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Resumo
Palavras-chave
Correspondência:
Leila G. Ollaik
leila.ollaik@gmail.com
Abstract
Keywords
Contact:
Leila G. Ollaik
leila.ollaik@gmail.com
232 Leila Giandoni Ollaik; Henrique Moraes Ziller. Concepções de validade em pesquisas qualitativas.
principalmente da proximidade entre pesquisa- os procedimentos perdem relevância em favor
dor e pesquisado. Além disso, ela sofre críticas do impacto causado pela pesquisa em si mesma
por ter caráter descritivo e narrativo, e não ex- (CHO; TRENT, 2006).
plicativo. Tais críticas, entretanto, só seriam vá- Jeasik Cho e Allen Trent (2006) concluem
lidas a partir do paradigma quantitativo, visto seu trabalho com a apresentação de um modelo
que, em pesquisas qualitativas, a intenção não que prevê uma variada combinação de métodos
é generalizar, mas sim descrever, analisar, bus- de validação em função de distintos objetivos
car compreender. Nessa perspectiva, a validade que uma pesquisa qualitativa pode ter. A par-
estaria relacionada com a coerência interna da tir dos objetivos de cada pesquisa, derivam-se
pesquisa (MARTINS, 2004). concepções de validade mais aderentes a eles.
Ou seja, há concepções que dão mais Para os autores, os objetivos da pesquisa qua-
ênfase à validade dos resultados, também de- litativa podem ser: busca da verdade, descrição
nominada validade externa, e há concepções densa, desenvolvimentista, ensaio pessoal e
que dão mais ênfase à validade do processo, do praxis/social.
método, também denominada validade interna. No ensaio praxis/social, a verificação da
Para Mirka Koro-Ljungberg (2010), a va- validade assemelha-se à da validade transfor-
lidade em pesquisas qualitativas está mais for- macional, com a diferença de que não se trata
temente relacionada com a responsabilidade no mais de impacto advindo do esforço da pesqui-
tratamento das informações obtidas e nas deci- sa, mas da interação entre pesquisador e parti-
sões do pesquisador, envolvendo intensa preo- cipantes, e de sua posterior atitude quotidiana
cupação ética. Nessa linha, de validade interna, transformada pelo processo de pesquisa (CHO;
de processo, há também a concepção de valida- TRENT 2006).
de transacional. Esta age em uma perspectiva Tal proposição de adotar métodos de va-
micro, na qual o cerne da questão está rela- lidação conforme o objetivo de cada pesquisa
cionado com a interação entre o pesquisador, o consiste em uma perspectiva integradora e não
pesquisado e os dados encontrados, de maneira excludente. Com ela, almeja-se alcançar uma
a alcançar a maior identidade possível entre proposta holística de validade, a salvo de técni-
sentimentos, experiências, valores e opiniões cas mágicas, livrando as pesquisas de caminhos
coletados, e a narrativa feita pelo pesquisador e resultados equivocados (CHO; TRENT, 2006).
sobre eles (CHO; TRENT, 2006). Apesar dessas diferenças, tanto pesqui-
A validade transacional admite a utiliza- sas quantitativas quanto pesquisas qualitati-
ção de diversos métodos já conhecidos, e com- vas, independentemente da argumentação que
põe, junto com a validade transformacional, se faça a respeito da validade de uma pesquisa
duas grandes linhas de validação. Nesse segundo qualitativa, procuram demonstrar que seus es-
grupo, o que está em questão não é mais a veri- tudos são críveis, confiáveis e válidos.
ficação da validade de procedimentos, mas, para
além disso, trata-se de uma abordagem na qual a Como aferir validade
validação equivale ao impacto causado pela re-
alização da pesquisa. Mediante o esforço de pes- Há diferentes técnicas para aferição da
quisa, haveria um resultado de emancipação em validade de uma pesquisa científica, conforme a
direção à mudança social (CHO; TRENT, 2006). concepção de validade que esteja sendo utiliza-
A validade transacional se caracteri- da. A validade em pesquisa qualitativa tem sido
zaria por seu foco procedimental, mais espe- operacionalizada de várias maneiras, e todas as
cificamente, na relação entre pesquisador e concepções apresentam algum nível de apropria-
pesquisado, enquanto a validade transforma- ção adequada aos diversos desenhos desse tipo
cional se caracterizaria pelo processo, no qual de pesquisa (ONWUEGBUZIE; LEECH, 2007).
234 Leila Giandoni Ollaik; Henrique Moraes Ziller. Concepções de validade em pesquisas qualitativas.
mesmo tema utilizando-se das mesmas téc- ganizado, planejado e baseado em um contrato
nicas (entrevista, observação, estudo de caso, ético de participação assumido por todos os ele-
grupos focais). Se os diferentes pesquisadores mentos do grupo (RESSEL et al., 2008).
chegarem às mesmas conclusões, então fica Pode-se também manter um proto-
estabelecida a validade da pesquisa. O tercei- colo para verificar confiabilidade e garantir
ro tipo é a triangulação de teorias, em que validade em pesquisas qualitativas, e exis-
profissionais de campos de estudo distintos – tem mais de 24 métodos com essa finalida-
como economia, antropologia, ciência políti- de. Alguns desses métodos são: envolvimento
ca, administração – envolvem-se na pesquisa, prolongado; observação persistente; trian-
a partir de diferentes perspectivas, para in- gulação; registro de tudo; checagem com os
terpretar o mesmo conjunto de informações. membros; análise das evidências; verificação
O quarto tipo, também popular e amplamen- por representatividade; explicitação do viés
te utilizado, é a triangulação metodológica, do pesquisador; comparações; experimenta-
que utiliza métodos tanto qualitativos quan- ção teórica (ir aonde os dados levarem, e não
to quantitativos para estudar um problema. manipulá-los); verificação dos significados
Alguns autores, como José Luis Neves (1996), de casos extremos; utilização dos casos extre-
chamam de triangulação apenas esse último mos; eliminação de relações espúrias; análise
tipo, qual seja, a combinação de métodos das surpresas encontradas nos dados; elabo-
quantitativos e qualitativos em uma mesma ração de relações; consulta a um colega para
pesquisa. Finalmente, o quinto método é a que este aja como advogado do diabo; entre
triangulação ambiental, que envolve o uso de outros (ONWUEGBUZIE; LEECH, 2007).
diferentes locais ou diferentes fatores-chave Ademais, pode-se verificar a qualidade
para a pesquisa em questão, como a hora do de uma pesquisa qualitativa por sua transpa-
dia, o dia da semana, ou a estação do ano. rência, sua coerência e sua comunicabilidade,
Há que se identificar um fator ambiental que as quais construiriam a justificativa das inter-
seja relevante e que possa influenciar a in- pretações. Por transparência entende-se que o
formação; caso se chegue à mesma conclusão leitor da pesquisa é capaz de identificar com
modificando o fator ambiental, está estabe- clareza os processos que foram utilizados na
lecida a validade da pesquisa (GUION, 2002). coleta e na análise dos dados; por coerência en-
Paulien Meijer, Nico Verloop e Douwe Beijard tende-se que os construtos teóricos estão ajus-
(2002) também identificam esses cinco tipos tados e coerentes com a análise desenvolvida;
de triangulação, com algumas diferenças, e os por comunicabilidade entende-se que a pesqui-
apresentam em ordem distinta. sa faz sentido para os leitores, para o pesqui-
Há, ainda, a validação da pesquisa pelos sador e para os pesquisados (ROCHA-PINTO;
pares, pela comunidade acadêmica, tal como FREITAS; MAISONNAVE, 2008).
mencionado por Alda Judith Alves-Mazzotti Em suma, há várias estratégias para es-
(2006) ao tratar da temática de estudo de caso. tabelecer validade em pesquisas qualitativas
Não se trata, nessa situação, da triangulação de (MORSE et al., 2002). Há também numerosos
pesquisadores. Antes, a autora concebe um diá- métodos e propostas de conciliação entre eles,
logo do pesquisador com a comunidade acadê- bem como análises variadas sobre seus usos em
mica, o que confere relevância e confiabilidade pesquisas qualitativas. Há, enfim, ampla refle-
à pesquisa, num processo de produção coletiva xão sobre a utilização da concepção e da afe-
de conhecimento. rição da validação em pesquisas qualitativas,
Para verificação da confiabilidade quan- embora a escolha do pesquisador dependa fun-
do se trabalha com grupos focais, é possível damentalmente do contexto e da lógica cientí-
verificar se o processo da pesquisa foi bem or- fica subjacente a cada concepção.
236 Leila Giandoni Ollaik; Henrique Moraes Ziller. Concepções de validade em pesquisas qualitativas.
Cho e Trent (2006) fazem, ainda, refe- dade, sendo que outro aponta, inclusive, para
rência a uma mudança conceitual que eles ob- um novo referencial em relação ao resultado
servaram nos trabalhos de Yvonna Lincoln e de uma pesquisa: o objetivo praxis/social, que
Egon Guba de 1985, 1989 e 2000. No trabalho compreende valores como emancipação cidadã
de 1985, os autores referiam-se com naturali- e justiça social.
dade à triangulação como método de aferição As diversas definições de validade em
da acurácia de dados em pesquisa qualitativa. pesquisa qualitativa, assim como a diversida-
Já em 1989, o trabalho havia evoluído para de dos métodos de validação existentes, mani-
uma reflexão acerca das implicações positivis- festam a distinção desse conceito em relação
tas do método da triangulação. Posteriormente, àquele desenvolvido no âmbito das pesquisas
no texto de 2000, vê-se que Lincoln e Guba quantitativas, o qual é menos fluido, mais con-
consideram duas perspectivas de validade: a creto e facilmente apreensível.
perspectiva positivista, em que a validade é ab-
solutamente alcançável, e a perspectiva cons- Conclusões
trutivista, na qual a validade nunca pode ser al-
cançada, mas, ao contrário, tem de ser checada A partir das distintas concepções, formas
indefinidamente. de aferição e lógicas subjacentes, desenvolveu-
Entre outras conclusões, Cho e Trent -se uma análise agrupando as diversas concep-
(2006) afirmam, afinal, que é equivocado o ob- ções de validade em pesquisa qualitativa. Foi
jetivo de alguns cientistas em definir métodos e possível perceber que tais concepções podem
estratégias de validação da pesquisa qualitativa ser agrupadas em três grandes blocos: con-
a partir das estratégias convencionais da pes- cepções mais relacionadas à fase da formula-
quisa quantitativa. Também Nahid Golafshani ção da pesquisa (validade prévia), concepções
(2003) entende que conceitos como validade e mais relacionadas à fase de desenvolvimento da
triangulação, caso intencionem alcançar o sta- pesquisa (validade interna) e concepções mais
tus de conceitos relevantes em pesquisa qua- relacionadas à fase de resultados da pesquisa
litativa, devem ser redefinidos a partir de um (validade externa).
ponto de vista qualitativo. O agrupamento foi inspirado no texto de
De fato, a utilização da triangulação David Brinberg (1982), em sua concepção bási-
como instrumento de validação em pesquisas ca acerca de três momentos distintos para afe-
quantitativas e qualitativas deve considerar a rição da validade em pesquisas qualitativas: a
distinção entre os universos positivista e inter- formulação, o desenvolvimento e o resultado. A
pretativista. Enquanto, na pesquisa quantita- partir daquilo que foi pesquisado e apresentado
tiva, qualquer exceção pode levar à não con- ao longo deste ensaio, foram adicionados ou-
firmação da hipótese, na pesquisa qualitativa, tros elementos ao agrupamento, o qual é apre-
exceções podem levar à modificação ou até à sentado no Quadro 1.
construção de teorias (GOLAFSHANI, 2003). Nota-se a presença, em cada uma das
Cho e Trent (2006), quando propõem o três fases, tanto de autores com visão concei-
enfoque de distintos conceitos de validade para tual quantitativa, quanto de autores de pers-
distintos objetivos de pesquisa, acabam impon- pectiva qualitativa, embora os enfoques sejam
do a relativização da busca e do conhecimento diferenciados. Na formulação, pode-se ter uma
da verdade como propósitos finais da pesquisa validade quantitativa sobre se a medida repre-
científica, valores tão caros ao positivismo. Eles senta precisamente a realidade, ou uma valida-
fazem isso ao indicarem cinco tipos de propó- de qualitativa, que é construída pelo pesquisa-
sitos distintos na pesquisa qualitativa, dentre dor e pode ser definida de diversas formas. No
os quais apenas um refere-se à busca da ver- desenvolvimento, um enfoque mais próximo às
Concepções de
Especificações Tipos e características Principais autores
validade
metodologia 2010
Capacidade de generalização
ou extrapolação dos resultados HAIR Jr. et al., 2009
Validade externa (replicabilidade)
Verificar se os resultados são verdadeiros
NOS RESULTADOS
GUION, 2002
e confiáveis
238 Leila Giandoni Ollaik; Henrique Moraes Ziller. Concepções de validade em pesquisas qualitativas.
A obrigatoriedade de que a construção ria de pesquisador para pesquisador, conforme
do pesquisador não seja uma reconstrução e suas orientações filosóficas, epistemológicas e
de que as informações obtidas sejam checadas, científicas, sendo de fundamental importância,
inclusive com a imposição de que percepções no entanto, manter coerência ao longo de toda
pessoais dos pesquisadores sejam excluídas da a pesquisa.
pesquisa, é um comportamento esperado no Em suma, há várias concepções de vali-
âmbito da pesquisa em ciências naturais. No dade; tal conceito surge no âmbito de pesqui-
entanto, no que concerne à pesquisa qualitati- sas quantitativas e é adaptado para pesquisas
va, esse condicionamento precisa ser adaptado, qualitativas. A adaptação vem ocorrendo de
pois acaba por propor o tipo de distanciamento forma ampla e pode ser notada nos três gran-
esperado entre pesquisador e a realidade pes- des blocos de validade: a prévia (na formulação
quisada na tradição positivista. da pesquisa), a interna (no desenvolvimento da
Uma adaptação condizente com a lógica pesquisa) e a externa (nos resultados da pesqui-
qualitativa é o modelo de validade transforma- sa). Há diversas concepções e diferentes técni-
cional, por possibilitar que, ao lado da busca cas para aferição de validade, e o pesquisador
pela verdade, seja incluído um objetivo de pes- qualitativo deve avaliar a escolha por métodos
quisa mais alinhado com a tradição interpreta- de validação a fim de manter a coerência entre
tiva, pois se aproxima de valores como justiça epistemologia, métodos e técnicas no decorrer
social e ética (CHO; TRENT, 2006). de toda a pesquisa.
Em decorrência desta análise, vê-se que Sugere-se investigar acerca de justiça so-
um pesquisador pode e deve preocupar-se com cial e ética como valores subjacentes aos objeti-
a validade nas três fases da pesquisa qualitati- vos de pesquisa, o que talvez possa sinalizar um
va: formulação, desenvolvimento e resultados. novo e mais adequado caminho para a validade
A forma que essa preocupação irá assumir va- em pesquisas com epistemologia interpretativa.
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Leila G. Ollaik é mestre em Políticas Públicas pela Oxford University, doutoranda em Administração, mestre em Ciência
Política e bacharel em Economia pela Universidade de Brasília. Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental
do Gov. Federal.
Henrique M. Ziller é mestrando em Administração Pública na Universidade de Brasília e bacharel em Comunicação Social
pelo Centro Universitário de Brasília. Auditor do Tribunal de Contas da União. Voluntário no Instituto de Fiscalização e Controle.
E-mail: henrique@ziller.com.br.