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AS CJDADES E OS ESTADOS
NA HISTÓRIA DO MUNDO
OS ESTADOS NA HISTÓRIA
Os estados foram por mais de cinco mil anos as organizações mais extensas e
mais poderosas do mundo. Definamos os estados como aquelas organizações que
aplicam coerção, distintas das famílias e dos grupos de parentesco e que cm alguns
aspectos exercem prioridade manifesta sobre todas as outras organizações dentro
de extensos territórios. O termo abrange, portanto, as cidades-estado, os impérios.
as teocracias e muitos outras formas de governo. mos exclui como tais as tribos, as
linhagens, as firmas e as igrejas. Tal definição, infelizmente, é controversa; enquanto
muitos estudiosos da política aplicam o termo a esse modo de organização, alguns
estendem-no a qualquer estrutura de poder que existe numa população ampla e
contígua, e outros restringem-no às organizações soberanas relativamente
poderosas, centralizadas e diferenciadas - àquilo mais ou menos que denominarei
estado nacional. Além disso, acabarei comprometendo a definição, se, com base no
fato de outros estados inequívocos os considerarem estados-irmãos, incluir
entidades como Mônaco e San Marino de hoje, apesar de estes carecerem de
territórios "extensos".
Fiquemos por enquanto com a definição organizacional. Com base nesse
modelo, os restos arqueológicos assinalam a prir.1eira existência de estados mais
ou menos em 6000 a.C., e os registros escritos ou pictóricos atestam a sua presença
dois milênios antes. Durante a maior parte dos oito mililnios passados, os estados
ocuparam uma parte muito pequena do espaço habitado da terra. Mas, com o
transcurso dos milênios, a sua predominância cresceu.
As cidades originaram-se na mesma época. Em algum momento entre 8000
e 7600 a.C., o povoado que mais tarde receberia o nome de Jericó possuía um
templo e casas de pedra; nos mil anos seguintes, adquiriu uma espessa muralha
e construções diferenciadas. Mais ou menos nessa época, podia-se com razão
chamar Jericó de cidade; e Olllras povoações do Oriente Médio começavam a
adquirir também os sinais de urbanização. Na Anatólia, entre os restos de Çalal
[Iilyük aparecem casas suntuosas, santuários e obras de arte que datam de um
período muito anterior a 6000 a.C. Cidades plenamente desenvolvidas e esrndos
identificáveis emergiram, então. mais ou menos no mesmo instante da história
do mundo, um momento de grande expansão da capacidade humana de criar e
destruir. Na verdade, duranle alguns milênios, os estados em questão foram em
suo essência cidadcs-cstodo, constituídas muitas vezes por uma capital governada
por sacerdotes e cercada por um adjacente que pagava tributos. No entanto, mais
ou menos cm 2500 a.C., algumas cidades do Mesopotâmia, entre elas Ur e
Lagasch, estabeleceram impérios governados por guerreiros e mantidos pela
força e pelos tributos; a unificação do sul da Mesopotâmia por Hamurábi
aconteceu sete séculos depois que os primeiros impérios se haviam formado na
\\ 1 1/1 \Ili,\ I ti\ I\/MIO\ N \ Ili.\/1)H/. \ 1)(1 MUNl)<I
processos cujas etapas este livro procura delinear. Argumentos que começam com
as características distintivas e duradouras da "Alemanha" ou da "Rússia" não
representam corretamente a história agitada e contingente dos estados europeus.
Com efeito, parecem tão naturais a emergência dos estados nacionais. a e�
pansão dos exércitos nacionais e a longa hegemonia da Europa que os estudiosos
raramente indagam por que as suas alternativas plausíveis não prevaleceram no
continente europeu: tanto quanto os sistemas de impérios regionais com frouxas
articulações que prosperaram na Ásia, na África e na América pouco depois de
990 a.C. Uma parte da resposta reside, sem dtívida, na dialética das cidades e
estados que se desenvolveram em poucas centenas de anos após 990. lsso porque
a existência de uma rede urbana densa e desigual, simultânea a uma divisão em
inúmeros estados bem-definidos e mais ou menos independentes, acabou por
separar a Europa do resto do mundo. Por trás das mudanças geográficas das ci
dades e estados atuava a dinâmica do capital (cujo campo preferido eram í!S
cidades) e da coerção (que se cristalizava sobretudo nos estados). Os estudos
sobre as interações das cidades e estados logo se transformaram em pesquisas
sobre o capital e a coerção.
Uma série espantosa de combinações entre a coerção e o capital emergiu num
período ou outro da história da Europa. Em vários períodos dos últimos mil anos,
impérios, cidades-estado, federações de cidades, redes de proprietários rurais,
igrejas, ordens religiosas, ligas de piratas, bandos guerreiros e muitas outras formas
de autoridade predominaram em algumas partes da Europa. A maioria delas se
qualificavam como estados de um tipo ou de outro: eram organizações que
controlavam os principais meios concentrados de coerção dentro de territórios
delimitados e exerciam prioridade, em alguns aspectos, sobre todas as outras
organizações que atuavam dentro desses territórios. No entnnto, só tardia e
lentamente é que o estado nacional se converteu na forma predominante. Daí a dupla
pergunta crítica: O que explica a grande variação, 110 1e111po e no espaço, dos ripos
de es1ados que predominaram na Europa a partir de 990 d.C., e por que os esrados
europeus acabaram convergindo em varianres disrintas do es1ado nacional? Por
que as direções de mudança eram tão semelhantes e as trajetórias, tão diferentes?
Este livro objetiva esclarecer esse problema, quando não resolvê-lo totalmente.
AS RESPOSTAS DISPONIVEIS
linbrctudo com relação às suas posições sobre duas questões. Primeiro, em que
medida, e até que ponto, a formação do estado resultou da forma particular de
mudunça econômica? O leque segue cm linha reta do determinismo econômico para
ns nftrmaçócs da total autonomia da política. Segundo, com que vigor os fatores
externos a um estado particular influenciaram a sua trajetória de transformação?
As respostas variam desde as explicações fortemente internalistas àquelas que
ntribucm demasiada importância ao sistema internacional. Sem qualquer coin·
cidência, as Leorias da guerra e das relações internacionais variam exatamente da
mesma maneira: da economicamente determinista à politicamente determinista, e
da interna à internacionalista.
Embora pouquíssimos pensadores se coloquem nos extremos - por exemplo,
dclivor o estado e suas mudanças totalmente da economia-, as diferenças entre as
ahordagcns disponíveis conlinuam impressionantemente grandes. A figura 1.1
esquematiza as respostas disponíveis às duas questões.
1
Origem
Modo de produção 1:.mll<t•
J
d.,
cs-lrulura
As Análises Estatistas
As Análises GeopoUticas
produção, depois derivam o estado e suas mudanças quase que totalmente dcssn
lógica, na medida cm que ela opera dentro do território do estado (Brcnncr 1976,
Corrigan 1980). "O estado, no nosso entender", declaram Gordon Clark e Michael
Dear numa afirmação característica, "origina-se tanlo dos imperativos econômicos
quanto dos ditames políticos da produção capitalista de mercadorias. O estado, cm
última análise, está envolvido na geração e distribuição da mais-valia à medida que
procura manter o seu próprio poder e riqueza" (Clark & Dcan 1984: 4). Segue-se
que as interpretações da estrutura do estado decorrem em grande parte dos interesses
dos cnpitalistas que otuum dentro das jurisdições do mesmo estado. Do mesmo
modo, os analistas marxistas e marxizantes da guerra e das relações internacionais
geralmente desenvolvem alguma versão das teorias do imperialismo, uma extensão
do interesse econômico nacional à esfera internacional, o que os coloca próximo
do quadrante modo-de-produção do diagrama.
Numa dos abordagens marxistas mais abrangentes e persuasivas, Pcrry
Anderson propõe esta fórmula:
estado para outro pelas características individuais dos estados em veL de fazê-lo
pelas relações entre eles, e porque admitem implicitamente um esforço deliberado
para construir os tipos de estados extensos e centralizados que dominaram a vidn
européia durante os séculos XIX e XX. A análise geopolítica e u abordagem pelo
sistema mundial oferecem uma orientação mais vigorosa, mas até o momento
carecem de explicações convincentes dos verdadeiros mecanismos que vinculam a
posição dentro do mundo à organização e prática de estados particulares. Sobretudo,
não conseguem apreender o impacto da guerra e dos preparativos da guerra sobre
todo o processo de formação do estado; nesse aspecto, as análises estatistas fazem
muito melhor.
Em nossa obra publicada em 1975, The Forma1io11 of Na1io11al S1a1es in
Wesrem Europe, meus colegas e eu esperávamos corrigir essas falhas da literatura
corrente. Numa série de estudos históricos que ressaltam o lado extrativo e repres
sivo da formação do estado, examinamos acanhndamcnte a guerra, o poder de polí
cia, a tributação, o controle do abastecimento de alimentos e processos conexos, e
nos mantivemos distantes dos modelos de desenvolvimento político que então pre
dominavam. Vista em retrospecto, a nossa crítica foi mais uma demonstração dos
defeitos dos modelos unilineares de desenvolvimento político orientados para a so
lução de problemas do que uma interpretação alternativa da formação do estado
europeu. Com efeito, substituímos implicitamente a história antiga por uma história
nova e unilinear - uma que vai da guerra à extração e repressão e à formação do
estado. Continuamos, de modo mais ou menos irreíletido, a supor que os estados
europeus seguiram uma trajetória principal, aquela que a Grã-Bretanha, a França e
Brandenburgo-Prússia tomaram, e que os experiências dos outros estados represen·
taram apenas versões atenuadas ou fracassadas dos mesmos processos. Isso estava
errado. O presente Ii vro tenta reparar os erros do anterior.
Felizmente, dispomos de modelos importantes para o empreendimento. Três
grandes especialistas - Barrington Moore, Jr., Stein Rokkan e Lewis Mumford -
fugiram de alguns dos empecilhos teóricos da literatura-padrão, mesmo que no final
tenham deixado de reafilar exposições abrangentes da variação na formação do
estado europeu. Em Social Origins of Dictatorship and Democracy, Barrington
Moore tentou explicar (como está implícito no tflulo de sua obra) por que no século
XX alguns estados mantinham sistemas representativos mais ou menos exeqüíveis
enquanto outros esboçavam uma forma ou outra de governo autoritário. Embora as
suas explanações dos países individuais fossem todas amplas e matizadas, quando
pretendeu explicar as diferenças entre destinos nacionais Moore usou como pontos
de referência as formas de governo que existiam na década de 1940 e atribuiu us
"origens" às coligações de classe que predominavam no momento cm que n
·" C//),\/)/\ 1 ().\ 1\J.Wm N 1 11/.\/CIHI\ /)(} MUN/)11
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Fisurn 1.2 O modelo ímplíc,10 de urbnmz.1ç:lo de Lewis MumforJ.
11,1111e, �oh1c1udu d,1 1ccnologm bélicu. Mns a l(�g,ca de sua análise sugere claramcn1c
r,1111inhos al1erna1ivm de formuç.lo do estado que dependem da combinução
prcdomin.1111c de produção e poder
hu: livro, portanto, retoma o problema onde Barrington Moore, Stein
RoUun e 1.cwis Mumford o deixnrom: no momcmo de reconhecer variações dc
c1s1vas nas 1raje16rias de mudança que os estado� seguiram em partes diferenles
d.1 1 uropa durnnce épocas sucessivas, com a certeza de que as coligações de classe
que predominam numa região num determinado momen10 limitaram fortemenle
,1\ pmsibilidadcs de ação que csrnvam abertas a todo governante ou pretenso go
vernante, e com a hipótese específica de que as regiões de dominação urbana pre
wcc, com seus capit,,hMas ativos, pro<luliram tipO\ de estado mu110 diferentes das
reg,rics cm que os grandes propriet(trios rurais e sutis propriedades dominavam a
paisagem. Chego além de Moore, Rokkan e Mumford mais enfaticamente de duas
111.111e1ras cm primeiro lugar, colocando a organm1ção da cocrç.io e da prcp,,raçào
d,1 guerra firmemente no meio da análise, afirmando em seu, momenUh 111.,i,
tcmcr,írios que a ewuturu do estado emergia sobretudo sob a torm,1 de produto
sl·cundiírio dos esforços dos governantes para adquirir os meios de g11c1ra: l', l'lll
,egundo lugar, insistindo cm que as relaçõei. enue os est,1dos, c,pc,1.1lmc111c ,111,l\�s
d,1 guerra e d,1 preparação da guerra, afetaram intensamente iodo n prm·c"o de
lo,maçao do estado. Assim, neste livro, derivo histó1ia, alte111.11iva, de tn1m.1ç,111
do estado das combinações continuamente variávci� de conccntrnç,io do ,.1p11,1l,
concentração da coerçao, preparaçao da guerra e posiç:io dentro do sl\tcm.1
rntcrnacional.
O urgumc1110 central deste livro não tanto sintctita quanto repercute as :inala ses
de Moore, Rokkan e Mumford. Mesmo cm sua forma mais l,implcs, o argumento é
m·rc\\anamente comple>.o: afirma que na expcnência européia:
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Cidade,
Conccntr:,çõo de copital
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B.:a1u Ah•
AcumulJÇilO
A saúde é outro fator importante. Durante quase todo o último milênio, ape
sar do recrutamento desigual de vigorosos migrantes na idade de trabalho, as ci
dades npresentaram tnxas de mortalidade significativamente mais altas do que o
interior. Somente depois de 1850, com as melhorias no saneamento urbano e na
nutrição, a balança pendeu em favor dos habitantes das cidades. O resultado foi
que as cidades só cresceram rapidamente quando a agricultura e os transportes se
tornaram relativamente eficientes ou quando pressões poderosa� afasrnram da terra
os indivíduos.
No entanto, o simples crescimento das cidades produziu uma espiral de
mudanças em todos esses pontos. Na proximidade das cidades ativas, as pessoas
cultivavam com maior intensidade e destinavam ao mercado uma parcela maior de
sua safra; na Europa do século XVI, por exemplo, a agricultura altamente produtiva
concentrou-se nas duas regiões mais urbanizadas, o Norte da Itália e Flandres. Do
mesmo modo, o crescimento urbano estimulou a criação e melhoria dos transportes
aquáticos e terrestres; o grandioso sistema de canais e correntes navegáveis dos
Países-Baixos diminuiu o custo, e aumentou a velocidade, das comunicações entre
seu enxame de cidades, servindo assim de causa e efeito da urbanização (de Vries
1978). Além disso, as pressões que afastaram da terra as pessoas muit,I\ vezes
/Ili
H 1111wt5 t. OS tIWllf NI lll.l11i1m /1(1 MUMltl
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An.1r1t1Jl,1e,�10 do1 mc,m roer�,\�
Crt>e1mcn10 do< c,,.,Jo,
111 \ .1 ,ua estratégia colocou limite inerente ao seu poder e acabou tomando-os
• O lermo "cslado" (cm inglCs, .ililtt), por aparecer com fl'l.'q!ICncio dcmos,ada, foi gmíado 11:mpn: cm 1111
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Jil tem o 1mduçOo tmd,cional de "c.stado", por exemplo, Es1ados Gcrius, os três &rndo.� etc. (N do T.)
70
151//11/J/'S I IIS I\/,1/l(IJ /tll, 1/1\1111//i /XI /.li Nllll
11
Cll.1HIIS Ili/ 1
os direitos legais e a posse de propriedade dos servo� treme 11 herdade do� nobre�"
(Busch 1962: 68). Nesse aspecto, a Prússia seguiu uma trajetória diferente da
tomada pela Grã-Bretanha (onde os camponeses se transformaram c m assalarindos
rurais) e da França (onde os camponeses sobreviveram com uma propriedade
razoável até o século XIX). Mas a Prússia, a Grã-Bretanha e u França, todas
tremeram com as lutas entre o monarca e as principais classes pelos meios de guerra,
e experimentaram a conseqüente criação de uma estrutura de estado duradoura.
Na qualidade de aliados e antagonistas militares, a Prús�ia, a Grã-Bretanha e
a França também moldaram os destinos uns dos outros. Em essência, os estados
nacionais sempre aparecem em concorrência um com o outro, e adquirem as suas
identidades por contraste com estados rivais; pertencem a sistemas de estados. As
grandes diferenças entre os principais tipos de estrutura do estado estão esquema
tizadas na ligura 1 .7. Exemplos bem desenvolvidos dos quatro tipos de estado exis
tiram em diferentes partes da Europa muito depois de 990 d.C. Impérios plenamente
organizados prosperaram no século XVH, e somente no final do século XIX é que
as últimas zonas importantes de soberania fragmentada se consolidarum em estados
nacionais.
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+ lmpériO<
+ Supcr-c.i.i.ido, ++
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Alt11
Acurnul,1Ção
concluíram logicamente que poderiam enriquecer mais facilmente se criassem o seu próprio
�l,tcma de rcdistribuiçõo do que servindo simplesmente de intendentes dn rcdis1ribuiç�o.
Apossarnm se de uma parcela da produçilo do campcsinnto. cobrnrom pedágios ilcguis pela
Jl,I\S,1i,:cm de godo e retiveram uma pnrte dos impostos coletados nos postos nlfnndcgários tios
cn1rcpos1os do Sava e do Danúbio, sobretudo Belgrado, pelos quais trnn�itavnm as cxporia
�1,1•, de nlgodüo de Serres e de Salõnica destinados o Viena e h Alcmanhn. Em pariiculnr,
1lclcndcram o seu direito uo deve/o, ostcnsivamelllc um tributo ilegal que co11espondm u um
11111m d.1 colheita de um camponês depois da cobrança. do de.reto ou um décimo pelo timariot.1
(l·m 1rocn do serviço de cavalaria p.ira o estado). Com essa ação e ou1ros oios de violêncin
umlra a pessoa ou a propriedade, as dividas cm espécie extorquidas de muitos camponeses
1�rvms de rcpcnlc dobraram, e algumas vezes alé triplicaram.
(Stoianovitch 1989: 262-63.)
li l,1111 dl· ,1 Suéri.1, l'lll \l'U pc11od11 de expan,.111 1111pc11,1I, ter muuauo rapiuamentc
!.,corl,\!lu �t'n:l.lncnto
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A nllll.lçilõ A,umuL,ç:ló
1J.. (Ut'l\�1} d,: Cilfll�II
Mai� uma ilusão também deve desaparecer. Até agora apresentei as relações
como se o capital e a coerçao �empre caminhassem rumo a uma maior acurnulaç�o
e conccn1ração. Durante o, mil anos que nos interessam aqui, foram essas as
principais tendências. No entanto, dentro da experiência européia, muitos estados
experimentaram deflação em ambos os pontos; a Polônia sofreu muitas inversões
cm termos de capital e de coerção, os impenos sucessivos da Borgonha e dos
I IQbsburgos entraram cm colapso, e as guerras religiosas do século XVI csva1iaram
seriamente os estoques europeus de capital e de meios coercivos. A história da
formação do estado europeu caminha geralmente para cima, rumo a uma maior
ncumulação e concentração, mas movimenta-se através de muitos picos pontudos e
vu les profundos.
A acumulação é talvez a causa da maior diferença a longo pra,o para a história
da economia européia. Ma, a concentração, a desconcentração e a reconcentração
da coerção delimitaram os principais capítulos da história da formação dos estados;
a concentração acabou por depender cm grande medida da disponibilidade de
capital concentrndo. O motivo exato por que e o modo preciso como isso aconteceu
serão os temas dos capítulos seguintes deste livro e irão levar-nos a complicadas
questões de política fiscal. No entanto, o cio central é simples: com o passar do
tempo, muito mais do que as outras atividades, a guerra e a preparação da guerra
produziram os principais componentes dos estados europeus. Os estndos que
perderam guerras comumentc \e contraírnm, e muitas vezes deixaram de existir.
Independentemente do seu tamanho, os estados que detinham os maiores meios de
coerção acabaram ganhando as guerras; n eficiência (produção total) tem primazia
sobre a eficácia (a razão entre a produção e os insumos).
Através da ação recíproca entre a concorrêncrn, a mudança tecnológica e a
escala absoluta dos estado<; mais beligerantes, o guerra e a crh1ção dos mc1m
7.�
lf rf/11/J/ 1 IISCSIW<IS' Nl lllfli'i/1/\ IH)MUMIII
1,l(,11 1\m lor n.11 .1111 Sl' mais caros com o correr do IC111fl(l Quando isso acon1cccu,
11111 1111111c1u c,1d,1 \Ct. mcno1 de governantes foi capa, de criar meios militares com
i.cus p111prio� rl·cur,os rotincrms; volrnram- e então mais e mais para empréstimos
II l11111> pruw e tributaç.io a longo pra10. Ambas as atividades foram realizadas com
A transformação dos estados pela guerra, por sua ve1, alterou o, riscos do
conílito armado. Durante o período do patrimonialismo, os conqui stadores
procuraram muito mais arrecadar tributos do que buscar o controle estável da
população e dos recursos dentro cios territórios que invadiram; impérios inteiros se
desenvolveram sobre o princípio da extração de rendas e doações dos governantes
de múltiplas regiões sem penetrar significativamente cm seus sistemas d.: governo.
Na caminhada rumo à corretagem e depois à nacionalização, um território
firmemente administrado tornou-se um bem digno de disputa, uma vc1 que somente
um território corno esse poderia proporcionar as rendas para a manutenção das
forças armadas. Mas, na era da especialização, os estados acumularam tantos
pretendentes aos seus serviços e com tanta rapidez que a guerra se tomou, até mais
do que antes, uma forma de satisfazer os interesses econômicos da coligação
dirigente mediante o acesso aos recursos de outros estados. A partir da Segunda
Guerra Mundial, com a extensão do sistema europeu de estado ao mundo inteiro e
com a ngid licação das fronteira, nacionais que e eguiu, isso significou muito
mais exercer influência sobre outros estados sem realmente incorporar o seu
território ao do estado mais poderoo.
Foram essas as tendências principais. No entanto, mais de uma combinação
de capital e coerção apareceram em cada estágio de crescimento dos estados
europeus. Poderíamos distinguir três trajetórias de formação do estado: uma cm que
a coerção era aplicada intensamente, uma em que houve grande necessidade de
capital e uma cm que a coerção era capitalizada. Essas trajetórias não constituem
"estratégias" alternativas, as�irn como não são condições contrastantes de vida. Os
govcmantell que pérseguiram metas semelhantes sobretudo urna preparação bern
sucedida da guerra em ambientes muito diferentes reagiram a esses ambientes com
o estabelecimento de relações distintas com as principais classes sociais dentro
deles. A transformação das relações entre o governante e o governado produliu
formas novas e contrastantes de governo, cada uma delas mais ou menos adaptada
a �eu ambiente social.
No modo de 1111e11sr1 cnerçr1o, os governantes extraem os meios de guerra
de suas próprias populaçôes e de outras que conquistaram, construindo no
processo estruturas maciças de extração. O Brandenburgo e a Rússia - sobretudo
em suas fases de impérios cxtorquidorcs de tributos - ilus(rarn esse modo. No
seu próprio extremo, contudo, os proprietários rurai� armados dcunham tanto
poder que nenhum deles seria capaz de estabelecer um controle duradouro sobre
o restante; por vários séculos, as nobre,as polonesas e húngara� realmente
elegeram seus próprios reis e os depuseram quando esses se ernpcnhuram dcmai,
cm obter o poder supremo.
/Ili
\\ t1/1\l>I11 li\ 1\/MUI\ N1 /11\/1)/IM /Ili MIN/111
p,11 tos com ns capitulistas cujos interesses eles serviam com precaução - para
1111cndar ou comprur força militar, e assim fizeram guerra sem construir vastos
1•,11uturas de estado estáveis. As cidades-estado, as cidades-império, as federações
111h,11n1s e outras formas de soberania fragmentada adotam comurnente essa
tnqct6na de mudança. Gênova, Dubrovnik, a República Holandesa e, por algum
t1·111po, a Catalunha ilustram esse modo. Corno exemplifica a história da República
l lolnndesa, no extremo esse modo produziu federações de cidades-estado am
plamente autônomas e constante negociação entre elas em torno da política do
estudo.
No modo intermediário de coerçcio capi1a/izada, os governantes fizeram um
pouco de cada coisa, mas despenderam muito mais esforço, do que os seus vizinhos
detentores de capital abundante, na incorporação dos capitalistas e das fontes de
cupital diretamente às estruturas de seus estados. Os detentores de capital e de
coerção interagiam em termos de relativa igualdade. A França e a Inglaterra
acabaram seguindo o modo de coerção capitalizada, que produtiu c�tudos nucionnis
plenamente desenvolvidos mais cedo do que os outros modos exnm1nadm.
Impulsionadas pelas pressões da competição internacional (sobretudo pcl,1
guerra e preparação da guerra), as três trajetórias no finul eonver�11am nil\
l'Oncentrnções de capital e de coerção totalmente desproporc1011111\ itqucla� que
predominavam cm 990 d.C. Do século XVII cm diante, a forma de cocrç,111
capitalizada revelou-se mais elicienle na guerra e, portanto, forneceu um mmlclo
convincente para aqueles estados que se originaram de outras combinações de cocr
çüo e capital. Além disso, do século XIX até um passado recente, todos os estados
europeus envolveram-se muito mais intensamente do que antes na construçüo de
infra-estrutura social, no provimento de serviços, na regulamentação da atividade
econômica, no controle dos movimentos populacionais e na capacitação do bcm
cstar dos cidadãos; todas essas atividades começaram sob a forma de produtos
secundários dos esforços governamentais para adquirir rendas e submissão de suas
populações, mas assumiram vidas e explicações próprias. Os estados socialistas
contemporâneos diferem dos estados capitalistas, em média, por exercerem um
controle mais direto e mais consciente sobre a produção e a distribuição. Contudo,
quando comparados com o espectro de estados que existiram na Europa nesses
últimos mil anos, pertencem reconhecivelmente ao mesmo tipo dos seus vizinhos
capitalistas. São também estados nacionais.
Antes de sua recente convergência, as trajetórias de intensa aplicação de
coerção, de grande inversüo de capital e de coerção capitalizada conduziram a tipos
muito diferente, de estudos. Mesmo depois da convergência, os estados mantive-
SI
CIIAH/1 \ 11111'
1111,l,11,·1 til' 1ributo armados para batalhas s11s1e11tadas e111re extensos exércitos e
111,11111/1111 1
PERSPECTIVAS
,,s governante� que têm relações muito diferentes com o capital e a coerção
111l11t,11nm nilt> obstante estratégias semelhantes, com efeitos semelhantes, quando
h111111,1111 cun,truir u força armada e o poder do estado;
> os principais momentos no crescimento e transformação de estados
1 1111t1ll1l111c,, e do conjunto do sistema de estado europeu, não corresponderam à
Hllr1111 e � preparação da guerra;
I os esforços para congregar os meios de força armada não produziram
l ,11,11 11•1rs11cus duradouras dns estruturas de estado;
I l,1111111cnte errado.
l mportantes questões teóricas estão em jogo. Seria de esperar que um
11!,11p11lo de Joseph Strayer, por exemplo, sustentasse que as atividades de paci·
ltt ,1111111 doméstica dos monarcas começaram muito mais cedo e desempenharam
11111 papel muito mais importante na aceitação do estado pelo povo do que está
1111plí1.ito cm minha exposição e, ponanto, confirmasse a maioria das condições da
li 1.1 nc1ma contra a análise do livro. Seria de esperar que um discípulo de Douglass
N,11Ih su�tcntassc que a instituição e proteção dos direitos de propriedade pelo
,,t,ulo ,e acham na base das mudanças que atribuí à preparação da guerra. Seria de
1�p,·i.11 que um discípulo de Immanuel Wallerstein insistisse em que as atividades
1lm 1·�111dos estimularam os interesses dos capitalistas a uma extensão maior do que
1111111111, e 11111 discípulo de Perry Andcrson replicasse (pelo menos para o período
111�11111 tlc m1nlrn ant\lise) que o argumento subestima em grande medida a
1111p111 t,lncrn das 11ohrc1:1s européias na cri,,ção de extensos estados "absolutistas".
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Assim, os modos como os meus argumentos estão certos ou errados têm rdaçüu
com discordâncias amplamente discutidas acerca da formação do estado europeu.
A lista de checagem fornece um meio de classificar as possíveis críticas ao
livro legítimas, semi legítimas e ilegítimas. Seria totalmente legítimo. e bastante
cm
esclarecedor, estabelecer que uma das condições listadas acima ou uma condição
semelhante que está implícita nos argumentos do livro, na verdade, é aplicável a
algum bloco substancial de experiência européia. Seria semi legítimo mostrar que o
argumento não explica certas características importantes e duradouras de esrndos
específicos. (O critério seria apenas semilegítimo porque mostraria que o argumento
estava incompleto - com que concordo prontamente de antemão - mas não que
estava errado.)
Seria ilegítimo queixar-se de que o argumento negligencia algumas variáveis
que por acaso o crítico considern importantes: ambiente físico, ideologia, tecnologia
militar, ou outras. A crítica da variável omitida só se torna legítima quando o crítico
mostra que a negligência da variável suscita uma leitura errada das relações entre
as variáveis que aparecem no argumento. A questão não é fornecer uma exposição
"completo" (qualquer que possa ser ela). mas obter corretamente as principais
conexões.
Na busca desse objetivo, o capítulo seguinte se concentra na geografia
vnriável das cidades e estados n:i Europa durante os mil anos da pesquisa. O capítulo
3 dedica-se aos mecanismos pelos quais os governantes adquiriram os meios de
executar as suas atividades essenciais - sobretudo a criação da força armada - e o
envolvimento desses mecanismos na estrutura do estado. O capítulo 4 examina as
relações entre os estados e os cidadãos, acompanhando a trajetória de formação
wavés da negociação de estados maciços e multil'uncion�is. O capítulo 5 trata das
trajetórias alternativas de formação do estado, delineando os efeitos das relações
variávei� com o capital e a coerção. O capítulo 6 estuda os estados europeus como
se fossem um conjunto de parceiros interagentes, um sistema cuja operaçiio compele
as ações de seus membros. O capítulo 7 traz à baila a história até o presente,
refletindo sobre as relações contempodlneas entre o capital e a coerção num esforço
para compreender por que os militares tomaram o poder cm tantos esrndos depois
da Segunda Guerra Mundial, e na esperança de discernir de que modo a experiência
européia nos ajuda a entender os estados agitados de nosso tempo.