocar do estado para a sociedade
e seus segmentos a matriz do valor cultural. Impõe-se, assim, repensar o 25
quadro de valores culturais vigentes e que precisaríamos formular do ponto
de vista das práticas culturais e seus praticantes, não mais supondo que tais
valores sejam imanentes às coisas.
PALAVRAS-CHAVE
Patrimônio cultural, Matriz cultural, Categorias de valor cultural,
Práticas culturais.
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Conferência Magna
sozinha, apesar das carências trazidas pela idade. Aliás, ela pode ser
rigorosamente considerada o protótipo do habitante – para o que a
cotidianidade é precondição.
O verbo habeo em latim significa possuir, manter relações com alguma
coisa, apropriar-se dela. Com o acréscimo da partícula it, que indica reforço
(como em salio, “dançar, pular” e saltito, “dar pulinhos”), o verbo habito
acrescenta intensidade e permanência a essas relações. Hábito, habitualidade
expressam bem essa noção de constância, continuidade. Trata-se, portanto,
de uma relação de pertencimento – mecanismo nos processos de identidade
que nos situa no espaço, assim como a memória nos situa no tempo: são as
duas coordenadas que balizam nossa existência. Consequentemente, a
relação da velhinha com a catedral não deve ser pontual, de exceção ou que
se consuma num momento privilegiado e depois não mais se repita, ou se
repita de forma atenuada ou descontínua. A relação da velhinha é
existencial, pressupondo tempos dilatados (morar, moradia são palavras que
também explicitam esse conteúdo de extensão temporal no habitar).
Já para os turistas, a atividade que executam se revela desterritorializada,
secionada de seu cotidiano, opondo-se mesmo a ele, pois desprendida de
habitualidade. De qualquer forma, pressupõe-se um fosso entre o cotidiano
desses turistas e o tempo/espaço comprimido da visita à catedral. 27
Além disso, a forma de relacionar-se que habitante e visitantes
desenvolvem com o – vamos chamar assim – “bem cultural” é funda-
mentalmente diversa. A vida cultural, no caso da velhinha, pode ser
entendida como uma forma de qualificação pelo sentido e, portanto, como
raiz de interioridade e consciência. Rompido, porém, o quadro da
habitualidade e da reiteração, o potencial de qualificação se restringiria. Mas
a fruição da velhinha é profunda, vivenciada, e sua oração na catedral deve
envolver não só uma apropriação afetiva, como também, sem dúvida,
estética, isto é, perceptiva, já que o ambiente emite estímulos de toda a
ordem para aprofundar o tipo de ação que ela está praticando. Por certo,
essa fruição é também cognitiva: ela pode não ter conhecimento
especializado, mas, ainda que possivelmente sem saber que sua catedral é um
extraordinário exemplar da arquitetura gótica do século XII, deve apreender
a antiguidade do templo, o que isso representa de trabalho embutido, de
experiências acumuladas ao longo do tempo, de enraizamento e referências
para o espaço de sua cidade e de interação com seus vizinhos, com os
frequentadores e responsáveis dos cultos, com a comunidade de fiéis. Mais
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Conferência Magna
pamentos, instituições, espaços, organismos, órgãos públicos, mercados.
Seria dispensável observar que tal entendimento, dominante entre nós, é
o que melhor atende ao mercado simbólico, parte importante do mercado
tout court.
Em contraponto, com a velhinha, a cultura se apresenta não como esse
segmento recortado da vida, mas como uma forma de qualificar
diferencialmente (pelo sentido, pela significação, pelo valor) qualquer fatia,
instância, tempo, objeto ou prática. O uso que a velhinha faz do bem
cultural é qualificadamente existencial, por oposição ao “uso cultural” dos
turistas. O uso cultural da cultura ao invés de estabelecer uma interação das
representações e práticas, privilegia as representações que eliminam as
práticas. O simbólico substitui as condições concretas de produção e
reprodução da vida.
De passagem observo que a política de patrimônio imaterial que o Iphan
vem desenvolvendo procura reconhecer que o campo cultural diz respeito
à totalidade da vida social, quando diferencialmente qualificada (pelos
sentidos, valores). Linhas de ação, como “sistemas agrícolas tradicionais”,
por exemplo, são capazes de articular organicamente facetas à primeira vista
tão alheias à cultura, quando ela é equivocadamente entendida como uma
gaveta à parte. 29
Uma palavra quanto aos turistas. Seria perverso pretender negar acesso
a valores que podem ser partilhados e cuja partilha, aliás, deveria ser
incentivada. O que é bom é para ser dividido – e se trouxer benefícios
econômicos, tanto melhor. Da mesma forma, porém, seria perverso admitir
que o regional, o nacional ou o universal, para se realizarem, esvaziem outros
legítimos sentidos e práticas originais locais, que não correspondem mais a
uma nova ordem de interesses. O comportamento da velhinha, de fato, é
transgressor, ela de fato perturba a visitação e está deslocando a atenção dos
visitantes pelo seu anacronismo. Tal modalidade de musealização, de
“culturalização” funciona, assim, precisamente como vetor de especialização
dos “benefícios” que os “bens culturais” poderiam produzir. Pior seria – e
essa situação não é propriamente excepcional – que bens declarados de valor
mundial fossem ignorados pela população local (salvo como mercadoria!):
como pode algo valer para o mundo todo, se não vale para aqueles que dele
poderiam ter a fruição mais contínua, mais completa, mais profunda?
Como pode o patrimônio mundial não ter, antes, valor municipal? (Esta
frase é dedicada ao prefeito Ângelo Oswaldo).
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Conferência Magna
Portanto, essa forma espiritual de comunicação se potencia pelo aporte
material do lugar, que fornece os estímulos próprios, inclusive as imagens
e objetos sacros carregados de conteúdos simbólicos, o todo acentuado pelas
marcas do hábito, da interação, da memória, etc.
Assinalei a forma espiritual de comunicação, contudo não estou
esquecendo que não é apenas seu espírito que está empenhado no ato de
orar, mas também todo seu corpo. Postura, fisionomia e – se a imagem
chegasse a esse ponto de precisão – quem sabe até mesmo o movimento
dos lábios que tão comumente serve de lastro para o que vai na alma do fiel.
A boca (os, oris em latim) é um dos órgãos da oração.
Podemos concluir que o patrimônio cultural tem como suporte, sempre,
vetores materiais. Isso vale também para o chamado patrimônio imaterial,
pois se todo patrimônio material tem uma dimensão imaterial de
significado e valor, por sua vez todo patrimônio imaterial tem uma
dimensão material que lhe permite realizar-se. As diferenças não são
ontológicas, de natureza, mas basicamente operacionais.
A Constituição Federal de 1988, ao introduzir uma listagem de
categorias de patrimônio cultural, incluiu o patrimônio intangível,
caracterizado mais por processos do que por produtos, como formas de
expressão, modos de criar, fazer viver, os quais, porém, se examinarmos mais 31
de perto, pressupõem múltiplos suportes sensoriais, incluindo o corpo. Os
constituintes talvez nem tivessem consciência de que, desse modo, estavam
incluindo o corpo como partícipe do patrimônio cultural! O “saber-fazer”,
por exemplo, não é um conhecimento abstrato, conceitual, imaterial,
filosófico ou científico, mas um conhecimento corporificado. Os
especialistas falam de uma memória-hábito ou memória corporificada
(embodied memory). É a memória que nos permite guiar um veículo ou
andar de bicicleta como se fossem ações geneticamente previstas em nosso
programa biológico. É a memória do músico, da cozinheira, do artesão.
Seja como for, embora não convenha alterar a nomenclatura
internacionalmente corrente, seria desejável que, ao utilizarmos a expressão
“patrimônio imaterial” a despíssemos de qualquer polaridade com um
patrimônio material.
No filme Kenoma de Eliane Caffé, 1998, quando um ajudante levanta
restrições intelectuais a um matuto, cujo sonho obsessivo era construir uma
máquina de moto-perpétuo, este replica que a mente podia ser pobre, mas
a mão ia fazendo e o cérebro acompanhando. Bate com o que Marcel
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Vo l . 1
VALOR
Portanto, essa seria uma questão central, a demandar tratamento
adequado – que ainda não recebeu em nossa formação especializada. Fala-
se muito em valor, mas é raro que se saiba, precisamente, do que se está
falando e de suas consequências. Por certo, não é este o momento de traçar
uma súmula da problemática do valor, questão espinhosa e que demandaria
tempo. Ou de examinar a inconveniência das categorias usuais de “valor
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Conferência Magna
arquitetônico” ou “valor histórico”, por exemplo. Irei diretamente para a
questão nuclear: a matriz do valor. Se o valor é sempre uma atribuição,
quem o atribui? Quem cria valor?
Vale a pena reproduzir o famoso artigo 216 de nossa Constituição de
1988, pois ela toca diretamente nesse ponto:
E o parágrafo 1º completa:
Vo l . 1
Conferência Magna
instância, é produtora do valor em causa e que ela tem o direito e a
gratificação de fruir. Sem entrar em detalhes, gostaria de propor aqui um
roteiro para tal avaliação, que permitisse identificar componentes ou
referências do valor cultural. Embora se deva tratar o patrimônio
unificadamente, sem distinguir as categorias de material, imaterial, natural,
ambiental, histórico, arquitetônico, artístico, etc., a imagem que nos serve
de guia condensará na catedral a referência básica, que pode ser estendida
às demais categorias.
Penso nos seguintes principais componentes do valor cultural: valores
cognitivos, formais, afetivos, pragmáticos e éticos. Preliminarmente, porém,
vale acentuar que tais componentes não existem isolados, agrupam-se de
forma variada, produzindo combinações, recombinações, superposições,
hierarquias diversas, transformações, conflitos.
I) VALORES COGNITIVOS
Se (ou quando) a catedral de nosso cartum tiver condições de
conhecimento, ou constituir oportunidade relevante de conhecimento –
qualquer conhecimento – então o valor dominante, aí, é cognitivo. Por seu
intermédio pode-se conhecer o conceito de espaço que organizou o edifício,
seus materiais e técnicas, seu padrão estilístico; podemos traçar os efeitos dos
interesses em causa na sua projetação, as condições históricas (técnicas, 35
econômicas, políticas, sociais, culturais) de sua construção, usos e
apropriações, os diversos agentes ou categorias sociais envolvidos, sua
trajetória, sua biografia. O bem está sendo tratado, então, como
documento, ao qual se dirigem questões para obter, como resposta,
informação de múltipla natureza. É um valor de fruição basicamente
intelectual.
Vo l . 1
Conferência Magna
IV) VALORES PRAGMÁTICOS
São mais que valores de uso. De novo a velhinha: ela, certamente, ao
procurar o templo para sua oração, embora não fosse indispensável, deve ter
percebido como suas condições de uso disponível são capazes de
relevantemente qualificar sua prática, por causa também de valores
pragmáticos. Para dizer com outras palavras: valores pragmáticos são valores
de uso percebidos como qualidades. Tais valores são comumente
marginalizados ou ignorados entre nós, com significativa frequência. Não
estranha, pois vivemos numa sociedade que ainda não superou a herança
escravista, em que o trabalho e o trabalhador não gozam de cidadania plena,
em que “criada” quer dizer “empregada” e em que “elevador de serviço” quer
dizer “elevador de serviçal”. E em que o desperdício chega a 15% do PIB,
em que o reuso não é tema relevante nas escolas de arquitetura e assim por
diante.
V) VALORES ÉTICOS
São aqueles associados não aos bens, mas às interações sociais em que eles
são apropriados e postos a funcionar, tendo como referência o lugar do
outro. A postura do guia, no cartum, revela que tal valor não faz parte dos
critérios que dão rumo às suas ações. Uma discussão sobre os valores éticos
exigiria o tratamento de questões espinhosas como o relativismo (cognitivo, 37
cultural, moral), assim como os direitos culturais em face dos direitos
humanos – questões que não cabem neste contexto. É preciso, todavia,
apontar que, se o direito à cultura é o direito à diferença, esta só tem
legitimidade quando é capaz de dialogar e produzir transformações mútuas.
Sem isso, o multiculturalismo, de que tanto se fala, muitas vezes pode se
transformar numa cortina de fumaça em que certo universalismo (que
paradoxalmente permite a diversidade) mascara normas, valores e interesses
– como não deixaram de observar sociólogos, antropólogos e filósofos que
trataram do assunto, tais como Birkhu Parekh ou Charles Taylor, por
exemplo. Por isso, é conveniente, hoje, distinguir diversidade cultural de
diferença cultural. Homi Bhabha é incisivo ao dizer que a tradição liberal
(particularmente no relativismo filosófico e antropológico) tornou pacífica
e generalizada a ideia de que as culturas são diversas e que, de certo modo,
a diversidade das culturas é algo bom e positivo em si e por si e deveria ser
automaticamente endossada. Assim, seria lugar comum das sociedades
democráticas dizer que incentivam e acomodam a diversidade cultural. Na
verdade, porém, o sinal de uma atitude “civilizada” nas sociedades
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CONCLUSÃO
O campo dos valores não é um mapa em que se tenham fronteiras
demarcadas, rotas seguras, pontos de chegada precisos. É, antes, uma arena
de conflito, de confronto – de avaliação, valoração. Por isso, o campo da
cultura e, em consequência, o do patrimônio cultural, é um campo
eminentemente político. Político, não no sentido partidário, mas no de pólis,
a cidade dos gregos, isto é, aquilo que era gerido compartilhadamente pelos
cidadãos; a expressão correspondente entre os romanos, res publica,
representa a outra face da moeda: a coisa comum, o interesse público. A
democracia garante direitos e acesso; a república, finalidade e
responsabilidades. A cidadania haveria de ser obrigatoriamente democrática
e republicana e instaurar direitos e as correspondentes obrigações.
Nesse patamar, não basta um tratamento técnico-científico das questões:
ele nunca dará conta de toda a problemática presente. O que é próprio desse
campo é aquilo que Apel e Habermas chamam de ética do discurso: a base
racional e universal dos princípios da ação, partindo da forma de
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Conferência Magna
comunicação linguística humana e da modalidade específica que é a
argumentação, o convencimento, a demonstração. Não a exibição de
axiomas e razões universais ou das lógicas profissionais (corporativas)
absolutas. Como os valores não estão previstos geneticamente, mas são
criados, eles precisam ser enunciados, explicitados, fundamentados e podem
ser propostos, recusados, transformados – não impostos.
Desse modo, a atividade no campo do patrimônio cultural é complexa,
delicada e trabalhosa. Exige postura crítica rigorosa. Exige capacidade de ir
além de suas próprias preferências pessoais. Mas por isso também é tão
fascinante e gratificante, pois estamos tratando, não de coisas, mas daquela
matéria-prima – os significados, os valores, a consciência, as aspirações e
desejos – que fazem de nós, precisamente, seres humanos.
39
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Conferência 1
BASE PA R A P O L Í T I C A S I N T E G R A D A S
D E P R E S E RVA Ç Ã O D O PAT R I M Ô N I O
C U LT U R A L , D E S E N V O LV I M E N T O
SOCIAL E ECONÔMICO
Weber Sutti*
RESUMO
Um balanço da atuação do Iphan nos últimos anos e os desafios do *Weber Sutti -
Assessor da
instituto diante do momento em que a sociedade civil se articula para Presidência do
participar das políticas públicas de cultura. Evidencia a necessidade de que Iphan
os gestores do patrimônio assumam seu papel no processo de consolidação
de uma política de transversalidade, capaz de retirar ações do Iphan do
isolamento e integrá-las aos instrumentos de planejamento existentes, hoje,
na sociedade brasileira. O plano de ação do PAC das Cidades Históricas é
apresentado como um modelo para essa nova fase do Iphan, na qual uma 41
ação conjunta com as esferas municipais, estaduais, o governo federal e,
principalmente, com a sociedade é o principal objetivo.
PALAVRAS-CHAVE
Planos de Ação, Transversalidade, Articulação.
Vo l . 1
Conferência 1
arrogar dono desse bem. Definir, portanto, diretriz para ele, indepen-
dentemente de um pacto de ação maior, é um desafio porque todos, ao
mesmo tempo, querem fazer essa gestão, o que gera uma série de atritos.
Poderia citar milhares de casos e, acho que ontem, o prefeito Ângelo
Oswaldo, presidente da Associação Brasileira de Cidades Históricas, também
citou uns dez casos exemplares desses interesses difusos do bem público e do
bem privado. Sem contar a questão da transversalidade, a qual julgo ser
fundamental. Há algum tempo, a gestão do patrimônio cultural tem sido
feita num quadro muito específico que são os órgãos de gestão no patrimônio
cultural. Ou a gestão do patrimônio cultural rompe e consegue se inserir na
transversalidade da atuação política, da gestão política dos órgãos e dos
diversos atores que atuam na sociedade, ou ficaremos muito restritos.
O presidente Luiz Fernando de Almeida também comentou o fato de
termos definidos, claramente, os setores de atores que atuam nos museus,
que atuam na dança, porque são os produtores, são as pessoas que têm,
naquela finalidade, o seu objeto de atuação. Ao contrário da área do
patrimônio, cuja rede de atuação é muito dispersa. A falta de coesão entre
os atores que atuam sobre o patrimônio cultural, bem como no discurso
para colocar a gestão do patrimônio em pauta para os governos e para as
próprias ações propostas, gera uma confusão que nos leva, muitas vezes, a 43
perder a voz ou a falarmos sozinhos.
Mas, ao mesmo tempo em que se tem esse problema de formação de
pactos de ação conjunta, essa falta de compartilhamento e de uma estrutura
comum de gestão no patrimônio cultural, tem-se um quadro atual que não
é ruim. Interessante: se observarmos as outras esferas federativas
perceberemos que todos os estados têm uma estrutura própria de gestão do
patrimônio cultural. Das 173 cidades históricas que temos considerado,
depois eu vou explicar o critério, mais de 50% possuem um órgão específico
de gestão no patrimônio cultural. Isso é relevante, considerando que 70%
dessas cidades têm menos de 50 mil habitantes, tratando-se, portanto, de
pequenos municípios que têm as dificuldades de gestão que todos
conhecem. Sem contar que mais de setecentos municípios têm, hoje, no
Brasil, conselho de patrimônio. Que se considere o fato de quinhentas
dessas cidades serem mineiras. O fato é que existem 240 cidades no Brasil
com um conselho específico de patrimônio cultural. Números bastante
expressivos se compararmos com outros setores da política pública.
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Isso quer dizer que temos, de certa forma, uma rede que está atuando e
que 40% dos recursos que são investidos no patrimônio cultural vêm de
iniciativas da sociedade civil, por meio do Programa Nacional de Apoio à
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Conferência 1
fundamental: garantir que cada cidadão tenha o reconhecimento do seu
patrimônio e faça a sua gestão de preservação. Ou seja, garantir a presença
no cotidiano, na gestão cotidiana, em cada ação executada por cada cidadão,
de todas as cidades, que tenham o patrimônio cultural.
Ou conseguimos recolocar o patrimônio na agenda governamental, na
agenda da sociedade e trazê-lo para o cotidiano ou vamos continuar
deslocados. E à luz do pronunciamento do professor Ulpiano Bezerra de
Meneses, temos essa clivagem, essa dissociação entre o que é reconhecido
pelos gestores do patrimônio cultural e o que é valorizado pela população.
Um criticando o outro pela política estabelecida, pelos valores abordados.
E aí, vejo que é fundamental evidenciar o fato de que, quando começamos
a discutir a questão do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, tivemos
uma premissa muito importante que era não estabelecer o marco regulatório
para o sistema. Somente estabeleceríamos o marco regulatório quando
tivéssemos constituído uma base legítima. E acredito que esse é um
momento de consolidação dessa legitimidade para uma construção que tem
sido feita ao longo dos últimos anos. Muitos sistemas federais foram
estabelecidos com leis e, a partir dessas leis, induziram-se as formas de
funcionamento. Ou nos mobilizamos e conquistamos apoio, força social e
força política como forma de trabalhar ou não adiantará fazer um marco
legal, que será, apenas, mais uma lei. 45
Vo l . 1
Vejo que temos muito que discutir sobre esses três eixos, principalmente,
quando me refiro a financiamento da Política de Patrimônio Cultural no
Brasil.
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Conferência 1
a intersetorialidade da política de patrimônio, o que nos levou a estabelecer
parcerias com diversos ministérios. Em 2009, além do Ministério da
Cultura, conseguimos cerca de dez milhões de reais de outros ministérios.
De repente, pode-se pensar que isso não representa nada. Mas, se
voltarmos para esses dados de 2006, ou seja, nove milhões de todos os
outros órgãos do Governo Federal, sentiremos a diferença. Neste ano de
2009, conseguimos dez milhões que foram disponibilizados para o Iphan,
fora o que os outros ministérios investiram. Quer dizer, é um avanço muito
grande no relativo, no absoluto ainda é muito pouco.
Outra conquista é que temos parcerias estabelecidas com o Ministério do
Turismo, Ministério de Educação, o Ministério da Agricultura, o Ministério
das Cidades, Ciências e Tecnologia, Defesa, o Ministério de Planejamento
por meio da Secretaria de Patrimônio da União, o Ministério do Meio
Ambiente, Ministério da Integração, ou seja, temos trabalhos em
andamento com cada um desses ministérios, o que reposiciona o trabalho,
a política de preservação do patrimônio cultural. Além disso, o Iphan tem
investido bastante em políticas de fomento e isso significa não mais executar
diretamente todo o seu recurso, mas criar canais através dos quais a
sociedade possa acessar recursos para se estabelecer, se apropriar da política
de preservação do patrimônio cultural. Existem, hoje, editais do patrimônio 47
material, editais de projetos de extensão universitária, projetos de pesquisa
e difusão da arqueologia, que vão sair agora, editais do fundo de direito
difuso, entre outros.
Ao tomarmos uma linha do tempo com orçamentos finais do Iphan e do
Programa Monumenta, do período de 1995 a 2010, percebemos um
aumento, por exemplo, em 1998, tivemos nove milhões de reais para
investimentos na área finalística do Iphan e chegamos em 2010 com uma
previsão orçamentária de 220 milhões de reais finalísticos para o instituto.
Acredito que isso mostra o quanto esse trabalho está conquistando ganhos
significativos. Agora em 2009, tivemos cerca de 122 milhões de reais entre
o orçamento do Iphan e do Programa Monumenta que é, agora, executado
de maneira conjunta. Então, podemos, praticamente, chegar ao dobro de
recursos de 2006. E, quando falamos quais são esses instrumentos usados
como meios de gestão, penso que temos de recuperar alguns deles.
Montamos um quadro do patrimônio cultural com os órgãos estaduais
e conseguimos estabelecer uma pesquisa que mapeou todos esses órgãos, na
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sua legislação, nas suas equipes, ações estratégicas, nas suas políticas
estabelecidas, orçamentos e nos instrumentos de gestão que cada órgão tem.
Estamos trabalhando na consolidação de um sistema nacional de
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Conferência 1
também num observatório que acompanhe as políticas e que possa
estabelecer um trabalho de inteligência capaz de se contrapor ao
eurocentrismo. Somos, muitas vezes, pressionados pela visão eurocêntrica
de patrimônio cultural, o que nos impede de dar um tratamento especial
para nossa documentação e informação, o que é muito importante.
Quero dizer ainda o primeiro curso básico será no segundo semestre de
2010 e contará com ampla divulgação pelo site do Iphan, voltado para
gestores, principalmente, os gestores municipais, estaduais e federais, mas
aberto, também, para a sociedade nas diversas parcerias. Além disso, tem a
rede de casas do patrimônio, e a difusão do patrimônio cultural, cujo
objetivo é criar, em todas as cidades, polos propulsores de ações educativas,
articuladas com a sociedade sobre o patrimônio cultural. Ouro Preto, por
exemplo, vai ganhar a Casa da Baronesa que será sede de uma série de ações
contínuas de valorização e difusão do patrimônio cultural. Recife também
contará com sua casa do patrimônio, assim como Iguape (SP), e tantas
outras que estão começando a se consolidar no Brasil. Julgo tudo isso
fundamental para garantir essa aproximação e integração com a sociedade.
Temos buscado também a articulação, cada vez maior, com o ensino formal,
não no sentido de estabelecer uma disciplina do patrimônio cultural, mas do
patrimônio se inserir nas diversas disciplinas. Não se trata de trazer uma 49
caixinha para o patrimônio, trata-se de fazer o patrimônio cultural trabalhar
com todas as disciplinas existentes, diretriz na qual, temos conseguido avançar
muito. Além disso, o patrimônio possibilita a inserção de ações de educação e
promoção do patrimônio e todos os processos de gestão.
Acredito que qualquer obra feita pelo Iphan tem que contar com ações
de educação e promoção que deem significado ao bem imóvel para a toda a
população. Qualquer outra ação, mesmo de um inventário, pode trabalhar
dessa forma. Vejo, portanto, o quanto o Iphan tem avançado e acredito que
tem de avançar cada vez mais e com mais atores.
Considero de grande relevância o aprofundamento conceitual e a nova
abordagem adotada pelo Iphan. O Instituto tem realizado uma ação de
fundamental importância que é buscar, incessantemente, trabalhar com a
convenção da diversidade. Temos procurado valorizar a questão dos
processos das referências culturais, buscando reconhecer a multiplicidade
do nosso patrimônio, não somente na perspectiva de um órgão, ou de
outras referências culturais, mas entender o patrimônio como um produto
dessas múltiplas referências. Sem contar, a abordagem dos universos
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Vo l . 1
Conferência 1
Trabalhamos muito na integração com o Plano Nacional de Cultura e
o Sistema Nacional de Cultura, porque a ideia é que o Plano Nacional de
Patrimônio Cultural e o Sistema Nacional de Patrimônio Cultural sejam
um subsistema do Sistema Nacional de Cultura. Aliás, a intenção é reforçar
uma visão integrada da área cultural. Não adianta querermos que cada
município tenha um Conselho de Patrimônio, um Conselho de Cultura,
um Conselho de Educação, um Conselho de Saúde, um Conselho de
Dança, isso é inviável para a realidade municipal brasileira. Se
conseguirmos reforçar as nossas estruturas e garantirmos equipes efetivas
para trabalhar no patrimônio cultural, será um grande avanço. Estamos,
portanto, dentro do Sistema Nacional de Cultura, e Roberto Peixe,
coordenador do sistema, vai falar sobre o SNC porque temos buscado
sempre nos articular com essas diretrizes.
Além disso, nós realizamos o quadro e, em novembro e dezembro de
2008, fizemos cinco oficinas regionais em cada região do país, reunindo
todos os órgãos estaduais e todas as superintendências do Iphan, para
pactuar as bases desse trabalho que está aqui hoje colocado. E, em fevereiro
de 2009, após a eleição municipal, ocorreu com nosso apoio a refundação
da Associação Brasileira de Cidades Históricas, presidida pelo prefeito
Ângelo Oswaldo, o que foi fundamental. Essa articulação dos governos
estaduais com as prefeituras, através da Associação Brasileira, possibilitou 51
que conse-guíssemos, no mês de maio, atendendo a uma demanda dessas
oficinas regionais, estabelecer uma estratégia de elaboração dos Planos de
Ação, ou seja, levar para a ponta o planejamento integrado da ação sobre o
patrimônio cultural. Em agosto, fizemos uma primeira capacitação com
mais de 140 cidades, em Brasília e, em outubro, conseguimos o lançamento
do PAC das Cidades Históricas.
Vou falar, também rapidamente, sobre isso, somente para as pessoas
saberem o que é o PAC das Cidades Históricas. Primeiro, ele foi uma janela
de oportunidade no meio dessa crise que enfrentamos no fim de 2008,
quando o presidente da República falou que apoiaria ações anticíclicas
estruturadas pelos ministérios do Governo Federal. Conseguimos essa
mobilização entre os governos estaduais e prefeituras, dando força política
para essa ação do PAC das Cidades Históricas e, consequentemente, ter o
compromisso dos governos nesse investimento.
Enfim, todos conhecemos o quadro das nossas cidades e Luiz Fernando
de Almeida fala uma coisa que julgo interessante: que o Brasil é um dos
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Vo l . 1
Conferência 1
consegue reposicionar o patrimônio cultural como elemento de
desenvolvimento local. Porque as cidades que possuem esse patrimônio
reconhecido, devem aproveitar esse potencial riquíssimo e conseguir
transformar esse potencial não em um problema de gestão através do
pensamento: “eu tenho de dar conta daquilo”, mas como capacidade de
investimento, como possibilidade de agregar capitais para serem investidos,
além de desenvolver processos estratégicos de desenvolvimento.
Quanto ao orçamento do PAC e suas formas de execução, a proposta é
que todas as ações sejam executadas em conjunto com os governos estaduais
e municipais, juntamente com a sociedade civil, por meio dos Planos de
Ação. O Iphan investirá nessas cidades priorizando os investimentos
previstos em seus Planos de Ação, salvo ações consideradas emergenciais. A
ideia não é mais o Iphan investir nessas cidades sem um planejamento
conjunto, porque pretende cobrar, tanto dessas cidades como dos governos
estaduais, o mesmo compromisso de investimento. O Iphan não quer mais
investir nas cidades e ficar, posteriormente, recebendo a conta de outro
investimento apontado como necessário. Afinal, ou a gente tem uma
parceria e se ajuda para se fortalecer politicamente, aumentar os nossos
recursos, ou não adianta ficar olhando para o Iphan, ou qualquer outro
órgão que seja, como um grande irmão ou elemento de financiamento da
política de preservação. 53
Vo l . 1
Conferência 1
que isso seja uma coisa muito clara para todos nós. Conquistamos, na
sociedade brasileira, um ideal de que tudo seja feito com a sociedade civil,
então, hoje, a questão da participação é a base para qualquer ação.
Não queremos, também, um plano governamental, mas um plano da
própria sociedade, seja através de uma agenda, e isso é fundamental para
garantir a participação, dialogando com as demandas da sociedade, com os
planos já elaborados no nível nacional, regional e local. Buscaremos, assim,
soluções que dialoguem com toda a intersetorialidade do patrimônio
cultural.
As etapas de elaboração do plano já foram concluídas e esse processo se
configurou numa grande cruzada que durou, creio, todo o ano de 2009 e
cujo desenvolvimento se deu no Brasil inteiro. Devemos destacar o esforço
de todos os municípios, de todos os técnicos do Iphan e dos governos
estaduais, uma vez que do mês de agosto até dezembro, conseguimos cobrir,
praticamente, todas as cidades. As 170 cidades, falarei disso mais adiante,
passaram por um processo de elaboração de diagnósticos e firmaram um
pacto desses diagnósticos com a sociedade e com os atores, bem como a
definição dos objetivos e das ações. Estamos, hoje, num processo de
estabelecimento desse pacto de ações, esclarecendo e sanando possíveis
dúvidas entre os vários segmentos envolvidos. E o que vai propiciar o Plano 55
de Ação? Vai propiciar, exatamente, essa articulação local e regional, a
estruturação de uma política de patrimônio cultural em todas as esferas,
desde o município até o governo federal, a condição de estabelecer essa
política, além do acesso a recursos em curto e médio prazo.
Se temos um plano consistente, conseguimos investimentos; nunca
faltou dinheiro para área de patrimônio cultural e, embora afirmemos: “mas
é tão pouco”, todo ano sobra porque não temos a capacidade de execução.
Podemos nos perguntar: por que não temos capacidade de execução? Muitas
vezes, porque não temos projeto. E por que não temos projeto? Porque não
temos planejamento. Então, a gente sempre fica numa política reativa e é
natural vivermos nesse tipo de política. Diante do desmonte que teve a
política de preservação do patrimônio cultural nos anos 90, do suca-
teamento de toda essa política em todo o Brasil, o projeto foi de
sobrevivência, mas, agora, estamos invertendo esse ciclo. E, para inverter
esse ciclo com o pé direito, teremos de começar a planejar e pactuar as ações
em médio prazo, e esse é um grande desafio porque não temos, inclusive,
os elementos necessários para um planejamento efetivo, não temos base de
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Acredito que todo esse quadro exposto aqui é que dá base concreta para
uma política integrada de recuperação e preservação do patrimônio cultural.
O desafio atual é entender que esse processo não se trata apenas de mais
uma ação. O PAC e seu Plano de Ação, por mais que se trate de um
programa do governo, e isso é muito bom, para nós, significa a proposta
de um novo modelo de planejamento para uma política de Estado. O que
estamos propondo é partir dos Planos de Ação que estão aqui, nas
Superintendências do Iphan, nos estados, nos municípios e na sociedade,
buscando informações, fazendo uma proposta de planejamento em médio
prazo para uma implementação conjunta que estruture redes de proteção
de cada estado para a preservação do patrimônio cultural. Dessa política
conjunta sairão as assinaturas do acordo de preservação do patrimônio com
cada município e organismos estaduais, propiciando a realização dos fóruns
locais e regionais de acompanhamento e implementação. O objetivo é que
esses fóruns funcionem como elementos efetivos de monitoramento e
avaliação dessa política, através dos quais possamos acompanhar a execução
de nossos projetos e, a partir dessa avaliação, se algo estiver dando errado,
56 possamos mudar a política em curso. Assim, não esperaremos chegar ao
fim do ano para constatar que algo não deu certo. A meta é realizar, a cada
dois anos, o fórum nacional para ir realimentando a definição dessa
política. Ou seja, não está se propondo uma nova coisa, o que está se
propondo é uma nova forma de fazer as mesmas coisas que já fazemos.
Ninguém está propondo inventar a roda, mas que nos organizemos de uma
forma mais efetiva.
Julgo ser fundamental para que esse novo planejamento dê certo,
integrar-se com os instrumentos de planejamento já existentes, hoje, na
sociedade brasileira. Leis orçamentárias, leis orgânicas municipais, planos
diretores, orçamentos participativos, conferências municipais, enfim, todos
os instrumentos vigentes. Ou começamos a pautar a questão do patrimônio
cultural nas conferências municipais de educação, nas conferências
municipais de comunicação e de cultura, assumindo a responsabilidade de
levar o patrimônio cultural para a transversalidade que dizemos que ele tem,
ou estaremos sendo hipócritas pela nossa incapacidade de promover essa
transversalidade nas nossas comunicações e na nossa ação cotidiana na
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Conferência 1
sociedade brasileira. Acredito, portanto, que essa é uma responsabilidade
que todos nós temos de assumir: a de levar o patrimônio para todos esses
elementos de planejamento e de participação na sociedade brasileira.
Vejamos um balanço rápido dos Planos de Ação que teve adesão de 162
cidades, das 173 cidades que compõem o PAC das Cidades Históricas.
Foram, portanto, mais de 90% de adesão dos municípios, sendo que cerca
de cem cidades já entregaram as suas ações e estão num processo de
estabelecimento dos pactos de ação conjunta. Como se trata de um modelo
de planejamento, não tem linha de chegada, não é uma corrida. Cada um
tem de fazer um processo que garanta efetivo avanço, mas a ideia não é:
“Eu não fiz, eu estou fora”. Não. Você vai poder fazer. Só que os recursos
serão liberados à medida que seu plano estiver pronto. Assim foi o nosso
compromisso com as cidades finalizar os processos de 2009 para garantir os
recursos de 2010, dentro dos Planos de Ação.
Agora, passarei mais rapidamente às metas do I Fórum Nacional do
Patrimônio Cultural, cujo objetivo central, a meu ver, é discutir e avaliar
a atual política de patrimônio cultural, numa avaliação franca, através da
qual devemos expor, da maneira mais sincera possível, nosso ponto de vista
para que possamos avançar. Creio que não se trata de um lugar para
falarmos, exclusivamente, de nossas qualidades, mas também de nossas 57
emergências e dos nossos problemas, visando às definições de diretrizes,
às estratégias de atuação, além dos nossos desafios. Assim, poderemos, de
fato, estruturar o Sistema Nacional de Cultura e uma Política Nacional de
Patrimônio Cultural.
A previsão, e Roberto Peixe poderá falar disso com mais propriedade, é
que o Sistema seja aprovado no Congresso Nacional, no começo de 2010.
Nossa meta é estabelecer o Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, por
meio de Decreto, também nesse ano. Teremos, durante o fórum, os
momentos das conferências, as quais vão propiciar socializações com todos,
trazendo questões e panoramas maiores para que todos possam
compreendê-los e fazer um debate das questões gerais. Teremos, ainda, as
quatro sessões temáticas, cujo objetivo será trabalhar na proposta de
regulamentação do patrimônio cultural, além de instrumentos e formas de
financiamento, compartilhamento e definição de papéis; instrumentos e
formas de funcionamento e marcos legais de regulação. Mas não eram três
pilares? É que nós dividimos o instrumento de coordenação da política em
dois grupos porque, na questão de instrumentos e formas de funcio-
ForumPatrimonioCap2:Layout 1 5/30/12 4:09 PM Page 58
Vo l . 1
Conferência 1
porque é entendido como parte da identidade de um governo antecessor.
Por isso, temos de garantir que esse avanço no qual estamos trabalhando,
que esse tratamento que temos dado ao patrimônio cultural como política
de Estado, seja reconhecida e regulamentada dessa forma, ainda neste
governo.
Não podemos deixar de falar ainda que, em agosto de 2011, nos
encontraremos no II Fórum Nacional do Patrimônio Cultural. Não
realizaremos mais os fóruns no mês de dezembro, para evitar que todos
fiquem preocupados com a sua execução orçamentária, com a finalização de
trabalhos ou com a agenda de fim de ano. E, principalmente, para garantir
um tempo propício para fazermos uma discussão maior, realizando fóruns
com a duração de uma semana, não apenas três dias.
Gostaria de deixar um último lembrete, afirmando que preservar o
patrimônio não é olhar para o passado, mas pensar as coisas que devem
fazer parte do futuro e fazer isso, sempre, agregando esses valores para a
sociedade, a qual deve ser o referencial do nosso trabalho. Encerro com esse
lembrete por acreditar ser fundamental esse entendimento por todos nós.
59
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Vo l . 1
O S I S T E M A S E TO R I A L D E
P AT R I M Ô N I O N O Â M B I T O D O
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
S I S T E M A N A C I O N A L D E C U LT U R A
RESUMO
*Designer, arquiteto O texto fala sobre o Sistema Nacional de Cultura, criado com a proposta
e gestor cultural;
coordenador geral de
de funcionar como um instrumento para a implementação das políticas
Relações Federativas públicas de cultura como políticas de Estado. O Sistema Nacional pretende
e Sociedade –
SAI/MinC e
promover a articulação entre os sistemas setoriais, funcionando como o
coordenador do conjunto de partes integradas que interagem. Contextualiza o Iphan nesse
Sistema Nacional de
Cultura
cenário como um órgão cuja atuação, por ser mais descentralizada e estar
presente em todo o país, pode ser referência para os demais órgãos do MinC
no processo de implantação do SNC e dos demais sistemas setoriais.
60
PALAVRAS-CHAVE
Sistema Nacional de Cultura, Sistemas Setoriais, Políticas públicas.
Debates
do ministério e ajudá-los nesse processo de mudança. É o que colocamos
sempre nos debates do Sistema Nacional de Cultura, que têm sido
realizados em todo Brasil, em todos os estados brasileiros, desde julho deste
ano de 2009. Nesse ciclo de Seminários, a apresentação do Sistema de
Patrimônio já foi feita de maneira descentralizada pelos superintendentes
regionais ou pessoas da Superintendência de cada estado.
Nesses encontros com os gestores estaduais e municipais de todo o país,
temos afirmado que o processo de implementação do Sistema Nacional de
Cultura, ao contrário do que se pensa, não vai começar agora, ele já
começou há bastante tempo. Esse processo vem sendo realizado, em
algumas cidades brasileiras, antes mesmo do atual governo. Várias dessas
experiências serviram de referência, em 2002, para a formulação do
programa de governo na área da cultura, de Lula, então candidato a
presidente, intitulado “A imaginação a serviço do Brasil”. Esse programa
tinha como um dos pontos centrais exatamente a constituição do Sistema
Nacional de Cultura.
O entendimento é de que as políticas de cultura não podem ficar apenas
no nível de políticas de governo; elas têm de assumir o patamar de políticas
de Estado, com continuidade, permanência, têm de ser estruturadoras e
democráticas, no Estado de Direito. Nesse aspecto, a Constituição Brasileira 61
é avançada, assegurando a participação da sociedade não apenas através da
democracia representativa, mas também, da democracia participativa.
Portanto, o grande desafio é constituir instâncias de participação social
que contribuam na formulação, no acompanhamento e na implementação
das políticas públicas de cultura. Como os governos são transitórios, são
essas estruturas da sociedade que vão assegurar a continuidade das políticas
públicas, porque a institucionalização dessas políticas, através do
estabelecimento de marcos legais, é importante, mas não suficiente.
É interessante observar que na minha vinda para o I Fórum Nacional do
Patrimônio Cultural, encontrei, no avião, um cidadão que vestia uma
camisa em que estava impresso “O SUS é patrimônio dos brasileiros”. O
Sistema Único de Saúde está inserido na Constituição Brasileira, mas
mesmo assim foi ameaçado por tentativas de privatização em governos
passados. Sua manutenção foi assegurada não somente por sua base legal,
institucional, mas, principalmente, por esse apoio da sociedade. O SUS foi
construído com a participação social, e isso é fundamental.
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Debates
o desafio do Estado brasileiro é democratizar e universalizar esse acesso.
Os direitos culturais constituem a plataforma básica da Política Nacional
de Cultura: o direito à identidade, à diversidade, à participação na vida
cultural (envolvendo o direito à criação, fruição, difusão e participação nas
decisões de políticas públicas de cultura) além do direito autoral e do
direito, que é ao mesmo tempo um dever, de cooperação cultural
internacional.
À dimensão simbólica e à dimensão cidadã – que está calcada
basicamente na garantia desses direitos culturais – soma-se a dimensão
econômica, que se dá através do papel da cultura; do conhecimento, da
informação, que é cada vez maior na sociedade, e que passa a ter um peso
cada vez mais forte, inclusive como um dos setores da economia que mais
cresce no mundo, passando, desse modo, a ser um dos componentes
centrais desse processo de desenvolvimento, em que o Estado tem de exercer
o seu papel estabelecendo marcos regulatórios da economia da cultura, em
todos os seus campos.
A partir desses pontos é que surge o Sistema como instrumento para a
implementação dessa política. Nós o trabalhamos apenas como a
constituição dos seus componentes. O que é imprescindível, mas não
suficiente. O sistema é mais do que isso, é um conjunto de partes integradas 63
que interagem, isto é, tem de ter conexão para haver interação. E isso resulta
numa ação do conjunto que pode ser maior ou menor do que a soma das
partes, inclusive porque esse conjunto tem características, tem qualidades
intrínsecas ao sistema que não estão em nenhuma das partes isoladamente.
É fundamental o entendimento de sistemas setoriais – como o de
patrimônio – como parte de um sistema maior que é o Sistema Nacional
de Cultura, o qual envolve todas as áreas da cultura. É aí que nós vamos
encontrar uma série de pontos que já está sendo discutida em conjunto.
Foi ideia de Weber Sutti a constituição, no ministério, de um Grupo de
Trabalho que reúna os coordenadores do Sistema Nacional de Cultura e do
Conselho Nacional de Política Cultural com os coordenadores dos Sistemas
setoriais existentes; de museus, de bibliotecas e o de patrimônio, que está em
processo de construção. E nesse trabalho integrado há vários pontos a serem
resolvidos. Creio que este fórum é, exatamente, o espaço para isso. Alguns
desses pontos já foram trabalhados pelo Weber, tentarei aqui avançar um
pouco mais nessas questões.
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nós entendemos que o decreto que criou o Sistema Federal de Cultura deve
ser reestruturado nessa nova concepção do Sistema, porque, na verdade,
todos os seus componentes são de natureza nacional e não apenas federal;
eles envolvem as outras esferas, os outros entes federados e tudo isso em um
ambiente maior, que é a sociedade.
Alguns pontos fundamentais devem ser observados em todos os
componentes do Sistema e devem estar presentes, evidentemente, no
Sistema de Patrimônio. São princípios que deverão ser inseridos na
Constituição Brasileira por meio da emenda constitucional, que institui o
Sistema Nacional de Cultura. São os princípios da diversidade, da
universalização, da cooperação, do fomento, da integração e interação, da
complementaridade, da transversalidade, da autonomia, da transparência,
da democratização e da descentralização.
São onze princípios que devem nortear todos os componentes do
Sistema, seja municipal, estadual ou distrital, sejam os Sistemas setoriais,
porque eles, na verdade, orientam todas as relações e comportamentos no
64
âmbito do Sistema Nacional de Cultura.
O objetivo do Sistema, em última instância, é o desenvolvimento amplo,
num sentido abrangente, não da cultura isoladamente, mas da cultura como
parte de um processo de desenvolvimento humano, econômico e social,
que assegure os direitos culturais e o acesso universal aos bens e serviços
culturais.
O grande desafio na concepção do Sistema era desenhar uma estrutura
que possibilitasse garantir a sua estabilidade institucional e política, do
ponto de vista legal, jurídico, inclusive constitucional, e que ao mesmo
tempo tivesse flexibilidade para se adaptar às características da complexidade
e da dinamicidade da área da cultura.
O Sistema de Cultura tem pontos comuns com outros sistemas, como
o da Saúde, da Assistência Social, do Meio Ambiente e outros nacionais.
Mas tem pontos específicos para atender as características da área cultural,
principalmente essa dinamicidade e complexidade da cultura.
A solução foi criar um núcleo estático para consolidar a parte legal, a
parte jurídica do Sistema, inicialmente inserindo-o na Constituição Federal,
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Debates
por meio da Emenda Constitucional 416/2005, para em seguida ter leis
ordinárias, decretos e outras normas que complementem essa legislação.
Mas, entendemos que muitas questões do Sistema Nacional de Cultura,
que fazem parte dessa dimensão dinâmica, não serão inseridas na legislação,
serão acordadas nas instâncias de articulação, pactuação e deliberação do
Sistema, que são as conferências, os conselhos e as comissões intergestoras.
Surge aí o desafio de como articular e integrar os Sistemas Setoriais com o
Sistema Nacional.
Os componentes básicos do Sistema são: órgão gestor, conselho,
conferência, plano, sistema de financiamento – no qual o fundo é o
elemento central –, sistema de informações e indicadores culturais e os
sistemas setoriais – que no seu interior basicamente reproduzem esses
mesmos componentes.
Então, como integrar, por exemplo, o sistema de informações da área
de patrimônio com o sistema nacional de informações e indicadores
culturais, para a obtenção de um sistema nacional integrado, em que se
tenha acesso amplo, em que todos os municípios, todas as instâncias
públicas, e mesmo privadas, que atuam no campo da cultura, possam
fazer um planejamento consistente a partir de dados seguros? Depois (e
ainda), sistemas de informações capazes de avaliar a implementação das 65
políticas, de ter indicadores que vão mensurar a eficácia dessas políticas
ao longo do tempo.
Temos, também, os programas de formação na área da cultura. Nós já
estamos, inclusive, com um curso piloto sendo colocado em prática no
estado da Bahia, por meio de uma rede que se constituirá a partir do
mapeamento das instituições educacionais do país que atuam na formação
cultural. Esse curso será disseminado em todo Brasil, a partir do próximo
ano, exatamente para qualificar e capacitar os gestores.
Temos, ainda, as comissões intergestoras, que são comissões de gestores
públicos nas três instâncias de governo, sendo a tripartite no plano nacional,
envolvendo a União, Estados e Municípios, e a bipartite nos Estados,
envolvendo os gestores estaduais e dos municípios das diversas regiões de
cada estado.
São esses os componentes do Sistema. Eles basicamente se agrupam dessa
forma e é importante haver uma correlação no interior de cada Sistema
Setorial com essa estrutura geral do Sistema.
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Sistema Setorial.
Depois, as instâncias de articulação, pactuação e deliberação, com as
conferências, os conselhos e as comissões intergestoras. Poderão constituir
outras instâncias; evidentemente essas são as básicas, mas em função das
especificidades de cada Sistema Setorial, de cada Estado ou de cada
município, poderá haver outras instâncias, especialmente fóruns, colegiados,
câmaras e outros tipos de colegiados, mas que devem ter uma inter-relação
com esses componentes. Por exemplo, os fóruns devem ter uma relação
direta com os conselhos de política cultural, essa é uma questão, um debate
que temos que travar. Outra questão é: como fica a relação entre os
Conselhos de Patrimônio e os Conselhos de Política Cultural?
Aqui em Minas Gerais especialmente, como já foi dito, a lei estadual
provocou a criação de conselhos e fundos de patrimônio nos municípios e
isso foi importante. Agora, com o Sistema Nacional de Cultura, temos os
Conselhos de Política Cultural e os fundos de cultura. Então, como ficam
esses fundos e esses conselhos de Minas Gerais? Vai haver em cada
66
município dois conselhos – um de política cultural que é mais abrangente
e um específico para área de patrimônio? Ou os conselhos de patrimônio
vão se adaptar à concepção do Sistema Nacional de Cultura, reestruturando-
se e incorporando novas atribuições relacionadas às demais áreas da cultura?
Temos, também, outros sistemas setoriais como o de museus e o de
bibliotecas. É preciso dimensionar a capacidade e também a racionalidade
do ponto de vista organizacional e ver como é possível integrar, no interior
de cada sistema, esses diversos papéis e funções que, no fundo, é o que vai
dar alma, vida, dinâmica aos próprios conselhos de política cultural. Acho
que é um desafio definir como fazer essa integração no interior dos sistemas.
Depois, há ainda os instrumentos de gestão, que são os planos, os
sistemas de financiamento – aí o fundo de cultura aparece como elemento
central –, os sistemas de informações e indicadores culturais e os programas
de formação.
Por fim, temos os sistemas setoriais: o de museus e o de bibliotecas, já
em funcionamento, e o de patrimônio, em construção. O de bibliotecas,
por exemplo, hoje é restrito a bibliotecas e deve ser revisto para que passe a
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Debates
ter uma abrangência maior, envolvendo livro, leitura e literatura, que são
áreas que já têm políticas públicas. São questões que estão em discussão.
O Sistema de Patrimônio tem uma situação mais favorável, porque ele
está se formando agora e já pode se constituir de uma maneira totalmente
integrada ao Sistema Nacional de Cultura. Evidentemente, os outros dois
sistemas terão de fazer alguns ajustes para ficarem coerentes com essa
concepção.
Em linhas gerais, em nível nacional, nós temos já constituídos
praticamente todos os componentes do Sistema Nacional de Cultura: o
Ministério da Cultura; as Conferências – já estamos na segunda; o Conselho
Nacional, instalado desde dezembro de 2007; o Plano Nacional de Cultura.
Aliás, os planos de patrimônio devem ter uma relação direta, devem ser um
desdobramento do Plano Nacional de Cultura. O Plano Nacional,
inclusive, já está inserido na Constituição Brasileira, e encontra-se em fase
final de aprovação no Congresso o projeto de Lei no 6.835/2006, que
institui o Plano Nacional de Cultura para o período de 2010 a 2020.
Teremos, agora, o desdobramento do Plano Nacional de Cultura com os
planos setoriais, com os planos territoriais e, evidentemente, um dos setores
é exatamente o de patrimônio.
O Sistema Nacional de Financiamento está sendo estruturado com a 67
mudança da Lei Rouanet e a criação do Procultura, que fortalece o Fundo
Nacional de Cultura. O Sistema Nacional de Informações e de Indicadores
Culturais também já está sendo implementado, assim como o Programa de
Formação. Falta apenas a Comissão Intergestores Tripartite.
O grande problema é que, apesar desses componentes já existirem, cada
um é uma ilha, com um baixo grau ou nenhuma integração. Não
funcionam como sistema, funcionam como instâncias autônomas. Então,
o grande desafio é criar essa integração. Essa situação se reproduz no nível
dos estados e municípios.
Como já falei, no plano nacional todos esses componentes já estão sendo
colocados em prática, faltando apenas a Comissão Intergestores Tripartite,
que terá de aguardar a constituição das Comissões Bipartites, nos estados,
para ser constituída.
Esse é o estágio em que estamos na constituição do Sistema Nacional
de Cultura. É bom lembrar que o estado do Acre, por exemplo, já aprovou
na sua Conferência Estadual a Lei do Sistema Estadual de Cultura. A cidade
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Debates
O P RO G R A M A P E R N A M B U C O
N A Ç Ã O C U LT U R A L
RESUMO
A Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, na *Arquiteta,
gestão 2007-2010, tem tido como base o Programa Pernambuco Nação professora adjunta
aposentada da UFPE
Cultural. Esse programa tem focado a diversidade cultural do Estado através e diretora de
de um modelo de desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável com Preservação Cultural
da Fundação do
uma proposta de políticas integradas do cais (litoral) ao sertão (interior), nas Patrimônio
12 Regiões de Desenvolvimento – RD e no Distrito de Fernando de Histórico e Artístico
de Pernambuco –
Noronha. Por sua vez, a política de preservação do patrimônio cultural, Fundarpe
vinculada ao Pernambuco Nação Cultural, tem como objetivos:
potencializar o desenvolvimento cultural; preservar, difundir e pesquisar o
patrimônio em suas várias vertentes; desenvolver processos de formação e
qualificação profissional; fomentar a produção cultural e potencializar a
economia da cultura e; assegurar a participação dos segmentos culturais na
formulação, controle e avaliação da política pública de cultura. 69
PALAVRAS-CHAVE
Patrimônio cultural, Preservação e Políticas públicas.
INTRODUÇÃO
A Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco –
Fundarpe é o órgão que tem como responsabilidades a formulação, a
implementação e a execução da Política Pública de Cultura – PPC do
Estado de Pernambuco.1 As dimensões de sua atuação têm crescido desde 1. PERNAMBUCO
Nação Cultural.
a sua criação, na década de 1970. Informativo da
Fundação do
A gestão do governador Eduardo Campos tem sido realizada de maneira Patrimônio
a congregar e integrar os diversos atores públicos e a sociedade civil, por Histórico e Artístico
de Pernambuco.
meio de fóruns regionais, por linguagens e culturas, além de conferências Gestão 2007-2010 –
para se alcançar um modelo de cogestão, que possibilite interiorizar as ações Plano de Gestão, p.
8.
das políticas. A abordagem do tema base “Políticas integradas de preservação
do patrimônio cultural, desenvolvimento social e econômico” foi
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Debates
nº 11.005, foi sancionada no dia 20 de dezembro de 1993, com os objetivos
de apoiar o desenvolvimento, incentivar e estimular a cultura
pernambucana.10 Foi modificada pela Lei nº 12.629, de 12 de julho de 10. Ibid., p. 191.
2004, que alterou a denominação para Fundo Pernambucano de Incentivo
à Cultura – Funcultura /SIC, a ser gerido pela Fundarpe.11 11. Ibid., p. 192.
A GESTÃO 2007-2010
A proposta de gestão da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco, no período de 2007 a 2010, corresponde ao Governo
Eduardo Campos, que tem à frente, como diretora-presidente, a arquiteta
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inclusivo e sustentável.
O FUNCULTURA
O Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura – Funcultura é
considerado um pilar estruturador do modelo de gestão participativa e
regionalizada que apoia os planos de ações da Fundarpe por áreas e
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Debates
linguagens. Fomenta, ainda, as ações governamentais e as dos produtores,
por meio de linhas de ação holísticas e estruturadoras, focadas na
preservação, formação, fomento, fruição, difusão e desenvolvimento
sustentável da cultura.
Destaque especial cabe aos projetos dos produtores independentes, que
de 2006 a 2008 tiveram ampliados, de modo considerável, o número de
produtores cadastrados; os investimentos; o número de projetos aprovados,
além da distribuição regionalizada dos investimentos.15 O Funcultura tem 15. PERNAMBUCO.
Op. cit., p. 5.
permitido estimular áreas e linguagens culturais desde a sua criação até a
gestão atual.
A ampliação dos participantes tem ocorrido pelas estratégias de
divulgação adotadas, que capacitam os produtores culturais no
entendimento e preenchimento do formulário de apresentação dos projetos.
Os projetos da área de Patrimônio Cultural passam por propostas de
restauração, ações de educação patrimonial, pesquisas, projetos de
intervenção, elaboração de inventários, estruturação de arquivos, entre
outras, ou seja, o fundo tem cumprido a sua missão de incentivar a
produção cultural como um bem social e econômico do Estado.
Observa-se, porém, pelos dados consolidados dos últimos cinco anos,
que o valor total dos projetos aprovados, relacionados à área de patrimônio, 73
não é significativo, quando comparado aos apresentados nas demais áreas 16. As áreas culturais
culturais,16 representando em média 7,5% do total do valor financiado. do Funcultura são:
artes cênicas;
Esse número sinaliza um desconhecimento e/ou não adoção da linha de fotografia; literatura;
financiamento do Funcultura pelos profissionais ou pesquisadores da área música; artes plásticas
e gráficas; cultura
de preservação do patrimônio. popular, folclore e
artesanato; cultura
O patrimônio imaterial encontra-se, ainda que indiretamente, inserido popular e tradicional;
em projetos de cultura popular ou de audiovisual, cujos objetos, tais como artesanato;
patrimônio; pesquisa
o maracatu, o caboclinho, o coco, a ciranda, entre outros, correspondem a cultural; artes
bens de natureza imaterial. Quanto ao patrimônio material, por ter integradas; formação e
capacitação e
características de conservação mais técnicas, relacionadas à engenharia e à gastronomia.
arquitetura, concentra seus profissionais numa esfera de divulgação distinta
da dos produtores culturais.
Dessa forma, como estratégia para incrementar o papel do Funcultura
como canal de financiamento para a preservação do patrimônio, sobretudo
o material, faz-se cada vez mais necessário um projeto maior de divulgação
nos meios profissionais próprios desses campos disciplinares, tais como o
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Debates
Pernambuco Nação Cultural, realizados nas doze RD, e em municípios
incluídos nas 10 rotas turísticas de Pernambuco, em parceria com a Empresa
Pernambucana de Turismo – Empetur.
A produção e publicação de cartilhas sobre o patrimônio material e
imaterial de Pernambuco, além das publicações sobre seus acervos culturais;
a interiorização da celebração da Semana do Patrimônio Cultural de
Pernambuco; a realização das escutas de patrimônio, durante os Fóruns
Regionais de Cultura, realizados em municípios estratégicos, onde artistas,
produtores, representantes governamentais e agentes culturais discutem,
propõem e planejam ações de forma democrática, regionalizada e
participativa, também são ações que foram introduzidas pela Fundarpe na
área de Preservação.
O produto desses encontros serve como base para traçar e definir
caminhos e regras para o desenvolvimento e integração das ações culturais
no Estado, de acordo com suas identidades,19 além de ser parte integrante, 19. PERNAMBUCO
Nação Cultural.
na elaboração do Mapa Cultural de Pernambuco, site cartográfico com o Informativo da
levantamento dos ativos culturais do Estado georreferenciados, que Fundação do
Patrimônio Histórico e
disponibiliza em rede – internet, as informações de que a Fundarpe dispõe, Artístico de
relativas ao mapeamento dos bens materiais e imateriais de Pernambuco, Pernambuco. Balanço/
Ações 2007, p. 7.
bem como os beneficiados em programas de fomento. Esse site tem como 75
objetivo funcionar como sistema de informações atualizadas e atualizáveis
sobre os ativos culturais de Pernambuco, estimular o conhecimento e
apropriação dos patrimônios em cada município e permitir aos usuários do
mundo inteiro conhecer a cultura do Estado. O site está disponível no
endereço www.mapacultural.pe.gov.br.
A página de Preservação, no Portal Pernambuco Nação Cultural,
hospedada no endereço www.nacaocultural.pe.gov.br é outra ferramenta
digital de conhecimento e informação, onde, até o presente momento, já
foram disponibilizados 82 textos, 73 imagens e 10 notícias sobre
preservação e, finalmente, a digitalização do acervo do Registro do
Patrimônio Vivo, assim como de todos os candidatos concorrentes ao
Registro.
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REFERÊNCIAS
http://www.nacaocultural.pe.gov.br/plano-de-gestao-da-fundarpe, acessado em 26 de fevereiro de
|
2010.
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
MENEZES, José Luiz Mota. Ainda chegaremos lá: história da Fundarpe. Recife: Fundarpe, 2008.
PATRIMÔNIOS de Pernambuco: materiais e imateriais/ Fundação do Patrimônio Histórico e
Artístico de Pernambuco. Recife: Fundarpe, CCS Gráfica e Editora, 2009.
PERNAMBUCO. Diário Oficial do Estado. Decreto nº 30.391, de 27 de abril de 2007.
Regulamento da Fundarpe. Recife, 28 de abril de 2007.
PERNAMBUCO Nação Cultural. Informativo da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco. Gestão 2007-2010 – Plano de Gestão.
PERNAMBUCO Nação Cultural. Informativo da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico
de Pernambuco. Balanço Ações realizadas em 2007.
76
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Debates
A EXPERIÊNCIA REFERENCIAL E
PREMIADA DE JOÃO PESSOA
Fernando Moura*
RESUMO
Sintético panorama do desenvolvimento das políticas públicas de * Jornalista, editor,
escritor, pesquisador
preservação da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, num ciclo histórico e coordenador do
de 20 anos. Seus avanços e recuos, problemas e alternativas, hiatos e parcerias, Patrimônio Cultural
– Prefeitura
culminando com a escolha do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade Municipal de João
2009, na categoria Apoio Institucional e/ou Financeiro, pelo projeto Pessoa
Programa Integrado de Preservação do Patrimônio Cultural de João Pessoa.
PALAVRAS-CHAVE
Patrimônio, Preservação, João Pessoa.
Vo l . 1
que se mantém até hoje, e da qual Cláudio Nogueira foi coordenador, além
da criação da Oficina-Escola de João Pessoa, a primeira na América Latina.
O Brasil, hoje, tem cinco ou seis, se não me engano, algumas com
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Debates
por hora. É apenas para termos uma noção da importância dessa cidade no
contexto nacional.
O fato é que o processo teve início na década de 1980 e não mais parou,
mesmo que lenta, pontual e desarticuladamente em algumas ocasiões, foi
um processo permanente, continuado, evolutivo. Isso levou a Prefeitura a
criar, no ano passado, uma Coordenadoria de Proteção do Patrimônio
Cultural, da qual sou coordenadora e na qual, efetivamente este ano,
começamos a trabalhar. O decreto foi em julho do ano passado e durante
os seis meses seguintes, em decorrência inclusive das eleições, houve uma
estratégia de formatação do que seria essa Coordenadoria no futuro e quais
as ações que ela deveria priorizar. Naquele momento, a sociedade foi
convocada e veio de forma muito presente, exatamente por essa
característica de estar há mais de vinte anos trabalhando, entendendo,
participando, vislumbrando muitos problemas, mas também algumas
soluções. Então, ela atendeu ao chamado e isso resultou num seminário,
com duração de vários dias e em dois momentos diferentes, no qual foi
estabelecido um Plano de Ação compartilhado e integrado. Esse Plano de
Ação determinou linhas específicas para que, a partir de 2009, viéssemos a
aplicá-las, ampliando e adequando alguns pontos.
Essa é uma das razões de estarmos aqui neste momento. Inclusive, ainda 79
serão expostas, nesta conferência, algumas experiências na área da educação
patrimonial, por mim e outra colega. Assunto que tem sido referência e tem
alcançado certa visibilidade por conta, exatamente, desse compartilhamento,
dessa pactuação e integração entre os setores da sociedade envolvidos com a
matéria. Na verdade, até nos surpreendeu o avanço que se teve com a
educação patrimonial em rede, porque conseguimos juntar as universidades,
as esferas governamentais, a iniciativa privada, o próprio município e o
Iphan, como parceiros iniciais e fundamentais nesse processo.
Em 2009, fomos também surpreendidos com o Prêmio Rodrigo Melo
Franco de Andrade, no qual ganhamos na categoria Apoio financeiro e/ou
institucional. Todo mundo cria expectativa de ter algum ganho nesses
processos, principalmente o ganho político, institucional e o do
conhecimento, mais do que os recursos, mais do que a divulgação ou a troca
de experiência. Mas, nos surpreendeu de certa forma. E por que nós
ganhamos? Por que a cidade de João Pessoa, com um órgão com menos de
um ano de gestão, conseguiu essa premiação tão cobiçada e entregue pela
primeira vez à Paraíba?
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administrativas e políticas.
Estamos no dia 14 de dezembro de 2009, do século XXI, do terceiro
milênio. Há trinta anos essa identificação seria vista como uma data de
ficção científica, alguma coisa retirada dos seriados televisivos, como “Terra
de gigantes”, “Perdidos no espaço”, “Os Jetsons”. Enfim, o que seria um
marco de ficção científica, hoje é realidade. Pois bem, mesmo a despeito de
contornos ficcionais e delirantes, há trinta anos um grupo de pessoas
imaginou que três, quatro, cinco décadas depois seria fundamental o
trabalho iniciado naquele determinado momento. Então, essa visão
sistêmica foi colocada no projeto e não apenas os investimentos realizados
nos últimos cinco anos. Compreendemos, assim, que foi exatamente esse
processo integrado e compartilhado que despertou a atenção do Iphan e
dos seus julgadores independentes. Além do próprio referendo do órgão
federal, os componentes da comissão julgadora entenderam que esse talvez
seja um bom caminho a ser seguido.
Longevidade e continuidade, até os dias atuais, são resultantes do que foi
80
feito naquele momento e em outros períodos subsequentes. Com a
sociedade, fundamentalmente, realizamos, nos últimos dez anos, algo em
torno de dez eventos entre seminários, encontros, fóruns e colóquios.
Inclusive, o próprio seminário Monumenta, quando esteve em João Pessoa,
foi esclarecedor e determinante. O Sebrae realizou um, a UFPB realizou
outro, nós realizamos mais um no ano passado, foi criada a Associação do
Centro Histórico Vivo – Acerhvo, da qual fui fundador e primeiro
presidente; uma entidade integrada por membros da sociedade, da
organização civil, do empresariado e por moradores do Centro Histórico,
uma entidade extremamente abrangente, que serviu como interlocutora
permanente com gestões governamentais. O que também, de certa forma,
facilitou o compartilhamento.
Claro que, para alcançarmos esse nível de entendimento, ocorreram
muitos reveses, muitas cabeçadas foram dadas, correções de rotas tiveram
que ser implantadas e vários embates foram travados. Mas o trabalho nunca
parou. Mesmo com altos e baixos, a ação foi continuada e reforçada em
algumas ocasiões, com nítido destaque para os últimos quatro ou cinco
anos. Apenas para se ter uma ideia, foram investidos cerca de R$ 40
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milhões, dos quais 50% eram de recursos próprios. Se considerarmos as
dificuldades de uma prefeitura de porte médio, de um estado pobre da
Federação, entenderemos que o volume de aplicações ganha contornos de
política pública, acenando à sociedade aquilo que ela própria estipularia ao
longo do tempo. Até enfrentamentos difíceis, como a retirada de
comerciantes ambulantes das calçadas centrais, para espaços próprios mais
dignos e ordenados, tiveram que ser travados, independentemente de suas
repercussões “eleitorais”. Mexer em verdadeiros vespeiros, como o
totalmente descaracterizado e inchado Mercado Central, foi o lado menos
romântico desse processo, mas fundamental para que a cidade fosse
recuperando seus aspectos urbanos, paisagísticos e, fundamentalmente,
humanos.
Está tudo resolvido então? Todos conhecem a resposta. Todos sabemos
que esse é um trabalho que só tem início e que irá atravessar gerações,
resultando em outros problemas, outras soluções, outras ferramentas, outras
tecnologias. O grande desafio, na verdade, é o que está por vir, na medida
em que as cidades vão crescendo, desenvolvendo-se e estabelecendo novos
espaços e hábitos que serão, dentro de algum tempo, também referências
urbanísticas, paisagísticas e culturais. Agora mesmo, estamos propondo o
tombamento, como patrimônio moderno, da Estação Cabo Branco de
Ciências, Cultura e Artes, obra de Oscar Niemeyer, erguida em pleno 81
Parque Ecológico do Cabo Branco, ponto extremo oriental do Brasil. A
edificação, pela localização, pela beleza, pelos objetivos pedagógicos e pela
autoria, já nasce histórico e deve ser entendido como patrimônio desde já.
Estarmos atentos ao passado e projetarmos o futuro será vital na equação a
ser formulada por gestores, técnicos e pela sociedade, na perspectiva de um
crescimento sustentável, respeitoso e cidadão.
Sob essa lógica, acredito que sejam esses alguns dos fatores da premiação
que recebemos e de estarmos aqui nesta sessão de abertura de evento tão
relevante para o patrimônio cultural brasileiro.
Quero salientar dois aspectos, para que possamos fomentar o debate hoje
e nos próximos três dias de conferência. Carla, integrante da Prefeitura de
Areia, me chamava a atenção ontem para o que sentiu na elaboração do
Plano de Ação de Areia: certo distanciamento de outros ministérios em
relação ao Ministério da Cultura e do Iphan. Não por descompromisso,
mas, talvez, por não conhecerem em profundidade algumas das questões
inerentes ao patrimônio cultural. Talvez isso, com a visão técnica
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Debates
E, para finalizar efetivamente, gostaria de lançar João Pessoa como
candidata para a realização do já anunciado segundo fórum, em 2011, uma
vez que esse segundo encontro ainda não tem uma sede definida. Cidades
como Ouro Preto, Salvador, Rio de Janeiro, São Luiz, Olinda, Recife, entre
inúmeras outras, de relevância para a nossa história, já tiveram os seus
espaços devidamente firmados e compartilhados com o restante do Brasil.
Por continuada visibilidade, essas localidades são referências automáticas
quando pensamos em problemas e soluções ligadas ao espectro patrimonial.
João Pessoa, ainda não. Mesmo sendo tão antiga – ou mais – que algumas
dessas, a capital paraibana permanece há décadas fechada em copas,
expondo-se apenas quando é visitada ou estudada por interessados na
temática, como o presidente Luiz Fernando, um grande admirador e
parceiro da cidade. Mas não há um entendimento generalizado da sua
estrutura espacial, ambiental e histórica e, muito menos, de suas
perspectivas referenciais.
Que tal passear pelas mesmas ruas que transitou um dos maiores poetas
da humanidade, Augusto dos Anjos? Ou visitar os ambientes e respirar a
história da Revolução de 30, cuja Paraíba foi o estopim? Por que não fazer
o mesmo roteiro do imperador Pedro II, em sua última visita fora da capital
do Império? Ou conhecer a igreja barroca “mais formosa do Brasil”, a São
Francisco, na ótica de Mário de Andrade? Ou, ainda, desfrutar de seu verde, 83
de seus ventos, de suas águas, de seus cheiros, que credenciaram a capital
paraibana a ser uma das mais ecológicas do mundo? Conhecer, por exemplo,
a Lagoa, um dos seus mais simbólicos e agradáveis espaços, local onde
nasceu Geraldo Vandré e onde está localizada a escultura A pedra do reino,
em homenagem a Ariano Suassuna – mais uma opção de deleite e
conhecimento? Falar nas praias de Tambaú, Cabo Branco, Manaíra, Jacaré
e Seixas é provocá-los a se incorporarem a uma malha de beleza e
preservação responsável, na lógica de uma legislação que impede a
construção de espigões à beira-mar.
Por tudo isso e muito mais – tanto que me limitarei a esses exemplos –
projeta a realização de um fórum dessa magnitude como tão produtivo e
empolgante como este, realizado no chão dos libertadores da pátria. De
forma diferente, somos iguais nos tesouros preservados ou perdidos. Daí a
proposta para apreciação dos senhores e senhoras. Aguardaremos todos com
a decantada hospitalidade, alegria e operosidade dos paraibanos. Quem não
conhece, terá a oportunidade de se deparar com uma das joias da coroa
brasileira. Até lá e muito obrigado!
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RESUMO
*Diretor- A história da Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri, do
presidente da
Fundação Casa
Ceará, espaço agraciado, em 2004, com a Ordem do Mérito Cultural do
Grande – Ministério da Cultura e que, em novembro de 2009, passou a ser casa do
Memorial do
Homem Kariri
patrimônio. Trata-se de um relato de como uma casa antiga, restaurada por
moradores locais, tornou-se o centro de um movimento sociocultural que
transformou a vida de crianças e moradores da pequena cidade de Nova
Olinda, no Ceará. A história da “Casa Grande”, como ficou conhecida pelas
crianças, sintetiza o processo de identificação de um patrimônio cultural a
partir de seu reconhecimento pela própria comunidade.
PALAVRAS-CHAVE
Nova Olinda, Comunidade, Patrimônio.
84
Debates
fachada, que cor era dentro, o que acontecia na casa... Pegamos os pedreiros
antigos da cidade, acostumados a derrubar casa velha, e começamos a
restauração.
Minha formação é de músico popular e, na verdade, tudo começou por
causa da pesquisa musical que tínhamos na região, voltada para a música na
pré-história do homem. Andávamos por lá e tínhamos as lendas regionais
para pesquisar, para saber informações, para fazer música, participar de
festivais e fazer espetáculos nessa linha. E pegávamos pedra, semente,
madeira desses lugares, fazíamos os instrumentos, tocávamos e
executávamos a música com o material da localidade. Depois, ficamos
sabendo que aquilo ali, aquelas cavernas com aquelas pinturas, chamavam
“acervo arqueológico” e, depois, soubemos que aquela lenda era chamada de
“acervo mitológico”.
Passamos, então, esses nossos objetos para dentro da casa que
restauramos e que passou a guardar, também, os presentes que ganhávamos.
Sim, porque o povo ia plantando na roça e quando estavam trabalhando,
muitas vezes cavando, encontravam uma pedra, que chamava pedra de
corisco, e botava para escorar a porta. Ali, era um artefato lítico que eles
escoravam, e a gente foi andando por esses lugares, pesquisando, lendo e as
pessoas foram doando para nós esse acervo e começaram, também, a visitar 85
a nossa casa e conversar e contar história, então, resolvemos pegar a casa do
meu avô, restaurar e colocar esses objetos lá dentro. Fizemos um memorial
que denominamos Memorial do Homem Kariri, porque os índios que
habitavam essa região eram os índios Kariris.
Está aí a casa que fizemos. Surpreendemo-nos quando as crianças da
cidade a invadiram começando a tomar conta da casa, vendo a gente
explicar aquele espaço para o povo. E, de repente, começaram também a
explicar a casa para a população. Começamos a perceber o potencial que
existia naquelas crianças porque não foi a juventude, não foram as pessoas
adultas da cidade, que começaram a visitar aquele pequeno museu; eram os
meninos que iam lá ver como a gente explicava a história da casa e dos
objetos que foram se juntando dentro dela. Começaram, então, a explicar
e a passamos a dar funções para esses meninos. Aquele que explicava,
colocamos o nome de “diretor de pesquisa”, responsável pelo museu. E ele
recepcionava as pessoas que andavam por lá, contava 80% de história real
e 20% ele inventava. Tinha uma caverna lá que ele dizia: “Tem um lugar
aqui que tem vários caminhos, mas não chega a lugar nenhum”.
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criança conta o ano pelo tempo das brincadeiras, o tempo da bilha, o tempo
da pipa, o tempo do pião... E aí chegou um menino que organizava o
campeonato de bilha e nós o denominamos “diretor de cultura”. Teve outro
menino que chegou organizando a casa, chegava e varria, virou o “diretor
de manutenção”, e foram, então, os três primeiros diretores.
Um dia, chegou um gordinho e disse: “Alemberg, eu estou notando que
nessa casa o povo anda de cueca”. Chegou um pequenininho e disse: “Eu
estou notando que o povo está jogando lixo nas plantas”. Respondi: “Então,
você vai ser o ‘diretor dos papeizinhos’, o papel que tiver aí você pega”.
Depois de uma semana, ele chegou para mim e disse: “Alemberg, eu não
quero mais ser diretor dos papeizinhos”. Eu disse: “Então, você está
exonerado”. Aí, ele achou esse cargo muito mais bonito do que diretor dos
papeizinhos, porque exonerado não é para qualquer um. Nasceu assim o
primeiro exonerado.
E a gente começou numa pobreza... Na verdade, começamos na nossa
simplicidade de quem não tinha dinheiro; tínhamos duzentos reais para
86
manter a casa: cem reais para pagar a energia, e cem para botar uma mulher
que morava na frente para olhar os meninos, porque se chegasse uma
autoridade tinha uma pessoa com CPF para dizer, “eu que tomo conta
desses meninos”. É que a gente morava a quarenta e dois quilômetros de
Nova Olinda. A casa começou como uma instituição gerenciada pelas
crianças da cidade e elas, de fato, se apropriaram da casa. E, além de
gerenciar o museu, começaram a interagir com o povo, conversando; foram
se desenvolvendo e trazendo os pais para dentro dela. Depois, resgatamos
uma amplificadora antiga de Nova Olinda, da década de 1940, que era de
meu pai. Eu me criei dentro de uma amplificadora, vendo aquelas capas
dos Beatles, de Bob Dylan, de todo esse povo aí, eu era admirador de capa
de disco lá na rádio.
Resgatamos essa amplificadora para conversarmos com a comunidade,
para que ela soubesse o que tinha dentro daquela casa velha, na qual se dizia,
antigamente, que aparecia alma, que estava em ruína e o povo tinha medo.
E começamos a fazer três programas na amplificadora: o “Submarino
amarelo”, um programa infantil que tocava aqueles discos do Carequinha;
“A hora da saudade,” somente com músicas antigas com cantores como Nat
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King Cole, que faziam parte da história dos ouvintes mais velhos na época;
e o programa “Manhã de feira”, um programa de forró que ia ao ar no dia
da feira da cidade. Mas os meninos começaram a ouvir e passaram, também,
a fazer a programação.
Havia uma coisa interessante: a hora certa era dada pelo jumento. E isso
gerou certo impasse depois do governo Sarney, quando foi criado o horário
de verão. O problema é que, no Ceará, onde os jumentos relincham ao
meio-dia, eles ficaram todos desorientados, sem saber se relinchavam ao
meio-dia ou se relinchavam a uma hora da tarde, porque hora mesmo de
jumento relinchar é meio-dia; esse é o relógio do Sertão, mas começaram a
desorientar o jumento, um relinchava ao meio-dia, outro, que estava por
dentro do plano Sarney, relinchava uma hora depois. O resultado foi que
tivemos de gravar um jumento eletrônico para orientar aquele problema
patrimonial que estava acontecendo na nossa cidade.
Lá fui eu gravar um jumento; passei quase duas horas com o microfone
na boca do jumento e ele não queria nem papo comigo. Daí, subi uma serra
com um binóculo, deixei o microfone lá, quando eu olhei, o jumento estava
com o traseiro virado para o microfone. Eu desisti nesse dia e voltamos
depois, quando eu ia desistindo, de novo, um velho disse: “Meu filho, é
você que anda querendo gravar um jumento? Pois eu tenho um jumento 87
treinado que rincha na hora que eu quiser”. Fomos e, chegando lá, o velho
pegou uma peneira de milho, jogou para cima, na hora que o jumento
ouviu aquela cantiga deu uma relinchada que o ponteiro bateu lá em cima,
no gravador, e quase quebra. Conseguimos, então, gravar aquilo, e ao meio-
dia o jumento relinchava na rádio e, dessa forma, começou a orientar todos
os jumentos. Houve uma afinação e uma sincronia “jumental” lá no Ceará,
que os jumentos ficaram todos relinchando na hora certa. Esse foi o nosso
primeiro patrimônio imaterial.
A casa começou a ser visitada pelas pessoas; começaram a receber notícias
do museu, porque fuxico no Sertão é coisa que corre depressa, pois começou
a correr chão, como se diz, e as pessoas começaram a ir à casa, que foi se
ampliando. Hoje, o museu tem os programas de memória que foram os
primeiros; depois veio o programa de comunicação, que nasceu com a rádio;
em seguida foi criado o programa de artes.
Certo dia, resolvemos olhar o livro que o povo assinava quando ia visitar
a casa e constatamos que já tínhamos recebido entre 1.500 a 3.000 pessoas.
Percebemos, então, que numa cidade com 15 mil habitantes, dos quais 10
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mil vivem na zona rural, restando cinco mil habitantes na cidade, quer dizer,
até eu sair de lá eram cinco mil, não sei se uma velha que estava passando
mal morreu durante esses dias que eu estou aqui e não acessei a internet.
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Mas, o fato é que a gente viu que o museu tinha um potencial de geração
de renda com as famílias e que podia desenvolver o turismo. Foi aí que
nasceu o programa de turismo e, com ele, as pousadas domiciliares, as
lojinhas onde os pais vendem os souvenirs da casa e tudo o mais. Para
administrar essa renda foi criada, então, a cooperativa dos pais, através da
qual 80% do dinheiro eram destinados para as famílias investirem na
reposição do que era gasto quando recebiam as pessoas, para a energia, por
exemplo, que aumentou porque tinha uma pessoa a mais ligando a luz e
para a própria renda da família; 10% iam para a manutenção da
cooperativa, os outros 10%, para um fundo de educação que banca o
transporte escolar para aqueles meninos que passaram no vestibular e
chegaram à universidade, e já são vários.
Uma vez era para eu ganhar uma bolsa de mecânica, me levaram para o
Rio de Janeiro onde encontrei com uma americana que ia comigo até o
lugar onde eu ia fazer a entrevista. No trajeto, ela ia conversando comigo em
português, quando chegamos lá tinha um inglês ou um americano e ela me
disse: “Agora eu vou falar inglês, esse americano vai traduzir para você e
88 depois ele traduz em inglês para mim.” E eu disse: “Mas nós não estávamos
conversando, porque não continuamos falando em português?” E ela: “Não,
porque ele é contratado para isso.” Disse: “Tá bom!” Aí, quando expliquei
o que estava querendo fazer lá no Sertão, ela disse: “Eu não vou dar agora
de advogado do diabo.” E eu disse: “Agora lascou.” E ela: “Isso não vai dar
certo porque o que você está criando, lá no Sertão, não tem mercado de
trabalho para isso, o que vai ocasionar? O êxodo rural.” Aí eu: “O êxodo
rural?” Ela: “É!” E eu respondi: “E esse americano que tá aqui, não é êxodo
rural também? Ele vindo lá da terra dele pra nossa, pra se empregar aqui?
Daí, então, só é êxodo rural pra pobre, pra rico é turismo?”
Mas, voltando à Casa. Hoje ela está centrada em dois pilares: o
laboratório de conteúdo e o laboratório de produção. No laboratório de
conteúdo nós temos uma biblioteca especializada em quadrinhos de
referência e de raridades; duas bibliotecas, uma infantil e outra de referência;
uma dvdteca, onde os meninos conhecem a história do cinema, com um
acervo que possibilita que os meninos, ainda na infância, possam assistir a
clássicos, ou seja, crescem assistindo coisa boa. Através dos acervos, eles têm
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Debates
acesso à arte de qualidade, com bom cinema, podem conhecer a impor-
tância dos quadrinhos pelos roteiristas, pelos desenhistas...
Temos ainda o laboratório de produção, onde havia uma TV que era
toda produzida por criança, desde o roteiro até a filmagem. Ela foi ao ar
durante três meses, daí a Anatel lacrou. Foi lá e disse: “A partir de hoje vocês
não podem transmitir, quem é o responsável por isso aqui?” E responderam:
“É Alemberg.” Eu acabei respondendo a um processo na Polícia Federal e
na Justiça Federal e fui proibido de deixar o país por dois anos. Também,
eu não tinha para onde ir mesmo, foi prisão domiciliar. E, depois disso, nós
temos uma rádio; uma produção de cinema para a comunidade, na qual
todo domingo tem matinê à noite; temos o site da Fundação que é
elaborado e mantido pelos próprios meninos; tem ainda o teatro, onde
criamos os espetáculos. Hoje, por exemplo, estamos com um espetáculo
que tem turnês marcadas para a Itália, Portugal e Alemanha, entre os meses
de março e junho. Sem contar, que os meninos têm feito intercâmbios,
inclusive com parceria com o Unicef, para a extensão da Rádio de Criança,
cuja sede é em Moçambique, onde há 32 programas de rádio feitos por
crianças e para crianças. Em Angola, sete províncias já faziam rádio de
criança para crianças, onde elas são não apenas ouvintes, mas
comunicadores. Estamos falando, portanto, de comunicação apropriada
para as crianças. 89
Conferência 2
BALANÇO DAS AÇÕES DO
P RO G R A M A M O N U M E N TA
RESUMO
O texto faz um balanço das ações do programa Monumenta, do * Coordenador
nacional adjunto do
Ministério da Cultura, que conta com o financiamento do Banco Programa
Interamericano de Desenvolvimento – BID, recursos da União, Estados e Monumenta
municípios e iniciativa privada, além da cooperação técnica da Unesco. O
programa foi criado para atuar de forma integrada e garantir as condições
de desenvolvimento econômico de cidades protegidas, além de promover
ações que garantam a sustentabilidade desses sítios. Prioritariamente, atuou
em 26 cidades, por meio de convênios com Estados e municípios,
investindo mais de 250 milhões de reais nessas ações.
PALAVRAS-CHAVE
Programa Monumenta, Ação compartilhada, Financiamento de imóveis 91
privados.
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Conferência 2
econômica e social a esses sítios. A vocação da área era sempre buscada. No
início, tivemos um grande viés voltado ao turismo, como se o turismo
resolvesse todos os problemas das cidades históricas, como se fosse a única
saída para essas cidades.
Isso foi sendo adequado e acertado no decorrer da execução. Ao longo
desses anos, foram muitos os que passaram pelo Programa, conseguindo
fazer esses ajustes e correções no decorrer do caminho. E, para isso, era
definido o chamado perfil, que já era uma definição de ações dentro do
território. Ações, obras, os usos dos imóveis, ações de promoção de
atividades econômicas, de educação patrimonial, mas muito voltadas para
a formatação de um convênio e de sua execução. Diferente do que estamos
pensando para o futuro, que é o PAC das Cidades Históricas e a elaboração
dos Planos de Ação.
No momento da apresentação do programa localmente, era definido um
perfil dessas ações, mas para formatação do convênio era ainda verificada a
capacidade de contrapartida do Estado ou do município. Por isso, em
algumas cidades, nosso convênio era com o Estado, porque o município
não tinha capacidade de dar a contrapartida necessária. Uma análise
econômica, financeira, resultava num plano de trabalho com ações e valores
definidos e um convênio considerável, de grande porte. Além das ações de 93
fomento, de educação patrimonial, também aconteceram ações de
capacitação de mão de obra específica para o restauro e de fortalecimento
institucional.
O Monumenta é formado por vários componentes. Um deles é o
componente de obras de conservação e restauro de monumentos, intervindo
em espaços públicos, em logradouros, e ações urbanas mais integradas.
Logicamente que, em algumas cidades, as ações foram pontuais e, em
outras, houve uma ação mais integrada no território, com requalificação de
logradouros e, até, com pequenas obras de drenagem, “embutimento” de
fiação etc., caracterizando em vários casos uma grande transformação
urbana.
Até o momento foram investidos cerca de 120 milhões de reais, nesse
tipo de obra. Dentre as obras, estão as de restauro, de elementos integrados
dos monumentos, como, por exemplo, o Conjunto do Carmo de
Cachoeira, uma obra de restauro arquitetônico e de bens integrados; ou a
Matriz de Nossa Senhora de Natividade, um monumento, claro, compatível
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Conferência 2
de estudantes pode trazer muito benefício para a cidade. Em Cachoeira já
tem restaurantes, pousadas se instalando, já dá para sentir a alteração dessa
dinâmica.
E a ação de habitação, em Salvador. Fomos partícipes nessa grande ação
de habitação, a chamada Sétima Etapa. Uma ação articulada entre
Ministério da Cultura, Iphan, Cidades, Caixa Econômica e Governo do
Estado da Bahia, na qual quarteirões da área do Pelourinho – ou Saldanha
– foram ou estão sendo restaurados para habitação de servidores do Estado
e para moradia de algumas famílias que serão mantidas na área.
Temos também o trabalho feito com financiamento de imóveis privados,
a experiência mais inovadora, a nosso ver, neste Programa. Já foi citada aqui
no Fórum essa ação, esse financiamento, mas era uma demanda de
proprietários de sítios urbanos protegidos, os quais sempre sentiam o
tombamento, a proteção, como um ônus. Essa foi uma primeira tentativa,
com êxito, de diminuir isso, de trazer algum benefício, um subsídio
financeiro para esses proprietários, de conseguir investir recursos públicos,
nas casas desses moradores de centros urbanos protegidos. Uma linha de
financiamento somente para imóveis privados nas áreas protegidas.
A experiência do Monumenta ocorreu apenas nas 26 cidades, mas, como
um projeto piloto, demonstrou que é possível disponibilizarmos um 95
financiamento para imóveis privados. Ainda é uma ação muito complicada,
demanda um convênio, editais de seleção, mas é uma linha de crédito com
financiamento a juro zero, com até 20 anos para pagar e flexibilização das
garantias, já que a Caixa Econômica (o banco que operacionalizou a
operação) foi contratada para ser agente financeiro dessa ação.
Conseguimos, dessa forma, flexibilizar garantias, formas de pagamento para
conseguir que a ação fosse exitosa. Porque, por exemplo, a maioria das
pessoas que moram em centro histórico não consegue comprovar a
propriedade: as casas não têm escritura, “o cartório pegou fogo”, etc.
Quem contrai o financiamento é o usuário e não necessariamente o dono
da casa. E esse financiamento é, prioritariamente, para melhorias externas,
estruturais, instalações elétricas, hidráulicas; em alguns casos específicos,
instalações sanitárias, construções de banheiros, escada contra incêndio etc.
Esse financiamento também é usado para adequação e geração de renda,
não somente para habitação. Na verdade, é para habitação e geração de
renda. Não importa o uso, importa que essas casas sejam usadas.
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Conferência 2
poucos os fundos que estão, realmente, operantes. Natividade é uma das
cidades que têm o fundo operante, que já têm ação realizada. Vimos que é
possível.
Abordaremos agora as ações de fomento no Programa, componente de
educação e promoção que previa realização de campanhas, programas
educativos e ações pedagógicas para conhecimento e valorização do
patrimônio. Essas ações, que não são obras, faziam parte do convênio
inicialmente. Em 2005, houve uma mudança depois da constatação de que
a obra acaba se sobrepondo, como prioridade das cidades, a esse tipo de
ação. E a gente sabe o quanto essas ações são importantes e complementam
o trabalho de restauração.
A coordenação do Programa decidiu que essas ações seriam executadas
diretamente como componente federal. Assim, a partir de 2005, elas saíram
dos convênios e, salvo algumas exceções, em algumas cidades as ações foram
propostas pelas unidades locais, as UEPs. A maior parte desse componente
foi executada pelo apoio a propostas selecionadas por editais públicos.
Foram lançados quatro editais, dois em 2005 e dois em 2007, para esse tipo
de ação de educação e para as outras que vou falar mais à frente. E, claro,
tivemos mais uma inovação. Nos lançamentos dos editais, resolvemos que
eles seriam abertos para todas as cidades protegidas, não só para as 26 97
conveniadas. Com isso, abrimos possibilidades e vimos que o resultado foi
muito melhor que o esperado. Temos projetos fabulosos pelo Brasil. Foram
49 projetos educativos selecionados por meio de edital público em 2007,
com investimento de mais de dois milhões de reais. Além do projeto
editorial do Programa, que também foi uma execução direta pela unidade
central, nacional, pelo qual foram publicados mais de 70 volumes, com
cerca de 50 títulos em nove linhas editoriais. Vários desses livros estão
expostos e à venda aqui no Fórum. Esses registros são buscados ou feitos
naquelas ações selecionadas pelos editais, ações que o programa executou
diretamente, que o Iphan executou nas cidades, prioritariamente, nos sítios
de atuação do Programa.
A promoção de atividades com o intuito de estimular a dinâmica
econômica desses sítios, sempre em parceria com a comunidade e o setor
privado no desenvolvimento dos projetos, visa auxiliar a permanência das
manifestações culturais e oferecer alternativa de emprego e renda para as
comunidades. Nesses projetos também existe uma contrapartida das
entidades, ONGs, associações que propuseram os projetos para os editais.
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então, apresentado um projeto em que foi dado apoio para isso e, hoje, a
oficina funciona normalmente. A oficina hoje é um exemplo exitoso de
nossas ações.
Foram, portanto, 76 projetos, inclusive de roteiros turísticos, como parte
da capacitação de agentes de turismo, pelo edital de 2007. Foram 34 as
ações de capacitação de mão de obra, com a criação de centros de formação
de artífices em conservação e restauro e a difusão do conhecimento
tradicional para os profissionais e empreendedores. O início da ação se deu
levando alguns mestres artífices a Veneza para serem treinados em algumas
técnicas específicas. Até hoje, alguns desses mestres atuam em obras de
restauro pelo Brasil, outros dão aula em cursos de formação, sendo que
alguns desses cursos são decorrentes de edital de promoção de formação de
mão de obra. São exemplos de cursos que apoiamos.
O Programa promoveu também o apoio a três núcleos de formação de
restauro: no Rio de Janeiro, Ouro Preto e Olinda – com investimento inicial
de um milhão e meio de reais para a formação de 220 profissionais no
98
primeiro ano, além das iniciativas de formação e capacitação em 20 cidades,
beneficiando quase 1.300 jovens. Essas ações foram apoiadas por meio de
editais e em algumas outras ações – que foram demandadas pelas unidades
locais, por exemplo, Goiás e, mais uma vez, Natividade, onde teve uma
grande demanda pelo financiamento de imóveis privados. Nós promovemos
alguns cursos locais com os serventes, os pedreiros, levando técnicos do
Iphan que conhecem as técnicas de restauro para passar esse conhecimento
e melhorar a qualidade das intervenções, que eram em grande quantidade,
mas, muitas vezes, intervenções simples de telhado, de reboco, mas que
necessitavam de um conhecimento específico.
No fortalecimento do Iphan, o Programa apoiou ainda a produção de
inventários, normas, planos e manuais de preservação, a melhoria de
condições tecnológicas do instituto e a proposição de alternativas
institucionais para gestão do patrimônio cultural brasileiro. Foram 15
cidades apoiadas para elaboração de seus planos diretores no âmbito do
estatuto das cidades. Mais ou menos na mesma época, foram financiados
inventários de bens imóveis e normas de preservação para seis núcleos
protegidos.
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Conferência 2
Também gostaria de destacar, de forma geral, alguns avanços do
Programa. Primeiro, a tentativa inicial de uma efetiva ação integrada. Havia
muito conhecimento acumulado, mas não se havia logrado êxito nessa
tentativa de ação integrada com obras e ações de fomento. Algumas vezes,
essa tentativa teve grande impacto, noutras não. Verificamos que o
Programa foi muito mais bem executado nas pequenas cidades do que nas
grandes. Claro que nas grandes cidades os problemas são mais complexos e
também porque, nessas cidades, o Monumenta é apenas mais um programa,
enquanto nas pequenas ele é “o programa” – tem um peso muito maior
para os pequenos municípios. Por isso ele teve uma ação mais próxima da
planejada, em pequenas cidades como Icó, no Ceará, ou como em
Natividade, em Tocantins.
Outro grande avanço foi a ação de financiamento de imóveis privados,
que já foi muito falada como a primeira experiência e que está sendo
incorporada pelo Iphan, claro, dentro do PAC das Cidades Históricas, nos
Planos de Ação. A nossa meta é conseguir ter uma linha de crédito para
todas as cidades protegidas. É isso que estamos buscando. Hoje ainda não
é possível, temos de usar um instrumento, que é o conveniamento e o
lançamento de editais de seleção. Essa meta não é fácil; na verdade, é
complexa, mas é possível e vamos buscá-la.
99
Percebemos também o avanço das unidades locais, que nasceram como
unidades executoras do projeto – as UEPs. Em várias cidades, elas estão
maiores do que o projeto, o que é ótimo. É uma célula de gestão do
patrimônio cultural daquela cidade. Muitos dos coordenadores nos contam
que, muitas vezes, estraga um paralelepípedo ou qualquer coisa na cidade,
eles vão procurar a unidade do programa para resolver aquele problema,
porque aquela é a unidade local que cuida do patrimônio. Então, extrapolar
o limite do Programa é justamente o que se buscava ou, pelo menos, o que
se buscou no decorrer da sua execução.
Este é o primeiro Programa que consegue minimamente atuar de forma
integrada e coloca em prática várias das teorias que vêm sendo pensadas e
está servindo, ou serviu, como parte da elaboração do PAC Cidades
Históricas, dos Planos de Ação – que são o nosso passo além. Os Planos de
Ação são planos de desenvolvimento dos sítios, tendo o patrimônio como
eixo indutor do desenvolvimento das cidades. Não se trata mais de pensar
num perfil de um projeto para um convênio, trata-se de um planejamento
contínuo e que não se encerra, como qualquer bom planejamento deve ser.
ForumPatrimonioCap3:Layout 3 5/30/12 4:09 PM Page 100
Vo l . 1
A VA L I A Ç Ã O D O P RO G R A M A
M O N U M E N TA
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Debates
É importante destacar, que, neste momento, também acontece um
resgate da atuação do Iphan no Programa, uma reaproximação necessária
com a instituição que tem por missão o objetivo principal deste Programa.
Essa recondução se consolidou com a nomeação do coordenador nacional
do Programa para presidente do Iphan, acumulando os dois cargos e
promovendo, assim, sua internalização nesse Instituto. Tal solução se
mostrou a mais adequada, tendo em vista o impacto que uma mudança
operacional de tal magnitude, naquele momento, acarretaria na execução do
Programa, considerando-se um programa complexo e com tantos
subexecutores, mas fundamental para sua legitimação.
Inicialmente, faz-se necessário esclarecer qual era o contexto na época
de elaboração desse programa, em face dos resultados obtidos depois de 10
anos de execução.
O valor total do Programa era de U$ 125 milhões (50% de recursos
provenientes do BID e 50% de contrapartida governamental), com prazo
de execução, previsto, de cinco anos, e objetivo de atuar em sete sítios
históricos urbanos sob proteção federal. Atualmente, com 10 anos de
execução e a totalidade dos recursos financeiros comprometidos, verifica-se
que o Programa ampliou sua escala para 26 sítios históricos, quase quatro
vezes a sua meta. Ademais, o Programa foi implementado sob o arranjo 101
institucional previsto, de execução descentralizada de suas ações e, por
consequência, com todas as dificuldades inerentes à complexidade desse
modelo exigindo capacidade de resposta dos gestores em cada nível de
governo.
Além disso, o Monumenta proporcionou o desenvolvimento de
pequenas ações de fomento e educativas em todos os sítios históricos
federais do País, apoiando projetos propostos por inúmeras entidades da
sociedade civil, setor privado, fundações, dentre outras. Esta ampliação da
atuação do Programa objetivou aumentar a conscientização da população
sobre seu patrimônio artístico e histórico, agindo como agente catalisador
e difusor de informações, sendo que cada projeto específico agiu como um
promotor de novas ações.
Conclui-se, ainda, que em vários sítios históricos foram desenvolvidas
diversas iniciativas (feiras, festivais, festas e eventos), viabilizadas pelas
intervenções financiadas, gerando um ciclo virtuoso na economia local. Em
alguns deles, como Corumbá (MS) e São Francisco do Sul (SC), com
alocação de recursos superior ao que foi disponibilizado pelo Programa.
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Vo l . 1
Debates
Em um Programa com execução descentralizada, situações de
inadimplência, por parte dos municípios e estados, interrompiam o repasse
de recursos. Com o apoio do Tesouro, após anos de paralisações forçadas em
obras locais, foi possível se precaver de tais descontinuidades pela
transferência integral do valor da obra de restauro contratada à conta
específica do subprojeto, administrada pela CAIXA, de acordo com o
cronograma e medições da obra.
Numa análise ex post é fácil identificar tais dificuldades e refletir sobre
erros que porventura ocorreram, mas estes não se constituíram em simples
omissões, foram decorrentes de restrições na capacidade institucional dos
executores em lidar com uma gama tão diversa de situações, resultando em
um hiato entre o planejado e o executado.
Sobre a capacidade operacional dos executores, faz-se necessário enfatizar
a importância de contar com uma unidade de coordenação composta por
técnicos do quadro permanente, não apenas por se tratar de uma operação
de empréstimo, mas pelo aprendizado e memória institucional do executor,
voltada para a consolidação de uma política pública.
As Atividades Concorrentes abarcaram ações de fortalecimento
institucional, formação e treinamento, promoção de atividades econômicas
e programas educativos, sendo cada um desses componentes independentes 103
e complementares entre si. Foram apoiados pontualmente mais de 200
projetos sob a condução direta das entidades selecionadas via editais, com
dificuldades de gestão, seja pela distância e dificuldade de treinamento nas
normas e procedimentos do Programa, seja por sua capacidade institucional.
O esforço desse trabalho se justificou pela grande importância representativa
dessas ações para a disseminação e conscientização da população sobre nosso
legado histórico.
Sobre as Atividades Concorrentes cabem as seguintes reflexões:
FORTALECIMENTO INSTITUCIONAL
Originalmente, previa-se apenas o fortalecimento institucional do Iphan
(com a premissa de que ocorreria concurso público, o que aconteceu apenas
muitos anos depois), cujo plano de trabalho previa a disponibilização e
modernização das ferramentas de trabalho e a elaboração de inventários e
manuais. No entanto, com um arranjo institucional tão complexo do
Programa, com tantos subexecutores demandantes de apoio, o plano de
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Vo l . 1
FORMAÇÃO E TREINAMENTO
Programado, em sua origem, para atender a três núcleos de restauro e
conservação, optou-se, adicionalmente, pela realização de cursos
descentralizados. Com esta estratégia, houve o resgate de grande variedade
de técnicas construtivas, com especificidades regionais, conduzidas por
mestres artífices, reconhecidos, que puderam formar mão de obra local.
Nesse sentido, o programa passa a representar um diferencial na
disseminação de técnicas de restauro e conservação, aproximando o gestor
local e empresas da região para o aperfeiçoamento do trato do patrimônio.
ForumPatrimonioCap3:Layout 3 5/30/12 4:09 PM Page 105
Debates
PROGRAMAS EDUCATIVOS
Neste componente, as ações foram planejadas para promover grandes
campanhas e produtos de mídia. No entanto, houve um redirecionamento
para todos os sítios históricos federais sob uma ótica de formação e fomento
de produtores locais, pesquisas históricas e uma linha editorial do Programa
focalizada em boas práticas, intervenções de sucesso, estudos de interesse
para o setor.
É de suma importância que o acervo gerado por tantos projetos e
iniciativas, dentre elas pesquisas; festas e feiras populares; roteiros turísticos
e rotas históricas etc., seja trabalhado para sua difusão em âmbito nacional.
INVESTIMENTOS INTEGRADOS
Neste componente, concentram-se as grandes intervenções do programa, 105
o maior aporte de recursos financeiros. A primeira consideração que deve
ser feita é sobre o demasiado tempo e o alto custo de elaboração dos
subprojetos. Os projetos eram extremamente complexos e se iniciavam,
apenas, quando todos os pré-requisitos estavam completos, gerando um
hiato de tempo muito grande entre a chegada do Programa na cidade e seu
efetivo início, acarretando a desmotivação da população local, que não viu
resultados antes de passados três anos.
Entende-se esse fato como um erro de desenho, pois o hiato entre a
preparação e a execução provocou o descrédito do Programa na cidade,
exigindo maior esforço para sua recuperação. No caso do Programa
Monumenta, a credibilidade era de fundamental importância para que o
plano de revitalização realmente ocorresse nas áreas de projeto, pois um dos
principais instrumentos para que tal objetivo se concretizasse era a
recuperação dos imóveis privados existentes. Tal recuperação se daria de
acordo com a atratividade do instrumento de empréstimo, voltado para
pessoas físicas e jurídicas, cujos recursos deveriam ser utilizados para
restauração e conservação de suas casas e estabelecimentos comerciais.
ForumPatrimonioCap3:Layout 3 5/30/12 4:09 PM Page 106
Vo l . 1
Debates
Programa, que condicionou 30% dos recursos alocados nos subprojetos
para essa finalidade, mas que sua operacionalização dependia de um
instrumento que não estava maduro e que precisou de cinco anos para sua
finalização.
Por outro lado, como já ressaltado, atualmente existem centenas de
financiamentos de imóveis privados concedidos e o consenso de que este
instrumento jurídico é o meio mais adequado para se utilizar recursos de
financiamento externo, para áreas protegidas, de forma ágil, porque o objeto
de gasto, neste caso, não é a obra civil e sim o financiamento.
Portanto, na construção desse instrumento, foi necessário realizar um
processo de convencimento sobre sua viabilidade, identificar o agente
financeiro e sensibilizar a população. Formalizados os primeiros
financiamentos nas áreas de projeto, com vários monumentos já
recuperados, o efeito demonstração foi imediato, revelado pela imensa lista
de proponentes a essa modalidade de financiamento.
Associado a financiamento de imóveis privados está o retorno desses
recursos a fundos locais de preservação. Sua operacionalização ainda se
constitui um desafio e deverá ser tema de muita reflexão, pois a lógica de
sustentabilidade das ações de conservação nos municípios se pautou na
plena atividade destes. 107
Vo l . 1
A CAIXA E O A P O I O À C U LT U R A E
À P RO T E Ç Ã O D O PAT R I M Ô N I O
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Debates
Superintendência Regional da CAIXA. Outro exemplo é a CAIXA Cultural
de Salvador, instalada na antiga Casa de Orações dos Jesuítas, edifício de
mais de trezentos anos. Em Recife, o antigo prédio da Bolsa de Valores de
Pernambuco e Paraíba, localizado na praça do Marco Zero, está sendo
restaurado para abrigar a Caixa Cultural.
Vo l . 1
DESENVOLVIMENTO DE METODOLOGIA DE
REABILITAÇÃO URBANA
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Debates
APOIO AO DESENVOLVIMENTO DE PLANOS E
PROJETOS DE REABILITAÇÃO URBANA
A CAIXA operacionaliza o Programa Reabilitação de Áreas Urbanas
Centrais, do Ministério das Cidades, onde são disponibilizados recursos
para apoio à Elaboração de Planos de Reabilitação de Áreas Urbanas
Centrais de Capitais e Municípios, e apoio a Projetos de Infraestrutura e
Requalificação de Espaços de Uso Público em Áreas Centrais.
Vo l . 1
Preservação.
A CAIXA participou da formatação do Programa, tendo recebido
diversas demandas específicas, entre elas, a contratação sem seguros, a
contratação sem limite de idade e a ausência de penalidades para
inadimplentes, bem como a aceitação de garantias não utilizadas em outros
financiamentos habitacionais.
Como agente operador, a CAIXA é responsável por prestar serviços
técnicos e operacionais necessários à viabilização dos financiamentos,
compreendendo as análises pré-contratuais, a contratação, a transferência de
recursos para os mutuários, o recebimento do retorno dos financiamentos
e as transferências dos recursos do retorno aos Fundos Municipais de
Preservação.
A participação na operacionalização do Programa Monumenta é uma
das principais ações da CAIXA na proteção do patrimônio cultural
brasileiro.
112
ForumPatrimonioCap3:Layout 3 5/30/12 4:09 PM Page 113
Debates
A VA L I A Ç Ã O D O P RO G R A M A
PELA UNESCO
Jurema Machado*
*Coordenadora de
Como as exposições de Robson Antônio de Almeida e de Ana Lúcia Cultura –
Paiva Dezolt, além de descrever, já fizeram uma pré-avaliação extremamente Unesco/Brasil
qualificada de quem tem envolvimento visceral com o programa há muitos
anos, eu tentarei me concentrar nos pontos frágeis da questão, em minha
opinião. E faço isso à vontade, porque eu acho, particularmente, que a
avaliação do Programa é muito positiva. Feita esta ressalva, vou direto àquilo
que, talvez, não tenha funcionado ou não funcionou como deveria, para
pensarmos, inclusive, no que vem pela frente. Mas antes, uma recapitulação.
Até agora foi feita a descrição de um processo bastante estruturado que
conseguiu mobilizar não só as 26 cidades diretamente envolvidas, mas todo
o setor do patrimônio do país durante todo esse tempo. Há um papel
fundamental que temos sempre de lembrar: é a questão do empréstimo. O
empréstimo teve um valor muito maior, como impacto de uma forma de 113
trabalhar, um impacto de continuidade, do que propriamente o valor do
dinheiro. Acho que, no início, quando foi tomado, em 1999, foi bem
demonstrado que, muito mais que o recurso, o que valia era a regra.
Quando é que você consegue trabalhar por um período tão longo com uma
orquestração que vai do município ao governo federal, fazendo, mais ou
menos, a mesma coisa, com os mesmos critérios? Quer dizer, isso é um
programa que virou política pública, como está demonstrado pela
continuidade via PAC, com Planos de Ação, etc. Então, o empréstimo teve
um papel muito importante.
Tem-se que dar um crédito à Unesco também, pelo fato de os projetos
de cooperação sucessivos também garantirem um mínimo de continuidade,
de coesão, de coerência entre as coisas.
Os três pontos que elegi como mais frágeis, em relação aos resultados do
Programa, não têm diretamente a ver com esse problema inicial; é difícil
fazer um juízo de valor, dizer se é fragilidade, se é erro, porque tudo isso tem
de ser visto em uma perspectiva histórica; essas palavras ficam muito
ForumPatrimonioCap3:Layout 3 5/30/12 4:10 PM Page 114
Vo l . 1
Debates
Estava claro que o Programa não tinha essa ambição. O Programa tinha
uma visão, talvez, um pouco ingênua da questão da valorização imobiliária.
Todo mundo achava que essas áreas eram muito rígidas, do ponto de vista
de valorização imobiliária, porque não se consegue aumentar muito a área
construída. Então, apenas o uso não é capaz – e se é capaz, o é a muito
longo prazo – de promover essa valorização imobiliária e a mudança das
plantas de valores de IPTU e, portanto, gerar mais arrecadação. As cidades,
além de serem, em termos médios, resistentes, inertes mesmo, às mudanças,
para a valorização imobiliária, elas eram muito mal estruturadas, na sua
grande maioria, do ponto de vista da arrecadação, tanto de ISS quanto de
IPTU, então, isso não mudava nada. Tanto que, na prática, os perfis são um
tanto mentirosos, no sentido de que a intervenção será compensada, será
paga pela valorização.
Como já mencionou Ana Lúcia Paiva Dezolt, essa é uma visão muito
cientificista, tanto da intervenção quanto dos critérios, por exemplo, para
fazer especificações, para fazer manuais, para fazer seleção de bens a serem
protegidos etc. Tudo tem um excesso de cientificismo, em cima de um
objeto que não tem como não dar margem à subjetividade, a um juízo de
valor. Não vou me estender nisso, pois acho que esse aspecto tem um lado
bom, porque trouxe uma injeção de racionalidade num ambiente em que
as pessoas acham que a análise é a subjetividade e onde tem uma hegemonia. 115
Eu também acho que a subjetividade tem de ser avalizada por outros
parâmetros. Mas, a proposta do Programa era um enrijecimento disso.
Quando eu digo tudo isso, parece que eu não avalio bem os resultados, mas
não é isso, é porque, na verdade, acho que precisamos, daqui pra frente,
construir coisas cada vez melhor.
O que permitiu minimizar um pouco esses problemas iniciais e dar um
salto para chegar nesses resultados que vemos foi, na minha opinião,
basicamente, a mudança de governo, quer dizer, entrou uma equipe com
menos compromisso com aquele “desenho cartesiano” demais, do grupo
inicial, e havia recursos, porque no começo era só falação e nenhum
dinheiro. Só se gastava dinheiro e não havia receita; essa equipe, então, entra
com uma visão diferenciada e mais disposição de compartilhar com o Iphan,
coisa que até então não tinha acontecido. Acho que o que propiciou esse
salto foi a flexibilização do manual operativo em vários desses pontos que
citei, e o aprofundamento, de certa forma radicalização, da ideia de
compartilhar as ações do Programa. Toda a questão dos editais, por
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Vo l . 1
Debates
É o que está acontecendo, é o que estamos vendo o Iphan fazer hoje a
cada novo tombamento proposto, por exemplo, e o Monumenta se
propunha a isso também: a ajudar, a organizar a política de proteção,
usando recursos do próprio Programa. Hoje, vemos claramente um desenho
traçado do ponto de vista de que áreas a suprir no território, a cobrir do
ponto de vista de representatividade, e que não estão contempladas; a cada
apresentação de um novo tombamento levada para o Conselho do
Patrimônio Cultural, do qual faço parte, o Departamento de Patrimônio
Material e Fiscalização – Depam apresenta, contextualiza aquilo ali em uma
política que está um pouco na memória, vamos dizer assim, no registro
quase oral do Departamento, mas que não foi ajudada pelo Programa e
poderia ter sido. A outra coisa que acho que falta é a questão do fundo.
Como dito antes por Ana Lúcia Paiva Dezolt, os modelos, hoje, são muito
heterogêneos, há o que funciona e o que não funciona. No início, quando
participei da formulação, achávamos que os desenhos das estruturas de
gestão, no nível do município, tinham de ser mais predefinidos, propostos
de cima para baixo, pelo Governo Federal.
Achávamos que não conseguiríamos fazer isso por adesão, mas criando
compromisso, queríamos que os municípios criassem formalmente
estruturas a, b ou c para poderem ter acesso ao programa.
117
Eu, particularmente, pensava assim na época. Isso não prevaleceu, não
tenho muita certeza se teria sido melhor ou pior, mas acho que da forma que
está hoje, estamos em um momento em que não podemos deixar que os
fundos de preservação só venham a se tornar realidade ao final do
programa. O Governo Federal não deveria deixar isso para uma “seleção
natural”, deveria preservar estudos melhores, pois alguns vão se perder no
tempo. Tinha que se fazer mais uma ação em cima disso, no sentido de
formalizar, dar algum instrumento, curso etc., mediante compromisso do
município. Dar mais consistência na dificuldade, estar mais presente,
adentrar as políticas de educação. Seria alguma coisa mais “de massa”; não
era para ser o que foi pensado inicialmente. “De massa” talvez seja exagero,
mas uma coisa mais massiva mesmo, que não seja o artesanato dos projetos
locais de promoção do patrimônio e educação patrimonial.
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Vo l . 1
A VA L I A Ç Ã O D O P RO G R A M A
M O N U M E N TA P E L A U FBA
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Ana Fernandes*
Debates
E, por fim, acho que há também a questão da ampliação do Direito à
Cidade – um pressuposto básico, fundamental, de toda e qualquer política
com relação à cidade.
Além desses pressupostos, existe um reconhecimento, que todos aqui
foram muito enfáticos em falar, da importância que o Monumenta tem na
constituição de uma política para as áreas de Patrimônio no Brasil. Na
verdade, o Monumenta mais os planos diretores, as políticas de recuperação
de áreas centrais, as políticas de criação de Áreas de Preservação Permanente
– APPs etc. são políticas que, no que diz respeito à cidade, expressam algo
que me parece muito importante; é o que eu chamaria de uma
recomposição do Estado brasileiro.
Essa recomposição do Estado brasileiro foi atacada como uma versão
extremamente autoritária do Estado pela ditadura militar e completamente
fragmentada com a crise da segunda metade dos anos 80 e dos anos 90,
além de todo o ideário da reforma do Estado, baseada no neoliberalismo
que fazia com que o Estado fosse pensado como ente mínimo que deveria
regular os fluxos financeiros, os fluxos de investimento, única e
exclusivamente; isso retirou do âmbito do Setor Público brasileiro a
possibilidade de pensar projetivamente, prospectivamente e de propor,
portanto, políticas, de fato, para a cidade. 119
Além dessa questão da recomposição do Estado brasileiro, tem também a
ampliação de um espectro democrático, digamos assim, que tem como
referência um reconhecimento de um Brasil plural. Isso é, no meu entender,
algo também que vem sendo recorrentemente conseguido em diversas estâncias
e construído em todos os seus níveis, articulando as diversas esferas do Estado.
São várias as questões para discussão. Uma é a que Jurema Machado
apresentou e que acho importante reforçar: não dá mais para pensar em
investir em edifício. Essa é uma questão que como política pública já está,
de certa forma, resolvida através de mecanismos de financiamento. Quando
pensamos em áreas do Patrimônio, estamos falando de áreas extremamente
problemáticas do ponto de vista da dinâmica urbana.
Formular uma política de intervenção em áreas protegidas ou em áreas
de Patrimônio é ter a capacidade de reinserir essas áreas na dinâmica da
cidade. Na Bahia, acreditava-se que ao se investir numa edificação, esta
espraiaria um processo de valorização. Assim, investe-se em edifícios desde
os anos 70 e isso nunca deu certo.
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Vo l . 1
Debates
questão está no processo de operação e atinge também o privado. Esse é
um longo campo a ser devastado.
Existem também problemas com o próprio processo de aprovação dos
projetos e aí o Iphan está diretamente envolvido. Nesse sentido, acho que
o processo de abandono que se fez no Iphan durante muitas décadas nesse
país é algo também extremamente importante de ser visto e que felizmente
é uma tendência que parece revertida. Essa tendência que parece revertida
significa contrapor-se também à ideia do Estado mínimo.
A ideia de que tudo vai acontecer fora do Estado significa que as ações
nunca serão contínuas porque vai depender de quem está oferecendo o
crédito. Vai depender da adesão desses ou daqueles setores da sociedade.
Isso faz com que o Setor Público, particularmente o municipal, esteja
absolutamente esvaziado e fragilizado. Acho complicada essa ideia de se
construir o tempo inteiro estruturas que, em nome da agilidade, devem
funcionar de forma eventual fora do aparato público propriamente dito.
Indago se na continuidade do Monumenta, as Unidades Executoras de
Projeto –UEPs devem ser pensadas como as instâncias de execução do
Projeto. Como o nome já diz: opera por projetos.
Da mesma maneira, os Planos Diretores têm gravíssimos problemas por
terem sido licitados nos municípios. Hoje, grande parte dos Planos 121
Diretores está nas gavetas porque não há capacitação técnica nos municípios
que possa executá-los.
Já se falou muito aqui da necessidade de capacitação, da necessidade de
adequação dos sistemas descentralizados para que os projetos possam
acontecer. E acho que isso é algo extremamente importante, assim como
acho que as empresas têm de ser capacitadas; não é só a população que tem
que reconhecer a importância do Patrimônio, se reconhecer nele e achar
que aquilo é importante para sua vida.
Existe uma cultura empresarial no Brasil que é brutal, feroz, cruel,
devastadora. E, em minha opinião, esse processo também deve ampliar,
portanto, a possibilidade de abrangência desses outros agentes.
Quero ressaltar a importância do pequeno crédito. Esse pequeno crédito,
57% dos contratos para imóveis privados, mostra que grande parte das áreas
preservadas ou das áreas protegidas ainda mantém uma população que dá
vida a esses centros.
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Vo l . 1
Debates
terceiriza todo e qualquer processo de desapropriação, por exemplo, compra
de grandes quantidades de imóveis em áreas centrais.
Hoje em Salvador, nas pontas Norte e Sul, nós temos dois grandes
investimentos, um de hotelaria e o outro que não se sabe exatamente o que
será, mas são 50 casas compradas por um único empreendedor, uma
herdeira do Grupo Iguatemy, que pretende levar para lá, muito
provavelmente, um processo de gentrificação numa área que é
extremamente dinâmica do ponto de vista do uso de sua população.
Essas realidades têm de ser analisadas para se pensar também os
instrumentos necessários para se fazer frente a essas dinâmicas. Tem ainda
a questão de uma política fundiária que não está presente também em lugar
nenhum, quer dizer, o que fazer com grandes quantidades de área pública
que existem nessas áreas protegidas? Como se trabalha com esses estoques,
digamos assim, fundiários e imobiliários?
Considero de extrema importância que o Programa Monumenta, em
Salvador, aliado a várias outras ações, tenha conseguido interromper um
processo de expulsão da população do Centro da cidade. Com a mudança
de prioridades políticas, de equipe, e de entendimento do significado de
inserção na cidade, esse processo foi estancado. Uma negociação imensa de
todos os processos aos quais vocês já se referiram se estabeleceu. Embora não 123
se tenha conseguido abranger uma grande parcela e, ainda hoje, com ritmo
de execução extremamente lento, de qualquer forma, é simbólica a atuação
do Monumenta em Salvador.
Aliado a um movimento social ascendente naquela cidade que passava a
ter capacidade de voz de expressão, fez com que se interrompesse o ciclo
extremamente cruel em relação ao uso do Centro da cidade.
Portanto, finalizo e agradeço o Monumenta por isso, e cumprimento a
todos pelo comprometimento com a reabilitação desse Patrimônio que, sem
sombra de dúvida, é de todos nós.
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Vo l . 1
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
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Debates
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Evaristo Nunes*
RESUMO
Um panorama das formas de financiamentos vigentes e cuja base *Secretaria de
principal, hoje, é o Incentivo Fiscal. Revela um aumento vertiginoso na Fomento e Incentivo
à Cultura / MinC
ordem de investimentos na cultura a partir de 2002, quando os recursos
saíram da casa dos trezentos milhões para alcançar o patamar de quase um
bilhão de reais, em 2007. Esse aumento se deve tanto ao crescimento do país
e, consequentemente, de sua arrecadação e base tributária, como do próprio
crescimento e profissionalização do mercado cultural. Em contrapartida,
expõe a concentração dos recursos destinados à cultura, através da Lei
Rouanet, para a região Sudeste do país, em detrimento da região Nordeste.
Um problema de distribuição de recursos que o MinC pretende corrigir
através do Programa de Financiamento e Incentivo à Cultura – Profic. 127
PALAVRAS-CHAVE
Financiamento, Incentivo Fiscal, Cultura.
Vo l . 1
Vo l . 1
ruim da palavra, mas nos efeitos que isso traz, os efeitos danosos ou
benéficos, a sistemalidade positiva e negativa.
|
estadual, e em nível dos proponentes e nos projetos que ficam cada vez
mais caros e superfaturados. Calculo que 55% dos projetos estão acima do
valor de mercado e eu posso provar isso com dados estatísticos. Tudo isso
gera uma economia de regressividade muito grande. Esses dados reforçam
que não tem sentido o Norte apresentar 1% dos recursos, menos de 1%.
Aliás, o Norte nunca chegou a 1%. Então, não tem sentido, sob nenhum
aspecto econômico, cultural, social, você concentrar 80% no Sudeste do
país e, apenas, 1% na região Norte. Não existe nenhum paralelo nem de
produção, nem de PIB, nem de população, nada justifica essa
concentração. Por quê?
Porque nós estamos falando de uma coisa laissez faire, laissez aller, laissez
passer. É uma coisa que não tem, é desprovida de mecanismo de regulação,
não há regulação nesse mercado, é um mercado completamente
desregulamentado. Então, isso é muito complicado porque gera distorções
muito graves e essas distorções podem até ser boas no varejo, porque se
reformou um prédio específico ou se construiu um centro cultural naquele
130
ponto do país, mas, do ponto de vista sistêmico, é extremamente
inadequado para o desenvolvimento cultural do país.
Temos um quadro de distribuição das áreas culturais clássicas, muito
bem, eu sei que tem várias críticas sobre essa classificação, mas é essa que está
na Lei 8.303, na Lei Rouanet e mais a classificação que o Ministério adotou,
por um tempo, mas que vai mudar, com certeza.
Mas, para se ter uma ideia, 19% dos recursos foram para artes cênicas e
20% para a música; o patrimônio cultural ficou com 16% desse montante,
de 2002 a 2009, pegando uma série histórica mais presente. Então, há certo
equilíbrio, o que não significa, necessariamente, um equilíbrio entre
necessidade x financiamento. Esse número tem que ser olhado de forma
bastante crítica porque se olharmos o audiovisual, por exemplo,
constataremos que ele consumiu 11%, mas o que consome nas outras áreas
específicas revela que teve um consumo maior e, assim, toda a parte de artes
visuais. A área das artes integradas consumiu 14%, número que é superior,
por exemplo, ao da área de humanidades. Isso parece um número só, mas,
sob o ponto de vista das necessidades que são geradas na sociedade, se pegar
o quadro inverso, que seria o quadro de demanda da sociedade x capitação,
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que os projetos estão ficando cada vez mais parecidos, atingindo as mesmas
coisas e privilegiando os mesmos segmentos e isso é muito grave. Por isso,
é necessária uma análise adequada, daqui para frente e, quando vier o Profic
e o Fundo, temos de olhar os números e enxergar neles um subsídio, um
insumo importantíssimo para a definição, num longo prazo, além de pensar
qual é a estratégia de financiamento que o país quer para a sua área cultural.
Ficou meio desproporcional, como vínhamos apontando, a captação de
recurso por região do patrimônio. O Sudeste ficou com 70% dos recursos
de patrimônio, enquanto o Centro-Oeste ficou com 3% e o Norte ficou
com 2%. O Norte, pelo menos, ficou com 100% a mais do que na média.
Mas assim, o Nordeste ficou com 11%. Eu não sei, eu sou nordestino e fico
muito incomodado com esse número, porque acho que não é 11% do
patrimônio histórico brasileiro que está no Nordeste, é muito mais do que
isso. Nenhum demérito, obviamente, Sudeste ter dinheiro, mas, no Norte
é muito pouco, é completamente inadequado esse número. Ele não se
justifica por motivos históricos, por motivos de patrimônio tombado e,
enfim, se você colocar qualquer base para cruzar esses índices, não encontra
132 justificativa plausível.
Mas, afirmo novamente que isso se deve porque é um modelo que se
deixa dominar pelo laissez faire, laissez passer e isso é muito grave. Veja,
laissez faire, laissez passer é um conceito do século XVII e a gente continua
aplicando como se fosse a solução, nossa pedra filosofal e não é. Não pode
ser, o Estado não pode ficar ausente dessa estrutura, o Estado e a sociedade
não podem ficar ausentes de uma discussão adequada sobre esse tipo de
perfil de financiamento. Não pode. Acho que a minha pequena
contribuição no painel é abrir um pouco os números e abrir a discussão de
que tipo de financiamento a gente realmente quer, a partir de um
planejamento mais adequado e compartilhado com a sociedade. E acredito
que esses números são meio gritantes porque mostram um quadro de
desproporcionalidade muito grande.
Se eu abrir os dados do Sudeste, o Rio de Janeiro ficou com 44% e Minas
Gerais com 17%. Eu não sei se Ouro Preto, Congonhas e todos os sítios
históricos, além da parte de patrimônio material e imaterial, correspondem,
de fato, a 17%. Aí vocês vão dizer: “Ah, mas isso não é quantificável”. Existe,
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Para completar, dos 17% destinados para Minas Gerais, 34% ficaram
com a parte arquitetônica. Vejam que, em Minas Gerais, houve uma maior
proporcionalidade daqueles 67 que nós vimos lá atrás, ele cai para 34%; os
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
museus ficam com uma parcela muito parecida e a parte de história também
fica com uma boa medida. Enfim, os 2% destinados aos acervos
museológicos representam muito pouco, mas uma parte dos recursos
destinados aos museus também é acervo, enfim, tem uma discussão um
pouco mais adequada, mas, mesmo assim, tem níveis de extorsão que
precisam ser mais bem estudados. Eu não tenho agora, exatamente, uma
fórmula mágica para ler esse número, mas ele revela uma inquietude nos
pequenos pontos.
Essas são as perspectivas do Profic, do Programa de Financiamento e
Incentivo à Cultura. A ideia força do projeto é que haja um planejamento
com planos bianuais, com participação da sociedade e que dê sentido e
rumo ao processo. Sempre levando em conta as simetrias de produção
cultural, as simetrias econômicas, as simetrias do Índice de
Desenvolvimento Humano, em investimentos pretéritos, ou seja, áreas
muito deprimidas merecem, antecipadamente, mais recursos, depois elas
estabilizam.
134
O fortalecimento do orçamento é fundamental e, se continuarmos
centrados somente em mecanismos baseados em força de mercado, vamos
fracassar nesse esforço de transformar o país que nós estamos a caminho de
construir. Então, o orçamento tem que ser fortalecido, a Proposta de
Emenda à Constituição – PEC – 150 é importante, além do fortalecimento
do Fundo Nacional de Cultura – FNC. Se o FNC não for o grande agente
de alavancagem, o MinC não terá condições de equilibrar o sistema. Só
para se ter uma ideia, do um bilhão de reais que nós temos de recursos
investidos em 2007, foram quase duzentos milhões de recursos do Fundo.
Ninguém equaliza um bilhão com duzentos milhões, isso não existe. Então,
o Fundo tem que ter, pelo menos, a mesma quantidade de recurso que o
Incentivo Fiscal tem.
É fundamental ainda a diversificação e a complementaridade de recurso.
Os agentes culturais não podem ficar reféns de um só mecanismo, tem que
haver vários tipos de mecanismos para os vários tipos diferentes de agente.
Não dá para colocar um proponente de patrimônio no mesmo pé de
igualdade que um proponente de música popular, não é a mesma lógica de
mercado, não é a mesma lógica de negócio, definitivamente, não é. Então,
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P RO G R A M A M E C E N A S – UMA
EXPERIÊNCIA INSTITUCIONAL DE
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
C A P TA Ç Ã O D E R E C U R S O S D E
P E S S O A S F Í S I C A S PA R A P RO J E T O S
C U LT U R A I S
RESUMO
* Tenente-coronel do Este trabalho apresenta os principais aspectos observados durante a
Exército na Diretoria
do Patrimônio implantação de um programa de captação de recursos para projetos
Histórico e Cultural culturais, destinado ao público interno de uma instituição, com base na Lei
do Exército, onde
atua no Rouanet. O caso em discussão refere-se ao Programa Mecenas, lançado pelo
gerenciamento do Exército Brasileiro, em parceria com a Fundação Habitacional do Exército
portfólio de projetos
culturais e na gestão (FHE), a Fundação Cultural Exército Brasileiro (FunCEB) e a Fundação
da preservação do Roberto Trompowsky Leitão de Almeida. Durante a exposição da
136 Patrimônio Cultural.
Foi o responsável pelo experiência adquirida há o delineamento de premissas, a indicação de
gerenciamento do condutas, e a apresentação de fatores críticos de sucesso, elementos esses
projeto de
implantação do identificados durante o gerenciamento do projeto de implantação,
Programa Mecenas buscando estabelecer um direcionamento a ser seguido em ações de natureza
semelhante.
PALAVRAS-CHAVE
Cultura, Patrimônio, Projetos culturais.
INTRODUÇÃO
O Exército Brasileiro conduziu, durante o ano de 2009, um projeto de
implantação de um instrumento que viabilizasse aos seus integrantes a
destinação de parte de seu imposto de renda para projetos culturais, nos
termos da Lei Rouanet. Dessa iniciativa surgiu o Programa Mecenas,
lançado em 17 de novembro de 2009, que passaremos a apresentar nesta
comunicação.
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O PROGRAMA
O Programa Mecenas é constituído por um portfólio de projetos
culturais de interesse para o Exército passíveis de receberem doações por
meio de incentivo fiscal. Disponibiliza ações, ferramentas e opções para
estimular a captação de recursos de pessoas físicas. Foi concebido tendo
como público-alvo os militares da ativa e da reserva, bem como seus
familiares.
A definição do que configuramos como “projetos culturais de interesse
para o Exército” se dá por meio de um processo de aprovação institucional,
sejam esses originários ou não de uma organização militar. Nesse processo,
verifica-se se o projeto está coadunado com os objetivos culturais do
Exército, preestabelecidos sob o direcionamento das diretrizes estratégicas
da instituição. Tal aspecto, além de assegurar essa congruência entre valores
institucionais e projetos, também facilitará a aceitação e a identificação do
público-alvo com as ações culturais a serem incentivadas.
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PÚBLICO-ALVO
GRUPO MOBILIZÁVEL
Um fator crítico de sucesso, no estabelecimento de um programa
institucional de captação de recursos por adesão de seus integrantes, de
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ASPECTOS ESTRUTURAIS
ENTIDADE PROPONENTE
Os projetos inseridos no programa têm como proponente a Fundação
Cultural Exército Brasileiro, entidade civil criada em 2000, por iniciativa do
empresariado brasileiro, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins
lucrativos, dispondo de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
A instituição é dotada de altíssimo prestígio com o público interno, e de
um histórico de sucesso na condução de diversos projetos na área cultural,
educacional, de assistência social, de preservação ambiental e de
comunicação social. Tal histórico transmite confiabilidade ao doador, que
passa a ter a certeza do emprego judicioso dos recursos auferidos em prol dos
projetos apoiados.
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CONCLUSÃO
Os resultados alcançados em seu primeiro mês de funcionamento, ainda
sem a divulgação desejada, geram boas perspectivas futuras ao Mecenas:
foram arrecadados R$ 222.124,39. As simulações realizadas, com apenas
uma parte de nosso efetivo, nos remete a um potencial anual de trinta
milhões de reais.
Todavia, mais expressivos do que os valores que tenham sido, ou possam
ser arrecadados, são alguns outros fenômenos que estão conferindo um
mérito especial ao programa. Um desses fenômenos é a participação de
segmentos do nosso público interno, que não teriam como usufruir do
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BNDES, A E C O N O M I A D A C U LT U R A
E O A P O I O A O PAT R I M Ô N I O
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Luciane Gorgulho*
RESUMO
* Chefe de O BNDES é um dos agentes mais atuantes na preservação do
Departamento de
Cultura,
patrimônio histórico e arqueológico brasileiro. Nos últimos 13 anos, o
Entretenimento e Banco investiu R$ 155 milhões em projetos que revitalizaram cerca de 160
Turismo do BNDES
monumentos tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional – Iphan em todo o país, num investimento total de R$ 179
milhões. A ação do BNDES busca associar a preservação do patrimônio
histórico e o desenvolvimento local, motivo pelo qual a abrangência dos
projetos pode contemplar o entorno urbano do patrimônio público. O
144 BNDES entende que é preciso restituir aos monumentos sua função social
e reintegrá-los na vida cotidiana das cidades, para que sua revitalização seja
permanente.
PALAVRAS-CHAVE
BNDES, Patrimônio histórico, Desenvolvimento integrado.
O BNDES
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES
é o principal braço de financiamento ao desenvolvimento do Governo. É
um banco de propriedade integral da União Brasileira, fundado na década
de 1950 para ser o principal financiador de toda a industrialização no Brasil.
Toda a implantação do parque industrial brasileiro assim como a
implementação das políticas industrial, de infraestrutura, de comércio
exterior e, mais recentemente, de inovação e outros segmentos só puderam
ocorrer pela existência de um banco financiador como o BNDES. Então,
hoje ele é a principal fonte de financiamento, de crédito de longo prazo, na
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Vo l . 1
Vo l . 1
Vo l . 1
As duas linhas que o BNDES tem para Estados e municípios ainda são
pouco conhecidas, algumas vezes elas sofrem com a questão do
contingenciamento de recursos, o que impede que se tomem essa dívida
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
por parte dos Estados e municípios, mas isso é algo que nós podemos,
juntos, tentar mudar.
O BNDES PMAT é um programa voltado às Prefeituras. Começou
como um programa de financiamento, apenas para modernizar a
administração tributária, melhorar a gestão de arrecadação e melhorar a
arrecadação dos municípios. Mas ele se ampliou e hoje tem um foco na
gestão dos setores sociais básicos, como saúde, educação e, inclusive, cultura.
É possível, então, se tomar um financiamento para melhoria de gestão,
treinamento, capacitação, quaisquer tipos de ações que as Prefeituras
queiram para se preparar melhor para essa parte de gestão cultural.
Outra linha de financiamento que o BNDES tem se chama PMI –
Projetos Multissetoriais Integrados. Esse sim é o financiamento que “cairia
como uma luva” para a ação de restauro de patrimônio. Quer dizer, o
cenário ideal seria o BNDES oferecer um apoio não reembolsável para o
restauro de um patrimônio e a Prefeitura poder tomar um financiamento
para fazer todo o resto, não só realizar uma ação estanque de restauro, mas
152
poder fazer a urbanização, a implantação de infraestru-tura básica, a questão
de populações em áreas de risco, a revitalização das áreas degradadas, as
ações sociais de educação, saúde, lazer, saneamento. O BNDES dispõe desse
financiamento e é isso que a gente queria tentar utilizar de uma forma mais
integrada.
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154
ForumPatrimonioCap4:Layout 3 5/30/12 4:14 PM Page 155
RESUMO
O texto traz a história do ICMS Patrimônio Cultural, uma iniciativa do * Diretor de
Promoção do Iepha
governo de Minas Gerais que, em 1995, criou a Lei no 12.040, apelidada
de Lei Robin Hood, destinando repasses do ICMS cultural para os
municípios que investissem em práticas de preservação. Hoje, o ICMS
cultural envolve 695 municípios que comprovam, anualmente, práticas de
preservação de seu patrimônio. O sistema tornou-se um modelo de
descentralização na gestão do patrimônio cultural.
155
PALAVRAS-CHAVE
ICMS Patrimônio Cultural, Descentralização, Municípios.
Vo l . 1
Vo l . 1
dentro de seus limites, sem excluir nenhuma parte do seu território – onde
tem gente, tem de ser feito inventário. Onde tem gente tem cultura, onde
tem gente tem produção cultural, tem patrimônio. O plano é
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Vo l . 1
Éricka Rocha*
RESUMO
Criado no ano de 2004, o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura * Diretoria de
Preservação Cultural
– Funcultura tornou-se o maior edital de cultura do Estado, tendo chegado da Fundarp
a movimentar, em 2009, 24 milhões de reais de recursos, diante dos quatro
milhões de reais de seu primeiro ano de funcionamento. Tem recursos
destinados, inclusive, para a área do Patrimônio que se divide em cinco
categorias: artístico, histórico, arquitetônico, arqueológico e paleontológico,
compreendendo museus, bibliotecas, arquivos, centros culturais e
congêneres. O texto revela, no entanto, que o número de projetos para a
área do Patrimônio está muito abaixo das expectativas, tendo aprovado
apenas 17 projetos do Fundo, em 2008.
PALAVRAS-CHAVE
Funcultura, Recursos, Patrimônio.
161
Vo l . 1
Vo l . 1
Vo l . 1
RESUMO
*Assessora especial O Programa Monumenta é inovador ao trazer a abordagem sustentável
da Fundação
Cultural do Estado
para a área de patrimônio cultural. A criação do Fundo Municipal de
do Tocantins e Preservação é uma exigência do Programa e tem um importante papel no
coordenadora da
UEP Natividade
processo de descentralização da gestão desse patrimônio. Atualmente, há
(TO) dificuldades para sua implantação pelas cidades participantes. Vários fatores
contribuem para isso. Não é apenas a falta de recursos, mas principalmente
os desafios na execução de todas as ações para tornar possível a
operacionalização das políticas públicas a que se propõe. Na implantação há
um longo e difícil caminho a percorrer. Os desafios são grandes e é
fundamental que todos os envolvidos assumam as responsabilidades.
166
PALAVRAS-CHAVE
Sustentável, Descentralização, Desafios.
Vo l . 1
O HISTÓRICO DE IMPLEMENTAÇÃO
O fundo foi criado em todas as cidades participantes do Monumenta.
Como já disse, é uma exigência do Programa, mas poucas passaram dessa
fase de criação. Ou seja, não deram continuidade para tornar viável o seu
funcionamento. No contato com várias Unidades Executoras de Projetos –
UEPs, todos foram unânimes em falar da complexidade e da dificuldade de
implementar os Fundos de Preservação. Por quê? O que deve ser feito? É
necessário constituir legalmente um Conselho Curador. O prefeito, depois
de divulgado o processo para a formação do Conselho Curador, nomeia os
representantes indicados pelas três esferas de governo (municipal, estadual
e federal) e pelos diversos setores participantes. O Conselho constituído
elabora o Regimento Interno que irá regulamentar seu funcionamento,
define o Plano de Ação especificando as ações que serão realizadas com
recursos do Fundo e o envia para o gestor.
Algumas cidades chegaram a constituir o Conselho, mas estão na fase de
atualização da Legislação, elaboração ou alteração do Regimento Interno.
168
Segundo informações recentes, apenas duas estão com o conselho curador
constituído e funcionando – Natividade (TO) e Cachoeira (BA). No
entanto, Natividade foi a única cidade que utilizou os recursos.
Há necessidade de revisões e adequações em todas as documentações
referentes ao Fundo que foram feitas na época da assinatura do Convênio
entre a União e os municípios (alguns municípios, a contrapartida foi
assumida pelo Estado – que é o nosso caso e o da Bahia). Essas alterações
foram orientadas pelo Monumenta em 2007, através do Programa de
Capacitação das Cidades Conveniadas, com a realização da 1ª Oficina dos
Fundos de Preservação. Há um arquivo digital pelo qual é possível obter todas
as orientações que são fundamentais para o bom funcionamento dos fundos
municipais de preservação. E isso é uma responsabilidade do município e do
conselho curador, com adequação à realidade de cada localidade.
A OPERACIONALIZAÇÃO
A operacionalização se dá através do órgão ou ente municipal a que se
vincula: CNPJ, conta corrente especial (x / Fundo), contabilidade,
orçamento – programa de trabalho específico, prestação de contas e quadro
de funcionários.
No caso de Natividade, o fundo é operacionalizado pela Prefeitura
através da Secretaria Municipal de Educação. Em Ouro Preto, inicialmente
estava ligado diretamente ao gabinete do prefeito, mas agora está na
Secretaria Municipal de Patrimônio. Há casos de o fundo não ser gerido
pela Prefeitura, como por exemplo, em Cachoeira na Bahia.
COMO SE DÁ A GESTÃO?
O Fundo é administrado pelo gestor e pelo conselho curador. O gestor do
fundo municipal é o titular da pasta à qual se vincula e é administrado
conjuntamente com o conselho curador. O gestor que deve ser conselheiro é 169
o responsável por organizar e planejar a realização de ações que o Conselho
definiu no Plano de Ação. Portanto, é a decisão dos conselheiros que define as
ações que serão realizadas com recursos do fundo, ou seja, o plano de aplicação.
O Conselho Curador é um grupo formado por representantes das três
esferas de governo – federal, estadual e municipal – e da sociedade civil,
definidos na lei e no decreto que institui o Fundo. É paritário. O Conselho
Curador elege um dos membros para presidi-lo. Segundo orientações, o
mandato é de dois anos, proibida a reeleição, e a escolha deve recair, de
forma alternada, entre representantes do setor público e do setor privado.
Normalmente o Conselho é formado por dez membros titulares. É
importante ter os suplentes para um melhor funcionamento. Em
Natividade essa alteração está sendo providenciada.
Vo l . 1
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Vo l . 1
RESUMO
O texto retrata a experiência do município de Bagé, no Rio Grande do * Ex-prefeito de
Bagé (RS)
Sul, que encontrou na política cultural e, sobretudo, na preservação de seu
patrimônio cultural novos caminhos para resolver os problemas da gestão
pública. Para isso, investiu em três diretrizes: a capacitação de equipes para
preparação de bons projetos, principalmente, através da Lei Rouanet; um
programa de inclusão social por entender que cuidar do patrimônio não se
opõe a cuidar de pessoas, mas são forças complementares e, finalmente, a
inserção da política de preservação do patrimônio cultural no Plano Diretor
do Município.
PALAVRAS-CHAVE
Projetos culturais, Inclusão social, Plano Diretor. 177
A minha fala não é tão cômoda como outras feitas a partir de uma visão
mais centrada na área técnica, na área de política pública de preservação ou
da área cultural do patrimônio cultural histórico construído, arquitetônico
no seu município, Estado e país.
Quando participamos do outro lado do balcão, na qualidade de prefeito,
cada secretário que chega, cada coordenador que conversa mostra a justeza
do que ele está apresentando e diz que aquilo é prioridade. Então, tudo
acaba sendo prioridade. Exatamente por isso a cultura no nosso país, ao
longo dos anos, acabou deixando de ser uma prioridade, efetivamente.
Porque as questões sociais, de infraestrutura, outras questões sempre se
puseram com uma força muito grande e, apesar disso, conseguimos fazer
com que o Brasil, através dos entes federados, pudesse ter políticas culturais
definidas. Por exemplo: estamos agora discutindo o Sistema Nacional de
Patrimônio, porque até então não havia. Agora, recentemente, e méritos
para a equipe do Iphan com todos os seus profissionais, sob a coordenação
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foco. Começou com menos e hoje está com 160, 190 municípios, e temos
que intencionar ampliar esse número cada vez mais.
A cultura, na verdade, é o tema que escolhemos quando queremos fugir
das responsabilidades. É muito comum as pessoas dizerem que a Cultura
está acima da política. É uma grande bobagem; quem diz isso não tem
efetivamente políticas culturais como prioridade na sua área de atuação. O
que nós precisamos são de políticas culturais, porque a cultura se insere
como uma das áreas, no meu entendimento, mais importantes e universais
da atuação do gestor público, tanto em nível de município, quanto de
Estado e de país.
O Rio Grande do Sul, por exemplo, é riquíssimo do ponto de vista da
sua formação étnica, cultural, das culturas trazidas pelos europeus. A
formação étnica cultural do nosso Estado é uma formação completamente
diferenciada dos outros Estados porque se reflete em todas as áreas da
música, da dança, do folclore, culinária e também na arquitetura. Portanto,
é muito forte isso. E, infelizmente, nos últimos tempos no Estado do Rio
178
Grande do Sul a área da cultura tem sido, absolutamente, secundarizada.
Apesar dos esforços de quem trabalha, dos servidores públicos do Rio
Grande do Sul, dos produtores culturais, dos próprios artistas, atores e
produtores culturais, no sentido mais geral.
A nossa experiência em Bagé é uma experiência muito complicada para
se explicar o que aconteceu. Não tínhamos nenhuma experiência que
poderia servir de paradigma. Quando assumimos a Prefeitura, o
funcionalismo estava com 23 meses de salários atrasados, sem contar
problemas de toda ordem. Tudo é importante.
Como vamos trabalhar com isso, o que é prioridade? A primeira
definição foi de que tudo era prioritário. A segunda definição foi que
deveríamos qualificar o máximo possível as nossas equipes, incentivá-las,
de forma que pudéssemos produzir, fazer projetos. Eu não concebo
nenhuma possibilidade de mudança de uma determinada situação de
avanço, de aperfeiçoamento seja o mínimo que for, que não seja a partir de
bons projetos.
E nós tivemos a sorte de reforma e restauro dos prédios mais importantes
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é bonita sob o ponto de vista da estética, mas a estética se faz também pela
gente, pelas pessoas. Pensamos isso, ao longo do tempo, no sentido de
trabalhar um forte programa de inclusão das pessoas. Fizemos uma amostra,
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Vo l . 1
Parabéns por essa iniciativa e acho que isso colabora para que
continuemos avançando naquilo que chamo de conscientização. É ela que
vai fazer com que o PAC1 das Cidades Históricas possa acontecer daqui a
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
um tempo. O PAC2, para que possamos, daqui a alguns anos, ter mil
municípios, os quais, por menores que sejam, tenham um patrimônio
edificado, construído, que marca uma época, que marca toda uma história
e que o povo daquela região sinta-se orgulhoso ao perceber que aquilo foi
recuperado.
Quero dizer que, nos meus oito anos de Prefeitura, pude observar que o
que mais eleva a autoestima de uma comunidade é uma praça bem feita,
recuperada, restaurada. Porque é o que tem de mais público. Ela foi feita
para passear, namorar, fazer comícios, reuniões, brincar, caminhar. E a outra
coisa que eleva a autoestima de uma população é um prédio bonito,
recuperado, bem iluminado, um prédio rico, onde as pessoas se
reencontram com o passado e mostram com orgulho para aqueles que lá
chegam e para si mesmo. Isso faz parte da estética, e a estética também ajuda
a alimentar a alma.
182
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Relatório síntese
SISTEMA NACIONAL DE
P AT R I M Ô N I O C U LT U R A L ( SN PC)
COMUNICAÇÕES
Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, Evaristo Nunes
(Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura/MinC)
Programa Mecenas, Tenente-coronel José Cláudio (Diretoria do
Patrimônio Histórico e Cultural do Exército)
O BNDES Cultural, Luciane Gorgulho (BNDES)
ICMS Patrimônio Cultural em Minas Gerais, Carlos Henrique Rangel
(Iepha/MG)
183
A experiência de Pernambuco, Érikca Rocha (Fundarpe)
Desafios dos fundos municipais de preservação, Simone Camelo Araújo
(Unidade Executora do Programa Monumenta/UEP de Natividade/TO)
O poder público municipal e as leis de incentivo, Luiz Fernando Mainardi
(ex-prefeito de Bagé/RS)
RELATO
DESAFIOS PARA A FORMULAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL
• Análise dos dados/informações dos anos anteriores para poder
alterar rumos e identificar diretrizes de planejamentos futuros;
• Possibilidades de reversão das desproporcionalidades de
investimentos regionais;
• Estruturar um inventário visando à construção de um diagnóstico
que oriente a aplicação adequada dos recursos;
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Vo l . 1
Relatório síntese
• Existência dos planos de ação como instrumentos integrados de
várias esferas governamentais;
Vo l . 1
RESUMO
O artigo aborda algumas questões fundamentais para a criação do * Arquiteto e
urbanista, consultor
Sistema Nacional de Patrimônio Cultural – SNPC. Ao definir o sistema do Iphan/Unesco
como uma rede de políticas públicas, procura identificar seus objetivos e para os Planos de
Ação para Cidades
características, estabelecendo parâmetros necessários para o seu desem- Históricas
penho. As principais questões abordadas são: identificação de atores e papéis
que devem desempenhar; as formas de coordenação e de articulação entre
atores; e os desafios do compartihamento, da descentralização e da
cooperação. O artigo também lista uma série de potencialidades que podem
ser aproveitadas na construção do SNPC. 189
PALAVRAS-CHAVE
Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, Rede de Políticas Públicas,
Iphan.
1. Iphan. Gabinete
da Presidência.
Quadro do • Existem, no setor, muitos atores com poder de decisão,
Patrimônio Cultural
|
Iphan, 2008.
• As instituições não dão conta de atender à demanda do setor e, ao
mesmo tempo, podem apresentar competências e atuações
sobrepostas;
• As competências concorrentes entre os entes da federação, definidas
pela Constituição Federal de 1988 – CF/88, resultam, muitas vezes,
em conflitos (quando há interesse de várias partes em um
determinado bem cultural) ou omissões (quando nenhuma parte tem
interesse);
• A prática atual de investimentos no setor é feita sem planejamento
integrado, sem objetivos comuns e sem visão de médio e de longo
prazo;
• Não há uma definição de diretrizes, de prioridades de investimentos
e dos papéis que cada ente ou instituição deve ter no processo
decisório;
• Os processos decisórios de cada ator são independentes e seguem
190 parâmetros, critérios e legislações diversos e, por vezes, incongruentes;
• Não existe pactuação e faltam procedimentos comuns aos diversos
atores participantes do processo decisório.
Fica claro, a partir dos problemas acima elencados, que muitos deles
podem ser equacionados por uma abordagem sistêmica, tornando mais
eficiente e eficaz a gestão do patrimônio cultural. Mas afinal, o que significa
pensar a gestão do patrimônio cultural como sistema?
Como muitos que percorrem a temática dos sistemas, recorrerei à
2. MORIN, Edgar. conhecida definição de Edgar Morin: sistema é um conjunto de partes
Por uma reforma do diferentes e interligadas que interagem entre si com vistas a uma finalidade. O
pensamento. In:
PENA-VEGA, conjunto tende a ser maior e a atuar de modo mais eficiente do que a soma de
Alfredo & suas partes, fazendo emergir certas qualidades que não existiriam se as partes
ALMEIDA, Elimar
Pinheiro de (orgs.). estivessem isoladas.2
Edgar Morin e a crise
da modernidade. Rio Partindo dessas premissas, entendo que o objeto do SNPC é o
de Janeiro:
Garamond, 1969, p.
patrimônio cultural brasileiro e que sua finalidade é conceber e implementar
21-34. formas de gestão e promoção conjuntas de políticas públicas integradas,
ForumPatrimonioCap5:Layout 3 5/30/12 4:15 PM Page 191
Vo l . 1
A alternativa das redes, como meio de articulação entre atores, parece ser
a estratégia mais adequada para a gestão de políticas públicas no setor do
patrimônio cultural, onde é necessário, como vimos, o enfrentamento de
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Vo l . 1
COMPARTILHAMENTO
Na temática do compartilhamento, gostaria de retomar uma provocação
feita pelo professor Ulpiano Bezerra de Meneses, na abertura do Fórum,
referente à distinção entre patrimônios federal, estadual e municipal. No
194 entendimento de Meneses, tal distinção é desnecessária e não dá conta da
pluralidade, da diversidade e da mobilidade das diversas manifestações e
dos valores e significados associados ao patrimônio cultural. Torna-se
pertinente, nesse contexto, saber se o SNPC conseguirá abranger os
patrimônios salvaguardados pelos diversos entes federativos e se deverá
observar hierarquias de valores – que fatalmente resultarão em priorizações
de investimentos públicos. Em caso positivo, como seriam estabelecidas
essas hierarquias de valores e quem as definiria? Continuará sendo
priorizado o patrimônio protegido em nível federal em detrimento do
estadual e do municipal?
Vo l . 1
DESCENTRALIZAÇÃO
Depreende-se, ainda na temática do compartilhamento, que um dos
maiores desafios para a construção do SNPC será a efetiva descentralização
da gestão do patrimônio cultural. A descentralização, nesse caso, deve ser
entendida como transferência e compartilhamento de atribuições e
competências entre a União e os Estados; e também entre Estados e
municípios. Descentralização significa, em certa medida, estadualização e
municipalização.
Nesse sentido, vale aqui relembrar, de relance, o processo de
institucionalização de políticas públicas de proteção ao patrimônio cultural
no Brasil.
O nosso primeiro marco legal surgiu em 1937, com a criação do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan e a promulgação do
Decreto-Lei no 25/37 – DL 25/37. Embora o artigo 23 do DL no 25/37
tenha estabelecido a competência do poder executivo para providenciar a
realização de acordos para melhor coordenação e desenvolvimento das
196 atividades relativas à proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e
para a uniformização da legislação estadual complementar sobre o mesmo
assunto, pouco foi feito nesse sentido até 1970.
A discussão sobre o compartilhamento entre União e Estados, para a
proteção do patrimônio cultural, veio à tona no I Encontro de
Governadores (Brasília, 1970), resultando na aprovação do Compromisso
de Brasília, cujas resoluções estabeleciam:
• o reconhecimento da necessidade da ação supletiva dos Estados e
municípios à atuação federal, no que se refere à proteção dos bens
culturais de valor nacional;
• a competência de Estados e municípios na proteção dos bens
culturais de valor regional;
• a necessidade de criação de órgãos estaduais e municipais para lidar
com a questão patrimonial, devidamente articulados com os
Conselhos Estaduais de Cultura e com a Dphan (atual Iphan).
Já no II Encontro de Governadores (Salvador, 1971), adotou-se uma
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Vo l . 1
COOPERAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
Outro desafio que eventualmente emergirá da criação do SNPC refere-
se às lacunas que existem entre e além dos níveis federal, estadual e municipal
– e de suas respectivas estruturas de gestão. No mundo globalizado e em
constante mutação, torna-se necessário criar instâncias e canais de
cooperação e compartilhamento para gerir o patrimônio regional (que
abrange vários Estados ou municípios) e transnacional (que abrange vários
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Vo l . 1
países ou nações), ou seja, aquele patrimônio que vai além das unidades
federativas, dos estados nacionais, das fronteiras físicas e das associações
geográficas mais imediatas.11 Para lidar com esses contextos mais fluidos,
|
11. Consequência
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
do surgimento de
novas demandas
acredito que o SNPC deverá prever a criação de comissões temáticas,
nessa área são os bilaterais ou multilaterais (orientados por regiões, entes federativos,
acordos
internacionais de
organizações ou objetos), ligado diretamente ao seu Comitê Gestor.
cooperação que vêm
sendo construídos
pelo Iphan no POTENCIALIDADES DO SNPC
âmbito do Mercosul
e da África lusófona. Mas nem tudo que se refere ao SNPC são desafios, deficiências ou
problemas. Várias potencialidades podem ser identificadas, das quais destaco:
• A capilaridade da estrutura de gestão do Iphan, com
Superintendências em todos os Estados e escritórios técnicos em
vários municípios brasileiros;
• A existência de estruturas de gestão em todos os Estados;
• A existência de estruturas de gestão em muitos municípios brasileiros;
• A existência de experiências de gestão ricas, variadas e bem-
sucedidas, que servirão de modelo para a estruturação do SNPC;
• A existência de instrumentos de financiamento e fomento nos
200 diversos níveis e esferas, ainda que desarticulados entre si;
• A existência de marcos legais e regulatórios respeitados, de amplo
conhecimento e em uso há muitos anos;
• O adiantado processo para aprovação do Plano Nacional de Cultura
e o Sistema Nacional de Cultura.
RESUMO
A preservação do patrimônio cultural é uma questão de cidadania. Seu
* Vereadora, Câmara
cuidado e proteção é dever de todos. A iniciativa de criar a Frente Municipal de
Parlamentar em Defesa do Patrimônio Cultural nasceu em agosto de 2009, Vereadores de Bagé
(RS)
na Oficina do PAC convocada pelo Iphan em Brasília. Atenta a todas essas
questões legais e pensando na grandiosidade dos patrimônios culturais do
Rio Grande do Sul, a Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio Cultural
se soma ao Governo Federal, através do Ministério da Cultura e do Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em seus programas para a
preservação e salvaguarda do patrimônio cultural. Não nos basta ser
pioneiros nessa iniciativa, é importante que contagiemos os demais Estados,
além do Rio Grande do Sul para se organizarem e constituirmos a Frente
Nacional em Defesa do Patrimônio Cultural.
PALAVRAS-CHAVE 201
Patrimônio, Dever de todos, Rio Grande do Sul.
Vo l . 1
Vo l . 1
Vo l . 1
Marcelo Brito*
RESUMO
Trata-se de uma explanação dos instrumentos necessários para o *Assessor de
Relações
desenvolvimento de uma política de cooperação internacional na área do Internacionais do
patrimônio cultural. O texto apresenta, de forma pontual, os instrumentos Iphan
para o estabelecimento desse trabalho compartilhado na identificação e
preservação de um patrimônio considerado de interesse comum, entre os
países sul-americanos e os países de língua portuguesa. Essa política de apoio
internacional tem buscado, sobretudo, a atualização das noções de
patrimônio e da capacidade de desenvolvimento de ações a partir desses
novos conceitos. Entre as metas, está o estabelecimento de estratégias de
financiamento, através de uma abordagem do patrimônio cultural como
elemento propulsor do desenvolvimento regional. 207
PALAVRAS-CHAVE
Cooperação internacional, História, Patrimônio comum.
Vo l . 1
Vo l . 1
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O PAT R I M Ô N I O C U LT U R A L
B R A S I L E I RO E O S D E S A F I O S D O
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
C O M PA RT I L H A M E N T O D E
COMPETÊNCIAS
RESUMO
* Arquiteto Neste texto discute-se o desafio do compartilhamento das competências
urbanista e doutor no campo do patrimônio cultural, onde atuam os diversos níveis de governo
em filosofia,
professor da UFMG; – federal, estadual e municipal. Para mostrar a desarticulação bastante
pesquisador do comum desses níveis, toma-se o caso de Ouro Preto (MG), tombado ainda
CNPq e da Fapemig;
autor e organizador na década de 1930 pelo Iphan e que tem sido objeto da ação dos diversos
de diversos livros agentes. O texto tratar, ainda, da modificação essencial que o campo do
patrimônio tem sofrido nas últimas décadas, com a introdução de novos
212 grupos e agentes, o que também coloca em outros termos as bases das
políticas públicas na área.
PALAVRAS-CHAVE
Patrimônio, Gestão, Agentes.
Vo l . 1
between Brazil and É interessante percebermos que esse conflito vai se acirrar, de fato, a partir
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
England. dos anos de 1950, quando, com o início da exploração do alumínio, a cidade
Manchester:
University of de Ouro Preto ganha novo impulso econômico, sofrendo grande crescimento
Manchester; populacional. Para abrigar essa população, atraída por ela, a indústria – Alcan
Department of
Planning and implanta um novo bairro nos limites da cidade, que é articulado como um
Landscape, 1995, p. distrito industrial, com uma estrutura urbana funcionalista, em tudo
221. Esse tipo de
conflito só começa a diferente da tradicional. No entanto, como nem toda a demanda
ser equacionado habitacional pôde ser absorvida por esse bairro, o núcleo histórico passa a
quando, em 1993, se
cria o Grupo de sofrer uma pressão inusitada. Assim, o centro, que se mantinha praticamente
Assessoramento inalterado desde os fins do século XVIII, sofre um processo de expansão,
Técnico (GAT),
formado numa levando ao aproveitamento de todas as suas áreas periféricas, onde são
tentativa de realizar a construídas edificações, na sua maioria, de baixo padrão.3
articulação das
diversas esferas
governamentais
Para se ter uma ideia do número de novas construções, basta um dado:
envolvidas no ao se tombar o conjunto, em 1938, este tinha aproximadamente 1.000
processo de
preservação do
edificações; somente entre 1938 e 1985, são aprovadas 3.000 construções
patrimônio. novas. Além disso, é digno de nota o processo de adensamento do núcleo
3. A esse respeito, original, onde as edificações passam a sofrer remanejamentos internos,
confira ALBANO, numa tentativa de se abrigar um número maior de pessoas. Nesse processo,
214 Celina et al. Entre os
limites do passado e as também são ocupados por novas construções os lotes vagos e mesmo os
demandas do futuro: grandes quintais, alterando-se, significativamente, a relação de cheios e
análise da cidade
histórica de Ouro vazios no conjunto. Como se poderia esperar, as pressões modernizadoras
Preto, Minas Gerais. fazem com que cresça o antagonismo entre a população local,
Cadernos de
Arquitetura e sistematicamente excluída da formulação das políticas de preservação, e o
Urbanismo. Belo Sphan, que tenta manter o conjunto intacto, através de um controle,
Horizonte: PUC,
1994 (Caderno 1), basicamente estético, na aprovação de projetos.
p. 104.
Também a partir dessa época, a cidade começa a ser alvo de um turismo
de massa, atraído, principalmente, pelo valor histórico e pela atmosfera do
conjunto barroco, único no Brasil. O turismo cria impactos na vida
cotidiana da cidade, com a redefinição de usos e ocupações de algumas áreas
do centro histórico e a transformação de habitações em hotéis ou
estabelecimentos comerciais. Trata-se, basicamente, de um turismo cultural,
perfil que vai ser reforçado no final da década de 1960, quando começa a
acontecer na cidade o Festival de Inverno, organizado pela Universidade
Federal de Minas Gerais, que tem por objetivo a promoção de cursos e
oficinas relacionadas a diferentes atividades artísticas.
ForumPatrimonioCap5:Layout 3 5/30/12 4:16 PM Page 215
Vo l . 1
Vo l . 1
Vo l . 1
AT U A Ç Ã O D O C O N S E L H O
I N T E R N AC I O N A L D E M O N U M E N TO S
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
E SÍTIOS (ICOMOS) NA
P R E S E RVA Ç Ã O D O PAT R I M Ô N I O
C U LT U R A L : E X P E R I Ê N C I A S E
DESAFIOS
Vo l . 1
Vo l . 1
Vo l . 1
esenciales;
b) La incorporación de usos incompatibles con el carácter o el significado
tradicional de los sitios, incluyendo el comercio informal;
c) La inserción en áreas de interés histórico y cultural y sus entornos, de
edificios o conjuntos edilicios y otros elementos que no tienen en cuenta su
carácter o sus valores históricos y/o culturales;
d) La remoción o pérdida de edificios, espacios abiertos y elementos que
caracterizan el “Espíritu del Lugar”;
e) La provisión y uso de infraestructura, equipamientos o mobiliario
urbano ajenos, por su diseño o materiales de construcción, al carácter de los
sitios.
En este sentido, se han mencionado, a modo de base para la discusión,
casos concretos de amenazas al “Espíritu del Lugar”, en varias ciudades
Latinoamericanas, entre los que cabe mencionar:
a) La especulación inmobiliaria que genera la excesiva densificación y
226 verticalización de la ciudad de Salvador, Brasil, en el entorno del Sitio del
Patrimonio Mundial;
b) Las presiones inmobiliarias y de tráfico vehicular en la ciudad de
Brasilia, Brasil, que afectan la integridad del Plano Piloto, Sitio del
Patrimonio Mundial;
c) El proyecto de construcción de un Centro Cultural en la ciudad de
Valparaíso, Chile, sin consideración por las preexistencias del sitio y los
valores del entorno Sitio del Patrimonio Mundial;
d) El proyecto de construcción de un Centro de Exposiciones y
Convenciones en la ciudad de Puebla, México, en un área de alto
significado histórico, que forma parte del Sitio Patrimonio Mundial;
e) Las construcciones provisionales y de una pista de patinaje sobre hielo
en el Zócalo de la Ciudad de México, Sitio del Patrimonio Mundial;
f ) Las alteraciones de los santuarios de Chalma, Estado de México y San
Juan de los Lagos, Jalisco, así como de la zona de Bracho en la ciudad de
Zacatecas, México, Sitio del Patrimonio Mundial;
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4. RECOMENDACIONES
Los participantes en el Foro acuerdan las siguientes recomendaciones:
a) Que el concepto “Espíritu del Lugar” sea incorporado en los procesos
de planificación urbana y territorial, como medio para la preservación
integral de paisajes naturales y culturales, asi como de ciudades y áreas
urbanas con valores históricos y/o culturales;
b) Que la legislación urbana, planes y proyectos de nuevos desarrollos,
en entornos naturales y construidos por el hombre, tengan en cuenta el
potencial impacto sobre el “Espíritu del Lugar”; 227
c) Que los sistemas de valores y las prácticas sociales de las comunidades
sean comprendidos y respetados como parte del “Espíritu del Lugar”.
QUEBEC 2008
Em Quebec, em outubro de 2008, por ocasião da XVI Assembleia Geral
foram votadas duas novas cartas que complementam as doutrinas do
Icomos: A Carta dos Itinerários Culturais e a Carta para a Interpretação e
Apresentação dos Sítios Patrimônios Culturais. Documentos estes
destinados a definir e promover as melhores práticas de conservação e de
gestão dos sítios culturais. A Assembleia Geral adotou também a
“Declaração de Quebec”, sobre a proteção do “Espírito do Lugar”.
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Vo l . 1
LA CHARTE ICOMOS
POUR L’INTERPRÉTATION ET LA PRÉSENTATION DES SITES
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
CULTURELS PATRIMONIAUX
La Charte ICOMOS pour l’interpretation et la presentation des sites cultures
patrimoniaux traite des méthodes et des technologies pour engager une
communication efficace et responsable sur le patrimoine. En effet, la demande
pour des principes internationalement reconnus en matière d’interprétation
et de présentation des sites culturels patrimoniaux était devenue pressante eu
regard aux menaces toujours croissantes, dues aux catastrophes naturelles ou
à l’activité humaine, et la création de nombreux parcs d’attraction « à thème
» inspirés par le patrimoine mais créés pour générer des flux financiers plutôt
que dans le souci de la conservation ou de l’éducation.
La Charte ne prescrit pas de contenus spécifiques pour la présentation
de sites, ni n’imposeun schéma « uniforme » sur la manière dont tel ou tel
type de monument, site, ou paysage culturel doivent être expliqués au
public. Elle porte plutôt sur les questions fondamentales de l’« accès », des
« sources d’information », du « contexte », de l’« authenticité », de l’«
inclusion », de la « durabilité », ainsi que de la « recherche, éducation et
formation». Elle vise à s’assurer que ces sujets sont pris en considération et
228 incorporés dans la communication avec tous les acteurs du patrimoine, y
compris les touristes, les communautés locales et associées, ainsi que dans
les systèmes d’enseignement locaux.
La Charte représente un consensus de l’ICOMOS sur les principes
fondamentaux de l’interprétation et la présentation des sites du patrimoine culturel.
Vo l . 1
PRÉAMBULE
Réunis dans la ville de Québec (Canada) du 29 septembre au 4 octobre
|
Vo l . 1
aptes à contribuer par la législation, par lês pratiques, par les processus
d’aménagement et de planification ainsi que par la gestion à une meilleure
sauvegarde et à la promotion de l’esprit du lieu.
Vo l . 1
234
ForumPatrimonioCap5:Layout 3 5/30/12 4:16 PM Page 235
Frederico A. R. C. Mendonça*
RESUMO
Salvador apresenta uma experiência de compartilhamento de ações entre * Diretor-geral do
Ipac
os órgãos de preservação patrimonial, federal e estadual, e a instituição
municipal de licenciamento de construções e atividades para áreas de
interesse patrimonial e paisagístico. Experiência que já dura uns 27 anos e
foi objeto de nova formalização em 2009, depois de uma década de
funcionamento informal. Especificidades do processo de recuperação do
Centro Histórico de Salvador induziram uma supervalorização de órgãos da
administração estadual. Nos últimos três anos, medidas vêm sendo adotadas
para corrigir as distorções históricas e contextualizar a poligonal de 235
tombamento federal num planejamento estratégico para uma área maior
denominada centro antigo de Salvador.
PALAVRAS-CHAVE
Gestão, Compartilhamento, Planejamento.
Vo l . 1
Vo l . 1
Relatório síntese
SISTEMA NACIONAL DE
P AT R I M Ô N I O C U LT U R A L ( SN PC)
COOPERAÇÃO, COMPARTILHAMENTO E DEFINIÇÃO
DE PAPÉIS
Coordenador: Honório Nicholls Pereira (consultor Iphan)
Relatora: Mônica Cristina de Souza Silva (consultora Iphan)
COMUNICAÇÕES
Frente Parlamentar em defesa do patrimônio cultural, Jussara Hockmüller
Carpes (vereadora de Bagé/RS)
O patrimônio cultural e o contexto internacional, Marcelo Brito (Iphan)
Desafios do compartilhamento de competências, Leonardo Barci Castriota
(Escola de Arquitetura da UFMG)
Atuação do Icomos na preservação do patrimônio cultural: experiências e
desafios, Rosina Coeli Alice Parchen (Icomos Brasil)
239
A experiência do Etelf/BA e os desafios da gestão integrada, Frederico A. R.
Mendonça (Instituto de Patrimônio Artístico e Cultural/BA)
O papel da sociedade civil: a experiência da Sociedade Olindense em Defesa
da Cidade Alta (Sodeca), Juliana Cunha Barreto (Centro de Estudos
Avançados da Conservação Integrada/UFPE)* *Devido a problemas
de transcrição da
gravação esta palestra
não pôde ser publi-
RELATO cada.
Vo l . 1
instâncias municipais;
• Promover a consolidação das legislações de patrimônio nos
municípios;
• Fortalecer o conhecimento dos gestores locais na área de patrimônio
histórico promovendo a identificação de potencialidades locais;
• Superar a variação das relações institucionais de acordo com as
relações políticas vigentes.
Relatório síntese
• Experiência do Programa Monumenta, principalmente a ação de
imóveis privados;
• A organização da Frente Parlamentar em Defesa do Patrimônio a
partir de experiência do município de Bagé/RS.
Vo l . 1
RESUMO
O texto abre as discussões que pretendem aprofundar o debate sobre os *Procurador chefe
do Iphan
marcos legais que precisam ser editados ou aprimorados para que o Sistema
Nacional de Patrimônio Cultural possa ser efetivamente implementado.
PALAVRAS-CHAVE
Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, Marcos legais, Articulação.
Vo l . 1
246
ForumPatrimonioCap6:Layout 3 5/30/12 4:18 PM Page 247
Kazuo Nakano*
RESUMO
Este texto discute os sentidos na construção de sistemas de políticas * Arquiteto
urbanista do
públicas que estão sendo realizadas no Brasil nas décadas recentes, Instituto Pólis e
particularmente do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural. Procura doutorando pela
Unicamp
enunciar algumas premissas importantes relacionadas com o direito à cidade
e com as tendências da urbanização brasileira que devem ser consideradas
na construção desse Sistema. Finaliza estabelecendo pontos de contato entre
o Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento urbano
no Brasil, e os patrimônios culturais.
PALAVRAS-CHAVE
Sistema Nacional de Patrimônio Cultural, Urbanização brasileira, Plano
Diretor, Patrimônio cultural. 247
INTRODUÇÃO
A elaboração deste texto foi motivada pelo interesse em inserir as
questões relativas ao planejamento e à gestão urbana e territorial, em especial
aquelas concernentes ao Plano Diretor, nas discussões sobre os processos de
construção do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural conduzido pelo
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Parte dessas
discussões ocorreu em dezembro de 2009, quando o Iphan coordenou a
realização do I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural na cidade de Ouro
Preto (MG). Este texto foi escrito com base na apresentação sobre as
relações entre o Plano Diretor e o patrimônio cultural feita na sessão sobre
“Regulação e Marcos Legais”, prevista no programa daquele Fórum.
De início, é importante contextualizar os esforços de construção do
Sistema Nacional de Patrimônio Cultural a partir dos marcos históricos da
redemocratização política do Brasil, que se iniciou na segunda metade da
década de 1980 e vem se prolongando até os dias atuais. É importante
ForumPatrimonioCap6:Layout 3 5/30/12 4:18 PM Page 248
Vo l . 1
Federal de 1988.
Nesse sentido, vale lembrar a importância da construção do Sistema
Único de Saúde (SUS), do Sistema Único da Assistência Social (Suas), do
Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), entre outros. Esses
Sistemas têm em comum uma estruturação sobre três colunas vertebrais,
organizados por todos os entes da federação, que são imprescindíveis nas
políticas públicas contemporâneas: (i) fundo de recursos públicos
permanentes distribuídos segundo critérios definidos em processos de
planejamento de curto, médio e longo prazo; (ii) instrumentos específicos
de planejamento elaborados necessariamente com participação social e
popular, envolvendo os agentes políticos e grupos sociais relacionados, direta
ou indiretamente, com o setor; (iii) canais institucionais para a interlocução
e compartilhamento de decisões e responsabilidades de interesse público
entre Estado e sociedade (conselhos gestores). Na operacionalização dessas
estruturas, um ponto crítico encontra-se nas formas e nos critérios de
repasses e distribuição dos recursos financeiros, que se apresentam sempre
248 insuficientes para atender as demandas sociais existentes. Muitas vezes, esses
repasses são capturados por lógicas políticas clientelistas que inviabilizam a
transparência e as práticas do controle social que buscam garantir o uso
justo e adequado desses recursos.
É importante dizer que os sistemas de políticas públicas, que estamos
experimentando no Brasil, ainda precisam de vários aperfeiçoamentos que
devem ser feitos com base em avaliações amplas e detalhadas. Em que pese
os problemas e limitações que inegavelmente existem nos alcances,
abrangências e funcionamentos desses sistemas, é interessante observar o
fato de que as proposições possuem enraizamento em importantes bases
propiciadas pelos setores organizados da sociedade. Tais bases incidiram e
continuam a incidir nos processos de instituição e reformulação dos
componentes, órgãos, critérios, procedimentos e legislações que compõem
esses sistemas. É interessante observar, ainda, a clara adoção dos princípios
e perspectivas que afirmam os direitos sociais universais consagrados na
Constituição Federal. Pelo menos em tese, esses princípios colocam-se como
orientadores da construção e operacionalização daqueles sistemas de
políticas públicas.
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Vo l . 1
Vo l . 1
SEGUNDA PREMISSA
É importante ter em mente que os nossos padrões de urbanização,
materializados nas cidades brasileiras, são padrões dirigidos
predominantemente pela lógica do mercado, formal e informal. O processo
de produção dos espaços urbanos se dá, principalmente, pela atuação dos
agentes econômicos presentes nos mercados imobiliários das classes
populares, de classe média e das classes mais abastadas. A regulação pública,
realizada pelo Estado, se coloca de duas maneiras nesse processo. De um
lado, omite-se de qualquer ação regulatória, no caso da produção de espaços
urbanos destinados às classes populares que, desse modo, passam a morar
e viver em locais irregulares, clandestinos, informais marcados por inúmeros
tipos de riscos e precariedades urbanísticas e socioambientais. De outro
lado, adota ações regulatórias patrimonialistas, que favorecem os interesses
minoritários das classes mais endinheiradas, em espaços urbanos melhor
252 constituídos, do ponto de vista da oferta de equipamentos, serviços e
infraestruturas básicas e de diversas oportunidades urbanas, propiciadoras
de desenvolvimento humano e econômico.
Portanto, aqueles padrões de urbanização que estruturaram e continuam
a estruturar os espaços das cidades brasileiras, se caracterizam pela produção
e apropriação desigual das terras urbanas, gerando processos de exclusão
territorial dos setores mais vulneráveis da sociedade. Tais processos reforçam
as desigualdades sociais existentes na distribuição de renda e em outras
riquezas socialmente produzidas. Não é exagero dizer que o nosso padrão
de urbanização é, basicamente, predatório. Predatório em relação às
potencialidades humanas, predatório em relação aos recursos naturais,
predatório em relação aos patrimônios culturais. Estamos testemunhando
as ocorrências de desastres naturais cada vez mais graves, porque as cidades
são produzidas de modo incompatível com as condições, regimes e ciclos
dos elementos naturais, principalmente as vegetações e os recursos hídricos.
Produzimos espaços urbanos segundo um processo sociopolítico destrutivo
e de alto risco. Por isso, faz todo o sentido discutir a violência na cidade e
a violência da cidade.
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Vo l . 1
Vo l . 1
Vo l . 1
para obter o mínimo de recursos, que pode ser usado na realização de algum
investimento. Não cabe aqui alongar as análises sobre esse ponto. Entretanto,
vale assinalar que a construção de futuras e necessárias articulações, entre o
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Vo l . 1
REFERÊNCIAS
BRASIL. Estatuto da Cidade – guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos
Deputados, 2005.
MINISTÉRIO DAS CIDADES. Plano Diretor Participativo – guia para elaboração pelos municípios e cidadãos.
Brasília, 2004.
NAKANO, Kazuo. O planejamento e a gestão territorial no Brasil – entre o tecnocratismo e o direito à cidade.
In: KOGA, Dirce; GANEV, Eliane e FAVERO, Eunice (orgs.). Cidades e questões sociais. São Paulo: Andross,
2008.
______. São Gabriel da Cachoeira – planejamento e gestão de territorialidades imbricadas. In: CASTRO, Edna
(org.). Cidades na floresta. São Paulo: Annablume, 2008.
ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei – legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo:
Fapesp-Studio Nobel, 1997.
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RESUMO
O presente trabalho discute a questão dos instrumentos urbanísticos * Doutoranda da
para a preservação do patrimônio cultural, a partir do exemplo FAU/USP e
pesquisadora da
paradigmático da gestão sustentável de Paranapiacaba, onde foi Fupam-Fauusp
desenvolvida e implementada a Lei da Zeipp – Zona Especial de Interesse
do Patrimônio de Paranapiacaba. A Zeipp, aprovada em 2007, é uma lei
específica estabelecida pelo Plano Diretor 2004 de Santo André, que articula
diretrizes de preservação do patrimônio com desenvolvimento urbano,
ambiental, econômico e social. O processo de elaboração dessa lei ocorreu
de forma participativa e interdisciplinar, envolvendo a Prefeitura, os três 261
órgãos de preservação do patrimônio cultural (Iphan, Condephaat e
Comdephaapasa), os conselhos municipais de política urbana e meio
ambiente, universidades, entidades de classe e a comunidade local.
PALAVRAS-CHAVE
Instrumentos urbanísticos, Gestão do patrimônio, Paisagem cultural.
Vo l . 1
Vo l . 1
Vo l . 1
bens.
O título segundo organizou as diretrizes para o desenvolvimento local
sustentável, orientando, sobretudo, a promoção da atividade turística na
Vila. As principais diretrizes são:
• articular a política de desenvolvimento socioeconômico e ambiental
à política de preservação do patrimônio cultural;
• promover o desenvolvimento econômico compatível com o
ambiente e com o suporte de infraestrutura urbana da Vila de
Paranapiacaba;
• promover e garantir a ordenação e o controle do uso do solo, de
forma a evitar a proximidade de usos incompatíveis ou
inconvenientes;
• disciplinar a ocupação urbana na Vila;
• incrementar e qualificar o uso de hotelaria;
266
• garantir o uso habitacional;
• promover a formação e qualificação contínua da comunidade local,
para consolidar e fortalecer a gestão do desenvolvimento local
sustentável;
• buscar alternativas de habitabilidade e uso compatível para os
imóveis públicos;
• melhorar as condições de acessibilidade e mobilidade urbana,
respeitando as condições geomorfológicas do sítio histórico;
• propiciar a inclusão social e a geração de trabalho e renda, por meio
das atividades turísticas e das demais atividades econômicas
compatíveis com a paisagem cultural;
• realizar eventos culturais compatíveis com as diretrizes do
desenvolvimento local sustentável e de preservação da paisagem
cultural; e
• garantir a segurança dos imóveis públicos, através da implantação
de medidas preventivas de combate a incêndio e de segurança.
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RESUMO
Os desafios enfrentados pela administração municipal de Ouro Preto * Secretário
Municipal de
diante da missão de combinar uma política pública voltada para atender a Patrimônio e
demanda da população numa cidade que, ao mesmo tempo em que é Desenvolvimento
Urbano e presidente
patrimônio histórico, apresenta um crescimento desordenado. Era preciso, do Conselho
criar uma política capaz de preservar esse patrimônio e, ao mesmo tempo, Municipal de
Política Urbana de
desenvolvê-la urbanisticamente. A atualização do Plano Diretor e a criação Ouro Preto
de uma secretaria especial, unindo um Conselho do Patrimônio e Conselho
de Política Urbana revelaram o caminho que tem levado a cidade a conjugar
preservação e desenvolvimento. O ICMS cultural, por exemplo, foi um dos
incentivos oferecidos aos municípios para promoverem a preservação do
patrimônio da região.
PALAVRAS-CHAVE
275
Patrimônio cultural, Política urbana, Conciliação.
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O PA P E L C O N S T I T U C I O N A L D O
M U N I C Í P I O N A P RO T E Ç Ã O D O
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
PAT R I M Ô N I O C U LT U R A L
RESUMO
* Conselheiro federal O texto aborda o papel da sociedade civil brasileira, na difícil e
da OAB
importante missão de agir na defesa e na preservação do patrimônio
cultural. Evidencia o fato de que o Brasil é o único país do mundo onde a
Federação é formada pela união indissolúvel de Estados e municípios,
quando a regra clássica é que a federação seja formada somente de Estados.
Isso revela a situação sui generis do município brasileiro, o que explica por
que as políticas sociais têm o município como estrutura de execução. Isso
ganha maior relevância quando se refere ao patrimônio histórico e cultural,
284 tendo em vista a necessidade de assegurar a memória de um determinado
tempo, além de manter intactas suas manifestações populares, as quais
acontecem no seio do município.
PALAVRAS-CHAVE
Constituição Federal, Patrimônio cultural, Municípios.
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pela Constituição.
Por isso, quando a CF/88 se refere à colaboração da comunidade junto
com o Poder Público para promover e proteger o patrimônio cultural, não
se pode falar no papel do município na defesa e na preservação do
patrimônio cultural, sem mencionar, também, o papel, que eu diria,
fundamental, da sociedade civil organizada, em geral, e da OAB, em
particular.
A CF/88, ao estabelecer o rol de competências reservadas aos
municípios, foi clara em dispor nos incisos VIII e IX, do art. 30, dentre
outros, a de promover o ordenamento territorial, mediante o planejamento
do uso, do parcelamento e da ocupação do solo e, bem assim, a defesa e
proteção ao patrimônio histórico cultural, sem prejuízo da legislação e da
ação fiscalizadora federal e estadual.
Não obstante a competência concorrente da União e dos Estados,
estabelecida no inciso VII do art. 24 da Carta Magna, a nossa Constituição
é, de fato, “municipalista”, o que é fantástico, porquanto a promoção dos
286 direitos humanos e a sua efetivação se fazem – ou deveriam ser feitas – com
maior participação direta dos cidadãos.
Vejam, minhas senhoras e meus senhores, o Brasil é o único país do
mundo onde a Federação é formada pela união indissolúvel de Estados e
municípios (a regra clássica é que a federação seja formada somente de
Estados). Isso serve para demonstrar a situação diferenciada e sui generis do
município brasileiro, a qual fica ainda mais evidenciada quando se vê que
a própria Carta Magna destaca, junto com as competências atribuídas ao
município, a colaboração da sociedade, na consecução das metas e objetivos
do Poder Público, na proteção e conservação do patrimônio cultural.
Afinal de contas, o cidadão não mora na União. O cidadão não mora no
Estado. O cidadão, todo cidadão, mora é na cidade. Assim, o município e o
prefeito representam a figura política mais próxima do povo, mais próxima
dos munícipes. Eis um dos motivos por que as políticas sociais, no Brasil, têm
como estrutura de execução o município. Vale dizer, que a União Federal
faz a macropolítica; os Estados e o Distrito Federal se encarregam da
organização da política regional; e aos municípios cabe a execução.
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291
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AT U A Ç Ã O D O M I N I S T É R I O
PÚBLICO EM DEFESA DO
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
PAT R I M Ô N I O C U LT U R A L
RESUMO
* Coordenador da A partir de uma visão do Ministério Público de Minas Gerais, o autor
Promotoria
Estadual de Defesa discute, neste artigo, a criação e o funcionamento de um Sistema Nacional
do Patrimônio de Patrimônio Cultural. Tendo em vista o Decreto-Lei no 25/37, no artigo
Cultural e Turístico
de Minas Gerais 23, criado em 1937, que já estabelecia linhas para a delimitação de um
sistema como esse, o atual momento se apresenta, então, como a efetivação
de um Sistema Nacional de Proteção ao Patrimônio Cultural, e não
verdadeiramente de sua criação. Aponta, ainda, como uma importante
prioridade, para o tratamento do Sistema Nacional, o estabelecimento de
princípios e objetivos. Além de outros princípios que pretendem o efetivo
funcionamento desse Sistema.
292
PALAVRAS-CHAVE
Sistema Nacional, Ministério Público, Patrimônio cultural.
O tema que nos foi colocado para ser abordado foi a participação do
Ministério Público nas ações de defesa do patrimônio cultural e, também,
a visão do Ministério Público do Estado de Minas Gerais a respeito da
falada necessidade de se implantar um Sistema Nacional de Patrimônio
Cultural, para que nossas políticas de preservação, de proteção e promoção
sejam mais efetivas. Bem, eu atualmente coordeno a Promotoria Estadual
de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, o primeiro
órgão a ser criado em nosso país com abrangência em toda Unidade da
Federação com objetivo especifico de cuidar do patrimônio cultural. Então,
em Minas Gerais, nós temos uma Promotoria que tem a missão de
coordenar a atuação dos colegas promotores nos 853 municípios que
integram nosso Estado, e que são açambarcados por 294 comarcas. Farei,
então, um pequeno panorama para que possamos compreender as razões
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históricas em Minas Gerais, algumas com passado mais antigo, outras com
passado mais recente, algumas com patrimônio construído mais destacado,
outras nem tanto, mas, todas têm sua história. Então, o objetivo de romper
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Vo l . 1
aspectos, tanto que na Europa, de forma geral, hoje tem sido preferível a
utilização da expressão “meio envolvente”, por que tudo aquilo que
contribui para uma condição de bem-estar do ser humano deve ser
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
296
Outra questão que é fundamental diz respeito à adoção de uma postura
resolutiva. O Ministério Público não tem compromisso com o litígio; o
Ministério Público não tem compromisso com a judicialização dos conflitos;
o Ministério Público tem compromisso, sim, com a resolução dos conflitos.
É exatamente por isso que nós temos deixado as ações civis públicas para
serem propostas somente naqueles casos em que o consenso não se mostrar
possível, por que sempre que há possibilidade de se construir uma solução
extrajudicial para os conflitos, principalmente pelos chamados “termos de
ajustamento de conduta”, essa é a solução sempre preferida pelo Ministério
Público, em razão de ser mais célere, eficaz e benéfico à sociedade.
E, por último, a atuação integrada, aquilo que eu já citei e que repito:
uma instituição sozinha, por mais qualificada que seja, vai ser sempre muito
pouco para resolver os problemas que nós temos e que nos desafiam.
Há alguns dados estatísticos, eu gosto muito de ter essas referências,
porque como servidores públicos nós somos servidores da sociedade e nós
temos de demonstrar aquilo que a nossa instituição faz. E vejam, senhores,
que entre os anos de 1990 até 2005, quando foi criada a Promotoria
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eu já peço vênia aos meus amigos do Iphan, mas, é uma análise que eu faço
e que é absolutamente propositiva, sincera e respeitosa, no que diz respeito
ao Iphan, até porque, eu já disse isso publicamente: o Iphan, para mim,
teve, aliás, ainda tem, as chamadas “fases heroicas”. Nós tivemos uma fase
heroica, que foi a fase inicial, quando o Iphan começava a dar seus primeiros
passos. Eu penso que nós estamos, atualmente, em uma nova fase heroica,
que é uma fase que objetiva o alcance da efetividade e a implementação, na
prática, daquilo que uma autarquia voltada para a proteção do patrimônio
nacional precisa realmente fazer. E nós ficamos muito felizes de ver um
evento nacional, principalmente sendo sediado aqui, em Vila Rica, a nossa
querida Ouro Preto, exatamente objetivando isso, a discussão aberta com a
sociedade, a discussão aberta com os diversos atores, procurando a
implementação dessas medidas.
Nós temos um Sistema Nacional de Meio Ambiente que foi instituído
em 1981, há quase 30 anos; nós temos um Sistema Nacional de Unidades
de Conservação que foi instituído no ano 2000; nós temos um Sistema
Nacional de Turismo que foi criado em 2008; nós temos um Sistema
298 Brasileiro de Museus, que é o mais recente de todos, criado agora em 2009,
e eu pergunto: onde está o nosso Sistema de Defesa do Patrimônio Cultural?
Ele não existe?
Será que nós passamos todos esses anos em que o Brasil já tem uma longa
tradição de defesa do patrimônio cultural e nunca se pensou nisso?
Eu gostaria de trazer esse tema à reflexão e já gostaria de fazer aqui a
minha crítica quanto a uma postura que costuma contaminar os brasileiros
em geral, e nós, operadores do direito do patrimônio cultural, também, que
é a “síndrome do coitadismo” e o “complexo de Pilatos”. Vou me explicar:
a “síndrome do coitadismo” é aquele posicionamento segundo o qual tudo
no Brasil é ruim, nada aqui vale nada, sempre o que tem na França é melhor,
sempre o que tem na Europa é melhor. O “complexo de Pilatos” é
simplesmente falar: “olha, o problema está na ausência de leis, o problema
está na ausência de verbas, então, o problema não é meu”.
Então, deixando de lado esses dois males, eu ouso dizer que o Sistema
Nacional de Defesa do Patrimônio Cultural existe desde 1937 e foi o
primeiro deles, porque no Decreto-Lei no 25/37, o artigo 23 é
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DESAFIOS DA REGULAÇÃO DO
PAT R I M Ô N I O C U LT U R A L
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
RESUMO
* Procuradora da O Brasil tem criado diversos instrumentos de tutela dos bens culturais
República e
coordenadora do
por normativa infralegal, na ausência de atividade legislativa nesta área. É
Grupo de Trabalho necessária a correta utilização dos instrumentos previstos na Constituição
Patrimônio Cultural
do Ministério
pela administração pública, cuja estrutura atual é ainda inadequada ao pleno
Público Federal exercício de suas atribuições. A organização da competência comum dos
três entes federativos ainda pende de disciplina. Urge a efetiva educação
patrimonial da sociedade brasileira, para que os bens culturais contem
efetivamente com sua colaboração para sua valorização e transmissão às
futuras gerações.
PALAVRAS-CHAVE
304 Patrimônio cultural, Tutela, Competência.
INVENTÁRIO DE CONHECIMENTO
O inventário, instrumento expressamente previsto no artigo 216 da
Constituição Federal, é o primeiro instrumento que a administração deveria
utilizar para a proteção dos bens culturais. Isso porque é pressuposto da
tutela o conhecimento dos bens a serem preservados e valorizados.
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DA RESTRIÇÃO À EXPORTAÇÃO
No direito comparado, há quase quatro séculos já existem normativas
restritivas à exportação de bens culturais. Normativas de 1602, de Florença; de
1624, de Roma; de 1745, do Veneto criavam rol de obras de exportação vedada.
ForumPatrimonioCap6:Layout 3 5/30/12 4:18 PM Page 308
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SISTEMA NACIONAL
Outro importante ponto pendente de legislação desde o advento da
Constituição é a disciplina da competência comum entre União, Estados e
municípios, no que tange ao patrimônio cultural.
Novamente é no âmbito da administração pública, e não no Congresso
Nacional, que se dá a discussão sobre a criação de um Sistema Nacional de
Patrimônio Cultural.
Certamente, tal estrutura colaboraria para que as três esferas da
administração pública, com competência comum para a tutela dos bens
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CONCLUSÃO
Apesar dos mais de vinte anos do advento da Constituição Federal, os
marcos legais existentes sobre o patrimônio cultural ainda não abrangem
todos os mecanismos necessários à efetiva tutela e valorização dos bens que
o integram. Além de novas leis, é fundamental a adequada estruturação dos
312 órgãos de preservação da administração pública, com a disponibilização de
recursos humanos e financeiros condizentes com suas amplas atribuições.
Igualmente, faz-se necessária a implantação de um Sistema Nacional de
Patrimônio Cultural, integrante ou não ao Sisnama ou ao SNC, para tornar
a tutela mais eficaz. Urge a efetiva educação patrimonial da sociedade, pois,
sem a valorização dos bens culturais pelos cidadãos, não haverá governo
capaz de assegurar sua preservação e transmissão às futuras gerações.
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RESUMO
Este trabalho pretende apresentar um panorama a respeito das * Professor de direito
peculiaridades brasileiras relacionadas à tutela jurídica do patrimônio público da
Universidade Federal
cultural edificado. Desde a forma de ocupação dos povos pré-colombianos, de Ouro Preto e
passando pelas características da urbanização portuguesa, chegando aos coordenador do
Núcleo de Pesquisa
atuais instrumentos de política urbana e ambiental. O Brasil não pode em Direito do
simplesmente importar modelos de tutela pensados para realidades tão Patrimônio Cultural
do Departamento de
distintas, seja com relação à estrutura urbana edificada, seja em razão das Direito da
próprias circunstâncias culturais e compreensão da ideia de pertencimento. Universidade Federal
de Ouro Preto
PALAVRAS-CHAVE
313
Patrimônio natural, Bens jurídicos, Tutela.
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país e desde a sua publicação suscitou forte crítica por não diferenciar as
condutas de alto grau de “lesividade” ambiental daquelas que envolvem
também um dano ao meio ambiente, mas que implicam a subsistência
imediata do agente ou de sua família. Ora, como pensar que o pequeno
lavrador que desmata certa área para a subsistência imediata sua e de sua
família pode incorrer no mesmo crime que aquele latifundiário que devasta
imensas áreas de floresta para abrir pastagens? Considerando esse aspecto,
em 2006 houve, então, a alteração da Lei de Crimes Ambientais (alterada
pela Lei no11.284, de 2 de março de 2006), que passou a contar com o
artigo 50-A. Esse novo dispositivo estabelece, em seu § 1º, ao elencar as
hipóteses de dano às florestas plantadas ou nativas, que “não constitui
crime a conduta praticada quando necessária à subsistência imediata
pessoal do agente ou de sua família”.
Nesse aspecto, acertadamente agiu o legislador federal ao promover tal
mudança normativa e, desse modo, ao aproximar mais o direito da realidade
rural e ambiental brasileira, que ainda não pode se dar ao luxo de adotar
medidas mais radicais, em favor do meio ambiente natural, sem que isso
318 afete, entretanto, o sustento de milhões de brasileiros que dependem desse
recurso para a sua sobrevivência.
Ocorre que, como dito anteriormente, a lei brasileira de Crimes
Ambientais é aplicável tanto aos crimes cometidos contra os bens naturais
como aos bens culturais. Nessa lei, a seção IV trata especificamente dos
crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural e o art. 62
especifica:
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merecem uma maior ou, mesmo, uma menor tutela. Bom que se diga que
não se trata de eleger uma cultura superior em detrimento de outra, implica
dizer, isso sim, que somente alguns bens culturais são eleitos como relevantes
para determinada cultura, enquanto, em se tratando dos bens naturais, esse
juízo de valor não se aplica, razão pela qual os elementos culturais e os
naturais têm natureza absolutamente distintas e precisam ser levadas em
consideração no momento de se pensarem os respectivos modelos de tutela
e valorização político-jurídico.
Concluindo, aproveita-se esta breve exposição, que ainda merece maior
reflexão e desenvolvimento futuros, para enfatizar a crítica àqueles que
sugerem que o patrimônio cultural compreende e pode ser trabalhado tal
como o patrimônio natural em nosso país. Talvez essa seja a forma mais
cômoda e conveniente de lidar com um assunto, que como dito, nunca foi
prioridade entre nós (os bens culturais edificados), mas, com certeza, não
se trata da maneira mais eficaz de salvaguardá-los. Daí decorre o discurso
dos acomodados: “antes de querermos o ótimo, precisamos querer o bom”.
No entanto, nos moldes em que se desenha o tratamento jurídico da
320 matéria, não estamos sequer próximos do “bom” e ainda que estivéssemos,
o patrimônio cultural edificado, por tudo o que deveria representar para o
povo brasileiro, merece e precisa ser tutelado ao nível do excelente.
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RESUMO
O texto abre a discussão em torno da necessidade de tornar eficaz o * Procuradora
Federal / Iphan
exercício da competência, comum e concorrente, de modo a maximizar a
proteção do patrimônio cultural. Reflete sobre a legalidade da atuação do
Estado na preservação dos bens culturais, já que depende de competências
legislativas e administrativas. Aponta como maior desafio a criação de um
sistema de preservação que congrega entes autônomos, com legislação
diferenciada e atribuições administrativas comuns. Destaca que muitos
municípios já têm estruturas de proteção instaladas e mecanismos adotados,
como a Lei Robin Wood que, embora não tenha abrangência nacional, é 321
um modelo de instrumento não previsto na legislação federal. E pergunta:
como é que vamos conseguir conciliar esses institutos tão diferentes, tão
criativos, tão bons e que funcionam?
PALAVRAS-CHAVE
Competências, Legislação, Preservação.
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Relatório síntese
SISTEMA NACIONAL DE
P AT R I M Ô N I O C U LT U R A L ( SN PC)
COMUNICAÇÕES
Planejamento territorial e o patrimônio cultural, Kazuo Nakano
(Instituto Pólis)
Os instrumentos urbanísticos para a preservação do patrimônio, Vanessa
Bello Figueiredo (USP, ex-subprefeita de Paranapiacaba)
A experiência de Ouro Preto, Gabriel Simões Gobbi (Secretaria
Municipal de Patrimônio e Desenvolvimento Urbano de Ouro Preto) 327
O papel constitucional do município na proteção do patrimônio cultural,
João Henrique Café de Souza Novais (OAB/MG)
Atuação do Ministério Público em defesa do patrimônio cultural, Marcos
Paulo de Souza Miranda (Promotoria de Defesa do Patrimônio
Cultural, Histórico e Turístico de Minas Gerais)
Desafios da regulação do patrimônio cultural, Ana Cristina Bandeira Lins
(Ministério Público Federal/SP)
Necessidades de marcos legais para a tutela de bens culturais, Carlos Magno
de Souza Paiva (Núcleo de Pesquisa em Direito do Patrimônio
Cultural/Universidade Federal de Ouro Preto/MG)
O exercício da competência constitucional comum e concorrente na
preservação do patrimônio cultural, Fabiana Santos Dantas
(Procuradoria Federal/Iphan)
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RELATO
1. DESAFIOS PARA A FORMULAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Relatório síntese
• Contemplar a dinâmica da cidade, fomentar o desenvolvimento e
contribuir para a inversão dos padrões da urbanização brasileira.
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Weber Sutti*
Quero fazer apenas uma rápida abertura para mais uma sessão de * Assessor da
Presidência
discussões em torno do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural. do Iphan
Gostaria de dizer que quando falamos em instrumentos e formas de
funcionamento estamos propondo uma discussão sobre a forma com a
qual devemos nos organizar, quais elementos devemos ter e de que forma
devemos trabalhar os nossos recursos. E, nesse caso, estamos nos referindo
tanto aos recursos humanos, quanto aos recursos financeiros. Definir
como conseguiremos estruturar uma operacio-nalização, institucionalizar 333
espaços e mecanismos que deem conta, democrática e permanentemente,
de nossas ações.
Acredito que o mais importante, quando pensamos em sistema, é tentar
garantir uma relação entre os entes federativos e a sociedade, estabelecendo
uma prática democrática, contínua, além de ter perenidade,
independentemente dos governos. O que nos leva a pensar, portanto, em
uma política de ações que não dependa, exclusivamente, de um agente
governamental. Uma política estruturada a partir da demanda de todos os
agentes que consiga, dessa forma, garantir uma continuidade.
Creio que esse é o teor da discussão a que estamos nos propondo. Um
diálogo capaz de elucidar essas questões e esclarecer as eventuais dúvidas.
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A EXPERIÊNCIA DO SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE E OS DESAFIOS
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
PA R A O S I S T E M A N A C I O N A L D E
P AT R I M Ô N I O C U LT U R A L
Adson França*
RESUMO
* Assessor especial Trata-se de um relato sobre a experiência do Sistema Único de Saúde –
do ministro da
Saúde SUS e dos desafios enfrentados para gerir a política de saúde pública no
Brasil. O texto aborda, de forma questionadora, todos os impasses
enfrentados pelo Ministério da Saúde, além dos mecanismos de regulação
e fiscalização para garantir o funcionamento dos programas do SUS. Revela
que o maior desafio do sistema é desenvolver uma política de saúde marcada
pela universalização, equidade e integridade num país de dimensões
334 continentais. Para isso, criou o Conselho Nacional e os Conselhos
Municipais de Saúde, para garantir a participação social em um Brasil
formado por cerca de 5.500 municípios com até 100 mil habitantes e que
ficam com apenas 10% do PIB nacional, diante dos 91% destinados aos 50
municípios acima de 500 mil habitantes.
PALAVRAS-CHAVE
SUS, Controle social, Equidade.
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REGULAÇÃO
Como é que a gente faz a regulação e avaliação do Sistema Único de
Saúde? Temos dois mecanismos: um departamento de avaliação, regulação
e controle que é da Secretaria de Atenção à Saúde, responsável, hoje, pela
atenção ao setor, como um todo, e detentora de 82% do orçamento público
para a Saúde; e o Departamento Nacional de Auditoria do SUS, o Denasus.
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Vo l . 1
Vo l . 1
341
SERVIÇO CIVIL OBRIGATÓRIO
Por que alguém que faz medicina ou enfermagem e passa seis anos na
universidade, custeado pelo dinheiro público, não pode ter um serviço civil
obrigatório para passar dois anos, pelo menos, trabalhando de graça, para
que possamos desenvolver um trabalho em Tabatinga na Amazônia, por
exemplo? Ou possamos trabalhar em Timom, ou em Codó? O dinheiro é
público e as pessoas saem e vão para onde querem, mas eu tenho que ter
carreira para fixar. Isso poderia valer também para a área do patrimônio
cultural.
Estão aí as provocações para o final do debate: o SUS cuida de 75% da
população, 100% ou tem outra abordagem? Vocês respondem. A Saúde
Pública, no Brasil, não recebe financiamento adequado, por quê? Qual é o
melhor caminho para o Sistema de Saúde no Brasil fortalecer a Saúde
Pública ou a Suplementar? Fortalecer a Atenção Primária ou a construção
de hospitais de pequeno porte, fortalecendo a visão hospitalocêntrica, ou
buscar implementação de redes? Quais as possíveis razões para existirem
filas para cirurgias eletivas no Brasil, se no Reino Unido, no Canadá, Itália,
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Vo l . 1
nos Estados Unidos não existem filas para essas cirurgias? Por que uma parte
substancial do movimento sindical e das centrais sindicais defende, nos
movimentos reivindicatórios ou greves, em primeiro lugar, aumento de
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
BRASIL SORRIDENTE
Nós saímos de um índice de cobertura no patamar dos 35,8 para 87,7
em milhões de habitantes e diminuímos qualquer coisa em torno de quatro
milhões e 300 mil extrações de dentes. O serviço de especialidade
odontológica, através da frente Brasil Sorridente, tem destinado uma maior
atenção ao atendimento à Amazônia e ao Nordeste, seguindo a linha da
equidade, para fortalecer essas regiões brasileiras.
CONTROLE DE EPIDEMIAS
A dengue teve uma redução de 80%, em 2008. Quanto ao controle da
rubéola, temos a expectativa de que fiquemos livres dessa doença em 2010.
E a hanseníase, será que o SUS não está cuidando? Pois a redução chegou
a 23%. No que diz respeito à tuberculose, infelizmente, em alguns Estados 343
brasileiros, essa doença, ainda, é diagnosticada dentro do hospital, quando
deveria acontecer ainda na Atenção Primária. Outra doença que sofreu uma
redução no número de casos foi a malária, que apresentou uma queda
significativa no número de internações. Mas, um dos setores que teve uma
evolução que pode ser considerada fantástica foi no número de doadores da
medula óssea que passou de 40 mil, em 2003, para um milhão e 200, de
acordo com pesquisa feita pelo Ibope. É bom lembrar que nossa população
achava que doar medula era tirar a coluna. Como é que vou tirar minha
coluna e dar para alguém? Vejam em que ponto estávamos então,
avançamos muito.
DESAFIOS
COMBATE À RELAÇÃO ÁLCOOL E DIREÇÃO
A família brasileira gasta R$1.428,00 em planos de saúde, enquanto, no
SUS são R$665,00 per capita por ano, o que dá menos de dois reais por dia.
É possível manter um sistema assim?
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PARTOS
No SUS a gente paga R$350,00 para a equipe toda, e R$750,00 na
|
CONSULTA ESPECIALIZADA
O gasto em Luxemburgo, Estados Unidos, Inglaterra, Canadá é muito
pequeno, enquanto o dispêndio com saúde, no Brasil, é de bilhões. Então,
são vocês que vão precisar resolver esse problema do financiamento, estou
provocando para o debate. Infelizmente, o financiamento para o serviço
público é de 38%, enquanto a família coloca 100% do recurso da família.
Existem, portanto, inúmeros desafios que o Sistema Único de Saúde
tem a enfrentar, tais como a mudança do perfil epidemiológico, ampliação
da rede, melhora na qualidade do atendimento de urgência, reduzir a espera,
reduzir a iniquidade e buscar soluções para deficiência de gestão. Então,
esta é a realidade do Sistema Único de Saúde, que eu trago como parte da
reflexão para o debate.
344
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RESUMO
Trata-se de um relato sobre a importância do rádio para a população * Representante do
amazônica que tem nesse veículo uma de suas principais fontes de Sistema Brasil de
Comunicação e
comunicação e interação. Ilustra o poder da comunicação numa região comunicadora da
ainda marcada pela ausência de recursos primários como a energia elétrica, Rádio Nacional da
Amazônia
uma conquista recente em grande parte da região. O texto revela a
importância da Rádio Nacional da Amazônia que não só garante acesso a
informações, como dá voz aos seringueiros e às mulheres que passaram a
utilizar as ondas do rádio como veículo de reivindicações, de preservação da
cultura local e para a defesa dos direitos de suas comunidades. O
depoimento é um testemunho sobre a comunicação como um dos meios de
promover a identificação e o registro do patrimônio imaterial que é a cultura 345
do povo brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE
Comunicação, Rádio Nacional da Amazônia, Patrimônio imaterial.
Vo l . 1
dizia: “Quem não se comunica se trumbica”, e eu não sei como é que vocês
estão se comunicando no Sistema de Patrimônio Cultural.
|
Vo l . 1
pessoal diz: “Ah! Mara Régia, você não é loura, que decepção!” Então, acho
que eles ainda pensam, “Mas tu é baixinha” e “gorducha”...
|
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algo como Maria Maria que era o tema do programa, como é até hoje.
Sabem o que música ele colocou no ar? “Vou jogar fora no lixo”. Foi um
horror! Enfim, desse trabalho com as mulheres nasceu um livro intitulado
|
I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
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D E S A F I O S PA R A O S I S T E M A
N A C I O N A L D E C U LT U R A
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
Frederico Barbosa*
RESUMO
* Pesquisador do O texto busca traçar as perspectivas para o setor cultural, a partir dos
Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada
cenários nos quais a política de cultura se insere, hoje. A perspectiva é que
– Ipea o Sistema Nacional de Cultura seja consolidado, com capacidade para
articular atores públicos e privados. Para que isso aconteça, no entanto, será
necessário criar mecanismos de coordenação, de planos, sejam eles gerais
ou localizados, além de ter a capacidade de articulação de um arco de atores
em instituições participativas estáveis e promover a discussão participativa
desses elementos todos. Além desses pontos, o trabalho aponta ainda a
importância de estabelecer com um “S” só, mecanismos estáveis de
pactuação entre os gestores públicos, nos três níveis de governo. Esses são
alguns dos principais pilares para que o Sistema Nacional de Cultura se
consolide.
352
PALAVRAS-CHAVE
Sistema Nacional de Cultura, Recursos financeiros, Articulação.
INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta uma reflexão sobre as perspectivas para a área
cultural até o ano de 2022. A estratégia analítica central é a elaboração de
cenários que permitam explorar possibilidades para o futuro e ao mesmo
tempo organizar a reflexão a respeito de desafios do presente. Em geral, a
técnica de elaboração de cenários deve lidar com simplificações, em contextos
de incerteza e complexidade. Em muitos casos, o processo de reflexão e
organização de hipóteses é mais importante do que os cenários gerados.
Nesse espírito, foram elaborados quatro cenários possíveis para a área
cultural em 2022, tendo como variável central comum os recursos
financeiros, ou mais precisamente, o sistema de financiamento subjacente.
Os cenários têm significados em termos de prospecção do futuro, mas
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O FEDERALISMO COOPERATIVO E O
SISTEMA NACIONAL DE CULTURA
CENÁRIO DESEJADO
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu os direitos culturais e a
participação como bens primários. São direitos para os quais a própria CF indica
responsáveis pela sua garantia. No caso da cultura, é dever do Estado constituir
as condições institucionais para o exercício dos direitos pelos cidadãos.
No entanto, além do poder público e das suas três instâncias
organizadoras, ou seja, União, Estados e DF e municípios, cabe também aos
mercados e à sociedade, ainda interpretando a CF 1988, a ação contínua na
proteção, dinamização e valorização do patrimônio cultural, tanto material,
quanto imaterial.
A forma mais frequentemente discutida para a potencialização e
358 racionalização das ações do poder público na garantia dos direitos consiste
no Plano Nacional de Cultura (PNC) e no Sistema Nacional de Cultura
(SNC). O elemento mais central – embora sempre acompanhado de
recursos humanos, de gestão e tecnológicos – é o financiamento. O Plano
foi inserido na CF pela Emenda Bene, o Sistema tem a PEC 416 e o
financiamento, a PEC 150. Com a aprovação dessas propostas, a área teria
um conjunto de elementos jurídicos capaz de delinear o Sistema Nacional
de Cultura de forma clara e explícita.
A Constituição de 1988 institui, em seu artigo 23, o federalismo cooperativo,
elencando matérias de competência comum entre os entes federados. Ressalva
ainda que lei complementar fixe normas para essa cooperação.
O artigo 24 define competências concorrentes entre a União, Estados e
DF, ressalvando aqui a limitação da união em estabelecer normas gerais, e
conferindo aos Estados e municípios a prerrogativa de adaptá-las às suas
especificidades, desde que não contrariem as leis federais. Os municípios não
estão situados na área de competências concorrentes, mas têm competência
para suplementar as legislações federais e estaduais quando lhes couber.
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pactuação entre os gestores públicos nos três níveis de governo. Então, já está
aqui um terceiro elemento: mecanismo de pactuação intergestores. Também
aqui a separação tem finalidade analítica, não sendo de todo impossível que
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
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Então, têm-se três instâncias que devem ser pensadas sem preconceitos:
mercado, Estado e comunidade ou a sociedade. A partir desses elementos,
e considerando-se as dimensões constituintes de um Sistema Nacional de
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
OS QUATRO CENÁRIOS
O quadro a seguir apresenta os cenários construídos para a área cultural
em 2022.
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Elaboração: Ipea/Disoc.
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RESUMO
O Projeto Barcos do Brasil foi criado no âmbito da Diretoria do * Diretor do Centro
Vocacional
Patrimônio Material e Fiscalização do Iphan com o propósito de estabelecer Tecnológico
um sistema integrado de salvaguarda do patrimônio naval brasileiro. O Estaleiro-Escola
presente trabalho se inicia com breve histórico, evidenciando o papel
preponderante das embarcações artesanais de pequeno porte na saga de
conquista e ocupação do território brasileiro e sua função como principal
meio de transporte até o período do primeiro quartel do século XX. Enfatiza
o valor e a riqueza da diversidade de modelos navais e as implicações de
natureza econômica na vida das populações que habitam cidades que
nasceram das navegações. Mostra os riscos de desaparecimento de séculos
de conhecimentos acumulados na cabeça de alguns mestres carpinteiros
navais e ressalta as dificuldades que ocorrem na luta para preservar estes
valores ameaçados.
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PALAVRAS-CHAVE
Barcos, Patrimônio, Salvaguarda.
Foi com muita satisfação que aceitei o honroso convite para apresentar
este valioso projeto denominado Barcos do Brasil que vem sendo
implementado pelo Departamento do Patrimônio Material e Fiscalização
do Iphan, por iniciativa do arquiteto Dalmo Vieira Filho e sua equipe.
Considero que se trata de uma excelente oportunidade de abordagem
de um tema em que a instituição, mais uma vez, cumpre suas atribuições.
E o faz de forma exemplar, como vem sendo conduzido o projeto Barcos do
Brasil, em que testemunhamos a criação de um sistema de proteção para
uma parcela significativa da cultura do país, que é o patrimônio náutico.
É gratificante, para quem conhece as imensas dificuldades que existem
nesse setor, poder acompanhar a evolução desse processo e também
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O assunto do patrimônio náutico de que trata o Projeto Barcos do Brasil
se localiza bem na fronteira entre os conceitos de patrimônio material e
imaterial. Temos, de imediato, a materialidade das embarcações, mas
sempre presente a “imaterialidade” dos conhecimentos tradicionais, do
modo de fazer, que estão ameaçados de desaparecimento em muitas regiões.
Está na memória de velhos mestres carpinteiros navais e artesãos,
construtores de embarcações, que guardam segredos seculares,
transmitindo-os de pai para filho no anonimato de seus estaleiros artesanais,
muitas vezes perdidos em longínquas praias desertas ou margens e curvas de
rios e lagos navegáveis.
E nele está presente uma forte característica de nosso patrimônio
cultural, que é a riqueza oriunda da diversidade. Aí também está a
complementaridade nas interfaces com outras formas de patrimônio, o que
impede que esse tema seja tratado de forma isolada.
E como todo patrimônio cultural, para além de seu valor histórico e
artístico seu estudo também nos propicia maior clareza e compreensão de
grandes problemas do país contemporâneo. Nesse caso, evidenciando as
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RESUMO
O texto fala sobre os Planos de Ação e aponta suas potencialidades para * Coordenadora
geral de Cidades
a estruturação do Sistema Nacional de Patrimônio Cultural e para a Históricas do
formação da Política Nacional. Para que isso, efetivamente, aconteça a Departamento de
Patrimônio Material
autora entende como fundamental a consolidação dos Planos de Ação como e Fiscalização/Iphan
instrumentos compartilhados nas três esferas, funcionando como
planejamentos voltados para a preservação do patrimônio cultural. Outra
meta é o reforço do caráter dos Planos de Ação como ferramentas para o
desenvolvimento social das cidades históricas. Esses planos foram elaborados
a partir da identificação de 173 cidades que seriam de interesse de
participação no processo, todas com bens tombados, registrados ou em
processo de tombamento e registro. Os Planos de Ação tiveram êxito,
sobretudo nas pequenas cidades.
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PALAVRAS-CHAVE
Planos de Ação, Cidades históricas, Potencialidades.
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RESUMO
* Presidente da A autora fala sobre os Planos de Ação dos municípios e os define como
Fundação Cultural
de Quissamã (RJ) um instrumento que identifica problemas e potencialidades para definir
objetivos e prioridades comuns. Por isso vê extrema importância na
integração entre os entes da federação, a sociedade civil organizada e a
iniciativa privada para propor e implementar ações que visem à revitalização
e à proteção do patrimônio histórico. Chama atenção para a necessidade de
despertar os municípios para a participação efetiva nesses planos e defende
uma campanha de conscientização e mobilização das cidades, além da
capacitação técnica.
PALAVRAS-CHAVE
394 Planos de ação, Integração, Gestores de cultura.
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SISTEMA NACIONAL DE
P AT R I M Ô N I O C U LT U R A L ( SN PC)
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I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural
COMUNICAÇÕES
A experiência do SUS e os desafios para o SNPC, Adson França
(Ministério da Saúde)
Mobilização social para o SNPC, Mara Régia Di Perna (Empresa Brasil
de Comunicação)
Desafios para o SNPC, Frederico Barbosa (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada - Ipea)
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Projeto Barcos do Brasil, Luiz Phelipe Andrés (Estaleiro Escola/Centro
Vocacional Tecnológico - CVT)
Planos de ação para Cidades Históricas, Yole Milani Medeiros (Iphan)
Planos de ação e os desafios dos municípios, Alexandra Moreira Carvalho
Gomes (Fundação Cultural de Quissamã/RJ)
RELATO
DESAFIOS PARA A FORMULAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL
• Elaborar, aprovar e regulamentar lei que estabeleça a política
(objetivos e diretrizes) e o sistema (estrutura, mecanismos de
articulação dos atores, competências e responsabilidades,
instrumentos, mecanismos de controle e auditoria, fontes de fomento
e formas de repasse de recursos, penalidades pelo não cumprimento);
• Ampliar o conceito de patrimônio (abarcar aspectos que
contemplem diversidade, território, redes);
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Relatório síntese
• Considerar os diferentes portes de população e de capacidade dos
municípios e as diversidades regionais e locais;
• Despertar no gestor municipal o interesse pelo patrimônio, e a
prática da ação integrada e participativa.
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Relatório síntese
AÇÕES ESTRATÉGICAS QUE DEVEM SER IMPLEMENTADAS EM 2010
• Elaboração e aprovação da Lei da Política e do Sistema Nacional
do Patrimônio Cultural;
• Definir normas operativas para ajustar comportamento dos agentes
para atender as diretrizes da Política;
• Elaborar cadastro nacional de entidades e atores que atuam no
patrimônio cultural.
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I Fórum Nacional do
Patrimônio Cultural
SISTEMA NACIONAL DE PATRIMÔNIO CULTURAL:
Anais VOLUME 1