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América Latina e sustentabilidade

Laércio Antônio Pilz (org.)


COLABORAÇÃO
Angélica M assuquetti
Gisele Spricigo
M arilene M aia
Vera Lúcia S. Bemvenuti

EDITORA UNISINOS
2013
APRESENTAÇÃO

Esta obra tem como objetivo servir de apoio a alunos que desenvolvem estudos à
distância em disciplinas que abrangem o tema da contextualização histórica e social da
América Latina, a temática étnico-racial e a questão da sustentabilidade.
A UNISINOS (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), como universidade
associada e alinhada à AUSJAL (Associação das Universidades Jesuítas da América
Latina), assume como uma de suas prioridades acadêmicas a formação integral de seus
estudantes, em relação à qual está aliada a proposta de formação humanística que
propõe, atravessando todos os cursos e compondo alianças com as respectivas áreas,
o estudo e a reflexão sistemática a partir de três eixos temáticos:

o eixo de formação antropológica: visa conceber o ser humano em sua


totalidade para não deixar-se enganar pelo reducionismo secularista
nem por um tecnocratismo que desdenhe os delineamentos do
humanismo integral;
o eixo de América Latina: visa assumir o contexto em que vivemos a
partir do conhecimento sócio-histórico da realidade latino-americana,
sobretudo da realidade contemporânea;
o eixo de formação ética: inclui fundamentos da moralidade humana e
também a ética aplicada a cada profissão, de maneira que supere a
ideia de uma neutralidade mal entendida em exercício profissional.

Diante de diferentes contextos e áreas de estudo e ação, cada um destes eixos


propõe conteúdos e elementos conceituais que desafiam estudantes e profissionais a
pensar em um projeto relativo às suas áreas de formação, em que a dignidade das
pessoas, dos diferentes grupos humanos e da vida em geral, seja prioridade absoluta.
Acreditamos e apostamos que profissionais com uma formação humana e ética
consistente e com conhecimento da realidade latino-americana estarão melhor
preparados para responder às demandas atuais e serão fundamentais para o
desenvolvimento e ampliação dos espaços de cidadania na América Latina, em especial
no comprometimento com projetos em que a defesa da diversidade e da
sustentabilidade esteja colocada como prioridade.
A estrutura desta obra contempla três unidades: uma primeira unidade que
aborda o contexto histórico e a formação da identidade latino-americana, além da
formação nacional e a integração na América Latina; uma segunda unidade que aborda a
temática da educação das relações étnico-raciais, com ênfase no que se refere aos
grupos ameríndios (indígenas) e aos afrodescendentes (negros); e uma terceira unidade
que aborda os desafios da sustentabilidade diante do contexto atual e dos desafios
globais e locais, a relação entre economia e meio ambiente e, por fim, os indicadores da
realidade e políticas públicas para uma sociedade sustentável.
Que esta obra, junto com os conteúdos apresentados e as atividades que serão
desenvolvidas a distância, possa provocar construtivamente nosso pensamento, bem
como potencializar e animar as nossas práticas para o aprimoramento da cidadania.
Desejo uma boa leitura a todos.
SUMÁRIO

UNIDADE 1 – CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL

CAPÍTULO 1 – AMÉRICA LATINA: HISTÓRIA E IDENTIDADE


1.1 Contextualização histórica
1.2 Diversidade e identidade
1.3 Os latino-americanos

CAPÍTULO 2 – AMÉRICA LATINA: FORMAÇÃO NACIONAL E INTEGRAÇÃO


2.1 Formação nacional
2.2 Integração cultural
2.3 Desafios atuais

UNIDADE 2 – EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

CAPÍTULO 3 – QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS: OS INDÍGENAS


3.1 A visão dos civilizados
3.2 Lições indígenas
3.3 Questões contemporâneas

CAPÍTULO 4 – QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS: OS NEGROS


4.1 A condição negra
4.2 Olhar enviesado e resistência
4.3 A multiplicidade de corpos

UNIDADE 3 – SUSTENTABILIDADE

CAPÍTULO 5 – OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE


5.1 Introdução
5.2 Desenvolvimento: reflexões iniciais
5.3 Pensando sob uma perspectiva global/local

CAPÍTULO 6 – A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E MEIO AMBIENTE – REFLEXÕES


TEÓRICAS E A AGENDA 21 LOCAL
6.1 Considerações iniciais
6.2 Contribuições de Söderbaum
6.3 Jenkins e os valores culturais
6.4 Pearce: resgate histórico
6.5 Da problematização dos autores à Agenda 21
6.6 O debate sobre desenvolvimento sustentável e o documento Agenda 21
6.7 Agenda 21 Brasileira
6.8 Agenda 21 local
6.9 Considerações finais

CAPÍTULO 7 – INDICADORES DA REALIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA UMA


SOCIEDADE SUSTENTÁVEL
7.1 Considerações iniciais
7.2 Indicadores da realidade
7.3 Projetos societários de desenvolvimento
7.4 Poíticas públicas

CONCLUSÃO GERAL
INTRODUÇÃO

A história da América Latina e sua singularidade, as questões étnico-raciais e os


desafios contemporâneos em relação ao desenvolvimento do continente, em especial
no que diz respeito à implementação das novas tecnologias, são o foco dessa obra.
Falar sobre o contexto latino-americano significa se envolver, paradoxalmente,
com uma rica diversidade cultural e suas particularidades e, ao mesmo tempo, com
uma história sofrida que foi experimentada pela maior parte de suas populações.
Diante de um passado colonial de exploração e saque de riquezas pelas
metrópoles europeias, em que povos autóctones foram dizimados e grupos negros
escravizados, estamos desde sempre desafiados a nos comprometermos com a
libertação de todas as estruturas de poder que ainda mantêm essa lógica.
Proponho que assumir a cidadania latino-americana significa reconhecer e abraçar
a diversidade e, ao mesmo tempo, afirmar um sentimento de fraternidade em favor das
populações que, historicamente, foram escravizadas e exploradas.
Que o estudo sobre a condição histórica da América Latina e sua diversidade,
sobre os preconceitos raciais e sociais que a atravessam e sobre alternativas positivas
de desenvolvimento socioeconômico e tecnológico possa ampliar a compreensão da
realidade atual e qualificar a ação cidadã de cada um de nós.
UNIDADE 1

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E SOCIAL

Esta primeira unidade quer situar o leitor em relação aos principais aspectos
sócio-históricos que formaram e ainda caracterizam parte significativa do contexto
latino-americano. M uitos aspectos estudados nos levam à compreensão de certos
aspectos estruturais que têm seu nascedouro num trajeto histórico e social que foi
marcando a evolução da América Latina. Na medida em que compomos esta leitura,
vamos percebendo o quanto ainda temos que lutar contra forças de poder parasitárias
que se fazem presentes nas relações de poder atuais e na maneira com se estabelecerm
processos educativos e produtivos. Que este resto (ou muito) de colonialismo que nos
atravessa seja um desafio a ser percebido e combatido nas práticas mais próximas de
nossas relações e nos processos e mecanismos que perpassam nossas instituições e
organizações.
CAPÍTULO 1

AMÉRICA LATINA: HISTÓRIA E IDENTIDADE

Quem são os verdadeiros latino-americanos? As populações ameríndias que


viviam no continente antes da chegada dos europeus? Ou seriam todos aqueles que
fizeram parte das populações exploradas e injustiçadas durante sua história?
Proponho que podemos pensar que todos, atualmente, devemos assumir a história da
América Latina e nos fazermos latino-americanos para reescrevê-la de forma mais
autônoma, solidária e propositiva. Ao nos comprometermos com esse projeto,
estaremos nos fazendo múltiplos e fraternos. Índios, negros, imigrantes, amarelos,
brancos, mestiços, todos estaremos compondo alianças e desenvolvendo práticas que
afirmem a justiça e a cidadania.
A proposta deste primeiro capítulo é reconhecer, em primeiro lugar, que a
América Latina tem um passado comum marcado pela exploração e pela organização
de estruturas injustas, o que permanece presente em muitos aspectos da realidade
atual. Abordá-las criticamente, e refletir sobre como podemos superá-las, é um dos
objetivos desse capítulo. Os outros dois objetivos são propor, em primeiro lugar, que
a diversidade cultural é uma característica que nos identifica e que deve ser resgatada e
promovida e, em segundo lugar, que a visão dos indígenas – primeiros habitantes desta
terra – sobre a vida e o mundo, na perspectiva de pensar que todos somos irmãos em
um mundo maior que nos transcende, deve inspirar os latino-americanos a aprenderem
uns com os outros.

1.1 Contextualização histórica

Quando o nome América apareceu, pela primeira vez, no mapa de


Waldseemüller, identificando a parte do globo que viria a ser chamada de
Novo Mundo, configurava uma unidade geográfica sem fronteira. M ais
tarde, o conhecimento acerca de seus acidentes geográficos, clima e
população, demonstraram a extrema diversidade do continente. A
evolução das sociedades americanas viria a destacar e aprofundar as suas
diferenças, apesar das semelhanças dos seus processos históricos.
(AQUINO; LEM OS; LOPES, 2008, p. 1)

Falar em histórias da América Latina é remontar à aventura europeia em direção


a terras desconhecidas. Um espírito guerreiro, marcado por conquistas e pela
dominação por parte de umas nações em relações a outras, carcaterizava a história da
época – séculos XV e XVI. Ao mesmo tempo, as Cruzadas ainda estavam presentes
na memória europeia. As lutas pela libertação da Terra Santa1 , além do dito objetivo
religioso, representaram, para muitos burgueses da época, a possibilidade da retomada
do comércio com as riquezas do Oriente e uma possível liberação das rotas para as
chamadas Índias Orientais (via M ar M editerrâneo), berço das especiarias, o que
acabou não sendo alcançado. No entanto, mantinha-se acesa a vontade de desbravar
outras rotas e também de buscar novas terras com riquezas para abastecer o mercado
europeu.
Além disso, os reinos e monarcas europeus buscavam solidificar o seu poder e
era interessante uma aliança com a burguesia mercantil. Como se diz, uma mão lavaria
a outra, ou seja, enquanto para os reis era importante a provável riqueza que viria com
as atividades comerciais desenvolvidas pela burguesia, o que fortaleceria o poder dos
monarcas na relação de forças com a nobreza, para os burgueses era importante que
houvesse um Estado, sua estrutura e possíveis mecanismos de defesa que dessem
segurança e estabilidade às suas atividades.
Em meio a esse contexto estavam as terras desconhecidas que, diante da
evolução dos conhecimentos geográficos, era cada vez mais um iminente espaço a ser
descoberto e explorado. Esse continente desconhecido estava no meio do caminho
para as Índias. O que se buscava nas Índias eram riquezas fáceis, imediatamente
negociáveis. A circunstancial descoberta da América se revelava, diante deste contexto,
um possível incremento em relação ao acúmulo de metais preciosos e de produtos que
abasteceriam a Europa e serviriam para alimentar o comércio das metrópoles e da
burguesia. Ou seja, deveria ser procedido um movimento por parte dos países ibéricos
de posse das terras desconhecidas e de suas riquezas, antes que outra nação europeia o
fizesse. O pensamento é de que a nação que fincasse primeiro a bandeira nas novas
terras seria a proprietária da mesma.

Por isso, ao desembarcar, Colombo faz algo mais do que pôr nomes às
coisas: dita uma ata notarial, sob o signo da coroa e da cruz, que o declara
descobridor do que viu e designou e proprietário perpétuo do que
descobriu […] O discurso colonial subordina epistemológica, ética e
juridicamente o existente a uma categoria inanimada de objeto e
dominação como processo de objetivação. Eis aqui o núcleo racional do
processo colonial moderno: processo de dominação indiferencial do real; e
processo igualizador da civilização. (SUBIRATS apud NOVAES, 2006,
pp. 122-123)

Desde o início, como vemos, o discurso colonial ignorava o outro. Terras e


riquezas do novo continente eram concebidas como objetos a serem dominados e
registrados como posse da referida nação europeia.
Porém, como sabemos, a América Latina não era terra de ninguém, desabitada.
Aqui viviam povos ameríndios, os donos da terra, que junto com a riqueza natural,
comungavam, em geral, de um só cosmos. M ais adiante, veremos como esses ditos
indígenas2 desenvolviam sua visão singular da vida e do mundo e o quanto podemos
aprender com sua cultura. Por ora, importa destacar aqui que esses povos originários
acabaram saqueados e dizimados, sofrendo as mais variadas formas de ataque e
humilhação.
De forma semelhante, a partir do momento em que passaram a se desenvolver
atividades produtivas na América, populações negras passaram a ser trazidas em
navios negreiros3 para servir de mão de obra escrava, em especial nos grandes
latifúndios, onde sofriam diferentes processos de exploração e de castigos, no caso de
não se conformarem com o trabalho escravo. M esmo que possamos afirmar que,
historicamente, ultrapassamos a lógica formal da escravidão, sabemos que
permanecemos durante muito tempo, e ainda hoje, com relações de trabalho que
carregam consigo sintomas dessa relação de poder, ou seja, alguém que é dono e
senhor, enquanto o outro é empregado e deve prestar serviços para suprir a sua
sobrevivência, sendo que cabe ao dono do negócio usufruir dos lucros da atividade.
Além desse aspecto social que se estende para os modos de produção, devemos
destacar que, economicamente, predominou, no processo de colonização, uma
estrutura agrária monocultora em latifúndios, cujo objetivo principal era abastecer o
mercado europeu (a metrópole). As atividades agrárias que deveriam abastecer o
mercado interno eram secundárias. Ou seja, da mesma forma como anteriormente
destacamos a manutenção de certas relações de trabalho que permanecem presentes
em atividades produtivas atuais, podemos destacar que a lógica de privilegiar as
mercadorias e atividades que abastecem o mercado externo, em termos de produtos
agrários, até hoje tem seus privilégios (subsídios). Talvez possamos afirmar, diante do
quadro atual, que estamos vivendo uma transição para o fortalecimento do mercado
interno. Porém, no que se refere ao agronegócio, não podemos deixar de ignorar o
privilégio dado às atividades exportadoras.
Da mesma forma, a questão fundiária atravessou a história da América Latina, ou
seja, a concentração de terras por parte de grandes proprietários é uma questão a ser
pensada. O incentivo aos pequenos proprietários deve ser prioridade política, assim
como as iniciativas ligadas ao cooperativismo devem ser incentivadas como forma de
preservar as pequenas colônias e descentralizar a economia agrária.
Além das questões sociais e econômicas, também podemos destacar questões
políticas, ou seja, a lógica de poder que caracteriza a história dos países latino-
americanos. Durante a colonização, todo poder estava concentrado nos representantes
enviados das metrópoles, que detinham o controle sobre as decisões administrativas.
Com o tempo, os descendentes de europeus nascidos nas colônias espanholas da
América, os criollos4 , geralmente senhores das terras, começaram a exercer influência
sobre as decisões políticas, tanto que o processo de independência da maioria das
nações latino-americanas foi conduzido por seus interesses. Após os processos de
libertação, na maioria das novas nações independentes da América Latina, o poder
continuava sob seu controle. Constituíram-se donos do poder, donos das terras,
mantendo o controle quase absoluto do poder durante todo o século XIX e por boa
parte do início do século XX. M ais recentemente, essa lógica de poder desemboca em
históricos governos populistas de caudilhos5 ou políticos salvacionistas.
Aproveitando-se desse contexto, nas décadas de sessenta e setenta, ditaduras militares
se impuseram diante de possíveis reações e revoluções populares, as ditas revoltas
comunistas6 . M uito recentemente, boa parte dos países latino-americanos passa a
experimentar a democracia, ainda frágil e a ser solidificada.
A aprendizagem democrática é o grande desafio político que nos compete e
depende diretamente do reconhecimento da diversidade e da valorização da cidadania,
ou seja, que cada indivíduo deve ser potencializado e desafiado a ser coautor da nova
história latino-americana, mais justa e solidária e, ao mesmo tempo, que associações e
entidades civis atuem de maneira autônoma em projetos de alcance social.

1.2 Diversidade e identidade

Um dos fatores de diferenciação é a diversidade étnica e cultural das


sociedades americanas. Trezentos anos de colonização desencadearam
um processo migratório que se prolonga até nossos dias. Às comunidades
indígenas, em si tão diversas em termos de desenvolvimento cultural,
vieram juntar-se os colonizadores brancos e a grande massa de negros
africanos trazidos à força como escravos. Esse processo contribui
desigualmente para a formação dos perfis das sociedades nacionais.
(AQUINO; LEM OS; LOPES, 2008, p. 1)

Se, politicamente, podemos destacar como identidade latino-americana uma


história comum de dominação e exploração em relação à qual devemos nos libertar a
cada nova ação política e cidadã, em relação aos aspectos culturais e populacionais,
podemos destacar que é a diversidade que nos caracteriza como latino-americanos, ou
seja, somos índios, negros, brancos, amarelos e mestiços, de diferentes etnias e com
experiências históricas particulares. Podemos falar de diferentes experiências
indígenas, diferentes origens africanas, diferentes correntes migratórias europeias e
asiáticas, ou seja, o continente latino-americano é múltiplo. Essa é nossa outra
identidade, ou nossa contra-identidade, aquilo que caracteriza a América Latina como
terra de ninguém e, ao mesmo tempo, como terra de todo mundo. Usar termos como
terra de ninguém e ao mesmo tempo terra de todo mundo não significa falar de terra a
ser saqueada pelo malfeitor ou por uma lógica de rapina, mas de uma terra que
pertence ao mundo, a todos os seres, em que as fronteiras não são registros de divisão
e separação, mas geografias de encontro e aliança. Somos latino-americanos não
porque temos uma identidade definida, mas porque somos negros, índios, brancos,
amarelos e trançados ao mesmo tempo. Somos únicos e diversos, reconhecemos as
particularidades e desejamos promover e experimentar alianças abertas e afirmativas
com o outro.
Essa diversidade também é um grito contra toda forma de poder vertical, contra a
imposição de modelos ou formas de vida exteriores, contra um conceito civilizador que
significava impor ao outro um dito modo mais sofisticado de existir. Devemos
denunciar que toda lógica de poder em que uma força tenta se impor ou se submete à
outra, representa a negação da liberdade e da possibilidade da construção de uma
identidade livre e afirmativa. A memória em relação ao passado que deve nos unir é a
força que resiste à imposição de qualquer modelo.

É pertinente assinalar, contra todo esse pano de fundo histórico e atual,


que a questão de identidade na América Latina é, mais do que nunca, um
projeto histórico, aberto e heterogêneo, não só e talvez nem tanto uma
lealdade à memória do passado. Porque essa história permitiu ver que na
verdade são muitas as lembranças e muitos os passados, sem contudo um
caminho comum e compartilhado. Nessa perspectiva e nesse sentido, a
formação da identidade latino-americana implica, desde o início, uma
trajetória de inevitável destruição da colonialidade do poder, uma forma
muito específica de descolonização e liberação. (QUINJANO apud
NOVAES, 2006, p. 85)

A ausência de uma identidade específica latino-americana não torna impossível a


existência de uma unidade. A realidade sócio-espacial pode ser diversa e plural e pode,
ao mesmo tempo, representar um processo histórico comum. Este processo histórico
é a linha que aproxima os latino-americanos em relação a um projeto em favor da
diferença, da diversidade e de relações de poder cooperativas.

A necessidade de preservar a diversidade das culturas num mundo


ameaçado pela monotonia e pela uniformidade não escapou certamente às
instituições internacionais. Elas compreendem também que não será
suficiente, para atingir este fim, animar as tradições locais e conceder uma
trégua aos tempos passados. É a diversidade que deve ser salva, não o
conteúdo histórico que cada época lhe deu e que nenhuma poderia
perpetuar para além de si mesma […] A tolerância não é uma posição
contemplativa dispensando indulgências ao que foi e ao que é. É uma
atitude dinâmica, que consiste em prever, em compreender e em promover
o que quer ser. A diversidade das culturas humanas está atrás de nós, à
nossa volta e à nossa frente. A única exigência que podemos fazer valer a
seu respeito (exigência que cria para cada indivíduo deveres
correspondentes) é que ela se realize sob formas em que cada um seja uma
contribuição para a maior generosidade das outras. (LÉVI-STRAUSS,
2010, pp. 66-67)

1.3 Os latino-americanos

As independências, apesar de suas contradições, significaram um


momento de recriação da visão continental, supra-étnica, de uma
territorialidade que já compartilhava não só um passado pré-colombiano
de interações e histórias paralelas ou cruzadas, mas também a história
comum de uma colonização selvagem que, a essa altura, ofendia inclusive
seus herdeiros crioulos. (CECEÑA apud NOVAES, 2006, p. 232)

O sonho de Simon Bolívar, o herói das lutas de libertação de diferentes nações


latino-americanas, era, a partir da independência, conseguir formar a Grande América.
Esse sonho do início do século XIX atravessa a história dos países da América Latina
até os dias atuais. Discursos em favor da autonomia e do fortalecimento do
nacionalismo continuam a ser emitidos na história latino-americana.
Resistências históricas diante do peso da colonização, da tentativa da Inglaterra
de manter o poder de influência sobre as economias dos países recém-libertos, da
famosa intenção dos Estados Unidos em estender seu campo de influência sobre a
América Latina através da Doutrina M onroe (a América para os Americanos) usando
o argumento de que deveríamos nos libertar das influências europeias7 , alimentaram e
alimentam o desejo de liberdade e de fortalecimento da autonomia por parte das
nações latino-americanas.
Esse contexto de resistência a poderes externos de exploração, aliado à vontade
de afirmação da autonomia nacional, assim como alimentou historicamente o espírito
de solidariedade, serviu de justificativa para o surgimento de movimentos populistas e
autoritários, em que governantes assumiam a bandeira em nome do povo, mas
mantinham estruturas de poder em que as decisões eram autoritárias e a participação
popular não existia.
Apesar dessa consideração, penso que não devemos ignorar esse traço que nos
aproxima. Somos semelhantes no desejo de forjar a autonomia e diminuir os traços de
dependência (e diversos movimentos locais atestam esse desejo). Devemos resistir aos
poderes salvacionistas que se intitulam representantes populares e arrogam para si a
ação política em favor do outro. O outro, se não é fortalecido e afirmado em sua
cidadania, continua ignorado. Somente a democracia radicalizada na participação
popular, com o fortalecimento de projetos educacionais que promovam a autonomia e
a capacidade dos cidadãos em tomar parte das ações políticas a partir de diferentes
processos de participação, pode representar verdadeiros processos de evolução
política da América Latina. Essa deve ser nossa bandeira na defesa da cidadania.
O espírito de participação de todos, cooperativamente, com um projeto político
maior em relação ao bem comum, não é descoberta ou invenção dos civilizados.
Proponho que retomar a veia aberta da América Latina é reconhecer a força do espírito
dos povos que habitavam a América antes da espoliação europeia e branca. Os
ameríndios nos ensinam a ser desde sempre outros, participantes do espírito universal
e mestiços de alma.

Os ameríndios nos oferecem um modo outro de ver o mundo e de estar


nele. Para além do valor intrínseco que qualquer forma cultural humana
possui – e que faz das visões ameríndias patrimônios da humanidade que
como tal devem ser respeitados e protegidos por cada um de nós -, essas
visões encerram uma lição. Latinos na América, podemos pensar a
diferença como um problema, ou como potencial gerador […].
(PERRONE-M OISÉS apud NOVAES, 2006, pp. 256-257)

Respeitar e proteger o que é de todo mundo, a vida de cada um, é comprometer


cada cidadão a pensar em sua ação cotidiana, em como seu gesto favorece a vida para
além de si mesmo. Os índios viam o mundo em sua diversidade e acreditavam que ele
era belo e se mantinha em função dessa dinâmica. O bem comum não será alcançado
porque alguém, imperativamente, afirma que faz o que deve ser feito em favor do
povo. O que devemos denominar de politicamente alternativo e inovador são as
práticas que conseguem promover a participação afirmativa de mais pessoas. Nessa
perspectiva, reconhecer a diferença de habilidades é fundamental. Cada um pode, a
partir de seus movimentos e aprendizagens, fazer parte dessa nova história da
América Latina.
Estar fixado em uma identidade comum, como se fosse possível produzir um
pensamento homogêneo, nos torna reféns do atraso político. Estamos marcados na
América Latina por diferentes histórias, por diferentes experiências, e se alimentar
criativamente das mesmas não significa tentar conjugá-las ou reduzi-las em um único
modo de representação. Ratifico que o que nos identifica e produz a afirmação de um
novo projeto para os desafios atuais é abandonar a ideia romântica de que somos
todos os mesmos latino-americanos e assumir que as diferentes lutas e experiências,
em seus diferentes tempos e características, devem alimentar o espírito mestiço,
cruzado, trans-cultural, que alimenta uma participação dinâmica de cada nação e de
cada cidadão na promoção de uma América Latina livre e criativa.
Com base nos resultados de várias pesquisas, percebeu-se que a questão
de integração latino-americana tem origens históricas e sociais, e
complicações que atualmente dificultam o pensar em uma identidade
latino-americana. Para Laclau (1996), há que se abandonar a idéia de uma
identidade unificada e coerente, aceita na modernidade, por não se
considerar mais viável a existência de um núcleo essencial do eu, estável,
que passe, do início ao fim, sem mudança, pelos tropeços da história. O
que se tem é um sujeito fragmentado, descentrado, deslocado tanto de seu
lugar no mundo social como de si mesmo, composto de várias
identidades, mutáveis, contraditórias ou mesmo não resolvidas. Somos
mestiços, somos índios, somos negros, somos brancos, somos amarelos,
mas, sobretudo, somos latinos e americanos […]. (ALVAREZ, 2010)

REFERÊNCIAS
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passado e desafios futuros. Disponível em: <http://unb.revistaintercambio.net.br/24h/
pessoa/temp/anexo/1/231/427.pdf> Acesso em: 01 abr. 2013.
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Campos. História das sociedades americanas. Rio de Janeiro: Record, 2008.
BARROS, José D’Assunção. A construção social da cor. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
BEYHAUT, Gustavo. Dimensão cultural da integração na América Latina. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ea/v8n20/v8n20a19.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2013.
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<http://www.scielo.br/pdf/ea/v2n1/v2n1a03.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2013.
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<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me001987.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2013.
KLIKSBERG, Bernardo. Dez falácias sobre os problemas sociais na América Latina. Disponível
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Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/ faced/article/viewFile/2745/2092>.
Acesso em: 01 abr. 2013.
1 Jerusalém tinha sido invadida e tomada pelos turcos otomanos muçulmanos, e o
discurso em favor de sua libertação tomava conta das nações cristãs da Europa,
animado pelos interesses burgueses e pelo espírito belicoso da época.
2 Nome pelo qual passaram a ser chamados os habitantes das terras desconhecidas,
na medida em que Cristóvão Colombo e os primeiros navegadores imaginavam ter
chegado às Índias.
3 Jogados nos porões dos navios, maltratados, sem condições higiênicas e sendo
infectados por diversas doenças, muitos negros morriam durante a travessia do
Atlântico. Sugere-se assistir ao filme Amistad.
4 Crioulos na colônia portuguesa, termo também cunhado para os descendentes de
africanos.
5 Podemos destacar como lideranças caudilhistas – quando o poder muitas vezes
ultrapassa o respeito às leis e às constituições – Getúlio Vargas no Brasil e Juan
Domingo Perón na Argentina.
6 Empreendeu-se na época a caça às bruxas, ou seja, os golpes militares se
justificavam em virtude de possíveis movimentos que estavam em marcha e
instituiriam nas nações latino-americanas o comunismo. Pesquisas recentes vêm
ratificando o apoio dos Estados Unidos a muitos desses golpes de Estado, dentro
da chamada Guerra Fria, em que se colocavam frente a frente os interesses dos
Estados Unidos (capitalista) e da antiga União Soviética (comunista).
7 Sabemos como os Estados Unidos se tornaram, durante a transição do século XIX
para o século XX, importantes parceiros comerciais dos países latino-americanos
e, a partir das duas Grandes Guerras M undiais, passaram a exercer tamanha
influência econômica e política sobre os mesmos, que muitos golpes de estado
tiverem participação, direta ou indiretamente, de forças americanas.
CAPÍTULO 2

AMÉRICA LATINA: FORMAÇÃO NACIONAL E


INTEGRAÇÃO

M uitos surtos de autoritarismo foram justificados pela necessidade de colocar


ordem no caos, de impor um equilíbrio em relação às diferenças. Em lugar de um
Estado conciliador e negociador, a América Latina experimenta, predominantemente, a
imposição de Estados autoritários, que arrogavam para si o direito de, coercitivamente,
manter a ordem. A ausência de experiências democráticas na maior parte de suas
histórias fez que com que a geografia política das nações latino-americana fosse
marcada por relações de poder verticais. Não será somente pela ação do Estado e
muito menos de forma autoritária que se chegará a uma integração verdadeira e
responsável na América Latina. A perspectiva de que experiências mais espontâneas e
recentes, por parte das pessoas e grupos, se constituam como força cultural
alternativa no processo de integração latino-americana, é apresentada nesse capítulo.
Vivemos a era da comunicação aberta, da troca de cultura, de espaços geográficos cujas
fronteiras são cada vez mais flexíveis e esse fato vem sendo experimentado e pode ser
potencializado ainda mais na América Latina. A lembrança de M ercedes Sosa, de
Dante Ramon Ledesma, entre outros, por exemplo, não faz mais parte da memória
deste ou daquele país, mas de toda a memória latino-americana. No campo da arte, da
música e da literatura, linhas de integração se constituem espontaneamente. Tais
expressões trazem consigo também a memória política, social e econômica, cujas lutas
e esperanças são inerentes às expressões culturais. São reconhecidas as diferenças
culturais, históricas e sociais, mas se experimenta, sem a necessidade ideológica de
instituir um Estado único, a integração continental.

2.1 Formação nacional

Na América Latina, a história estaria atravessada pelo precário,


provisório, inacabado, mestiço, exótico, deslocado, fora do lugar,
folclórico. Nações sem povo, nem cidadãos; apenas indivíduos e
população. Por isso, dizem, o Estado é forte, a democracia episódica, a
ditadura recorrente. São as elites deliberantes – militares, civis,
oligárquicas, empresariais, tecnocráticas – que sabem e podem. Chega-se a
afirmar que um poder estatal esclarecido, apoiado na sabedoria da ciência,
ou iluminado pela vontade política, poderá educar a sociedade, dinamizar
a economia, conferir responsabilidade aos partidos, criar a opinião
pública, lançar o país no leito da legalidade, legitimidade, democracia. O
autoritarismo congênito e recorrente seria uma contingência da transição
do caos à ordem, dos séculos de patrimonialismo escravista à república
democrática, do poder oligárquico ao racional, do absolutismo ibérico à
liberal-democracia. Assim, a sociedade civil seria retirada da sua
debilidade essencial; do vício para a virtude. (IANNI, 1987, p. 5-6)

O significado de ordem contém em si muitas vezes o avesso da participação e da


diversidade. Não devemos ignorar aspectos positivos que estão relacionados com o
conceito de ordem, porém, em termos políticos, a ideia de ordem esteve atrelada,
muito vezes, na América Latina, a formas de poder que impõem o controle e o
ajuizamento das diferenças.
Como podemos deduzir da afirmação de Octavio Ianni, a lógica de poder de
Estado muitas vezes justificou a verticalidade do poder em função da necessidade de
colocar ordem no caos, como se fosse impossível pensar o diálogo a partir do diverso.
Essa racionalidade, instituída na lógica do Estado civilizador, não consegue constituir
linhas de aliança com a identidade múltipla da história latino-americana. Com isso, não
se aprende a construir relações na dinâmica criativa do tempo. O Estado é concebido
hermeticamente, como detentor de um corpo jurídico que determina, imperativamente,
o papel social de cada indivíduo ou população. Não ignoro a necessidade de ordens
legais mínimas que estabelecem o ajuizamento de regras comuns. No entanto, ao se
justificarem poderes e se instituírem normas legais, muitas vezes coercitivamente, sem
participação ativa dos diversos grupos que compõem a sociedade, a dita ordem
legitimará poderes autoritários. Talvez tenhamos que reconhecer que tivemos até o
momento, do ponto de vista histórico, poucas experiências efetivas de democracia em
que mais grupos participassem de maneira alternativa e consistente da organização do
Estado. Esse Estado foi dominado, predominantemente, por poderes verticais,
reduzidos a interesses econômicos ou ideológicos, ou ainda, a interesses populistas de
alguma liderança emergente.
O discurso de que alguém deve ser instituído de poderes que lhe outorguem o
direito de impor normas e decisões, sem consulta e diálogo, compõe boa parte da
história política da América Latina e fragiliza o espírito democrático. O desafio que se
impõe é pensar e propor um Estado que se fortalece pela ampliação da participação
dos cidadãos nas decisões e na própria estruturação do Estado, através de associações
que atuam cooperativamente na elaboração e execução de projetos públicos.
Reconheço que não teremos um estado ideal em que a diversidade seja
plenamente contemplada, mas a proposta é que avancemos na conjunção de forças, e
que os interesses particulares sejam distendidos em favor de acordos que privilegiem o
bem comum. O espírito de nação está em movimento, e o verdadeiro Estado estará
cada vez mais vinculado a um projeto de permanente reconstrução. Como destaca
Octavio Ianni: O nacionalismo, portanto, não é um só; cria-se e recria-se, no âmbito
das conjunturas históricas, segundo o jogo das forças sociais internas e externas.
Continuaremos presenciando a luta por interesses privados e corporativos, o
que faz parte do jogo político, porém, essas forças não podem sufocar o Estado social
e democrático. Nossa história, a dos latino-americanos, no que se refere à construção
dos Estados nacionais, passou à margem do reconhecimento da multiplicidade e
poucas experiências e projetos diferenciados, do ponto de vista coletivo e
cooperativo, foram desenvolvidos. Podemos analisar projetos econômicos e projetos
educacionais, entre outros, e veremos como a lógica de modelos únicos caracterizam
essas iniciativas, geralmente burocratizadas (desenvolvidas por técnicos de plantão) e
com pouco envolvimento das populações locais. O discurso sobre a diversidade não
avançou em relação ao Estado e à sua forma de organização.

A multiplicidade não aparece na organização do Estado nacional, a não ser


como ideologia, colorido, folclore. Ao contrário, a multiplicidade não só
esconde desigualdades como pode ser manipulada em favor dos que
detêm o poder econômico, político, militar. Por isso a história das formas
da Nação esconde-se na história das formas do Estado. São diversas e
surpreendentes as formas da Nação na América Latina. Pode ser
oligárquica, liberal, populista, autoritária, democrática. O que cabe
ressaltar é que a forma da Nação muda ou consolida-se, nesta ou naquela
ocasião, conforme o jogo das forças sociais internas e externas. A
constituição, hino, bandeira, idioma, mercado, heróis e santos são apenas
alguns elementos de uma realidade histórico-social complexa,
contraditória, em movimento. (IANNI, 1987, p. 14)

Reconhecer que a afirmação acima reflete a realidade, não deve nos enfraquecer
diante do fato. Se o Estado, historicamente, caracterizou-se por essa limpeza, pela
lógica em que não se reconhece a diversidade, como se hinos e outros símbolos não
conseguissem revelar a diversidade como elemento constitutivo básico das nações
latino-americanas, devemos enfrentar o tema e avaliar o que perdemos, além de pensar
o que podemos ganhar com uma reflexão e uma proposta que acolhe a multiplicidade,
pensando a nação e a formação do Estado a partir de uma lógica da participação
efetiva dos diferentes grupos e suas diferentes experiências.
Devemos revisar as formas como narramos a história para os nossos estudantes,
em que certos personagens e culturas são privilegiados, enquanto outros grupos e
culturas acabam marginalizados. De forma semelhante, devemos revisitar a forma
como fazemos política e construímos a lógica do poder.
Assim como podemos e devemos revisitar a história, buscando estudar e
compreender o que aconteceu no passado a partir de outras histórias, percebendo e
reconhecendo o mundo a partir de mais ângulos e perspectivas, resistindo ao
preconceito que é fruto da visão unilateral da própria história, também podemos e
devemos revisar a lógica de poder que marcou o passado latino-americano. Pensar o
Estado democrático é radicalizar em relação à maneira como cada um de nós
desenvolve sua relação e suas atividades de forma aberta ao outro e à diversidade,
radicalizando em relação ao processo dialógico. O Estado do bem comum não é aquele
que, de maneira assistencialista, atende as populações mais carentes, mas aquele que
promove a participação e permite que projetos alternativos se aliem a um Estado
promovedor da cidadania.
Temos muito a experimentar e a aprender em relação às maneiras como
pensamos nossas identidades comuns, e às formas como podemos compor alianças
criativas. Esse exercício é o desafio permanente para profissionais de nosso tempo.

2.2 Integração cultural

Não são unicamente as maiores instituições, nem os acordos


governamentais, que favorecerão esta integração com tão grandes limites
para a consecução de êxitos efetivos. Estudos recentes mostram que
devem ser consideradas formas mais espontâneas e, no entanto, de maior
profundidade, nas quais a origem social popular apareça como favorável à
adoção de medidas verdadeiramente integradoras. (BEYHAUT, 2004, p.
194)

A lógica patriarcal está presente em nossa memória. Acreditamos, por muito


tempo, que algum poder iria nos salvar. Temos isso presente em nosso imaginário e
acreditamos que a integração viria a partir de algum princípio comum que seria
estabelecido. Acreditávamos que um Estado comum, que uma religião comum, que
algum Deus comum, poderia ser a linha de integração entre os diferentes povos.
Essa lógica mental fez com que por muito tempo vivêssemos sob o manto de
uma identidade homogênea, de um princípio comum, de uma ideia de cultura e de
nação em que todos fossem conduzidos, coletivamente, por uma mesma ideologia. A
história vem demonstrando que as grandes nações e a verdadeira riqueza da
humanidade são fruto do diverso e da capacidade de conviver com a diferença, com a
abertura para a multiplicidade. Sociedades fechadas e ideologias ortodoxas tendem ao
enfraquecimento. Logo, devemos pensar a integração a partir da capacidade que vamos
desenvolvendo em nos fazermos mestiços. M iscigenação essa que se dá não na perda
de sua tradição e de sua história, mas na habilidade de conhecer a si mesmo e se
desafiar a compor alianças com as outras culturas e as dinâmicas do tempo.
Considerando que a integração cultural se apresenta como um processo
muito variado, fundamentalmente espontâneo, pouco afetado até agora
pela adoção de medidas de governos, devemos levar em conta que a
civilização industrial e a expansão dos modelos difundidos por economia
e tecnologia ocidentais não implicam criar um mundo sempre igual, sem
variações locais e com participação mínima das sociedades dependentes.
Se o grande dilema que devemos resolver é a busca de uma nova ordem
internacional, necessária para a paz e a harmônica integração de todos os
povos, ele não será solucionado através da imposição de uma forma
cultural qualquer. Estamos em uma etapa de agitações e conflitos, de
reivindicações das diversidades, de busca de fórmulas renovadoras, de
saudável relação entre as especificidades interiores das raízes de cada
povo. (BEYHAUT, 2004, p. 197)

2.3 Desafios atuais

A integração da América Latina enfrenta dificuldades e obstáculos devido


à diversidade de culturas, às características específicas do Poder Estatal
de cada país e às diferenças de seus modelos de desenvolvimento. A
integração avança a partir de fenômenos culturais que fundamentalmente
são espontâneos. O êxito desse processo exige o respeito às diversidades
de cada região e a busca de fórmulas renovadoras. (BEYHAUT, 2004,
198)

As três características destacadas no recorte acima deixam evidente que tentar


encontrar um modelo comum a ser seguido pelos países da América Latina é inviável.
A diversidade cultural é um fato. Em cada país ocorreu um movimento singular e
específico de evolução histórica, em que diferentes grupos humanos foram se
desenvolvendo diante das circunstâncias e dos contextos. Algumas nações com forte
tradição e influência indígena, cujos idiomas ainda são marcantes na linguagem, como o
guarani no Paraguai e o aimará e quíchua na Bolívia e no Peru. Outros países já
apresentam outras particularidades, como o Brasil, em que há grande participação
negra na história, além de imigrantes europeus (italianos e alemães) e asiáticos
(japoneses) no século XIX e início do século XX.
De forma semelhante, cada nação se envolve singularmente com sua evolução
política. Existem semelhanças, mas podemos, por exemplo, destacar que o Brasil,
diferentemente da maioria dos países latino-americanos, não experimenta uma luta de
independência e muito menos vê grupos locais levantarem armas para compor a
resistência no processo de libertação de Portugal. Um príncipe português assume a
transição do período colonial para o período independente, o que fez com que o Brasil
fosse o único Estado monárquico da América durante quase todo o século XIX. Além
disso, o Estado brasileiro manteve a escravidão, enquanto a maioria das ex-colônias da
América Latina, junto com a independência (e a república), aboliram a escravidão.
A própria economia local de cada nação vai percorrer – apesar de semelhanças –
velocidades e características diferenciadas de desenvolvimento. Sabemos como,
atualmente, o Brasil, por exemplo, vem se tornando referência de poder econômico na
América Latina e com poder de influência em decisões continentais.
No entanto, mesmo reconhecendo as singularidades históricas com que cada
nação vem experimentando sua evolução, há lutas e perfis de envolvimento com os
desafios globais que aproximam as culturas latino-americanas. Falar em resistência ao
poder hegemônico global, pensar alternativas em relação às políticas afirmativas em
favor dos povos indígenas e dos afro-descendentes, compor alianças em especial
dentro de blocos econômicos como o M ercosul, são experiências que nos aproximam.
Discursos em favor da autonomia, em defesa de uma cultura nacional valorizada,
resistência contra um Estado que não se revela a partir de dentro, ou seja, da
participação popular, mantendo uma lógica de poder centralizada, populista e
assistencialista, aproxima as lutas dos povos do continente. Quando pensamos que
muitas leis são feitas e refeitas e várias constituições atravessam a história política dos
países da América Latina, sabemos que algo nos aproxima.

Na América Latina, a Nação parece encontrar-se sempre em formação.


Não está no começo, avançou muito, mas continua a articular-se e
rearticular-se, buscando o seu lugar. Quase todos os países contam com
várias, ou muitas, constituições em sua história. Tiveram que começar de
novo, recomeçar muita coisa, ou tudo. Os golpes, os surtos de
autoritarismo, as ditaduras perpétuas povoam a história. A democracia
floresce e fenece. O povo continua a formar-se, se compreendemos que
povo é uma coletividade de cidadãos. (IANNI, 1987, p. 33-34)

Essa lógica nos aproxima: a história mal acabada que deve ter o seu enredo
retrabalhado em favor de um Estado e de ações públicas que atendam o bem-estar
social, que possam ampliar a participação dos cidadãos no empreendimento de fazer
com que as nações evoluam positivamente.
Nessa perspectiva, a prioridade à educação de qualidade, em que se reconheça
que o incentivo à inserção de mais jovens no exercício do domínio das tecnologias
digitais, aliada à crítica aos modelos massivos de alienação ao consumo barato e sem
critério de nossas populações jovens, deve fazer com que tenhamos um laço de
integração.

Insistindo sobre os sistemas educativos, mostra-se evidente estarem


submetidos à enorme pressão, que faz dos diplomas um meio
fundamental para incorporar os jovens ao mercado de trabalho, tão
conturbado pela adoção de tecnologias que afetam a mão-de-obra
tradicional. Da mesma forma, deve-se dar prioridade à instrumentação de
controle e defesas contra a imposição de normas de consumo e modelos
de vida difundidos pelos novos meios de comunicação de massa. Nesta
situação de mudanças e de sombrias perspectivas, as reservas culturais da
América Latina proporcionarão os elementos para resistir à simples
imitação e ao automatismo passivo. (BEYHAUT, 2004, p. 198)

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Acesso em: 01 abr. 2013.
UNIDADE 2

EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

Não podemos passar pela História da América Latina sem reconhecer o desafio
de recuperar muito das histórias esquecidas de índios e negros. Porém, além de
perceber a importância de recontar histórias que foram, não poucas vezes, ignoradas
em escritos oficiais e escolares, o comprometimento com a educação das relações
étnico-racias nos convida a pensar e refletir sobre a diversidade e a importância da
educação para uma cultura da diversidade. Temos o que resgatar historicamente e o
que produzir de narrativas alternativas em relação às histórias esquecidas. O objetivo
que anima esta luta é o compromisso de projetar uma sociedade mais justa e fraterna,
em que as diferenças mais nos aproximam do que nos afastam na construção de uma
sociedade mais justa e rica em estética cultural. Lembramos, por fim, que a Lei 10.639
de 2003, que tornou obrigatório o estudo da cultura afro-brasileira em nossas escolas,
completa dez anos e nos desafia a pensar também em como no ensino superior nos
comprometemos em estender o estudo, a reflexão e o debate sobre a diversidade e a
partilha cultural.
CAPÍTULO 3

QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS: OS INDÍGENAS

A produção histórica da América Latina começa com a destruição de todo


um mundo histórico, provavelmente a maior destruição sociocultural e
demográfica da história que chegou ao nosso conhecimento. Esse é,
obviamente, um dado conhecido por todos. M as raras vezes, se houve
alguma, pôde ser encontrado como elemento ativo na formulação das
perspectivas que competem ou convergem no debate latino-americano
pela produção de nosso próprio sentido histórico. E suspeito que agora
mesmo seria um argumento inapreensível, se não houvesse no presente o
atual movimento dos chamados “indígenas” e não estivesse começando a
emergir o novo movimento “afro-latino-americano”. (QUINJANO apud
NOVAES, 2006, p. 60)

O discurso civilizador sufocou a multiplicidade e, historicamente, marginalizou


narrativas históricas diferentes. Predominantemente fixada num projeto racionalizante,
evolucionista e linear, classificava as outras culturas a partir de um juízo baseado em
um progresso essencialmente material. Nessa perspectiva, populações indígenas que
sobreviviam de atividades da subsistência e tinham seus valores fundados sobre mitos,
eram consideradas atrasadas. A denominação até hoje corrente de ‘primitivos’,
cunhada pelos colonizadores europeus, além de uma interpretação preconceituosa em
relação ao conceito de selvagens, muito mais relacionado a populações rudes do que
pensada em relação a populações das selvas, atesta o juízo depreciativo do
colonizador. Justificava-se a colonização (a imposição cultural) em virtude do atraso
dessas populações que deveriam ser civilizadas pelo europeu (branco) mais evoluído.
Esse capítulo propõe a crítica à visão reducionista e etnocêntrica dos civilizados e a
muitos dos juízos atuais que reproduzem o mesmo sintoma, propondo, diante da
mesma, uma leitura da visão de vida e de mundo dos povos ameríndios com a qual
podemos aprender a pensar de maneira fraterna, solidária e múltipla a existência,
redimensionando nossos projetos de desenvolvimento.

3.1 A visão dos civilizados

No continente americano, encontraram-se, ou melhor, desencontraram-se


modos radicalmente diversos de conceber o mundo. Não por acaso, se
considerarmos o que nos mostra Lévi-Strauss, os europeus desde o início
se propuseram, de várias formas e com graus diferentes de violência, a
erradicar a diferença indígena. Quando encarada como um problema, a
diferença tem de ser eliminada, e os índios tinham de ser não-brancos. E
isso não é apenas parte de nosso passado: ecoa no presente, de formas
não menos violentas, diga-se de passagem. Também não por acaso, os
ameríndios, ao contrário, mostraram-se, desde os primeiros contatos,
interessados na diferença dos europeus, abertos, como sempre, para mais
essa figura da alteridade e para o poder gerador de seus afastamentos
diferenciais. A diferença é, para eles, tudo menos um problema a ser
anulado ou superado. (PERRONE-M OISÉS apud NOVAES, p. 256,
2006)

A lógica do discurso civilizador ignora a diferença e outras possibilidades de se


fazer história. A história linear que está submetida ao progresso do poder tecnológico
e à sofisticação das formas de dominação da natureza e do outro, parecem identificar o
discurso da dominação europeia sobre a América e sobre os seus verdadeiros
representantes, os indígenas. A América Latina como experiência da diferença, da
multiplicidade, não faz parte do discurso colonizador.
A colonização, a própria forma de organização dos Estados independentes em
modelos autoritários e excludentes, diversos golpes de Estado que levaram a regimes
ditatoriais, fazem parte de um discurso homogeneizante, em que uma ideia de Estado
moderno, europeu, da ordem coercitiva, deveria compor o estado das coisas.
Essa não é a lógica da visão indígena. A capacidade de encontrar criativamente o
outro e a partir daí compor uma ideia de nação ou Estado, pressupostos da história da
maioria dos indígenas, vai contra o racionalismo vertical e ortodoxo da Europa
absolutista.
A diferença não é um problema para os índios. Ao contrário, é a possibilidade, é
a porta aberta para o mistério de estender a vida e as coisas da vida. Geralmente, o
olhar civilizador olha para o outro já com um princípio ajuizador, pensando em
enquadrá-lo em um estado de coisas pré-determinado. É uma maneira tradicional de
colonização do outro, dos corpos, do ensino. Não desenvolvemos aprendizagens a
partir do encontro com os outros, mas imaginamos que devemos ensinar ao outro
como ele pode ser como a gente, como ele pode ser um civilizado.
Um civilizado sabe o que quer, sabe o que quer do outro, sabe que deve impor ao
mundo a sua razão. Essa noção de controle e domínio teme a diferença, pois esta
coloca em questão todo modelo, toda forma de relação em que há juízos anteriores que
devem ser impostos. O índio assusta, porque sua vida não se dá na relação de força em
que um indivívuo ou um grupo deve se impor ao outro, tão comum na época na
Europa. Os índios e seus conhecimentos trabalham, em geral, com a partilha, e
partilhar significa saber sair de si, encontrar-se com o outro. Os mitos indígenas são
convites à reflexão em movimento e não tentativas dogmáticas de explicar a razão da
vida e da morte.
Ademais, o discurso que faz dos índios seres ingênuos, afirmando que seu
desenvolvimento é primitivo, ou que não aconteceu, é etnocêntrico. Aprendemos
muitas vezes em nossas escolas que os índios ainda não tinham alcançado um nível
mais desenvolvido nas atividades produtivas. Sabemos hoje que é bem possível que os
índios tenham feito uma opção de vida pela subsistência1 , que o trabalho e a evolução
econômica e tecnológica não eram o fim último de sua história. M esmo que
reconheçamos que a história do progresso econômico e tecnológico se impõe por certa
lógica de força, entender e compreender que os índios abraçaram uma lógica singular
em relação ao desenvolvimento deve fazer com que tenhamos mais prudência na forma
como nos jogamos ao progresso insano e sem escrúpulos.
Além disso, há maneiras equivocadas de narrar a história indígena e de conceber
seu desenvolvimento, muitas vezes presentes num discurso dos coitados, dos fracos,
dos pouco desenvolvidos. Trata-se de uma maneira de contar a história dos índios por
um discurso que os enfraquece.

Essa maneira de contar a história dos índios contém algumas armadilhas.


A primeira é a que imagina a história dos índios começando apenas com a
chegada dos europeus, como se não houvesse uma história das
populações locais antes da suposta descoberta. O segundo equívoco é
considerar que, para os índios, a história dos contatos se reduz
necessariamente a uma história de perdas, tornando sua versão da história
uma visão de vencidos. Outro erro comum nos leva a pensar que, como
resultado desse contato, existe apenas uma ‘política indigenista’, a nossa
política, sem considerar que existe também uma política dos índios, ou
‘política indígena’, pela qual eles constroem seu relacionamento com a
sociedade nacional. (ÍNDIOS NO BRASIL 3).

Há uma história indígena muito anterior à chegada dos europeus e seu


reconhecimento equivale a uma ação ética. Quem não reconhece a história do outro e
percebe o mesmo somente a partir de um olhar parcial, imediato, desenvolve sempre
preconceitos e juízos limitados. Não reconhecendo o outro a partir de sua história,
ignora que a história de cada ser humano e de cada grupo ou sociedade tem o mesmo
valor. Existe uma história anterior à chegada dos europeus que é pouco narrada em
muitos livros, e geralmente é narrada de forma exótica e pixotesca.
M esmo que reconheçamos que os índios foram saqueados e explorados,
naturalizar o discurso dos vencidos, dos coitados, é ignorar suas resistências. Talvez a
maior resistência esteja escondida. M uito pouco se fala sobre o quanto os índios
resistiram em não se entregar (vender) para a cultura e o modo de vida europeu.
Suicídios em massa, para nós, podem representar uma negação da vida; porém – peço
licença para a provocação -, assim como Cristo aceitou morrer – negação de certa
vida – muitos índios aceitaram morrer, suicidando-se em favor da vida que não
aceitavam que lhes fosse tirada. Além dessa resistência, há várias outras a serem
contadas. Em especial, podemos aqui nos lembrar das M issões e das lutas de
resistência.
M ais contemporaneamente, também deve ser destacada a luta dos índios em
favor de sua cultura, de suas terras, de leis que pudessem protegê-los das invasões
indiscriminadas. O índio resiste, o índio faz escola, o índio é autônomo em muitas de
suas lutas. Novamente, o discurso de que nós brancos devemos lutar pelos índios
fracos, pode conter um discurso de enfraquecimento do outro.

3.2 Lições indígenas

[…] a antropologia tem muito a dizer sobre as visões latino-americanas, e


uma das mais originais nos é dada por Claude Lévi-Strauss nas
M itológicas e em reflexão de Beatriz Perrone-M oisés. Em seu ensaio, ela
analisa as várias formas de narrativas que assume, nos mitos, o princípio
central do pensamento ameríndio: a ideia de que a dualidade, a diferença,
são fundamentos do cosmos e condição de sua existência que se expressa
nas formas de organização social na relação com o outro. Uma filosofia
ameríndia que se contrapõe, portanto, ao princípio da unidade e da
identidade do pensamento ocidental. Princípio que resultou em uma vasta
empresa de erradicação das alteridades nativas. (NOVAES, 2006 p. 15)

A visão do cosmo como multiplicidade e diversidade dinâmica é uma lição radical


indígena para qualquer projeto humano em relação ao seu desenvolvimento. Na medida
em que predominaram na história da humanidade projetos de dominação, de conquista
sobre o outro, de imposição de mundos, de negação da diferença, essa lição indígena é
mais atual do que nunca. É atual no que diz respeito à espécie humana e seu desafio
em pensar a globalização atual como um processo de aproximação fraterna entre os
povos e da conjunção para uma fraternidade terrestre (cooperativa e não predatória
dos ditos mais fracos), e também diante da perspectiva de um movimento ecológico
diferenciado, em que o reconhecimento do diverso propõe uma alfabetização ecológica
radical.

Todos os mitos mesoamericanos falam da necessária conjunção dos


diferentes elementos. Nem muito fogo nem muita água, mas uma
combinação de ambos. Nenhum elemento deve prevalecer sobre os
demais, mas é preciso a interação de todos. A zanga dos deuses muitas
vezes se relaciona com a presença excessiva de algum desses elementos e
com as catástrofes que ela provoca no complexo macrocósmico e
microcósmico. (CECEÑA apud NOVAES, 2006, pp. 224-225)

Nenhum elemento deve prevalecer sobre os demais. O Grande Espírito está


presente em todas as formas de vida e a natureza está em harmonia consigo mesma na
medida em que essas forças conseguem se conjugar e não uma se sobrepor à outra.
Podemos relacionar essa concepção com as relações de poder entre pessoas e grupos
humanos. Quando uma pessoa ou qualquer grupo tenta ser mais do que o outro ou
busca se impor, está infringindo a lógica da harmonia e provocando a morte do espírito
cósmico. O espírito humano deve compor uma relação com o espírito maior da
natureza cósmica. O ser humano é um entre vários seres do planeta. Não foi o
primeiro e nem será o último, como afirmava Lévi-Strauss2 . Deve reconhecer que é um
passageiro do cosmo e, como tal, se colocar em movimento de aprendizagem com o
outro, com a diversidade, com as diferentes formas de vida e de movimento do
planeta.
Vamos continuar a desenvolver as nossas tecnologias, vamos inventar
computadores cada vez mais sofisticados, programas capazes de ler movimentos do
planeta de forma mais eficaz. Porém, de que serve isso se não for para compor
alianças com a vida? Se for para controlar, dominar, ignorar o que está para além da
razão humana, o nosso projeto tecnocientífico, penso eu, estará colaborando para o
fracasso da história humana e de sua passagem no planeta. Porém, se soubermos
compor alianças com as forças do planeta, poderemos estender as possibilidades da
vida humana e dos outros seres, além de presenciar a beleza da vida emergindo para
além de nosso círculo tecnocientífico. Ratifico que sou otimista em relação ao
desenvolvimento das tecnologias e considero bárbara essa capacidade humana, porém,
ao mesmo tempo, penso que qualquer técnico que estiver reduzindo sua visão da vida
e do mundo aos programas de computador, por exemplo, sem reconhecer que sua vida
vai além disso no encontro com outras dimensões da vida, tende a se tornar um
autômato, reduzindo suas potencialidades.
Aprendamos com os indígenas que a vida é entrelaçamento de mundos, que a
minha vida e a vida de cada pessoa é um entrelaçamento de mundos, que a vida da
espécie humana não pode ignorar seu entrelaçamento com as outras formas de vida do
planeta e que o próprio planeta tem sua relação com outras forças cósmicas. Colocar-
se nesse pensar, representa também estar aberto para o outro. Essa visão de mundo e
da vida pelos indígenas evidencia um projeto de colaboração, de partilha planetária, de
compreensão de forças que se complementam dinamicamente.

De acordo com López Austin e López Luján, a dimensão das histórias


particulares estava sempre entrelaçada com a das histórias
“globalizadoras”, que “produziram formas de coesão em amplos cenários
supra-étnicos”. A visão cósmica do devir punha o universo como
primeiro horizonte de inteligibilidade. Era o sentido cósmico que
orientava os sentidos mundanos e permitia a conexão entre mundo e
inframundo, entre o lugar dos vivos e o dos mortos, assim como entre as
diferentes formas de vida ou expressões do sujeito.. (CECEÑA apud
NOVAES, 2006, p. 226)

Essa extensão de mundo, essa linha aberta, um horizonte sem limites e


fronteiras, pode ser relacionada com a forma como os indígenas concebem suas terras.
Não são suas terras, mas são um espaço do mundo onde é possível estar em contato
com a diversidade, com a multiplicidade. Não é um pequeno terreno, uma pequena
terra que me pertence. O mundo e os indígenas se complementam. Preciso de muito
espaço territorial para sobreviver? Não, preciso de muito espaço para viver a relação
com o de fora, com o outro. É claro que, atualmente, nós estendemos nosso mundo
através de conexões virtuais, e de alguma forma a floresta atual é a internet. É bacana a
gente trazer esse exemplo. O que seria de nós se nos fosse cortada a conexão? Se só
pudéssemos conversar com pessoas a um raio de 30m? É interessante pensar que a
internet pode ser esse amplo espaço indígena que ressurge como forma de nos
fazermos habitantes dessa nova floresta, em que não há fronteiras e em que nos
relacionamos com toda forma de cultura e de concepção de mundo.
Consequentemente, a bela navegação se dá com aqueles que sabem e conseguem
aprender a aprender, compor cooperações, desenvolver trocas cada vez menos
preocupadas com o juízo, com o controle e sim com a possibilidade de potencialização
coletiva e cooperativa.
Por mais que sofressem perseguições, por mais que sua cultura não recebesse
consideração, os índios continuavam a acreditar no diverso, no encontro com a
liberdade e com o espírito coletivo. Talvez também nós, quando acreditamos que as
novas tecnologias podem favorecer mais a troca, resistimos a perseguições que podem
estar presentes na superficialidade de alguns internautas, no uso indevido da internet,
em sistemas de controle dos programas. Desejamos um mundo livre e criativo. M enos
tecnologia como forma de lucrar em relação ao outro, de se tornar capaz de ser melhor
do que o outro e mais para compor com o outro. Informação aberta para todo mundo,
uma reforma no acesso aos saberes e na produção de conhecimento. Da mesma forma
como ainda cabe na memória dos índios uma resistência ao domínio que muitos
buscam ter sobre a terra e sobre o lucro que ela possa proporcionar. O maior lucro
deve ser social, porém, aqui está a nossa luta: que reconheçamos que enquanto
pensarmos o lucro como sucesso pessoal e não como possibilidade de melhorias
sociais e da afirmação da dignidade de um maior número de cidadãos, estaremos no
caminho da morte.

Apesar de tantas adversidades e da opressão que lhes é imposta, os


modos de ser e de viver dos guaranis nos mostram que é possível a
existência de um mundo onde sejam respeitadas as diferenças e a
pluralidade de culturas e povos. O modo de ser guarani – essa teimosia
histórica em viver, em se movimentar num amplo espaço territorial, em
proferir sua palavra – nos permite problematizar certas maneiras de
pensar e de viver, nos questionando sobre a estrutura fundiária
concentradora, injusta, violenta, as relações com o meio ambiente que se
baseiam na lucratividade e não no equilíbrio. (LIEBGOTT; BONIN,
2010)

3.3 Questões contemporâneas

Quero propor a leitura abaixo como forma de provocar uma reflexão radical em
relação à contradição que pode estar presente na forma como pensamos o
desenvolvimento:

Trata-se, por outro lado, de uma crítica dionisíaca no sentido de que o


herói revela ao longo de suas peripécias a desumanização da civilização
industrial: através de suas fraturas e feridas corporais, da frustração
erótica e da violência física inerentes à vida cotidiana da metrópole social.
O anti-herói M acunaína mostra a inumanidade da civilização moderna
através da corrupção de seu corpo e de sua alma, e das sucessivas
rupturas da unidade cósmica que integrava o universo indígena numa
harmonia parasidíaca. M acunaína é um herói negativo num duplo sentido.
Porque não estabelece uma ordem, não erige o poder da lei, não funda uma
civilização, nem representa nenhum tipo de exemplaridade. É o que o
distingue dos heróis clássicos […]. M as esse herói de M ário de Andrade
é negativo também ou sobretudo porque, ao regressar da metrópole à
selva, faminto, extenuado e gravemente ferido, e espiritualmente
derrotado por esse mundo de máquinas e leis desumanizadas que
representa São Paulo, já não encontra suas profundezas misteriosas, nem
pode falar com seus seres espirituais, nem brincar eroticamente com suas
libidinosas mulheres. O cosmo parasidíaco de suas origens tinha
desaparecido sem deixar rastro. Era apenas um páramo. (SUBIRATS
apud NOVAES, 2006, pp. 99-100)

M esmo quem não leu sobre M acunaína ou não assistiu ao filme, ou mesmo
quem leu outras análises e críticas em relação ao livro ou filme em questão, não deixará
de refletir a partir do recorte acima mencionado. Pensar em como estamos perdendo a
sensibilidade que nos aproxima da natureza, dos afetos para com as coisas mais
simples da vida que estão presentes na maneira dos índios conceberem a suas vidas e
as suas relações, deve nos fazer refletir sobre o peso com que podemos estar
carregando a vida a partir do ritmo alucinante das grandes metrópoles. Aqui não quero
tecer uma crítica à vida nas cidades e uma possível apologia à vida no campo, mas
tensionar o quanto deixamos que as nossa vidas estejam marcadas por certa
superficialidade moderna. Vivemos muitas vezes tão alucinados pela velocidade, pelo
controle do tempo e das coisas, por resultados que devem ser alcançados, que
perdemos o espírito espontâneo e natural dos encontros. Os encontros acabam
agenciados e ajuizados, automatizados. É outro o fluxo da natureza e da
espontaneidade – da gratuidade. M as quando tentamos voltar ao tempo da preguiça,
ao tempo que se perde para se encontrar novamente com a possibilidade do
pensamento e da reflexão, já não conseguimos, pois o mundo ao qual nos submetemos,
nos condicionou a tal ponto que devemos continuar a luta pela sobrevivência e
deixamos de viver o que fazemos. Autômatos, não somos forças que compõem
possibilidades no encontro com as coisas que fazemos. Somos meros mecanismos
reprodutores do sistema.
Um capitalismo selvagem em que a lógica do ganho é que faz o sucesso dos
indivíduos, não cabe na tradição indígena. A visão solidária em relação ao mundo é
radicalmente oposta ao discurso do lucro e da competição predatória. Talvez seja
estranho propor a visão indígena como alternativa ao capitalismo predador, pois
podemos pensar que o movimento é irreversível. Porém, acredito que teremos que
enfrentar a violência de um sistema que ignora o outro como irmão espiritual. O outro
é alguém com quem nos unimos na luta pela vida, que nele se revela tanto quanto em
mim. Essa visão afirmativa deve ser resgatada, mesmo que seja em meio aos modos de
produção capitalista em que trabalhamos.

Enfim, os recentes movimentos político-sociais dos “indígenas” e dos


“afro-latino-americanos” puseram definitivamente em questão a versão
europeia da modernidade/racionalidade ao propor sua própria
racionalidade como alternativa. Negam a legitimidade teórica e social da
classificação “racial” e “étnica”, propondo de novo a ideia de igualdade
social. Negam a pertinência e a legitimidade do Estado-nação baseado na
colonialidade do poder. Enfim, embora menos clara e explicitamente,
propõem a afirmação e reprodução da reciprocidade e de sua ética de
solidariedade social como alternativa às tendências predatórias do
capitalismo atual. (QUINJANO apud NOVAES, 2006, p. 84)

Eis o desafio: conceber que as políticas afirmativas em favor das populações


índias e negras abrem espaço para a discussão propositiva sobre a solidariedade entre
as pessoas. Numa visão privada, em que pensamos somente nos nossos direitos, é
possível que qualquer política em favor de grupos que histórica e socialmente tenham
sofrido diferentes formas de exploração, marginalização e exclusão, seja mal
interpretada e concebida. Ao falar em cotas, por exemplo, de imediato as vozes de
discussão se colocam, de diferentes maneiras, a defender ou a atacar tal projeto. Quero
propor que a discussão sobre as cotas é uma discussão menor, pois a questão é maior.
Penso que o tema das cotas, positivamente, faz com que a gente discuta de fato o
problema social, mesmo que muitas vezes ainda de forma preconceituosa. Também é
possível que reduzamos a discussão às cotas, quando ela é muito mais extensa.
Proponho, novamente, que a discussão fundamental é sobre toda forma de exploração
e de falta de políticas de afirmação das pessoas. Os índios, por exemplo, afirmavam
que não aceitavam a morte, mesmo que seus deuses tivessem sido mortos pelos
civilizados, que suas cidades santas tenham sido destruídas… Da mesma forma, não
morramos para a proposta de um estado de poder em que as relações sejam mais
igualitárias e menos injustas, de partilha e cooperação, propositivas e implicativas,
reconhecendo que somos diferentes e que cada um, em sua diferença, mais do que
respeitado, deve ser acolhido e comprometido, inclusive, a trazer suas reflexões e
demandas para o debate sobre uma participação mais cidadã por parte de todos.

Não morramos… ainda que os deuses tenham morrido compreendia ao


mesmo tempo a negação do não-ser e a primeira expressão ontológica da
resistência anti-colonial. (SUBIRATS apud NOVAES, 2006, p.138)

REFERÊNCIAS
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passado e desafios futuros. Disponível em: <http://unb.revistaintercambio.net.br/
24h/pessoa/temp/anexo/1/231/427.pdf> Acesso em: 01 abr. 2013.
AQUINO, Rubim Santos de; LEMOS, Nivaldo Jesus Freitas de; LOPES, Oscar Guilherme Pahl
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BARROS, José D’Assunção. A construção social da cor. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
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KLIKSBERG, Bernardo. Dez falácias sobre os problemas sociais na América Latina. Disponível
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Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/ index.php/faced/article/viewFile/2745/2092>.
Acesso em: 01 abr. 2013.

1 Em sua obra A Sociedade contra o Estado, o antropólogo francês Pierre Clastres


desenvolve uma crítica ao juízo europeu em relação à ideia de que os índios viviam
da subsistência por necessidade e não por opção, ou seja, que a lógica do trabalho
não era prioridade para eles, diferentemente da lógica europeia. Na mesma obra, o
autor desenvolverá uma comparação entre a lógica de poder dos ditos civilizados e
das populações indígenas por ele estudadas, demonstrando como o poder pode ser
propositivo e coletivo (índios) e não somente vertical e coercitivo (europeus).
2 Claude Lévi-Strauss (1908 – 2009) foi professor, antropólogo e filósofo francês
que desenvolveu pesquisas e estudos no Brasil e com índios brasileiros.
CAPÍTULO 4

QUESTÕES ÉTNICO-RACIAIS: OS NEGROS

Os filhos de escravos, ao longo de um lento processo que se arrasta por


três séculos, verão gradualmente se perder no horizonte a noção de que
são jejes, ambacas, quissamas, bolos, mbundos, mbwelas, tekes, nsundis,
ou tantas outras etnias que poderiam ter sido afirmadas como diferenças
culturais. (BARROS, 2009, p. 91)

O horizonte que se perde é a África, de onde os negros1 foram desterrados. A


América assinala para os negros africanos o território da escravidão, do registro dessa
identidade. O presente capítulo propõe o reconhecimento da trágica relação de
senhores e escravos, experimentada na colonização da América e estendida, no Brasil,
até o final do século XIX. Da mesma forma, propõe o enfrentamento propositivo e
não ressentido dos efeitos da escravidão negra que se fazem presentes nas relações
sociais e econômicas na América e, em especial no Brasil, até o presente. Um projeto
afirmativo deve ser pensado a partir de uma abolição concebida por toda a sociedade e
não somente como uma luta parcial de um grupo étnico. O olhar enviesado trazido
para o debate a partir do geógrafo negro M ilton Santos desafia cada cidadão a
compreender como cada um de nós, negros, brancos, índios, amarelos, mestiços, entre
outros, trazemos, inconsciente ou conscientemente conosco, preconceitos sutis na
maneira de olhar e sentir a negritude. O discurso de que vivemos numa democracia
racial precisa ser tensionado, pois a realidade social revela que não houve muita
mudança em termos de desigualdade social entre brancos e negros desde os períodos
escravocratas até hoje. Ao final, a proposta de afirmarmos a estética social a partir da
multiplicidade dos corpos revela que é na educação para a diferença e para a
diversidade que reside a maior resistência aos preconceitos.

4.1 A condição negra

Por outro lado, se para fins de censo e controle era preciso classificar de
algum modo os negros despejados pelo tráfico no Brasil, também se
operava a construção de novas diferenças, muito pouco coincidentes com
as realidades étnicas originais. Incorporava-se à identidade do negro uma
procedência geográfica que via de regra relacionava-se aos portos
africanos de tráfico que os haviam exportado para o Brasil, independente
de sua verdadeira origem. (BARROS, 2009, p. 48)

Destituídos de sua história, classificados a partir dos portos em que foram


recolhidos para se tornarem escravos na América, os africanos trazidos pelos navios
negreiros se viram esvaziados de qualquer identidade. Suas histórias se fariam a partir
das novas experiências na América.

Perdidos os antigos padrões de identidade que existiam na África, o negro


afro-brasileiro sentiu-se compelido a iniciar a aventura de construir para si
uma nova identidade cultural, adaptando-se à própria cultura colonial.
(BARROS, 2009, p. 48)

Esse negro brasileiro, latino-americano, acaba sendo alfabetizado na estrutura


colonial. Seu corpo e seu espírito são invadidos por essa lógica escravocrata.
Considero importante destacar que, após serem retirados da África e de sua História,
cada negro recebe um novo nome e uma nova história, submetidos a uma identidade
estranha. Essa nova identidade é como um brasão de fogo que marca o corpo e
atravessa a alma. São arrolados propriedades, são coisas, são objetos de troca e venda,
mercadorias leiloadas e colocadas à venda. Destituídos de qualquer dignidade, suas
vidas são marcadas desde sempre, durante o período colonial e durante boa parte do
período monárquico brasileiro, como vidas a serviço de interesses alheios. Sem dúvida
há focos de resistência negra, há vidas que se compõem nos engenhos, nas lutas pela
alforria, nas fugas para os quilombos e em outros movimentos de resistência, porém,
há um registro que atravessa a história: são corpos escravos que devem trabalhar pela
sua subsistência para o enriquecimento do outro. Pensar em quanto tal registro ainda
está na memória de negros e de brancos, é acolher a reflexão crítica e de revisão do
gesto miserável realizado na história.

“Criaturas de outra espécie”, “inferiores” (sem as faculdades),


“desumanizadas” (sem o sentimento dos homens), e perfeitamente
comparáveis aos animais (“no mesmo nível dos brutos”)… Eis a diferença
atrelada à inferiorização, e por isso justificadora de uma desigualdade
escrava que se mostra aqui socialmente construída mesmo que contra o
pano de fundo de alguns poucos críticos contemporâneos, que de resto só
parecem ter encontrado mais espaço para expor suas idéias humanitárias
precisamente quando os interesses econômicos franceses e ingleses assim
passaram a permitir. (BARROS, 2009, p. 75)

É importante sempre revelar essa injustiça histórica, ou seja, em boa parte a


abolição e a libertação dos escravos esteve mais ligada a novos interesses do capital do
que movidos pelo espírito de liberdade e de igualdade em relação ao outro. Sabemos
que a abolição colocou os negros para fora das casas dos senhores, muitos sem ter
para onde ir e nem em que trabalhar. Estavam sendo largados pelos senhores, na
medida em que estava se tornando custosa a mão de obra escrava. Representava menor
custo pagar baixos salários ou assinar contratos de serviço com os imigrantes, nova
onda de explorados, do que sustentar os escravos nas propriedades.
Quase quatrocentos anos de escravidão (Brasil), um pouco mais de um século de
liberdade, empregabilidade difícil, em especial com olhares enviesados e desconfiados
de empregadores, são marcas que atravessam a cultura do olhar brasileiro,
independente se é um branco ou um negro quem está olhando. Revisitar a história para
compor um discurso propositivo, sem ressentimento ou sentimento de culpa, é saber
olhar a história com um olhar de quem pensa que devemos radicalizar em relação à
efetivação de práticas solidárias e fraternas. Devemos pensar a justiça como princípio
em que os desiguais possam usufruir de condições dignas de acesso aos bens e às
possibilidades educação.

4.2 Olhar enviesado e resistência

Ser negro no Brasil é frequentemente ser objeto de um olhar vesgo e


ambíguo. Aqui, o fato de que o trabalho do negro tenha sido, desde os
inícios da história econômica, essencial à manutenção do bem-estar das
classes dominantes deu-lhe um papel central na gestação e perpetuação de
uma ética conservadora e desigualitária. Os interesses cristalizados
produziram convicções escravocratas arraigadas e mantêm estereótipos
que ultrapassam os limites do simbólico e têm incidência sobre os
aspectos das relações sociais. Por isso, talvez ironicamente, a ascensão,
por menor que seja, dos negros na escala social sempre deu lugar a
expressões veladas ou ostensivas de ressentimentos (paradoxalmente
contra as vítimas). Ao mesmo tempo, a opinião pública foi, por cinco
séculos, treinada para desdenhar e, mesmo, não tolerar manifestações de
inconformidade, vistas como um injustificável complexo de inferioridade,
já que o Brasil, segundo a doutrina oficial, jamais acolhera nenhuma forma
de discriminação ou preconceito. (SANTOS, 2000)

O discurso que naturaliza o Brasil, por exemplo, como país mestiço, em que
haveria uma saudável convivência entre as diferentes etnias, carrega consigo a
indiferença em relação ao nível social em que cada um dos grupos humanos se situa e
com a condição socioeconômica. Talvez mais do que indiferença, o que se forma é uma
convicção fatalista em relação ao estrato social em que cada grupo humano se situa. O
olhar enviesado apresentado por M ilton Santos é esse estado social em que o negro foi
feito para povoar a base da pirâmide social e que, circunstancialmente, ascende
socialmente, o que não lhe retira a marca de raça2 inferior. Como se afirma: apesar de
negro, venceu na vida, ou seja, o discurso da desigualdade e do preconceito,
historicamente instituídos, acaba registrado na maneira como boa parte da população
faz seu juízo.
Diante dessa constatação, proponho que tal fato não faz com que um discurso
vitimista e ressentido ocupe a resistência e faça voz nas políticas públicas afirmativas.
O valor do outro está na igualdade com que percebemos a sua diferença, não mais
classificado dentro de um quadro social vertical e hierarquizado, segundo poderes que
constituíram a história da América Latina.
Retorno aqui à crítica ao discurso político abolicionista tradicional. No caso do
Brasil, a Lei Áurea de 13 de maio de 1888 não compõe o movimento de autêntica
libertação da nação brasileira do preconceito. M ais do que isso, muitos senhores
estavam querendo se livrar do peso dos escravos. Também a sociedade brasileira
estava e está longe de reconhecer a abolição como um processo de luta social por uma
sociedade mais fraterna e solidária.
Podemos afirmar que, no caso brasileiro, a imagem de Zumbi3 e a resistência do
quilombo dos Palmares como novo marco da libertação negra4 , mesmo tendo colocado
a luta pela libertação nas mãos de verdadeiras resistências negras, não representa a
retomada da discussão por parte da sociedade em geral. Sem dúvida, os movimentos
negros têm sua legitimidade e representam a história verdadeira da luta pela liberdade
por parte dessa etnia, porém, o comprometimento com uma sociedade igualitária deve
ser fonte de um novo discurso por parte de todos, por um espírito cidadão que
abrange todos os brasileiros e latino-americanos. O grito de liberdade se efetiva quando
passamos a viver em uma sociedade igual, e não em grupos fechados que lutam por
uma autonomia restringida ao próprio grupo (o que eu não chamaria de autonomia e
sim de autossuficiência). A proposta da evolução para um espírito democrático e de
justiça, reconhece valor igual em todos os grupos humanos e em cada indivíduo. Toda
relação de poder e de preconceito em relação ao próximo é atestado de miséria humana
e ignorância pátria.

[…] para suprimir a “desigualdade escrava” seria preciso eliminar um eixo


inteiro: quando se suprime o senhor, suprime-se o escravo, e vice-versa.
No eixo das desigualdades, a supressão de um polo implica imediatamente
a desintegração do outro – este é o nó da questão. […] É preciso, enfim,
conceber a escravidão ou qualquer outra desigualdade social como o
aviltamento imposto por uma sociedade contra uma outra, ou contra
parte dela mesmo, e não como ações que se dão entre indivíduos. Esta
seria inclusive a chave por trás do discurso abolicionista, a única chave
capaz de conduzir a questão escravocrata, hipocritamente ou não, nos
limites do único pano nacional que permite em tese as ações sociais: o
plano das desigualdades sociais. (BARROS, 2009, p. 152)

A reflexão que se impõe diz respeito a todas as maneiras de compor as relações,


desde as mais próximas (famílias e comunidades locais), passando pelas relações que
se organizam em escolas, nas empresas, em órgãos administrativos, até as relações
entres diferentes culturas. Abolir o preconceito significa avaliar as características que
acompanham os processos de troca e até que ponto cada indivíduo, grupo e nação é
reconhecido e promovido em sua autonomia.
A história revela como ainda recentemente a corrida imperialista ignorou espaços
naturais e culturais em sua ânsia de dominar territórios na corrida pelo chamado
progresso econômico. A África, durante os séculos XIX e XX, foi recortada como
território e repartida pelas nações ricas da Europa como se fosse um espaço a ser
loteado.

A partilha européia da África moderna, por vezes dividindo-a em


quadrantes que nada tinham a ver com qualquer realidade cultural ou
natural, é apenas um exemplo de processos que envolvem a
indiferenciação, aqui entendida como desprezo pelas diferenças que
seriam relevantes para os indivíduos e grupos sociais envolvidos.
(BARROS, 2009, p. 204)

O desprezo pelo outro se dá na relação direta com a necessidade de conquistar,


de se fazer senhor dos recursos, de promover projetos de desenvolvimento à revelia da
saúde planetária e da singularidade das culturas locais. Esse desenvolvimento é
preconceituoso e etnocidário5 , na medida em que, em função de sua visão de mundo,
coloca o outro como um objeto a ser explorado e reduzido ao projeto imposto.
Tememos a globalização na medida em que um discurso homogêneo e dominante pode
ignorar as diferenças e não se alimentar culturalmente da multiplicidade. Eis o maior
perigo da evolução humana, não se reconhecer parte de algo que é maior do que
qualquer projeto de conquista e de desenvolvimento tecnológico.
A revisão que deve ser feita em relação à história de índios e negros na América,
é aquela em que, diante da compreensão dos fatos e do modo como se organizaram, se
assuma a projeção de outros caminhos que podiam e devem ser traçados. A verdadeira
história não é aquela que de fato aconteceu, mas aquela que desejamos compor a partir
de novas narrativas sobre como poderia ter sido diferente.

Uma reflexão sobre os caminhos históricos e sociais através dos quais as


desigualdades transformam-se em diferenças, ou as diferenças
transformam-se em desigualdades, deve, por isto mesmo, ser pauta de
reflexão constante para historiadores e sociólogos. Refletir sobre estes
caminhos é de algum modo oferecer contribuições de uma sociedade mais
justa e menos desigual. (BARROS, 2009, p. 217)

Por onde começar a ação? Pelo resgate das histórias e culturas que foram
ignoradas e marginalizadas nas narrativas. Visitar os subterrâneos que não fizeram
parte do discurso oficial, branco demais. Quando uso o conceito branco, não estou
querendo afirmar que é um maniqueísmo dos brancos civilizados que instituiu o
racismo e o preconceito. Branco demais se refere a toda lógica de purificação, da
necessidade de reduzir a história e a vida a um discurso único, unilateral,
predominantemente vinculado a estruturas convencionais da política e da economia.
Havia manifestações políticas e econômicas entre índios e negros, porém, é possível
que o mais importante para essas culturas não era a conquista e o enriquecimento,
marcos fortes das lógicas políticas e econômicas dos conquistadores e dos
promovedores do progresso a qualquer preço. Ignoramos, muitas vezes, que essas
culturas, em suas experiências cotidianas, em seus rituais ou em suas artes,
manifestavam o sentido maior da vida.

Embora houvesse uma resistência cultural tanto dos povos indígenas


como dos alienígenas que aqui vieram ou foram trazidos pela força, suas
identidades foram inibidas de manifestar-se em oposição à chamada
cultura nacional. […] A construção dessa unidade, dessa identidade dos
excluídos supõe, na perspectiva dos movimentos negros contemporâneos,
o resgate de sua cultura, do seu passado histórico negado e falsificado, da
consciência de sua participação positiva na construção do Brasil, da cor
de sua pele inferiorizada etc… Ou seja, a recuperação de sua negritude, na
sua complexidade biológica, cultural e ontológica. (M UNANGA, 2008, p.
95).

4.3 A multiplicidade de corpos

A mundialização assiste à multiplicação de identidades, e oferece


poderosos meios de comunicação para fortalecê-las e enriquecê-las, para
promover intercâmbios entre os que dela participam, para torná-las claras
e reconhecíveis para todos. A identidade negra é uma das mais fortes
identidades. Este conceito, pode-se imaginar, tenderá a substituir um
outro que já se movimenta por patamares demais ambíguos. A noção de
“identidade” traz dentro de si mesma a compreensão de que as
identidades singularizadas devem ser cultivadas, preservadas,
transformadas, historiadas, comemoradas, estetizadas, de que mais fazem
parte do mundo da cultura do que do mundo da natureza. (BARROS,
2009, p. 220)
Por muito tempo, o discurso sobre identidade esteve vinculado à necessidade de
definir uma personalidade, identificar um objetivo específico para a existência ou se
fixar em certos idealismos (especialmente sociopolíticos). Diante disso, ideologias e
discursos fundamentalistas consumiam a liberdade das pessoas e das sociedades. Ouso
afirmar que uma visão aberta e menos fechada da vida, que propõe que vivamos para o
outro, é essencial para o desenvolvimento das pessoas e das sociedades. Porém, quero
alertar para a ideia convencional (senso comum) e limitada que reduz o outro à sua
identidade, como se fosse simplesmente um outro indivíduo ou uma outra realidade
fixa, determinada. O outro, conceitualmente falando, representa todo movimento de
criação (multiplicidade6 ) que só é possível a partir do diálogo com as outras
experiências de devir7 .

Corpos negros, brancos, indígenas, mestiços, doentes, sadios, gordos,


magros, com deficiências, produzem conhecimentos distintos, todos
igualmente humanos e, por isso, ricos em significados. Produzem também
conhecimentos científicos, quando decidem realizar pesquisas deste
cunho, que têm em conta as circunstâncias e suas condições de ser e viver.
(SILVA, 2007, p. 501).

Cada corpo, cada cultura, cada povo representa uma história viva, um manancial
de possibilidades, uma geografia a ser visitada de diferentes maneiras e a se conceber
como parte ativa na conjunção de forças criativas.

O desconhecimento das experiências de ser, viver, pensar e realizar de


índios, de descendentes de africanos, de europeus, de asiáticos, faz com
que ensinemos como se vivêssemos numa sociedade monocultural. Isto
nos torna incapazes de corrigir a ilusão da democracia racial, de vencer
determinações de sistema mundo centrado em cosmovisão representativa
de uma única raiz étnico-racial. Impede-nos de ter acesso a conhecimentos
de diferentes origens étnico-raciais. (SILVA, 2007, p. 501)

Como promover o diálogo sem sair de si, sem conhecer outras culturas e outras
histórias? Como podemos dialogar mais conosco mesmos sem esse movimento? O
reconhecimento de que as histórias negras e índias devem ser recontadas, a valorização
daquilo que está para além de uma visão restrita de mundo, é o que pode fazer emergir
uma América Latina para todos. O diverso na América Latina é o outro, é aquilo que
se abre à nossa frente.
REFERÊNCIAS
ALVAREZ, Maria Luísa Ortiz. (DES)Construção da Identidade Latino-Americana: heranças do
passado e desafios futuros. Disponível em: <http://unb.revistaintercambio.net.br/24h/
pessoa/temp/anexo/1/231/427.pdf> Acesso em: 01 abr. 2013.
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<http://www.scielo.br/pdf/ea/v8n20/v8n20a19.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2013.
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SANTOS, Milton. Ser negro no Brasil hoje: um olhar enviesado. Disponível em:
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SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Aprender, ensinar e relações étnico-raciais no Brasil.
Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/ index.php/faced/article/viewFile/2745/2092>.
Acesso em: 01 abr. 2013.

1 A palavra negro passa a ser adotada no século XV com a escravização de africanos


por portugueses. Os espanhóis, porém, foram os primeiros europeus a usar negros
como escravos na América. Por conseguinte, um dos primitivos sentidos da
palavra negro era escravo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Negros>.
2 O conceito de raça é muito discutido, pois na medida em que corresponde a traços
biológicos, pesquisas vêm demonstrando que justificar níveis de evolução
diferentes a partir de características fisiológicas é ignorância. Sabemos, inclusive,
que qualquer preconceito em relação à miscigenação, do ponto de vista de perda de
qualidade biológica, é infundada, pois o mais natural é o fortalecimento a partir da
miscigenação. Como o racismo nasce do olhar enviesado para com a cor negra e
ajuíza, a partir da mesma, todo um conjunto de preconceitos, precisamos perceber
que o processo se faz no campo da cultura e na forma como certas heranças
culturais deixaram impregnados certos juízos de valor.
3 Grande líder negro do Quilombo dos Palmares. Os negros fugitivos se organizavam
em aldeias que passaram a ser chamadas de quilombos. O Quilombo dos Palmares
representou o principal reduto da resistência negra à escravidão.
4 O dia 20 de novembro é celebrado como o Dia da Consciência Negra em memória à
morte de Zumbi dos Palmares.
5 Processo pelo qual uma cultura se considera superior à outra e desenvolve
mecanismo de destruição de outras culturas.
6 O outro, enquanto processo de encontro com diferentes corpos e culturas,
favorece o alargamento da linguagem e a composição de múltiplas e novas maneiras
de desenvolver as experimentações humanas.
7 Devir é um conceito que sinaliza para a mudança contínua do mundo e dos seres
diante das múltiplas relações com outras forças.
UNIDADE 3

SUSTENTABILIDADE

A unidade que segue abordando a partir de diferentes nuances e perspectivas o


tema da sustentabilidade, é composta por três capítulos selecionados do livro América
Latina, Desenvolvimento e Sustentabilidade, Coleção EAD Unisinos (2010). Três
textos escritos para a referida obra por diferentes autores são aqui reeditados
literalmente, não havendo nenhuma alteração, nem na forma, nem no conteúdo.
O tema da sustentabilidade é atual e desafiador, em especial porque nos
compromete com uma visão sistêmica, em que, além da preocupação com a
preservação ambiental e estratégias de gestão capazes de fazer uso coerente dos
recursos naturais, nos compromete com processos de gestão que promovam a
autonomia e a cooperação entre os colaboradores e se coloque a serviço de modos de
produção, de comercialização e de consumo mais justos e dignificantes da vida em
sociedade.
CAPÍTULO 5

OS DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE

Este texto tem como objetivo uma reflexão introdutória para questões
emergenciais do mundo de hoje. O foco dessas reflexões é o conceito de
desenvolvimento, para o que nos apropriamos de autores como Ignacy
Sachs, Leonardo Boff, Ladislau Dowbor, José Eli da Veiga e M ilton
Santos. Partindo da limitação do conceito mais utilizado de
desenvolvimento, com a utilização do PIB como indicador, apresenta
questionamentos e posições atualizadas sobre o tema, migrando para uma
perspectiva sistêmica e utópica e apontando outros indicadores para a
compreensão desse conceito.

Precisamos enfrentar o fato, meus amigos, de que o amanhã é hoje.


Estamos de frente para a feroz urgência do agora. E, nesse dilema da vida
e da história, existe o que se chama de chegar atrasado. (M artin Luther
King Jr.)

5.1 Introdução

Esse texto tem a intenção de provocar algumas reflexões sobre a temática que
está na agenda de todos os países comprometidos com a sustentabilidade do planeta.
Os discursos dos chefes de Estado hoje chamam atenção para a importância da
qualidade de vida de seus povos e para isso propõem ações políticas de vasta
importância.
Definir qualidade de vida não é uma tarefa simples, porque ela está permeada
por visões de mundo e por influência das culturas diversificadas que habitam a Terra.
Quando se pensa em qualidade de vida, imediatamente surgem as medidas
utilizadas para se ter essa dimensão. Na visão macro, qualidade de vida está vinculada
a desenvolvimento econômico, e aqui se iniciam as questões de debate que permearão
esse texto.
A primeira e mais conhecida métrica da economia é o PIB – Produto Interno
Bruto – que mede o capital físico construído e humano. Ficam abstraídos desse cálculo
muitos aspectos que contribuem para a economia nacional, e isso então deixa de
oferecer a compreensão correta do que significa produto interno bruto.
Os indicadores utilizados para a composição do PIB foram perdendo sua força
na medida em que as análises vêm considerando uma amplitude de aspectos que
podem ser medidos para poderem realmente avaliar a qualidade de vida e,
consequentemente, o desenvolvimento em uma dimensão mais ampla e verdadeira.
Outras perspectivas vêm sendo consideradas para medir o PIB. Uma medida de
desenvolvimento sustentável vai ter sempre dois indicadores, um referente ao
desempenho econômico e outro que faz referência a sua própria sustentabilidade.
Um exemplo assustador no que se refere à incompletude dos indicadores do PIB
nos é oferecido por José Eli da Veiga:

Por exemplo, se eu tiver uma mina, eu exploro a mina e tudo o que sair de
lá será colocado como produto. O PIB não contabiliza o que estou
degradando do meu capital natural. Outra falha: uma das primeiras críticas
ao PIB é de que o trabalho doméstico não é considerado. Essa crítica vem
dos anos 1970 e esteve ligada ao feminismo. Depois veio a problemática
ambiental. Agora imagine um grave acidente de avião, com mortes.
Fazendo a contabilidade, você pode chegar à conclusão de que esse
acidente ajudou a aumentar o PIB, o que é um contrassenso.

Para esse professor, o PIB como medida do desempenho econômico é precário e


limitado e a grande inovação do século será sua superação. Outro exemplo desse
problema é trazido por Ladislau Dowbor em seu artigo “O debate do PIB: estamos
fazendo a conta errada”:

As limitações do PIB aparecem facilmente através de exemplos. Um


paradoxo levantado por Viveret, por exemplo, é que, quando o navio
petroleiro Exxon Valdez naufragou nas costas do Alaska, foi necessário
contratar inúmeras empresas para limpar as costas, o que elevou
fortemente o PIB da região. Como pode a destruição ambiental aumentar
o PIB? Simplesmente porque o PIB calcula o volume de atividades
econômicas, e não se são úteis ou nocivas. O PIB mede o fluxo dos meios,
não o atingimento dos fins.

O aspecto mais importante de tudo isso é o debate e a revisão desses


indicadores. Essa revisão traz elementos fundamentais que afetam a vida humana e não
têm sido considerados economicamente dentro da atual lógica de cálculo do PIB. O
tempo das pessoas, por exemplo, é um produto não renovável na compreensão de
Ladislau Dowbor e necessita ser calculado.

Quando uma empresa nos obriga a esperarmos na fila, faz um cálculo: a


fila é custo do cliente, não se pode abusar demais. M as o funcionário é
custo da empresa, e, portanto, vale a pena abusar um pouco. Isso se
chama externalização de custos. Imaginemos que o valor do tempo livre
da população economicamente ativa seja fixado em 5 reais. Ainda que a
produção de automóveis represente um aumento do PIB, as horas
perdidas no trânsito pelo encalacramento do trânsito poderiam ser
contabilizadas, para os 5 milhões de pessoas que se deslocam diariamente
para o trabalho em São Paulo, em 25 milhões de reais, isto calculando
modestos 60 minutos por dia. A partir desta conta, passamos a olhar de
outra forma a viabilidade econômica da construção de metrô e de outras
infra-estruturas de transporte coletivo. E são perdas que permitem
equilibrar as opções pelo transporte individual: produzir carros realmente
aumenta o PIB, mas é uma opção que só é válida enquanto apenas
minorias têm acesso ao automóvel. Hoje São Paulo anda em primeira e
segunda, gastando com o carro, com a gasolina, com o seguro, com as
doenças respiratórias, com o tempo perdido. Os quatro primeiros itens
aumentam o PIB. O último, o tempo perdido, não é contabilizado.
Aumenta o PIB, reduz-se a mobilidade. M as o carro, afinal, era para quê?
(DOWBOR, http://dowbor.org, 16/4/2009)

Essas contribuições nos auxiliam a distinguir, daqui para a frente, como podemos
compreender o desenvolvimento de um país. Não podemos aceitar só o indicador
econômico como elemento de medida de desenvolvimento, mas sim buscar saber se o
país continua com suas florestas, se seu povo se alimenta bem, se mora dignamente, se
tem acesso ao estudo, se está incluído digitalmente, se o trânsito nas cidades apresenta
boas condições de trafegabilidade sem provocar o atraso das pessoas aos seus
compromissos, se há investimento em saúde preventiva, se os acidentes de trabalho
diminuíram nas empresas, se está havendo diminuição nas taxas de mortalidade
infantil, se há um bom sistema de segurança, e muitos outros aspectos e itens que é
possível destacar.
Para Ladislau Dowbor, a indagação é substantiva: Como pode-se dizer que a
economia vai bem se o povo vai mal? Crescer por crescer é a filosofia da célula
cancerosa.
A esse dilema soma-se uma outra alternativa contábil chamada FIB – Felicidade
Interna Bruta –, apresentada hoje por inúmeras pessoas no mundo que defendem
menos lucros, melhores condições de vida e sustentabilidade ambiental e que começa a
se transformar em uma avaliação alternativa pela amplitude de seus indicadores:
No Brasil a discussão entrou com força recentemente, em particular a
partir do cálculo do IDH (Indicadores de Desenvolvimento Humano), que
inclui, além do PIB, a avaliação da expectativa de vida (saúde) e do nível
da educação. M ais recentemente, foram lançados dois livros básicos,
Reconsiderar a riqueza, de Patrick Viveret, e Os novos indicadores de
riqueza, de Jean-Gadrey e Jany-Catrice. Há inúmeras outras iniciativas
em curso, que envolvem desde os Indicadores de Qualidade do
Desenvolvimento do IPEA até os sistemas integrados de indicadores de
qualidade de vida nas cidades na linha da nossa São Paulo. O movimento
FIB é mais uma contribuição para a mudança em curso. O essencial para
nós é o fato que esta mos refazendo as nossas contas. (DOWBOR, 2009)

5.2 Desenvolvimento: reflexões iniciais

O que está em jogo é a sobrevivência da nossa civilização face à emergência


planetária de procurar resolver uma crise climática crescente e assustadora que vem se
manifestando e sendo explicada hoje a partir de estudos científicos capazes de prever
os resultados futuros. Com previsões catastróficas sobre o futuro do planeta, nada
mais nos resta do que refletir e aprofundar as questões que estão ligadas ao
desenvolvimento e seus efeitos para o aquecimento global.
A comparação entre o planeta e uma astronave (BRAGA, 2005, p. 2), que se
desloca a cem mil quilômetros por hora pelo espaço sideral sem parada para
abastecimento, mas com um sistema de aproveitamento de energias necessárias para a
sobrevivência de seus passageiros, nos oferece a perspectiva finita do planeta terra.
Tudo dependerá da capacidade de equilíbrio entre os três elementos principais que
estão dentro da nave: população, recursos naturais e a poluição resultante dessa
viagem.
Administrar esse equilíbrio é a questão-chave.
A expressão chinesa para a palavra crise é definida por dois caracteres paralelos
de seu sistema de escrita que significam “perigo” e “oportunidade”. A humanidade
necessita se aliar com sabedoria para poder enfrentar essas duas dimensões que
definem na cultura chinesa a palavra crise.
É importante lembrar que a Conferência M undial de Estocolmo sobre M eio
Ambiente (de 1972) é um marco importante para o início do processo dos debates
entre os países sobre os problemas climáticos mundiais, porque não é mais admissível
não reconhecer as diferenças observadas numa foto datada de 1978 da geleira de Qori
Kallis no Peru para outra tirada em 2006 ou da geleira de Upsala na Patagônia
Argentina em 1928 para outra foto de 20041 .
Os indicadores do aquecimento global não são calculados por raciocínios
matemáticos, mas principalmente por visões, observações e resultantes do real
capazes das piores previsões.
O que realmente nos desafia é compreender esse momento como possibilidade.
Para M ilton Santos (2009, p. 168):

O processo de tomada de consciência não é homogêneo, nem segundo os


lugares, nem segundo as classes sociais ou situações profissionais, nem
quanto aos indivíduos. A velocidade com que cada pessoa se apropria da
verdade contida na história é diferente, tanto quanto a profundidade e a
coerência dessa apropriação. A descoberta individual é, já, um
considerável passo à frente, ainda que possa parecer ao seu portador um
caminho penoso, na medida das resistências circundantes a esse novo
modo de pensar. O passo seguinte é a obtenção de uma visão sistêmica,
isto é, a possibilidade de enxergar as situações e as causas atuantes como
conjuntos e de localizá-las como um todo, mostrando sua
interdependência.

A dicotomia entre ecologia e desenvolvimento vem produzindo reflexões


aprofundadas e inéditas sobre o tema.
Essa discussão tem se ampliado e já abandonamos a concepção de
desenvolvimento como uma das ideias fortes das ciências sociais para migrarmos para
uma concepção de caráter pluri e transdisciplinar permeada por visões da realidade
com base ideológica.
Para Ignacy Sachs, o desenvolvimento implica a cultura, já que ele depende de
um projeto de desenvolvimento que inclui as relações complexas das sociedades
humanas. São perspectivas e concepções que apontam e definem a compreensão que
temos do mundo em que vivemos.
Se a concepção de desenvolvimento inclui a cultura que o circunda, produzindo
uma relação de causa e efeito, é importante trazer as reflexões de M ilton Santos sobre
globalização perversa para entender a cultura que é o pano de fundo para esse
conceito. Para ele (2009, p. 46):

Neste mundo globalizado, a competitividade, o consumo, a confusão dos


espíritos constituem baluartes do presente estado de coisas. A
competitividade comanda nossas formas de ação. O consumo comanda
nossas formas de inação. E a confusão dos espíritos impede o nosso
entendimento do mundo, do país, do lugar, da sociedade e de cada um de
nós.

O que está no centro de tudo é o descaso com o outro. Essa globalização


perversa que afeta a humanidade se manifesta pela falta de cuidado com que se tratam
questões como a natureza ou os milhões de crianças que trabalham como adultos,
assim como a saúde pública, a alimentação ou a educação básica. Isso está implícito na
cultura que determina o desenvolvimento que seespera ter.
A Terra, nossa casa comum, como expressa Leonardo Boff, passa por uma
degradação crescente, o que denuncia nossa incompetência de cuidar, quando nos
referimos ao seu futuro.
Para Boff (2008, p. 17), estamos enfrentando uma crise civilizacional
generalizada e precisamos de um novo paradigma de convivência que inaugure um
novo pacto social entre os povos, visando o respeito e a preservação de tudo o que
existe e vive.
Jose Ely da Veiga (2008) nos oferece três tipos básicos de respostas para a
pergunta que não quer calar: afinal, o que é desenvolvimento?
A primeira resposta refere o PIB como um indicador tradicional que se insere na
compreensão de que desenvolvimento é sinônimo de crescimento econômico.
A segunda resposta diz respeito à corrente que afirma que o desenvolvimento é
uma ilusão ou uma manipulação ideológica, e isso interfere para se discutir mais
aprofundadamente a ideia de desenvolvimento sustentável, já que essa compreensão
também não passaria de mero disfarce para um antigo conceito.
A terceira resposta estaria situada como um conceito alternativo, amplo e
consistente, mas muito desafiador, pois necessitaria a recusa das compreensões
anteriores para tentar explicar que o desenvolvimento não é uma fantasia e nem pode
ser reduzido a crescimento. Com certeza, essa nova dimensão do conceito de
desenvolvimento é a oportunidade contida no conceito da palavra crise escrita em
chinês, para que se ache o caminho do equilíbrio no processo de desenvolvimento e na
compreensão do mesmo.
Do ponto de vista político, social, econômico, humano e ambiental é o caminho
mais difícil para trilhar concretamente.
Um dos problemas ligados à primeira resposta dada ao conceito de
desenvolvimento é que ele encerra o excessivo consumo de matérias-primas e de
energia. Produzir economicamente significa aumentar as atividades econômicas em
detrimento de qualquer outra coisa, seja meio ambiente, seja força humana, seja
segurança mundial. Esse aumento das atividades econômicas ocorreu nas três décadas
subsequentes à Segunda Guerra M undial com o aumento acelerado da população.
O Estado moderno se constituiu com o surgimento de uma burguesia e de um
mercado de dimensão nacional. Para Rivero (apud VEIGA, 2008, p. 23), “os
pretensos países em desenvolvimento nasceram do entusiasmo pela livre
determinação, mas não da prosperidade burguesa e do progresso científico-
tecnológico”. Para ele, isso determinou uma virose dupla: a miséria científico-
tecnológica dos países em desenvolvimento e a concorrência no mercado global.
Outro aspecto que trazemos para a discussão, a partir de Veiga (2008, p.
24), refere-se à explosão demográfica. A população terá dobrado em quase
todos os países que exportam produtos pouco intensivos em tecnologia
por volta de 2020. Esta combinação viral de exportação de bens com
baixo valor agregado e explosão demográfica é grande produtora de
pobreza. Se as exportações não forem modernizadas com mais tecnologia
e se não diminuir a natalidade nos países subdesenvolvidos, a pobreza,
que hoje atinge 1,3 bilhão de pessoas, atingirá cerca de 3 bilhões em 2020.

Esses são alguns dos exemplos a que podemos nos referir quando tentamos
conceituar o desenvolvimento em uma dimensão ampla e focada na viabilidade. Rivero
(apud VEIGA, 2008, p. 27) recomenda como prioridade “substituir a agenda da
riqueza das nações pela agenda da sobrevivência das nações”.
Essa ideia nos encaminha para compreender as questões colocadas na dimensão
global/local, caso contrário, compreender o desenvolvimento e buscar a participação
nesse processo de forma responsável fica muito difícil e até inviável, tanto do ponto
de vista individual quanto coletivo.
Para Veiga (ibidem, p. 33), o livro editado com as conferências proferidas por
Amartya Sen – o economista indiano que recebeu em 1998 o Prêmio Nobel de
Economia – é a obra que talvez mais contribui com respostas positivas e diretas para
responder a pergunta: o que é desenvolvimento?
Essa obra procura demonstrar o papel das diferentes formas de liberdade no
combate às absurdas privações, destituições e opressões existentes em um mundo
marcado por um grau de opulência que teria sido difícil até mesmo imaginar um ou
dois séculos atrás.
O conceito de ecodesenvolvimento, lançado por M aurice Strong em junho de
1973, consistiu na definição de um estilo de desenvolvimento adaptado às áreas rurais
do Terceiro M undo, baseado na utilização criteriosa dos recursos locais, sem
comprometer o esgotamento da natureza.
Na década de 1980, o economista Ignacy Sachs se apropria do termo e o
desenvolve conceitualmente, criando um quadro de estratégias ao ecodesenvolvimento
com base em três pilares: eficiência econômica, justiça social e prudência ecológica.
O ecodesenvolvimento representa uma abordagem ao desenvolvimento cujo
horizonte temporal coloca-se a décadas ou mesmo séculos adiante. Entende que a
satisfação das necessidades das gerações futuras deve ser garantida, isto é, deve haver
uma solidariedade diacrônica sem que, no entanto, comprometa a solidariedade
sincrônica com a geração presente, já por demais sacrificada pelas disparidades sociais
da atualidade.
O avanço político com o estabelecimento do regime democrático e participativo
como modelo proeminente de organização política no final do século XX e os avanços
nos conceitos de direitos humanos e liberdade política são frutos desse processo que
se quer irreversível, numa composição dialética.
O planeta ficou pequeno se considerarmos a rapidez das comunicações e a rede
de comércio que se estabeleceu entre os países e os continentes. M as problemas
crônicos como a pobreza, a fome e a violação de liberdades políticas ainda são
encontrados tanto em países pobres quanto em países ricos.
Por isso, a concepção de Amartya Sen sobre desenvolvimento como liberdade
ainda nos impele a buscar definir exatamente o que isso significa, pela atualidade dos
problemas que enfrentamos.

Se a liberdade é o que o desenvolvimento promove, então existe um


argumento fundamental em favor da concentração dos esforços de análise
nesse objetivo abrangente, e não em algum meio específico ou alguma lista
de instrumentos especialmente escolhida. O desenvolvimento requer que
se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e
tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição sistemática,
negligência de serviços públicos e intolerância ou interferência de Estados
repressivos. (VEIGA, ibidem, p. 34)

Se concluímos, com Ignacy Sachs (ibidem, p. 48), que se utiliza da ideia de


ecologização do pensamento de Edgar M orin, precisamos acreditar que, enquanto os
economistas estão habituados a pensar em termos de anos, a escala do tempo da
ecologia amplia esse pensamento para séculos e milênios. Por isso, ter a dimensão do
quanto uma ação local pode ter consequências para todo o planeta e até mesmo para a
biosfera exige de todos um esforço pedagógico e educativo que refletirá futuramente.
Isso nos impede de continuar com o paradigma da economia e nos leva a compreender
a continuidade do planeta dentro de uma dimensão de história natural que abarca
centenas de milhares de anos. O conceito de coevolução como categoria central desse
entendimento unifica a natureza e o tempo como o pano de fundo para planejar e
prever os efeitos de nosso comportamento individual e coletivo.
Portanto, a conservação da biodiversidade caminha lado a lado com o desafio do
cuidado, com o respeito e o reconhecimento do outro, com a satisfação das reais
necessidades humanas, e com nossa capacidade de transformar os elementos do meio
ambiente em recursos, sem destruir o capital da natureza.

5.3 Pensando sob uma perspectiva global/local

Pensar em um desenvolvimento distinto do crescimento econômico implica a


existência de um projeto social. Essa era a opinião de Celso Furtado ao refletir sobre o
assunto e apontar perspectivas para debater e ampliar esse conceito.
É necessário um projeto social como espaço e proposta dialética, em que
emergem as diversas particularidades. Espaço, na dimensão conceitual de M ilton
Santos (2009, p. 112), “É o espaço, isto é, os lugares, que realizam e revelam o
mundo, tornando-o historicizado e geografizado, isto é, empiricizado”.
Quando pensamos no contexto de uma determinada realidade, estamos incluindo
nisso uma dimensão maior. Os lugares, os espaços refletem o mundo na medida em
que, tendo a especificidade do singular, possui uma manifestação do global. Não
podemos dimensionar uma realidade sem termos o parâmetro maior à disposição de
nossa análise.
Para Santos (ibidem, p. 113),

A multiplicidade de situações regionais e municipais, trazida com a


globalização, instala uma enorme variedade de quadros de vida, cuja
realidade preside o cotidiano das pessoas e deve ser a base para uma vida
civilizada em comum. Assim, a possibilidade de cidadania plena das
pessoas depende de soluções buscadas localmente, desde que, dentro da
nação, seja instituída uma federação de lugares, uma nova estruturação
político-estrutural, com a indispensável redistribuição de recursos,
prerrogativas e obrigações. A partir do país como federação de lugares,
será possível, num segundo momento, construir um mundo como
federação de países.

Essa reflexão encaminha para uma perspectiva interessante na medida em que


evidencia a relação interativa entre questões globais e locais. Se queimamos uma
floresta no interior do M ato Grosso, podemos medir as consequências imediatas e
futuras desse ato do outro lado do mundo.
Para Santos (ibidem, p. 116), os flashes distantes de eventos globais, o
conhecimento de outros lugares, mesmo com informação enviesada, pode contribuir
para uma concepção mais sistêmica e crítica da história, que deverá passar para uma
tomada de consciência se ocorrer um processo especial de vivência da própria
existência como algo unitário e verdadeiro. Nesse sentido, a existência seria a
produtora de sua própria pedagogia.
M ovimentos engajados na luta por justiça social, direitos humanos e proteção do
ambiente têm pressionado políticos, empresários e banqueiros, assim como
economistas e estatísticos expondo as situações particularizadas que estão inseridas
em dimensões mais amplas com objetivos éticos de cumprimento dos propósitos já
explícitos em agendas comuns por muito tempo.
As distâncias culturais e sociais não têm impedido esforços de investimentos e
pedagogias especiais para a solução de questões locais. Apesar de parecerem
iniciativas sem impacto em uma dimensão econômica macro, um exemplo que pode ser
trazido para essa esfera de reflexão global/local são as iniciativas de economia solidária,
que são fruto das perspectivas de rompimento da economia hegemônica debatida pelo
Fórum Social M undial e anunciada como um outro mundo é possível e uma outra
economia é possível.
Outro exemplo são os projetos que estão sendo implementados na Índia,
visando a biodiversidade pelo ecodesenvolvimento com vistas à preservação dos
parques nacionais.

[…] o ecodesenvolvimento é definido como uma estratégia para a


proteção de áreas ecologicamente valiosas (áreas protegidas) em face de
pressões insustentáveis, ou inaceitáveis, resultantes das necessidades e
atividades dos povos que vivem nelas ou no seu entorno. (SINGH apud
SACHS, 2008, p. 72)

O cultivo da conscientização das comunidades locais e o envolvimento dessas


comunidades nos processos coletivos as colocam no centro do problema e valorizam
seus anseios, suas culturas e sua forma tradicional de manutenção de seus
ecossistemas. Vale lembrar aqui uma tradicional forma de manutenção do ecossistema
dos índios que habitam o Xingu. Faz parte da tradição o plantio de árvores pelo pai do
novo bebê que nasce na aldeia, com o objetivo de contribuir para a preservação
ambiental e a qualidade de vida das novas gerações daquela tribo. O ritual pode ser
considerado uma pedagogia tradicionalmente planejada e que dá conta da manutenção
daquele ecossistema. O conceito de ecodesenvolvimento inclui a dimensão de
desenvolvimento sustentável, hoje utilizado amplamente para definir em dimensões
mais locais as possibilidades efetivas da sustentabilidade de determinado evento em
todos os níveis.
O aprofundamento dessas questões é inevitável. Ainda se mantêm os debates
sobre conceitos-chave que só serão mais esclarecidos na medida em que nos
apropriarmos das ideias argumentativas dos pensadores dessa área.
Esse texto introdutório, que teve a finalidade de apresentar o assunto e expor
algumas questões consideradas de grande importância pela autora para encaminhar
inicialmente os estudos sobre o tema, baseou-se em autores e pensadores tidos como
ícones quando há a necessidade de referendar o assunto abordado. Assim, para
encerrar essas reflexões e dimensionando a temática como a utopia para o século XXI
(VEIGA, ibidem, p. 187), apresentamos os oito critérios de sustentabilidade arrolados
por Sachs (ibidem, p. 85):

I. social: alcance de um patamar razoável de homogeneidade, distribuição de


renda justa, emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente,
igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais;
II. cultural: equilíbrio entre respeito à tradição e inovação, autonomia para a
elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno, autoconfiança e
abertura para o mundo;
III. ecológica: preservação do potencial do capital natural na produção de recursos
renováveis, assim como a limitação do uso dos recursos não renováveis;
IV. ambiental: respeito e realce da capacidade de autodepuração dos ecossistemas
naturais;
V. territorial: configurações urbanas e rurais com melhoria dos espaços urbanos e
superação das diferenças regionais e estratégias seguras de desenvolvimento
ambiental para áreas ecologicamente frágeis;
VI. econômico: desenvolvimento econômico equilibrado, segurança alimentar,
modernização dos instrumentos de produção, inserção soberana na economia
internacional;
VII. política (nacional): democracia definida em termos de apropriação dos direitos
humanos, coesão social e capacidade do Estado de implementar o projeto
nacional em parceria com todos os empreendedores;
VIII. política (internacional): garantia da paz e da cooperação internacional com o
fortalecimento e eficácia da ONU, pacote Norte-Sul de codesenvolvimento
com base no princípio da igualdade; controle institucional efetivo do sistema
internacional financeiro e de negócios; controle institucional efetivo da
aplicação do princípio da precaução na gestão do meio ambiente e dos
recursos naturais; prevenção das mudanças globais negativas; proteção da
diversidade biológica e gestão do patrimônio global; sistema efetivo de
cooperação científica e tecnológica internacional e eliminação parcial do
caráter de commodity da ciência e tecnologia como propriedade da herança da
humanidade.

Assim, é a partir dessa visão sistêmica que se pretende pensar o


desenvolvimento, retomando como conceito-indicador a FIB – Felicidade Interna
Bruta – trazida do Butão e que inspirou estudos, mundo afora, sobre como as
sociedades podem medir e promover a felicidade. Quem sabe seja também para todos
nós uma grande inspiração.

Complementação de estudos

Além dos sites recomendados, sugiro as leituras dos próprios autores nos
quais este texto está fundamentado.
Como filme, seria interessante os alunos assistirem Uma verdade
Inconveniente – o que devemos saber (e fazer) sobre o aquecimento global.
Baseado no livro de Al Gore.
Outra recomendação é a visita a sites oficiais para a leitura de dados sobre
a temática discutida no texto, como, por exemplo, o site do M inistério do M eio
Ambiente e de ONGs.
O site do Instituto IKATU apresenta filmes de curta duração sobre o
aquecimento global.
O site da ONG Planeta Sustentável é especializado na análise da
sustentabilidade das cidades, tendo como objetivo o monitoramento das
mesmas em relação ao aquecimento global.

Sites visitados e recomendados para aprofundamento dos temas:


<http://dowbor.org> – Acesso em: 05 jan. 2010.
<http://www.ikatu.org.br> – Acesso em: 05 jan. 2010.
<http://www.ecodesenvolvimento.org.br> – Acesso em: 05 jan. 2010.
<http://www.unisinos.br/ihu> – Acesso em: 06 jan. 2010.
<http://www.planetasustentavel.com.br> – Acesso em: 04 jan. 2010.

REFERÊNCIAS

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar – Ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis: Ed. Vozes,
2004.
BRAGA, Benedito (Org.). Introdução à Engenharia Ambiental – o desafio do desenvolvimento
sustetável. São Paulo: Ed. Pearson Prentice Hall, 2005.
DOWBOR, Ladislau. Democracia Econômica – um passeio pelas teorias. Disponível em:
<www.dowbor.org,br>. Acesso em: 11 jan. 2010.
GALEANO, Eduardo. De pernas pro ar – a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre, L&PM, 1999.
GORE, Al. Uma Verdade Inconveniente – o que devemos saber (e fazer) sobre o aquecimento global.
São Paulo: Ed. Manole, 2006. SACHS, Ignacy. Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável. Rio
de Janeiro: Ed. Garamond Universitária, 2008.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. Rio
de Janeiro: Ed. Record, 2009.
VEIGA, Jose Eli da. Desenvolvimento Sustentável – o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Edt
Garamond Universitária, 2008.
Este capítulo foi elaborado por Vera Lúcia S. Bemvenuti.

1 Essas fotos e muitas outras de impacto assustador estão disponíveis no livro da


Al Gore, Uma verdade inconveniente – o que devemos saber (e fazer) sobre o
aquecimento global.
CAPÍTULO 6

A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E MEIO


AMBIENTE – REFLEXÕES TEÓRICAS E A
AGENDA 21 LOCAL

O propósito desse capítulo é refletir acerca da relação entre economia e


meio ambiente, dentro da vertente teórica da economia-ecológica. O
estudo procurará apresentar algumas contribuições teóricas de
economistas ecológicos – P. Söderbaum, D. Pearce e T. N. Jenkins;
estudar a evolução da preocupação com o meio ambiente e relações com a
economia, passando pelo conceito de desenvolvimento sustentável e
economia ecológica; mostrar que ações da Agenda 21 poderiam emergir
como políticas nacionais de desenvolvimento; e, no âmbito regional,
refletir acerca da construção de Agendas 21 locais. Como consideração
final, procurou-se enfatizar a ambiguidade ainda existente sobre uma
definição das relações entre economia e meio ambiente, como também
iniciar uma discussão sobre a efetividade da Agenda 21 Local enquanto
proposta para a promoção do desenvolvimento sustentável.

6.1 Considerações iniciais

A preocupação da comunidade nacional e internacional com os limites do


desenvolvimento do planeta data da década de 1960, quando começaram as discussões
sobre os riscos da degradação do meio ambiente. M uito se tem produzido em termos
de retrospectivas dos conceitos de desenvolvimento sustentável. Seminários e
congressos ocupam-se desse tema nas mais diferentes áreas de estudos, nas esferas
pública e privada. Avança-se muito no alerta às preocupações sobre os limites da
degradação do meio ambiente e do futuro das gerações. Os alertas estão sendo dados e
os estudiosos das mais diversas áreas também passaram a se ocupar mais com o meio
ambiente, assim como nas Ciências Econômicas.
O capítulo apresenta algumas contribuições teóricas de economistas ecológicos.
Para eles, não se trata de uma nova esfera da economia, mas sim uma nova economia,
para além dos chamados neoclássicos ou outras correntes teóricas. De um lado existem
correntes de pensamento, de outro programas e políticas preocupadas com o meio
ambiente que, num sentido mais amplo, adotam o termo desenvolvimento sustentável
para abarcar também questões de equidade social e crescimento econômico. Nesse
cenário, a Agenda 21 Global traduz a preocupação dos 179 países que participaram da
Conferência das Nações Unidas sobre M eio Ambiente e Desenvolvimento
(CNUM AD), em 1992, no Rio de Janeiro (Rio-92). É considerada uma Agenda de
Desenvolvimento Sustentável que, no âmbito mais regional, vem sendo traduzida nas
chamadas Agendas 21 locais.
Dessa forma, tem-se como objetivo do capítulo estudar a evolução da
preocupação com o meio ambiente e relações com a economia, passando pelo conceito
de desenvolvimento sustentável e economia ecológica. Considerando-se que a
economia ecológica ainda é interpretada como difusa ou em construção, busca-se
apresentar um diálogo sobre as questões pertinentes dentro da perspectiva neoclássica
e uma crítica a ela, bem como mostrar que ações da Agenda 21 poderiam emergir como
políticas nacionais de desenvolvimento. Para sua realização, analisou-se os autores
Söderbaum (1990, 1999), Pearce (2002, 2004) e Jenkins (1998, 2000, 2002), que,
entre outros, colocaram o meio ambiente em discussão mais próxima da economia.
Söderbaum (1999, p. 162), mais especificamente, defende a Agenda 21: “Action for a
sustainable society received some political legitimacy at the UN conference in Rio de
Janeiro, 1992. As a first approximation, ecological economics can therefore be
described as ‘economies in the spirit of Agenda 21’”. Após a apresentação da
economia ecológica, dentre os autores escolhidos, a Agenda 21 Global é apresentada.
M ais especificamente no âmbito regional, lança-se, muito resumidamente, as diretrizes
que apontam para a construção de Agendas 21 locais.

6.2 Contribuições de Söderbaum

Pautada pelo crescimento econômico, pelas riquezas e pelos produtos nacionais,


a análise de proposição para o desenvolvimento passou a enxergar que mesmo com
esses itens satisfeitos, a degradação ambiental persistia sem precedentes. Como
consequência, outras preocupações passaram a assolar diferentes áreas de estudos,
incluindo as Ciências Econômicas.
Peter Söderbaum, sueco, apresenta em seus textos de 1990 e de 1999 uma
relação entre economia e meio ambiente, retomando o assunto em uma perspectiva
ideológica. A perspectiva neoclássica, segundo o autor, não é suficiente para explicar
problemas de meio ambiente. O grande motivo para a crítica de Söderbaum (1990, p.
485) está na visão reducionista e simplificadora das análises de custo e benefício:
“Neoclassical economics is largely on the reductionist-mechanistic side. The approach
is built upon a belief that far reaching specialization and simplification is fruitful”.
Söderbaum (1999) enfatiza que a proposição da teoria neoclássica em termos de
indivíduo, em que se consideram as mesmas tendências de consumo e de reações às
forças de mercado para todos os indivíduos, nem sempre ocorre. O autor defende essa
ideia, pois existem outras regras (ou formas de se lidar) para os problemas sociais e
ambientais que se diferenciam das forças do mercado. Como proposição, Söderbaum
(1990) defende a Economia Institucional como uma perspectiva mais apropriada para
problematizar e articular problemas de cunho social e de meio ambiente, pois
apresenta maior capacidade para um pensamento evolucionário, não apresentando
modelos fechados ou concluídos.
M ais especificamente sobre as análises de custo e benefício, quando se estima as
perdas e os ganhos de determinado projeto e/ou política através de valores monetários,
Söderbaum (1990) critica por ser reducionista, pois acredita que nem todos os
impactos decorrentes de determinada atividade podem ser mensurados. Segundo o
autor, sua sugestão incorporaria análises de itens mensuráveis e de itens não
mensuráveis conjuntamente, ultrapassando-se, assim, a análise do resultado resultante
entre os ganhos e as perdas, buscando-se a interpretação do todo.
Com ênfase na problemática da mensuração, uma das questões desfavoráveis à
teoria neoclássica, Söderbaum (1990, p. 491) acredita que áreas como meio ambiente e
recursos naturais exigiram muito mais dos pesquisadores em termos de análise e
flexibilidade para além das fronteiras do que é mensurável. “In my experience, the
problem here is that many neoclassical environmental economist are more eager to
save their theories and methods than to improve the chances of human survival on
this planet”.
As contribuições desse autor, apoiando-se muitas vezes em Gunnar M yrdal, em
Richard B. Norgaard e em Amartya Sen, buscam resolver problemas de cunho
ambiental, ou seja, o autor se apoia na Economia Institucional, porém não fecha seu
diálogo nessa perspectiva, caminhando também em outras direções. Como se percebe
nas palavras de Söderbaum, a crítica à teoria neoclássica está colocada. Outros autores
caminham nesta direção, como, por exemplo, Jenkins (1998, 2000, 2002), que será
visto a seguir.

6.3 Jenkins e os valores culturais

Na busca por um debate que avance ainda mais na problemática do meio


ambiente e sua relação com a economia, a escolha de Jenkins (1998, 2000, 2002)
buscará apresentar uma nova direção, que vai além da Economia Institucional. Sua
contribuição concentra-se nos valores pessoais como solução para o desenvolvimento
sustentável, criando as bases para políticas de desenvolvimento.
As perspectivas baseadas no mercado, como reguladoras das atividades
econômicas e de possíveis impactos no meio ambiente, são questionadas pelo autor,
quanto à moral de cada indivíduo, ou seja, quanto aos valores pessoais que estão
influenciando as decisões. A falta de clareza ainda existente nas relações econômicas
com o meio ambiente também é levantada como forma se encontrar algumas respostas
(JENKINS, 1998).
Dentro dessa gama de questionamentos, os fatores exógenos e endógenos que
exercem influência no meio ambiente devem ser vistos de forma conjunta, como se
fossem sistemas relacionados, em que um influencia o outro. Nessa linha de raciocínio,
o desenvolvimento poderia ser definido como um processo tanto quantitativo quanto
qualitativo, que melhora padrões de vida, desde que não comprometam o meio
ambiente e não desencadeiem problemas sociais. Para além desse raciocínio, ou mesmo
como contribuição a ele, o autor assim enfatiza a importância dos valores culturais e
espirituais na construção desse desenvolvimento, apresentando algumas razões:

First, no society/economy on the road to ‘development’ seems to have


remained immune from the social stress resulting from materialistic
individualism and from the environmental stress resulting from the
demands of the ‘developed’ way of life. Second, public policy in general
continues to fail to recognise the ecological implications of the
maximisation of through put which is a central feature of this way of life.
Third, […], public policy ignores developments in science and
philosophy […]. Fourth, an important part of human culture is the sense
that humans are more than accidents in a purposeless universe and that
humanity is part of a larger ecological matrix. (JENKINS, 1998, p. 153)

Dessa forma, destaca-se da contribuição do autor que a base para o


desenvolvimento enquanto progresso da humanidade, enquanto processo, está na
ética, considerando que a responsabilidade acerca do meio ambiente é de todos e para
todos.

6.4 Pearce: resgate histórico

No momento em que se tem P. Söderbaum, crítico da teoria neoclássica que


escreve na década de 1990, e T. Jenkins, com textos da década de 1990 e outros mais
recentes, caberia ainda a leitura de Pearce (2002, 2004), que tenta apresentar a
trajetória histórica das relações entre economia e meio ambiente, conforme segue.
As origens da economia do meio ambiente datam dos anos de 1950, com o
estabelecimento da Resources for the Future (RFF), em Washington, DC. A RFF é
uma organização de pesquisa independente, com foco na escassez dos recursos
naturais. Os avanços dos estudos se deram na análise das externalidades, cunhada nos
anos 1920 por Pigou. Dentro do contexto das externalidades, a análise de custo e
benefício1 enfatizaria a ideia de que “ganhadores compensariam os perdedores”.
Ronald Coase é resgata do no texto de Pearce (2002) dentro do contexto das
externalidades, em que as duas principais proposições seriam: primeiro, a cobrança de
uma taxa paga por aquele que criou a externalidade; a segunda seria as pessoas
pagarem para o poluidor não poluir, ou seja, com valores já embutidos nos preços.
Contudo, Pearce (2002, p. 59) contesta: “[…] actual compensation need not occur: it
is necessary only that it could take place”.
Caminhando-se para o conceito de desenvolvimento, o Relatório da Comissão de
Brutland apresenta-o como aquele que “[…] meets the needs of the present without
comprimising the ability of future generations to meet their own needs” (PEARCE,
2002, p. 2). O que ocorre a seguir, que é natural quando se busca a simplificação para
uma tomada de decisão, é a tentativa de mensuração do desenvolvimento sustentável.
O assunto foi amplamente discutido na Rio-92, quando se passou a questionar a
interpretação do produto nacional como medida de bem-estar e de desenvolvimento. A
grande discussão caracterizava essa medida como pobre ou insuficiente.
No entanto, a análise de custo e benefício não deixa de ocupar espaço como
fórmula encontrada para a mensuração na avaliação de projetos: “Given that cost
benefit had always claimed to me a sureall changes in well-being with a project or
policy, and given that, via the materials balance principle, all projects and policies do
have environmental impacts, this process of extending cost-benefit analysis was
important” (PEARCE, 2002, p. 71).
É reconhecido pelo próprio Pearce (2002) que determinados projetos têm efeitos
irreversíveis, ou seja, mesmo que sejam mensurados os benefícios e os custos de
determinado projeto, os danos ambientais muitas vezes causados são irreversíveis2 .
Assim, os economistas do meio ambiente têm atingido determinado status ao terem
suas ideias adotadas, a partir da análise de custo-benefício, mas ainda existe um grande
espaço para esses instrumentos econômicos provarem a sua eficiência.
Em contraposição, a economia ecológica apresenta, segundo Pearce (2002),
questionamentos sobre a perspectiva neoclássica, quanto à sua eficiência e capacidade
de mensurar o que não tão facilmente pode ser mensurável. M esmo tendo ainda
contradições, a economia ecológica desafia a economia do meio ambiente. Sendo a
economia ecológica muito recente e ainda uma sub-disciplina das Ciências Econômicas,
muito se deve avançar em termos de consolidação desta perspectiva.
A existência de incompatibilidade (ou não) do crescimento econômico e meio
ambiente vem a ser discutido também por Pearce (2004). O autor procura acentuar o
debate, apontando justificativas para desmistificar a ideia de que não se pode ter
crescimento econômico e qualidade ambiental. Essa ideia aponta que o produto
nacional necessariamente utiliza recursos naturais para crescer e que, assim,
necessitar-se-ia abandonar o crescimento econômico como objetivo. Pearce (2004, p.
14) então se apoia em três justificativas para desmistificar essa ideia:

En primer lugar, no hay motivos para suponer proporciones fijas de


materiales y energía en relación con el PNB. Segundo, no todos los
desechos tienen que ser absorbidos por el medio ambiente. Tercero,
aunque la mayor parte del desarrollo económico de los últimos 500 años
se habasa doenre cursos agotables, existe la capacidad de sustituir esos
recursos por otros renovables.

O que se pode perceber, já com o objetivo de se avançar na próxima seção, é uma


indefinição dos limites do meio ambiente e a gama de questões ainda confusas sobre a
relação entre economia e meio ambiente.

6.5 Da problematização dos autores à Agenda 21

Após a revisão dos autores acima, a tentativa premente de se levantar


questionamentos sobre a relação entre economia e meio ambiente pousaria numa
análise mais profunda das bases que apoiam as contribuições dos autores. Essa
análise, no presente capítulo, estaria delimitada pelas contribuições dos autores nos
textos apresentados.
Num debate contemporâneo, ao analisar-se T. Jenkins por uma perspectiva de
Sen (1999), que também é citado por P. Söderbaum, poder-se-ia questionar: até que
ponto a ética e os valores morais contribuirão para a discussão do meio ambiente,
quando não base para a mesma? Ao pensar-se na influência das decisões políticas e
econômicas que não se apoiam na ética e nem em valores morais, a discussão teria base
para acirrar-se ainda mais. O que ocorre é que ambos os autores se apoiam em
Amartya Sen para justificar uma análise de base ética sobre essas decisões, reforçando
assim a contribuição desse autor no debate contemporâneo da relação entre economia e
meio ambiente.
Analisando-se os textos dos autores, percebe-se ainda uma nuvem que ainda não
deixa bem claras as posições dos autores sobre novas proposições acerca das relações
entre economia e meio ambiente. Pergunta-se se essas novas proposições não estão
implícitas no significado das críticas sobre a perspectiva neoclássica, ou até mesmo
num resgate de autores clássicos. O que fica ainda como pergunta, que não cessa
nesses autores, é como a ambígua contribuição do debate sobre economia e meio
ambiente chegará a constituir-se em uma nova teoria. Ou, ainda, não necessariamente a
constituição de uma nova teoria, mas sim o resgate de conceitos e valores expressos
por autores clássicos que emergiriam como se estivessem sidos esquecidos, em função
de outras preocupações.
O avanço do debate sobre o meio ambiente não cessa nos autores apresentados,
tampouco nas relações com a economia. Dentro desse debate, as preocupações com o
meio ambiente refletem-se muito no uso do termo desenvolvimento sustentável, que
cada vez mais está em voga. Isso se poderia justificar, levantando-se aqui uma
hipótese, pelo desejo de discutir o desenvolvimento em três áreas ao mesmo tempo –
social, econômica e ambiental –, como é proposto por muitos que atendem ao termo.

6.6 O debate sobre desenvolvimento sustentável e o


documento Agenda 21

A partir de meados do século XX, a ecologia ganhou dimensão social, devido à


crescente preocupação mundial com a degradação do meio ambiente, e abriu
precedentes à discussão sobre a relação do homem com a natureza. A ecologia
difundiu-se com rapidez a partir da década de 1960, com a constatação de que a ação
do homem, nos termos atuais, podia desequilibrar o ecossistema e até extinguir a vida
sobre o planeta. O avanço acelerado das sociedades urbano-industriais tem ocasionado
impactos ao meio ambiente, como a desertificação, a poluição da água e dos solos, o
efeito estufa, o desmatamento, a formação da chuva ácida, entre outros. O modelo de
crescimento econômico ilimitado, que utiliza os recursos naturais
indiscriminadamente, é incompatível com a finitude desses recursos (BOFF;
M ASSUQUETTI, 2000).
Segundo as autoras, em 1972, na Conferência das Nações Unidas, em Estocolmo
(Suécia), concretizou-se a internacionalização do debate em torno dos temas
ecológicos e foram estabelecidos princípios orientadores da relação homem-natureza,
surgindo um primeiro aviso sobre a deterioração ambiental. Esta conferência teve um
caráter ecologista e conferiu ao subdesenvolvimento a origem da degradação ambiental.
Os Trabalhos do Clube de Roma (1972-74) apresentaram o tema sob uma perspectiva
científica e concluíram que os países ricos tinham responsabilidade sobre a gravidade
do problema ambiental, pois “as sociedades avançadas tinham desenvolvido uma
forma de produção e consumo dispendiosa de recursos e energia e poluente e
destruidora dos equilíbrios naturais da biosfera” (RÁM ON apud GUZM ÁN, 1998,
p.26). Os estudos oficiais sobre a deterioração ambiental chegaram a um consenso de
que é impossível o crescimento econômico infinito com recursos finitos. Em 1987, a
Comissão M undial de M eio Ambiente e do Desenvolvimento definiu oficialmente o
que se convencionou chamar de desenvolvimento sustentável, ocorrendo a primeira
discussão do método para a promoção de um desenvolvimento integrado à proteção
ambiental.
O desenvolvimento sustentável consiste, essencialmente, em potencializar
aqueles modelos de desenvolvimento que têm como finalidade a satisfação das
necessidades da geração presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras
em satisfazer suas próprias necessidades. Estimulam-se, portanto, esquemas de
atividade econômica que impliquem a regeneração dos processos naturais. Trata-se de
um conjunto de mudanças com a finalidade de promover um desenvolvimento
equilibrado entre o aumento da produção e a utilização racional dos recursos, evitando
a destruição pura e simples, a curto prazo, do patrimônio ecológico nacional (BOFF;
M ASSUQUETTI, 2000).
Nos últimos quarenta anos, portanto, o debate sobre desenvolvimento
sustentável vem crescendo, especialmente junto às grandes organizações
internacionais. Estas, por sua vez, adotam o termo como um novo conceito de
desenvolvimento, ou um conceito mais amplo, que ao mesmo tempo atende as
necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das futuras gerações.
Nesse contexto, vários relatórios e conferências que contribuíram para o debate do
desenvolvimento sustentável nesses últimos anos podem ser citados. Segundo a
Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, tem-se:
a. Agenda 21 (1992);
b. Carta da Terra (1992);
c. Convenção sobre Diversidade Biológica (1992);
d. Convenção sobre M udanças Climáticas (1992);
e. Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas (1992);
f. Declaração do M ilênio (2000);
g. Declaração do Rio (1992);
h. Relatório de Brundtland: Nosso Futuro Comum (Noruega, 1987);
i. Relatório do Clube de Roma: Limites do Crescimento (1972);
j. Declaração de Estocolmo (1972).
Cronologicamente, tem-se a Agenda 21 como o documento mais recente que
busca discutir e apresentar instrumentos para a promoção do desenvolvimento
sustentável, que foi um documento aprovado por líderes de todo o mundo durante a
Conferência das Nações Unidas sobre M eio Ambiente e Desenvolvimento em 1992,
no Rio de Janeiro. O evento ficou conhecido como Eco-92. O documento, em linhas
gerais, é uma expressão dos desejos de mudança das nações na busca por um modelo
de desenvolvimento que prime pelo equilíbrio ambiental e pela justiça social. O termo
Agenda teve como propósito a fixação, de fato, em documento, desse desejo de
mudança por parte dos países, sendo que esses assumiram o desafio de incorporar, em
suas políticas, metas que os coloquem a caminho do desenvolvimento sustentável.
Segundo o próprio relatório:

A Agenda 21 está voltada para os problemas prementes de hoje e tem o


objetivo, ainda, de preparar o mundo para os desafios do próximo século.
Reflete um consenso mundial e um compromisso político no nível mais
alto no que diz respeito a desenvolvimento e cooperação ambiental.
(M M A, 2010a)

O extenso documento aponta diretrizes nas mais diversas áreas, um conjunto de


fatores a serem levantados e um conjunto de metas a serem cumpridas. Tem quarenta
capítulos, divididos em quatro seções, que são:
1. Seção I: dimensões sociais e econômicas;
2. Seção II: conservação e gestão dos recursos para o desenvolvimento;
3. Seção III: fortalecimento do papel dos grupos principais;
4. Seção IV: meios de implementação.
A primeira seção está dividida em sete capítulos, abrangendo assim as dimensões
sociais e econômicas da Agenda:
1. relações internacionais entre países e a importância da união em
busca de um objetivo comum, através da proposição das políticas
internas correlatas;
2. combate à pobreza, através da capacitação dos pobres para a
obtenção de meios de subsistência sustentáveis, oferecendo a todas
as pessoas a oportunidade de ganhar a vida de forma sustentável;
3. mudança nos padrões de consumo, através da promoção dos padrões
de consumo e de produção que reduzam as pressões ambientais e
atendam às necessidades básicas da humanidade, implementando
padrões de consumo mais sustentáveis;
4. maior conhecimento sobre os fatores demográficos, com vistas à
formulação de políticas nacionais integradas para meio ambiente e
desenvolvimento;
5. proteção e promoção das condições da saúde humana, pois a relação
entre desenvolvimento e saúde é bastante acentuada;
6. promoção dos assentamentos humanos, melhorando condições de
vida e de trabalho de todas as pessoas, em especial dos pobres de
áreas urbanas e rurais;
7. maior integração entre meio ambiente e políticas de
desenvolvimento, melhorando ou reestruturando o processo de
tomada de decisões de modo a integrar plenamente a esse processo a
consideração de questões socioeconômicas e ambientais, garantindo,
ao mesmo tempo, uma medida maior de participação do público.
A segunda seção, que busca enfatizar a importância da conservação e da gestão
dos recursos para o desenvolvimento, está dividida em quatorze capítulos, conforme
seguem:
1. proteção da atmosfera, através do envolvimento de vários setores da
atividade econômica e ação dos Governos e de outros organismos
que se esforçam para proteger a atmosfera;
2. integração do planejamento e do gerenciamento dos recursos
terrestres, tratando da reorganização e, quando necessário, de certo
fortalecimento da estrutura de tomada de decisões, inclusive das
políticas em vigor;
3. combate ao desflorestamento, através da maior regulação por parte
do Governo e da conscientização da socieda de civil;
4. manejo dos ecossistemas frágeis, através da luta contra a
desertificação e a seca;
5. proteção e manejo das montanhas, uma vez que fornecem recursos
fundamentais, tais como minérios, produtos florestais e produtos
agrícolas. As montanhas também são fonte de lazer e são essenciais
para a sobrevivência do ecossistema mundial;
6. promoção do desenvolvimento rural e agrícola, de forma sustentável,
através de políticas agrícolas, reforma agrária, participação,
diversificação dos rendimentos, conservação da terra e um melhor
manejo dos insumos. Destaca-se, em função do tema do presente
artigo, que a eficácia de tais medidas depende muito do apoio e da
participação das populações rurais, dos Governos nacionais, do
setor privado e da cooperação internacional, inclusive da cooperação
técnica e científica;
7. melhorar a conservação da diversidade biológica e o uso sustentável
dos recursos biológicos;
8. manejo ambientalmente sustentável da biotecnologia, contribuindo
para melhorar o atendimento da saúde, aumentar a segurança
alimentar por meio de práticas agrícolas sustentáveis, melhorar o
abastecimento de água potável, aumentar a eficiência nos processos
de desenvolvimento industrial para transformação de matérias-
primas, apoiar métodos sustentáveis de florestamento e
reflorestamento, bem como a desintoxicação dos resíduos perigosos;
9. proteção dos oceanos, dos mares, das zonas costeiras, estabelecendo
direitos e obrigações dos Estados e oferecendo a base internacional
sobre a qual devem se apoiar as atividades voltadas para a proteção e
o desenvolvimento sustentável do meio ambiente marinho e costeiro,
bem como seus recursos;
10. proteção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídricos,
através da aplicação de critérios integrados no desenvolvimento,
manejo e uso dos recursos hídricos;
11. manejo ecologicamente saudável das substâncias químicas tóxicas,
incluindo a prevenção do tráfico internacional ilegal dos produtos
tóxicos e perigosos;
12. manejo ambientalmente saudável dos resíduos perigosos, incluindo a
prevenção do tráfico internacional ilícito de resíduos perigosos;
13. manejo ambientalmente saudável dos resíduos sólidos e questões
relacionadas com os esgotos;
14. manejo seguro e ambientalmente saudável dos resíduos radioativos.
A terceira seção enfatiza a importância do compromisso e da participação de
todos os grupos sociais como fator decisivo na implementação eficaz dos objetivos,
das políticas e dos mecanismos ajustados pelos Governos em todas as áreas de
programas da Agenda 21. Dentre as ações, compreendidas em nove capítulos da seção,
existem ações voltadas para vários segmentos da sociedade. Cita-se, assim, as
representações de importante envolvimento: mulheres, juventude, populações
indígenas, organizações não governamentais (ONGs), autoridades locais, trabalhadores
e sindicatos, comércio, indústria, comunidades científicas e tecnológicas, agricultores.
Destacam-se aqui as autoridades locais, através da proposta da Agenda 21 local, ou
seja, a construção de uma Agenda 21 voltada, especificamente, para uma determinada
região ou município.
Na quarta e última seção, outros capítulos compreendem os meios de
implementação para a Agenda 21. Entre eles, há a orientação acerca de recursos e
mecanismos de financiamento; o destaque na transferência de tecnologia
ambientalmente sustentável, através da cooperação e do fortalecimento institucional,
bem como o destaque à ciência como base do conhecimento para o desenvolvimento
sustentável; a promoção do ensino, da conscientização e do treinamento; e
mecanismos nacionais e cooperação internacional, na busca pelo fortalecimento
institucional nos países em desenvolvi mento. No nível institucional das Nações
Unidas, um amplo aparato jurídico e setores específicos de trabalho compõem os
instrumentos que objetivam disseminar e implementar a proposta da Agenda 21.
Também como meio de implementação, destaca-se a importância de informações
sistematizadas para o apoio à orientação nas tomadas de decisões.

6.7 Agenda 21 Brasileira

Segundo o M inistério do M eio Ambiente (M M A) do Governo Federal, a


Agenda 21 brasileira foi construída com base na Agenda 21 Global, cujas diretrizes
gerais foram expostas acima. Até o ano de 2000, os temas centrais da Agenda 21
brasileira eram: agricultura sustentável; cidades sustentáveis; infraestrutura e
integração regional; gestão dos recursos naturais; redução das desigualda des sociais;
ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável (BEZERRA; VEIGA, 2000).
Concluído em 2002, o documento foi elaborado com o envolvimento de cerca de
quarenta mil pessoas, através da Comissão de Políticas de Desenvolvimento
Sustentável. No ano de 2003, a Agenda 21 passou a ser considerada um Programa,
dentro do Plano Plurianual do Governo para os anos de 2004-2007. Enquanto
Programa Agenda 21, este apresenta três seções estratégicas:
1. implementar a Agenda 21 Brasileira;
2. elaborar e implementar as Agendas 21 locais;
3. formação continuada em Agenda 21.

6.8 Agenda 21 local

A Agenda 21 local é um dos instrumentos de implememtação destacados tanto


na Agenda 21 Global, através do capítulo sobre iniciativas das autoridades locais,
como em uma das ações estratégicas da Agenda 21 brasileira. Segundo a Agenda 21
Global, grande parte dos problemas e soluções tratados na Agenda 21 tem suas raízes
nas atividades locais. Com isso, a participação e a cooperação das autoridades locais
são consideradas fatores determinantes na realização de seus objetivos: “As
autoridades locais possuem um nível de governo mais próximo do povo,
desempenham um papel essencial na educação, mobilização e resposta ao público, em
favor de um desenvolvimento sustentável” (AGENDA 21 Global, capítulo 28).
As principais áreas de intervenção do processo de desenvolvimento no âmbito
local seriam, de acordo com M M A (2010b), administração e economia municipal,
capital humano e social, infraestrutura, território e meio ambiente, e comunicação
social. Essas dimensões representam um novo paradigma de desenvolvimento
econômico, pensado no âmbito local e voltado para a articulação dos atores sociais.
No sentido mais prático, a Agenda 21 Global sugere que cada autoridade local
deve iniciar um diálogo com seus cidadãos, organizações locais e empresas privadas e
aprovar uma Agenda 21 local. Isso se daria por meio de consultas, de consenso, da
participação da sociedade civil, entidades empresariais e industriais locais, com o
objetivo de se formular as melhores estratégias para a implementação da Agenda.
Segure-se ainda a construção de estratégias para apoiar propostas de financiamento
local, nacional, regional e internacional, bem como parcerias com órgãos públicos e
privados, internacionais ou nacionais.
Uma comissão, com representantes da região de abrangência da Agenda 21 local,
deverá ser constituída, através da criação de um fórum permanente de
desenvolvimento sustentável local, podendo ser institucionalizado pelo Poder
Legislativo ou Executivo. No Brasil, várias regiões ou municípios já estão envolvidos
nos processos de Agenda 21 local, sendo que algumas contam com financiamentos do
Fundo Nacional do M eio Ambiente.
6.9 Considerações finais

O presente capítulo pretendeu analisar três contribuições diferentes que tratam a


relação entre economia e meio ambiente. Após a revisão dos autores, a tentativa
premente de surgirem questionamentos sobre a relação entre economia e meio
ambiente estaria consolidada numa análise mais profunda das perspectivas teóricas
que os baseiam, buscando-se os resgates de autores que acabam por influenciar os
estudiosos contemporâneos.
Analisando-se os textos dos autores, percebe-se ainda uma falta de clareza sobre
novas proposições acerca das relações entre economia e meio ambiente. Essa falta de
clareza é também notada quando, de um lado, se tem contribuições neoclássicas que
utilizam a mensuração custo-benefício. Por outro lado, como uma onda de crítica que
se apresenta, as proposições parecem somente criticar, sem apontar para alguma saída
concreta. M as dados os avanços que se apresentam em termos de degradação
ambiental, as proposições que questionam o crescimento econômico como modelo de
desenvolvimento são mais do que cabíveis ao momento de discussão e de proposição
de novos rumos para o futuro do planeta.
Nesse sentido, a Agenda 21 constitui uma cartilha a ser seguida, com diretrizes
nas mais diferentes áreas. Um arcabouço de políticas e programas a serem implantados
sob o objetivo de se garantir o desenvolvimento sustentável do planeta parece ser um
projeto bastante ambicioso. Enquanto a Agenda 21 não se constituir em uma
obrigatoriedade para as esferas públicas e privadas, certamente ela não passará de
cartilhas que sugerem o seu seguimento, mas não compromete os atores.

Complementação de estudos

Site oficial do United Nations Environment Programme (UNEP):


<www.unep.org>
Site oficial do Programa das Nações Unidas para o M eio Ambiente
(PNUM A): <www.pnu-ma.org.br>
Site oficial do M inistério do M eio Ambiente: www.mma.gov.br

Conceitos importantes

Agenda 21
Desenvolvimento sustentável
Economia ecológica
M eio ambiente
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Este capítulo foi elaborado por Gisele Spricigo e Angélica Massuquetti.

1 Um exemplo de aplicação da análise de custo e benefício no contexto da América


do Norte seria a obra de Townley (1998), em que os princípios deste tipo de
análise são apresentados no contexto canadense. Um especial exemplo sobre a
dificuldade de mensuração de custos para a população residia nos interesses da
população que morava na ilha, pois os mesmos temiam a extinção da paz e do
sossego da região. A ponte foi construída e mede 13,5 km, ligando o continente
com a ilha de Prince Edward, substituindo assim o sistema de balsa
2 Pearce (2002) cita como exemplo a construção de hidrelétricas, em que todo o
ecossistema de determinada região é modificado para a construção de grandes
estruturas de concreto e metal. A fauna e a flora desses locais normalmente são
alteradas. Os animais acabam morrendo, pois não possuem mais seu habitat
natural.
CAPÍTULO 7

INDICADORES DA REALIDADE E POLÍTICAS


PÚBLICAS PARA UMA SOCIEDADE
SUSTENTÁVEL

A realidade é uma construção social que necessita ser problematizada no


contexto do desenvolvimento histórico no qual é reconstruída
permanentemente. Conhecer e analisar o protagonismo da sociedade e do
Estado nesta desconstrução é fundamental. Para tanto, é necessário
identificar as contradições presentes nos cenários de desenvolvimento
societário, assim como apontar caminhos para o protagonismo
profissional, que fortaleça a vida em sua totalidade tanto para o tempo
presente como para o futuro. As políticas públicas podem constituir
mediações facilitadoras para este processo de desenvolvimento que afirme
uma sociedade radicalmente sustentável.

7.1 Considerações iniciais

O ponto de partida deste aprofundamento temático está na realidade societária,


ou seja, as realidades vividas na contemporaneidade. Apesar dos avanços tecnológicos
garantidores da vida, sua prolongação e qualidade, assim como da melhoria dos índices
de desigualdade social, econômica e ambiental, ainda é possível afirmar que a sociedade
vive, ao mesmo tempo e contraditoriamente, com padrões elevados de exclusão, de
pobreza e de degradação significativa dos índices de sustentabilidade. Analisar esses
indicadores, compreendê-los como constructos dos projetos societários de
desenvolvimento em curso, percebendo as potencialidades e os limites de políticas
públicas para a afirmação da sociedade sustentável, constitui-se no itinerário da
sistematização aqui apresentada.

7.2 Indicadores da realidade


A realidade nunca foi tão conhecida como nas duas últimas décadas. Esta
perspectiva é recente e advém de uma confluência de interesses e necessidades, cuja
centralidade está no processo de democratização do Estado e da sociedade, que se
tornou hegemônico no Brasil, na América Latina e no mundo. Tornar públicos os
dados sociais e econômicos da realidade, assim como as realizações no enfrentamento
às desigualdades, tornou-se uma condição para a inclusão das organizações
governamentais, da sociedade civil e também empresariais nos cenários viabilizadores
do desenvolvimento contemporâneo.
São inúmeras as notícias, estudos, pesquisas, poesias, fotos, desenhos e músicas
sobre as realidades que ora escandalizam, ora empolgam os povos, governantes e
lideranças em relação aos direitos e garantias à vida. Eis algumas dessas expressões:

Figura 1 – Criança pede esmola perto de Teixeira de Freitas (BA), na BR-101, que
corta o litoral de 12 estados e é a 2ª maior rota rodoviária do país.
Fonte: Fernando Donasci/Folha Imagem – Folha de S. Paulo, 21/12/2009.

Rudá Ricci em entrevista ao IHU ON-LINE de 30/11/2009 refere que “[…] o


movimento social mais forte é, possivelmente, o ambientalista, seguido pelo de
direitos de crianças e adolescentes, saúde e habitação […]”.
Esther Vivas afirma em matéria do Eco Debate de 5/1/2010: Os pecuaristas e
produtores de leite estão em pé de guerra. O setor atravessa uma profunda crise
provocada pela forte queda no preço desse produto, o que prejudica especialmente aos
pequenos e médios pecuaristas, que pouco a pouco estão abandonando essa
atividade. Porém, não se trata somente de uma “crise de preços”, mas estamos diante
de uma “crise de modelo agrícola”, resultado das políticas governamentais que
promovem uma agricultura e uma produção intensiva e insustentável.
Leonardo Boff comenta os dados da pesquisa sobre a Pegada Ecológica: No mês
passado, a ONG norte-americana Global Footprint Network divulgou um índice
atualizado com a pegada ecológica do Brasil e de outros 150 países, baseado em
dados das Nações Unidas de 2006. De acordo com ele, cada brasileiro tem uma
pegada de 2,25 hectares globais, ou seja, a produção de tudo o que consome precisa
de 22,5 mil metros quadrados. A média brasileira é um pouco menor que a mundial,
segundo a qual cada pessoa na Terra consome 2,6 hectares globais por ano. Mas, e
aí está o problema, a Global Footprint calcula que o total disponível de área produtiva
no mundo, a chamada biocapacidade, é de apenas 1,8 hectares global por pessoa.
Além disso, a biocapacidade vem diminuindo – seja pelo aumento da população ou
pela degradação de solos e mares. […] Isso significa que os 6,6 bilhões de habitantes
do mundo consomem juntos quase 1,5 planeta Terra por ano, com base nos dados de
2006. Ou seja: a população hoje usa em 1 ano recursos que o planeta só consegue
repor em 18 meses. No relatório de 2008, baseado em dados da ONU de 2003, a
humanidade consumia 1,3 planeta.
André Trigueiro em entrevista ao IHU ON-LINE apresenta ponderações sobre a
Conferência M undial sobre o Clima realizada no final de 2009 em Copenhagen: O que
se salvou da COP-15, em primeiro lugar, foi um marco do ponto de vista da atenção
dispensada pela comunidade internacional a uma Conferência das Partes da ONU.
Jamais tanta gente no mundo inteiro quis acompanhar em detalhes um evento como
esse. E lá estavam mídia, organizações não governamentais, um número de
profissionais e de ativistas sem precedentes, acompanhando de perto as negociações
do clima. A COP-15 demarca uma nova etapa no que diz respeito à popularidade
deste assunto no mundo inteiro. Segundo, conseguimos, ainda que de forma penosa e
polêmica, consensuar o teto de 2ºC, que a humanidade, através daquele documento
final, se compromete a não ultrapassar. Se coloca como objetivo viabilizar um fundo
que haverá de ajudar os países pobres, que são aqueles que mais vão sofrer os efeitos
danosos do aquecimento global, com recursos que foram discriminados (dez bilhões
de dólares por ano até 2012; até 2020 pretende-se alcançar a cifra de cem bilhões de
dólares; e de 2020 em diante cem bilhões de dólares por ano). É um valor aquém do
mínimo necessário, segundo vários especialistas, para promover adaptação, mas é
um começo. Nesse sentido, não se pode dizer que tudo deu errado.
Nesta mesma entrevista Trigueiro destaca: O Brasil, de três meses para cá,
resolveu assumir um plano de ação voluntária. Pela primeira vez temos uma política
pública definida em lei que estabelece percentualmente um compromisso de redução do
desmatamento da Amazônia (80% até 2020). A partir da questão climática, o Brasil
se posiciona pela primeira vez, formalmente, e com lei aprovada no Congresso, no
que diz respeito à redução do desmatamento na Amazônia. Até então, não havia
nenhum compromisso com prazos e metas no que diz respeito à Amazônia. Segundo,
São Paulo, que é o principal estado do Brasil do ponto de vista econômico,
populacional e de emissões de CO2, tem aproximadamente 50 milhões de brasileiros,
o maior parque industrial, a maior frota de veículos automotores, e tem lei estadual
aprovada recentemente, que estabelece a redução de 20% nas emissões até 2020,
tendo como ano base 2005.
Todos esses dados e referências apontam para a complexidade da realidade, que
articula conteúdo e forma; tem a ver com questões locais e globais; com as experiências
individuais e coletivas; com dimensões de totalidade da vida, tanto sociais quanto
econômicas, ambientais, culturais e políticas; com o presente, passado e futuro; com
muitos limites, mas também com possibilidades de superação. Além disso, é
importante perceber que a realidade, conforme Freire (1990), é constituída de todos os
dados e fatos, e, além disso, das percepções e sentimentos que as pessoas têm ao
vivenciá-la. Assim, os indicadores, conforme afirma Santagada (2003), apresentam-se
como réguas ou medições de uma dada realidade, mas que por si só não apresentam
possibilidades para as necessárias superações sociais e econômicas, exigindo
conhecimento técnico e posicionamento político constantes. Assim, a apreensão desta
realidade (ou realidades) exige uma apreensão do contexto societário no qual é
construído. Com esta perspectiva, segue o segundo ponto deste texto.

7.3 Projetos societários de desenvolvimento

A realidade e a vida societária são viabilizadas a partir dos projetos de sociedade


e de desenvolvimento ideados e implementados pela humanidade – agentes da história
–, numa construção histórica, dialética e contraditoriamente perpassada por sucessivas
superações1 . Paludo (2001) destaca: “quem reifica ou transforma tanto o cotidiano
como a sociedade […] são os homens e mulheres concretos” (p. 206). Isso significa
que, ao mesmo tempo em que se vive um modelo de sociedade e de desenvolvimento
sonhado e projetado na história, é-se também desafiado ao reconhecimento nos
projetos que estão em disputa e, como agentes, reificá-los ou transformá-los. Para
isso, no entanto, é fundamental conhecê-los. Parte-se do entendimento sobre o que são
projetos societários, a partir de Netto:

[…] projetos que apresentam uma imagem de sociedade a ser construída,


que reclamam determinados valores para justificá-la e que privilegiam
certos meios (materiais e culturais) para concretizá-la. Os projetos
societários são projetos coletivos; mas o seu traço peculiar reside no fato
de se constituírem projetos macroscópicos, em propostas para o
conjunto da sociedade. (NETTO, 1999, pp. 93-94)
Os projetos societários viabilizam-se por distintos modelos de desenvolvimento,
que indicam o processo necessário para alcançar a sociedade projetada. É importante
destacar o caráter polissêmico dado ao desenvolvimento, o que impõe o desafio de
uma definição, que é tomada de Rodriguez:

[…] desenvolvimento pode ser concebido basicamente como um processo


de mudança estrutural, global e contínua de liberação individual e social
que tem como objetivo satisfazer as necessidades humanas, iniciando
pelas básicas e chegando até a aumentar a qualidade de vida das gerações
presentes e futuras. (RODRIGUEZ, 1997, p. 51)

A realidade de hoje se relaciona com a história de ontem; a realidade de muitos é


decidida por poucos; as realidades locais têm relação direta com as realidades
mundiais; a realidade é construída socialmente por diferentes agentes individuais e
coletivos, com diversas finalidades. Essas e outras apropriações revelam a dimensão
histórica2 da realidade, que é política, como afirma Arendt (2003).
E, apesar de a sociedade e o desenvolvimento serem construídos histórica e
coletivamente, constituem-se em campos de distintas formas de participação e,
especialmente, deliberação pela população. Essas questões são tratadas quase
exclusivamente pela elite dos campos político, econômico e acadêmico, longe da
participação da grande maioria da população3 . Afirmativa esta que, nos casos
brasileiro e latino-americano, fica especialmente justificada, já que as perspectivas de
desenvolvimento da nação foram impostas por sucessivos processos de dominação de
diferentes agentes externos, caracterizando o desenvolvimento contraditório desses
países, que, junto dos avanços gerados pela modernidade, continuam experimentando
a realidade de colônia e dominação por distintos países e por agências econômicas
multilaterais. Evidentemente, esse contexto impôs ao Brasil e à América Latina uma
“história lenta”, conforme refere M artins (1994), que, em consequência, aponta um
desenvolvimento societário participativo também lento, marcado pelo confronto entre
a hegemonia de um projeto societário de valores e práticas autoritárias, dominantes
dos “de fora” e “de cima”, e a contra-hegemonia pautada pela resistência, mobilização
e participação dos “de dentro” e “de baixo”.
O desenvolvimento impõe-se em meio a este quadro, conforme argumenta Sachs:

No contexto histórico em que surgiu, a ideia do desenvolvimento implica


a expiação e a reparação de desigualdades passadas, criando uma conexão
capaz de preencher o abismo civilizatório entre as antigas nações
metropolitanas e a sua antiga periferia colonial, entre as minorias ricas
modernizadas e a maioria ainda atrasada e exausta de trabalhadores
pobres. (SACHS, 2004, p. 13)
Desde os anos 90, o desenvolvimento passa a ser revelado por dados,
indicadores e análises. É inegável que uma das fontes de explicitação dessa realidade
vem dos Relatórios e Indicadores do Desenvolvimento Humano4 que são publicados
pela ONU, dando visibilidade e pautando as arenas de discussão e construção dos
projetos societários de desenvolvimento nos âmbitos locais, nacionais e mundial.
Essas elaborações, somadas a inúmeras outras5 , assim como os eventos internacionais
sobre desenvolvimento6 , que reuniram agentes dos Estados, da sociedade civil e do
mercado, deflagraram um novo tempo de disseminação mundial do debate sobre
desenvolvimento. Apesar disso, a realidade continua revelando a ineficácia desses
inúmeros instrumentos instituídos para a transformação (WANDERLEY, 1999).
M ais uma vez fica evidenciada a coexistência e a disputa de dois projetos: um
afirmado do capital, fundado nas relações mercantilizadas do capitalismo globalizado,
e outro construído por uma proposta alternativa e alterativa à centralidade do capital,
afirmadora e garantidora da vida e da dignidade humana. Trata-se de distintos projetos
de desenvolvimento com valores, propósitos, caminhos e caminhantes igualmente
distintos (LEROY, 2002).
Assim, em meio ao desenvolvimento centrado no capital é construída a contra-
hegemonia através da “mobilização política de um povo para atingir seus próprios
objetivos”, ou “desenvolvimento como autoconfiança”, ou, ainda, “desenvolvimento
de baixo para cima” e “participativo” (ESTEVA, 2000, p. 61).
Nessa perspectiva alternativa e alterativa, o desenvolvimento passa a ser
afirmado por outros valores e práticas, pautados, especialmente desde a Eco-92, pela
sustentabilidade (SACHS, 2004), liberdade (SEN, 2000), democracia e participação
(DOWBOR, 2003), numa relação indissociável entre o local e o global (TEIXEIRA,
2001).
Esses temas foram também aprofundados nas Semanas Sociais Brasileiras, assim
como na Consulta Popular, eventos promovidos nos anos 1990 por um conjunto de
organizações da sociedade civil e de agentes sociais, políticos, religiosos e culturais,
nas quais foram apontadas as necessidades e possibilidades de uma “opção brasileira”
(BENJAM IN, 1998) a partir da construção da sociedade e do Estado politicamente
democráticos, culturalmente plurais, socialmente justos e economicamente
sustentáveis (CNBB, 1995).
Essas considerações são coroadas pela formulação de Sachs (2004), que desafia a
construção de um “desenvolvimento includente, sustentável e sustentado”, cujo
protagonismo deve ser especialmente construído “de dentro” da sociedade, a partir de
um enfrentamento radical aos processos de exclusão, garantindo a sustentabilidade
ambiental e a sustentação histórica que, para ele, são viabilizadas a partir de cinco
pilares: social, ambiental, territorial, econômico e político.
Todas essas considerações constituem-se em referências estratégicas para
tensionar e problematizar a perspectiva economicista dada ao desenvolvimento
centrado no capital e, ao mesmo tempo, apontar propostas consistentes para a
resistência e reação necessárias para fortalecer o projeto de desenvolvimento
radicalmente cidadão. Um exemplo dessa tensão entre os dois modelos de
desenvolvimento em disputa foi reconhecido mundialmente, em plena virada do
milênio, através do Fórum Econômico M undial, sediado nos países “do Norte”, e o
Fórum Social M undial, sediado nos países “do Sul”.7
O caráter multidimensional e complexo dos projetos societários de
desenvolvimento revela-se na história e realidade. Esteva (2000) destaca: “Não há
nenhum outro conceito no pensamento moderno que tenha influência comparável
sobre a maneira de pensar e do comportamento humanos” (p. 61) como o
desenvolvimento.
A memória elucidativa dos distintos projetos societários em disputa sinaliza o
desafio do aprofundamento da realidade atual, que clama por mudanças. Este
debruçamento no tempo presente faz-se necessário em vista de podermos alcançar a
transformação societária, como afirma Gramsci nos Cadernos do cárcere (GRAM SCI,
1999). Frigotto e Gentili enfatizam que:

Um dos grandes desafios para aqueles que não se conformam com o atual
curso da história talvez seja entender em profundidade as novas
modalidades de sociabilidade capitalista, para pensar e construir também
novas formas de luta e resistência que permitam frear os efeitos
discriminatórios das políticas de exclusão promovidas pelos Estados
neoliberais. (FRIGOTTO; GENTILI, 2001, p. 10).

O projeto societário hegemônico de desenvolvimento em curso exige mudanças.


M ais do que em palavras ou conceitos ele se revela no quadro histórico da atualidade,
cuja “pintura”8 mais evidenciada é de injustiças, miséria e incertezas civilizatórias
experimentadas por 80% da população mundial, conforme justificam M artin e
Schumann (1999).
Essa realidade é comprovada nos indicadores alarmantes da escalada da
desigualdade (KLIKSBERG, 2001), no esfacelamento da Nação (VIDAL, 1995), no
Estado mínimo (BATISTA, 1994), na transformação produtiva sem equidade
(SOARES, 2002), no desemprego, na precarização, na privatização, na flexibilização e
terceirização do mundo do trabalho (ANTUNES, 1999), nos problemas demográficos
e ecológicos (HOBSBAWM , 2000), na ascensão da criminalidade e da violência
(KLIKSBERG, 2001), nas políticas pobres para pobres (DEM O, 2003), no
individualismo negativo (CASTEL, 1998), na identidade negativa (PAUGAM , 2003),
no extermínio da vida planetária (BOFF, 2009). Em meio a tantas negações, inúmeros
avanços foram alcançados, no século passado, conforme enfatiza Sen:

O século XX estabeleceu o regime democrático e participativo como o


modelo preeminente de organização política. Os conceitos de direitos
humanos e liberdade política hoje são parte da retórica prevalecente. As
pessoas vivem em média muito mais tempo do que no passado. Além
disso, as diferentes regiões do globo estão agora mais estreitamente
ligadas do que jamais estiveram, não só nos campos da troca, do comércio
e das comunicações, mas também quanto a ideias e ideais interativos.
Entretanto, vivemos igualmente em um mundo de privação, destituição e
opressão extraordinárias. Existem problemas novos convivendo com
antigos […] muitas dessas privações podem ser encontradas, sob uma ou
outra forma, tanto em países ricos como em países pobres. (SEN, 2000,
p. 9)

Contraditório e paradoxal é o desenvolvimento que marca a sociedade atual, que


não garante o acesso universal da população às riquezas e aos avanços socialmente
produzidos. A desigualdade e a reprodução da pobreza são constitutivas deste modelo
hegemônico de desenvolvimento em implementação no planeta (SOARES, 2002). Ou
seja, para o capitalismo atual se fazem necessárias a reprodução da pobreza, a
desregulamentação do Estado, especialmente quanto à liberalização do comércio e do
fluxo de capitais, a privatização do que é público, a negação das relações sociais,
culturais e da vida (M ARTIN; SCHUM ANN, 1999), e a despolitização da sociedade
(NOGUEIRA, 2004). Isso tudo garantido pela ortodoxia econômica (HOBSBAWM ,
2000) ou, como refere Sachs (2004), pelo fundamentalismo mercantil, em uma
permanente tensão com as lutas de resistência e reação dos “de baixo”, assim como na
contramão das garantias político-legais9 conquistadas em torno da democracia e dos
direitos de cidadania nos últimos anos no mundo, na América Latina e no Brasil.
Esse ideário e projeto, fundado na lógica do capital, em permanente
reestruturação, é afiançado globalmente por organizações transnacionais – FM I, Banco
M undial, OM C, entre outras, e também protagonizado por alguns países
desenvolvidos, que estão articulados em blocos econômicos, cuja disputa central hoje
é assumida pelos Estados Unidos e pelo Japão, que detêm a concentração da riqueza
econômica mundial. Esse conjunto de organizações e países, articulados também
através do G8 (EUA, Japão, Alemanha, Canadá, França, Itália, Reino Unido e Rússia),
indica os rumos da vida societária.
Em contraposição a esse panorama, resistem e reagem os países mais pobres
que, apesar de comporem a produção da riqueza mundial, não usufruem da sua
distribuição. Esses agentes protagonizam, juntamente com inúmeros outros
micropoderes da sociedade (locais, regionais, nacionais e também mundiais), a ideação
de um outro projeto societário de desenvolvimento que vem apresentando
compromissos ousados e radicais em relação aos padrões de vida humana e de
sustentabilidade do planeta.
Agentes importantes nesse processo são os movimentos sociais, as associações
e organizações comunitárias e sociais, os grupos afirmadores do associativismo,
cooperativismo e da economia solidária, os conselhos gestores das políticas sociais e
do orçamento participativo, os governos democráticos e populares que vêm marcando
o cenário mundial e, em especial, latino-americano. Existem muitos esforços em torno
desta construção do desenvolvimento societário cidadão, cujas autorias e processos
são diversos, mas especialmente protagonizados pela população historicamente
excluída.
Em meio às lutas sociais é imprescindível lembrar os movimentos de
antiglobalização (GOHN, 2003), cujas realizações e pautas se colocam no
enfrentamento às questões da dívida externa, de sustentabilidade, do ambiente, de
gênero, de raça e, em especial, do desenvolvimento econômico e social impostos pelos
agentes do capitalismo. O Fórum Social M undial constitui-se em, mais do que um
evento, um espaço e processo articulador dessas grandes lutas. Podemos referir,
também, inúmeras outras organizações e lutas mundiais, tais como o ATTAC,
Greenpeace, Via Campesina, M archa M undial das M ulheres, entre outros. Em âmbito
nacional, não pode mos deixar de lembrar o M ST, o M AB, o M ovimento dos “Sem”,
assim como os movimentos organizados a partir das questões da moradia e, mais
recentemente, da reforma urbana.
Cresce, desde os anos 1990, as ações articuladas pelos diversos movimentos e
organizações sociais, nas quais são fortalecidas pautas de lutas comuns como terra,
trabalho e cidadania, em vista de sensibilizar e mobilizar a sociedade para a
universalidade dessas questões, além de reivindicar do Estado a implementação de
políticas que respondam efetivamente às demandas e necessidades pautadas.
Em meio às reações populares, crescem as experiências articuladoras do
associativismo e do cooperativismo, que sofrem importante avantajamento através das
diversas redes de Economia Popular Solidária, constituindo processos que já indicam,
como afirma Cattani (2003), a formação de uma outra economia.
É imprescindível lembrarmos dos conselhos paritários que deliberam e
controlam, nas esferas municipais, estaduais e nacional – com representação do
governo e sociedade civil –, as políticas da saúde, de assistência social, dos direitos da
criança e do adolescente, do meio ambiente, da cultura e da educação. Nessa mesma
perspectiva, enquadram-se os governos democráticos e populares e as práticas de
orçamento participativo, municipais e estaduais, que oportunizam novas relações e
práticas com a esfera governamental.
Assim, em meio à corrosão da vida, fartamente experimentada no Brasil e nos
diferentes cantos do planeta, são construídos sinais de resistência, reação e proposição
que recolocam, cotidianamente, nos diferentes espaços societários, a questão do
desenvolvimento da sociedade, a partir do lugar daqueles que estão excluídos10 .
Eis o contexto que justifica e apresenta os fundamentos de uma sociedade
sustentável, conforme Boff (2009), uma sociedade sustentável que encontre para si o
desenvolvimento de que precisa para garantir a base material de sua reprodução,
fazendo com que então o desenvolvimento participe desta sustentabilidade.
Uma sociedade é sustentável quando se organiza e se comporta com o propósito
de garantir a vida dos cidadãos e dos ecossistemas na qual está inserida. Quanto mais
uma sociedade se funda sobre recursos renováveis e recicláveis, mais sustentabilidade
garante. Estabelece com isso novos padrões de relação entre as pessoas e a natureza, a
produção e o consumo.

7.4 Poíticas públicas

As políticas públicas constituem-se como mediações possíveis para a afirmação


e a garantia da sociedade sustentável. Para tanto, toma como referência ética os
direitos humanos e ambientais. Neste sentido, a Carta da Terra apresenta-se como um
baluarte importante para dar viabilidade à garantia dos direitos à vida. Seus princípios
asseguram diretrizes às políticas públicas a serem implementadas numa perspectiva de
acesso universal, em vista de somar forças para gerar uma sociedade sustentável global
baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça
econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que os
povos da Terra assumam a responsabilidade de (CARTA DA TERRA, 2009):

I. RESP EITAR E CUIDAR DA COMUNIDADE DA VIDA


1. Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade.
2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e
amor.
3. Construir sociedades democráticas que sejam justas,
participativas, sustentáveis e pacíficas.
4. Garantir as dádivas e a beleza da Terra para as atuais e as
futuras gerações.
II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA
5. Proteger e restaurar a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com
especial preocupação pela diversidade biológica e pelos processos
naturais que sustentam a vida.
6. Prevenir o dano ao ambiente como o melhor método de proteção
ambiental e, quando o conhecimento for limita do, assumir uma postura
de precaução.
7. Adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as
capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar
comunitário.
8. Avançar o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a troca
aberta e a ampla aplicação do conhecimento adquirido.
III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÔMICA
9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental.
10. Garantir que as atividades e instituições econômicas em todos os níveis
promovam o desenvolvimento humano de forma equitativa e
sustentável.
11. Afirmar a igualdade e a equidade de gênero como pré-requisitos para o
desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação,
à assistência de saúde e às oportunidades econômicas.
12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um
ambiente natural e social, capaz de assegurar a dignidade humana, a
saúde corporal e o bem-estar espiritual, concedendo especial atenção
aos direitos dos povos indígenas e das minorias.
IV. DEMOCRACIA, NÃO VIOLÊNCIA E PAZ
13. Fortalecer as instituições democráticas em todos os níveis e
proporcionar-lhes transparência e prestação de contas no exercício do
governo, participação inclusiva na tomada de decisões e acesso à justiça.
14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os
conhecimentos, valores e habilidades necessárias para um modo de vida
sustentável.
15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.
16. Promover uma cultura de tolerância, não violência e paz.

Complementação de estudos
Música
CHEGA DE M ÁGOA – Composição coletiva. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=Y6GtCav9Qv0&feature=related>. Acesso
em: 25 dez. 2009.
Filmes
CARTA DA TERRA. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?
v=GaWqa3ftQrs>. Acesso em: 11 jun. 2013.
CARTA DO FUTURO – 2070: Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=Hi6plFfE2F8&feature=related>. Acesso
em: 11 jun. 2013.
HISTÓRIA DAS COISAS. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=3c88_Z0FF4k>. Acesso em: 11 jun. 2013
S ites interessantes
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Este capítulo foi elaborado por Marilene Maia.

1 Termo da Teoria Crítica, usado por Hegel para indicar o processo dialético que, ao
mesmo tempo, conserva e elimina cada um de seus momentos. “Progresso que
conservou o que havia de verdadeiro nos momentos precedentes, levando-o a
completar-se” (ABBAGNANO, 2000, p. 932).
2 A perspectiva histórica é profundamente analisada por Arendt (2003),
especialmente em sua obra Entre o passado e o futuro. A partir das suas duras
considerações acerca da perda da natureza e da história humana na
contemporaneidade, compreendemos como emergente o desafio de apostar no seu
resgate. Em vista disso, introduzimos, em todos os ambientes nos quais atuamos, a
feitura, individual e coletiva, da memória e do contexto como questões de reflexão
cotidiana.
3 Esta realidade foi condenada desde a emergência do capitalismo por M arx e seus
seguidores. No M anifesto Comunista fica explicitada esta relação de dominação
constitutiva do capitalismo, em que o proletariado é “vítima principal da
acumulação capitalista, condenado à indigência e à pauperização: o progresso
industrial o empurraria inexoravelmente para a condição de massa miserável,
problematizando inclusive a própria estruturação de uma classe revolucionária”
(M ARX; ENGELS, 1990, p. 23).
4 Uma síntese importante desses relatórios de indicadores está apresenta da no livro
Necessidades Humanas de Potyara Pereira (2000).
5 A partir do IDH estão sendo compostos outros indicadores sintéticos que
permitem uma analise mais ampla e, ao mesmo tempo, aprofundada da realidade
social (antes quase exclusiva de indicadores econômicos). Disponível em:
<http://hdr.undp.org/reports/global/2004/ portuguese/pdf/hdro4_po_hdi.pdf>
Acesso em: 10 jan. 2004. Destaca-se o Índice de Desenvolvimento Sustentável
(IDS), que no Brasil foi criado em 2002. Disponível em:
<http://www.ftp.ibge.gov.br/in-dicadores_desenvolvimentoustentavel/ids2004>
Acesso em: 10 jan. 2004.
E o Índice de Exclusão Social (IES) publicado desde 2001. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u85608.shtml>. Acesso em:
30 jun. 2004.
No RS o Índice Social M unicipal (ISM A) foi criado nesta perspectiva pela
Fundação de Economia e Estatística (FEE) (SANTAGADA, 2003). Este índice
desde 2003 passou a denominar-se Índice de Desenvolvimento Socioeconômico
(IDESE).
6 A Conferência das Nações Unidas sobre M eio Ambiente e Desenvolvimento,
conhecida também como Eco-92 ou Rio-92, marcou a ampliação dessa discussão.
7 A relação “Norte” e “Sul” constitui-se, ainda hoje, uma forma de identificar a
relação entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, apesar da
nova condição de globalização da pobreza, que oportuniza esta relação
(desenvolvido/não desenvolvido) em um mesmo território nacional.
8 M inayo (2004) afirma que a realidade é reconhecida em pintura, muito mais do
que em foto, na medida em que ela é captada e projetada por diferentes artistas, a
partir de diferentes lugares e perspectivas.
9 São inúmeras as legislações, internacionais e nacionais, que explicitam e reafirmam
garantias à vida, à justiça e à liberdade. Podemos iniciar essa identificação pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos, assumida na Assembleia Geral da
Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, Constituição Federal Brasileira de
1988, também identificada como Constituição Cidadã, além de inúmeras outras
cartas, declarações e notas assumidas por diferentes organizações de
reconhecimento mundial e nacional.
10 Exclusão é concebida por Sposati: “[…] situação de privação coletiva que inclui
pobreza, discriminação, subalternidade, a não equidade, a não acessibilidade, a não
representação pública como situações multiformes” (SPOSATI, 1999, p. 67).
CONCLUSÃO GERAL

Somos históricos porque somos livres, pois diante do passado e dos fatos
recentes, podemos reescrever o que foi vivido e narrado de outras maneiras. Não
podemos alterar o que é fato histórico passado dentro de seu tempo formal, mas
podemos estudar outras histórias, narrar de forma diferente o que aconteceu e atualizar
a história em nossas experiências de maneira criativa, digna e afirmativa.
Propusemos nessa obra que há uma história a ser revisitada, reconhecendo que
estruturas injustas marcaram o passado latino-americano e que muitas histórias foram
marginalizadas e excluídas do discurso oficial. Ao reconhecer e estudar tal processo,
estamos assumindo a história a partir da crítica e da resistência às estruturas e às
mentalidades que ainda reproduzem as chagas do colonialismo, da segregação e das
injustiças sociais. A crítica, porém, se fortalece a partir do comprometimento com uma
proposta alternativa que afirma o discurso em favor da solidariedade e do
reconhecimento da diversidade.
Proponho que, ao nos defrontarmos com o peso histórico que se impôs aos
povos indígenas e às populações negras, podemos fazer com que essa experiência
negativa na história da América Latina nos desafie ao comprometimento com uma
nova ação. Essa iniciativa se constrói a partir do diálogo que sugiro que se inicie com a
aprendizagem de aspectos culturais das sociedades índias e negras, negligenciadas na
história.
Vimos, por exemplo, que a visão cósmica dos ameríndios nos educa para esse
movimento cooperativo. Da mesma forma, temos muito a aprender com a capacidade
que diferentes grupos negros revelaram ao construírem sua identidade na América
Latina a partir de uma nova cultura, dinâmica e esteticamente rica em sua variedade,
conjugando elementos próprios com elementos da cultura dos colonizadores.
A era da informação facilita o acesso privilegiado à leitura de mais aspectos
relativos à história dessas culturas. Aposto na vantagem que podem levar as
populações latino-americanas, a partir de uma sensibilidade mestiça, em desenvolver
estratégias mais dinâmicas de partilhar informações com um mundo aberto e global.
Por fim, nessa perspectiva, o debate sobre o tema da sustentabiliade é
emergencial para a sociedade atual e para todos os organismos públicos e de iniciativa
privada. A ampliação de espaços democráticos deve se tornar no mecanismo
fundamental para o desenvolvimento consistente dos países da América Latina, aliado
a uma educação alternativa de seus cidadãos para a compreensão da complexidade do
tema da sustentabilidade e do papel de cidadania que cada um está desafiado a compor
para o bem comum social em suas práticas.
Finalizo convidando cada um dos leitores a pensar a sua vida em favor da
dignidade a ser potencializada em si e nos outros, reconhecendo que a América Latina
se revela como um espaço privilegiado e singular para se fazer uma nova história, mais
bela e bem vivida.
UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS – UNISINOS

Reitor
Pe. Marcelo Fernandes de Aquino, SJ

Vice-reitor
Pe. José Ivo Follmann, SJ

E DITORA UNISINOS

Diretor
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96 p. – (EAD)

ISBN 978-85-7431-587-4

1. América Latina – História. 2. América Latina – Civilização. 3. América Latina –


Relações étnicas. 4. América Latina – Condições ambientais. 5. América Latina –
Condições sociais. I. Massuquetti, Angélica. II. Pilz, Laércio Antônio. III. Série.
CDD 980
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(Bibliotecário Flávio Nunes, CRB 10/1298)

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Editor
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Acompanhamento editorial
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Revisão Editoração Capa


Wilson Arnhold Junior Francielle Franco Isabel Carballo

Impressão, inverno de 2013.

A reprodução, ainda que parcial, por qualquer meio, das páginas


que compõem este livro, para uso não individual, mesmo para fins
didáticos, sem autorização escrita do editor, é ilícita
e constitui uma contrafação danosa à cultura.
Foi feito o depósito legal.
S obre o autor
LAÉRCIO ANTÔNIO P ILZ, doutor (2002) e mestre (1997) em Educação pela UNISINOS (2002).
Bacharel em Filosofia pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição (1981).
Professor de Ética e Antropologia Filosófica e coordenador dos Eixos de Formação Antropológica e
Ética da Formação Humanística na UNISINOS. Professor de História de 1982 a 1998 em escolas de
ensino médio e fundamental.

Edição digital: dezembro 2013

Arquivo eP ub produzido pela Simplíssimo Livros

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