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Por uma arqueologia da criatividade:

estratégias e significações da cultura material


utilizada pelos escravos no Brasil
Marcos André Torres de Souza

introdução

Em junho de 2012 a equipe do Projeto Valongo, desenvolvido pelo Museu


Nacional / UFRJ sob a coordenação de Tania Andrade Lima, recebeu a visita
de Wole Soyinka, dramaturgo nigeriano e ganhador do Prêmio Nobel da
Literatura. Soyinka visitou as escavações conduzidas no Cais do Valongo, um
dos mais importantes pontos de desembarque de africanos nas Américas,
e foi levado ao laboratório da pesquisa, onde conheceu parte do material
recuperado nas escavações. Ao ser colocado em contato com um conjunto
de artefatos feitos em piaçava, muito comuns na amostra, disse que objetos
similares são utilizados ainda hoje no oeste da África como amuleto. Quando
lembrado que as peças provenientes das escavações eram produzidas em uma
fibra que existe apenas em algumas regiões brasileiras – e, portanto, eram con-
feccionados em uma matéria-prima diversa –, foi direto: “eles improvisavam”.
O argumento de Soyinka – um profundo conhecedor das tradições cul-
turais do oeste da África – traduz uma característica comum a muitos povos
dessa e de outras regiões da África subsaariana: o uso criativo e flexível dos
recursos materiais. Neste capítulo, pretendo examinar algumas das estratégias
e significações atribuídas à cultura material utilizada pelos escravos que vive-
ram no Brasil, reconhecendo nessas práticas indicativos de que esses indiví-
duos lançaram mão do uso criativo dos recursos, conforme sugeriu Soyinka
acerca dos artefatos em piaçava encontrados no Cais do Valongo. Argumento
ainda que esse tipo de prática teve implicações importantes nas formas pelas
quais os grupos escravos se organizaram social e culturalmente.

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estratégias materiais cultivo em benefício próprio (D’Alincourt, 1953: 91; Pohl, 1978: 289; Saint-
Hilaire, 1975: 289), o que certamente limitava as oportunidades de decisão
A condição do cativeiro impôs sérios desafios à vida material dos indivíduos
desses indivíduos. Diante disso, é possível considerar que ao menos parte dos
escravizados no Brasil. O controle exercido por senhores teve impactos dire-
itens utilizados pelos escravos fosse repassada pelo seu proprietário. Uma evi-
tos na existência desses indivíduos e nas soluções por eles encontradas para
dência arqueológica possivelmente associada a esse tipo de prática vem dos
os mais diversos problemas cotidianos. Por essa razão, não tem sido inco-
cachimbos recuperados em escavações conduzidas na área das senzalas dessa
mum autores assinalarem que os escravos viviam em um universo material
propriedade. Em duas áreas escavadas foi recuperado um número mínimo de
limitado, apontando a pobreza (Araújo, 1993: 77-78), falta de mobiliário
oito cachimbos que representam três padrões extremamente comuns em sítios
(Algranti, 1997: 110) e falta de conforto nas suas residências (Karasch,
históricos de Goiás do século xix. Esses cachimbos foram produzidos, em sua
2000: 183-184). Todavia, a arqueologia tem indicado que as condições mate-
totalidade, por meio de moldes. Em sítios rurais do Brasil central, os cachimbos
riais dos escravos, a despeito dos desafios impostos, eram ricas em estraté-
provenientes de contextos arqueológicos costumam se dividir entre as peças
gias e possibilidades. Colocando-se além de conceitos construídos a partir da
moldadas – cuja produção era feita, possivelmente, em maior escala e visando
ótica europeia, estudos arqueológicos recentes têm demonstrado que esses
sua comercialização – e as peças modeladas, cuja confecção era mais laboriosa
indivíduos se engajaram ativamente no desenvolvimento de estratégias que
lhes permitiram transpor, ao menos em parte, as limitações que lhes eram e de caráter personalizado. A possibilidade de correlação entre cachimbos mol-
impostas, criando um universo rico e diversificado de expressões materiais dados e sua comercialização foi assinalada por Agostini (2011: 108-109), que,
(ver debates recentes sobre essa questão em Ferreira, 2009; Singleton e ao discutir a produção cerâmica em São Sebastião (litoral de São Paulo) – uma
Souza, 2009; Symanski e Souza, 2007; Thiesen et al., 2011). importante região produtora de itens cerâmicos no século xix –, identificou a
Evidências arqueológicas provenientes de contextos diretamente rela- venda de peças modeladas pelas paneleiras locais, bem como um registro de
cionados a escravos têm indicado, por exemplo, que esses indivíduos se exportação no qual consta a venda de uma barrica de cachimbos por 10 réis.
envolveram em um diversificado e criativo número de estratégias visando Na comunidade escrava do Engenho de São Joaquim, que contava com mais de
a aquisição de itens materiais, a começar por aquela considerada por mui- 100 escravos na primeira metade do século xix, a presença exclusiva de apenas
tos como a mais provável, e que corria sem que o escravo tivesse ingerência três padrões de cachimbos moldados sinaliza para a possibilidade de distribui-
sobre as decisões: a aquisição de itens das mãos dos proprietários sem ônus ção desses itens pelo proprietário, que podia adquiri-los em largas quantidades
direto, o que vem sendo assinalado, sobretudo, para senhores com atitudes no mercado local e distribuí-los entre seus escravos, o que explicaria a presença
paternalistas (Adams e Bowling, 1989: 94; Bankoff e Winter, 2005: 312; recorrente desses itens no contexto das senzalas do Engenho de São Joaquim.
Schroedl e Ahlman, 2002: 42). Uma evidência mais sólida da aquisição de itens a partir da doação de
Esse foi possivelmente o caso dos escravos que pertenciam ao Engenho de senhores vem de um dos três engenhos pesquisados por Symanski (2006:
São Joaquim (atual Fazenda Babilônia), construído em 1800 nas proximidades 203-209) na Chapada dos Guimarães (Mato Grosso). No Engenho do Rio da
da cidade de Meia-Ponte (atual Pirenópolis, Goiás) e destinado à produção de Casca (Sítio Taperão), cujo material arqueológico provém, na sua maioria,
cana-de-açúcar e algodão. Pesquisas arqueológicas realizadas nesse sítio indi- da primeira metade do século xix, o autor empregou uma fórmula de data-
caram que Joaquim Alves, seu proprietário, estabeleceu, por meio da manipu- ção de louças conhecida como “Fórmula South” (South, 1972), de modo a
lação do espaço edificado, mecanismos que visavam maximizar a supervisão estabelecer uma data média para amostras provenientes de diferentes áreas
e controle da escravaria, incluindo o estabelecimento de pontos de vigilância da propriedade, incluindo os locais de habitação do proprietário, trabalha-
e redução das áreas de circulação (Souza, 2007). Alves também criou meca- dores livres e escravos. Esse autor notou que os mesmos tipos encontrados
nismos de controle por meio de ações paternalistas. De acordo com viajan- na sede estavam presentes nas senzalas. Todavia, a data média das louças da
tes que por lá passaram na primeira metade do século xix, ele se encarregava área das senzalas era mais antiga que a das encontradas nas casas dos tra-
de vestir seus escravos, definir seu espaço de moradia e designar roças para balhadores livres e, em maior grau, que as encontradas na área da sede. A

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maior antiguidade das louças provenientes das senzalas foi considerada por Provém do Engenho de São Joaquim um dado pouco esperado para
esse autor como um indicativo de que os senhores estavam repassando a contextos relacionados ao interior de senzalas, e que acrescenta informações
seus escravos as louças velhas, fora de moda ou que perderam seu conjunto. relevantes para a compreensão do uso desse tipo de estratégia. No interior
Levando em conta os tipos de louças encontrados nas diferentes áreas da pro- das suas senzalas foram recuperadas várias peças de armamentos, incluindo
priedade, notou também que havia uma predominância de louças mais bara- quatro balas de chumbo, cinco partes de armas e quatro pederneiras. O uso
tas na área das senzalas, o que para o autor indica que as louças repassadas de armas de fogo, uma questão polêmica no período colonial, chegou a ser
pelo proprietário eram as que possuíam qualidade inferior. proibido entre os escravos em algumas regiões brasileiras devido ao temor de
Esse tipo de prática tinha uma importante implicação, na medida em que sedição (Karasch, 2000: 476). No Engenho de São Joaquim, é possível que as
– conforme assinalou Symanski (2006: 207-209) – a redistribuição de louças regras quanto ao uso de armas tenham sido afrouxadas. Ao invés de se cons-
por senhores reforçava sua hegemonia no espaço da propriedade, funcio- tituírem em instrumentos de defesa pessoal – o que, naturalmente, desenca-
nando, assim, como uma estratégia de dominação. Segundo esse autor, esse dearia a repressão ao seu uso –, foram possivelmente empregadas para a com-
reforço era possível não só por meio do controle direto sobre a distribuição plementação da dieta alimentar ou para a comercialização informal de carne
de itens, mas também por meio do controle sobre a temporalidade desses e couros de animais silvestres, que se constituíam em um gênero de exporta-
objetos – que, quando usados em segunda mão, eram deslocados do tempo ção importante em Goiás na primeira metade do século xix (Mattos, 1979:
presente, relacionando-se a uma época anterior. Criava-se assim um meca-
71-72). Com isso, abriam-se brechas para a criação de uma economia infor-
nismo adicional de diferenciação.
mal. Essas possibilidades eram, obviamente, maximizadas quando o escravo
No Engenho de São Joaquim, estratégias de controle criadas a partir da
podia contar com um dia semanal livre, permitindo-lhes assim se dedicar a
distribuição de itens entre escravos foram também utilizadas. Conforme indi-
essas atividades, tal como ocorria no Engenho de São Joaquim, conforme nos
cou Saint-Hilaire (1975: 100), que visitou a propriedade na década de 1820,
dá conta Saint-Hilaire (1975: 100).
havia no seu espaço uma pequena venda destinada aos escravos e que comer-
Um item também relacionado a uma maior autonomia dos escravos
cializava itens que “lembravam a África”. Como moeda, era empregado o algo-
desse engenho se relaciona a objetos empregados no transporte animal. Nas
dão por eles cultivado nos dias livres. As vantagens dessa prática, assinalada
senzalas do Engenho de São Joaquim foram encontradas oito fivelas de arreio
por Alves e registrada por Saint-Hilaire (1975: 100), deixam claras uma estra-
e 24 cravos de ferradura. Uma explicação possível para a aparição desses itens
tégia subliminar de controle. Para Alves, essa prática fazia com que o roubo
fosse coibido e lucros obtidos, fazendo com que os escravos desenvolvessem no interior de senzalas fundamenta-se no relato do diplomata francês Barão
apego ao lugar e ao senhor e, ao mesmo tempo, aumentassem a produção de de Forth-Rouen durante seu pernoite, em 1847, em um engenho baiano.
algodão, que à época atingia altos preços no Rio de Janeiro. Assim, por meio Segundo ele, os escravos desse engenho, além de possuírem roças próprias,
do controle dos recursos materiais, as estratégias de dominação nesse enge- tinham seus próprios cavalos, que podiam, inclusive, ser alugados para o
nho podiam, ao menos tentativamente, ser expandidas. proprietário (Barickman, 1994: 661). A presença desses itens no interior
Uma segunda estratégia envolvia a aquisição de itens pelos escravos dire- das senzalas do Engenho de São Joaquim sugere que os escravos desse enge-
tamente no mercado. Para o meio rural, historiadores de diferentes partes das nho podiam contar com animais de cela próprios, sobretudo se for levado
Américas têm se ocupado em longos debates sobre a criação de uma rela- em conta que a propriedade tinha sua própria estrebaria e contava, portanto,
tiva autonomia econômica entre escravos por meio da venda de pequenos com um espaço próprio para guarda de itens ligados ao transporte animal.
excedentes rurais (Barickman, 1994; Cardoso, 1987; Genovese e Fox- Considerando que a posse de animais de transporte permite maior mobili-
Genovese, 1979; Gorender, 1978). No meio urbano, tais possibilidades se dade, capacidade de circulação e transporte de gêneros, é possível aventar
apresentavam, conforme também sugere a historiografia, por meio do traba- que as chances dos escravos de adquirir maior autonomia e capacidade de se
lho de ganho (Figueiredo, 1993; Graham, 1988; Wissenbach, 1988). integrar ao mercado informalmente eram sensivelmente ampliadas.

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Ainda que diferentes categorias materiais sugiram uma maior autono- Dados de outras regiões reforçam a possibilidade de aquisição de louças
mia dos escravos de determinadas propriedades, bem como sua consequente pelos escravos. Embora Symanski (2006: 201-213) tenha encontrado evidên-
participação no mercado, são as louças que oferecem os indícios mais consis- cias de que no Engenho do Rio da Casca as louças adquiridas pelos escravos
tentes desse tipo de prática. Isso porque se esses itens não fossem repassados provinham da sede, no antigo Engenho Água Fria (sítio Buritizinho) notou
para o escravo em segunda mão, dificilmente seriam adquiridos por senhores que esses itens estavam sendo adquiridos diretamente pelos escravos. Esse
para repasse, uma vez que os recipientes cerâmicos, que tinham um custo autor verificou que 47,3% dos padrões decorativos encontrados nas senzalas
consideravelmente mais baixo, se apresentavam como uma alternativa muito não se repetiam na sede – o que, segundo ele, sugere a aquisição desses itens
mais viável ao proprietário. no mercado pelos próprios escravos. Tão relevante quanto esse dado é o fato
No Engenho de São Joaquim, as evidências de que as louças estavam de que as peças com padrões decorativos encontrados com exclusividade nas
sendo adquiridas diretamente pelos escravos é inequívoca. As louças encon- senzalas desse sítio são, assim como no caso do Engenho de São Joaquim,
tradas em duas pequenas seções das senzalas desse engenho, e datadas do compostas predominantemente por tigelas e malgas, que apresentavam geral-
período 1800-1860, apareceram em número muito reduzido, vindo a represen- mente decoração pintada à mão.
tar cerca de 0,85% da amostra total dessa área. Esses índices contrastam com A preferência dos escravos pelo uso de louças minimamente decoradas
os dos depósitos arqueológicos da sede, onde esse percentual oscilou entre 5 ou pintadas à mão em cores variadas (marrom, amarelo, laranja e verde) e
e 18%. Como é de se supor, os escravos e senhores contavam com possibilida- formando padrões geométricos foi primeiro observada por Wilkie (2000)
des desiguais para a aquisição de itens em louça. No que diz respeito ao custo em plantations da Jamaica. Segundo essa autora, a análise desses itens ape-
desses objetos, contudo, os dados vão contra o que seria razoável considerar. nas pelo prisma socioeconômico não se sustenta, pois esses padrões se iden-
Isso porque a variação de preços das louças encontradas nessas duas áreas não tificam com a estética de grupos oriundos da África. Essa identificação foi
apontou de forma clara a presença de peças de maior custo na sede. A partir do percebida por Symanski na área das senzalas do Engenho Água Fria, onde o
uso da “Escala de Miller” (Miller, 1980) – um ranking de preços que arranja autor identificou uma semelhança entre a decoração das louças ali presentes e
as louças hierarquicamente de acordo com seu preço, das mais baratas (não padrões decorativos feitos em diversos suportes materiais de regiões africanas
decoradas) até as mais caras (decoradas pela técnica do transfer-printing) – foi envolvidas no tráfico atlântico. Nessa discussão, deve ser notado também que
possível notar que, na amostra proveniente das senzalas, havia um percentual a preferência por malgas e tigelas encontra correspondência com o que se
ligeiramente maior das louças mais baratas disponíveis no mercado: as não verifica em diferentes regiões africanas, onde o consumo de alimentos é feito
decoradas. O que, todavia, pesou na diferença entre a amostra da sede e das majoritariamente em recipientes desse tipo (DeCorse, 1999: 150; Souza,
senzalas foi o predomínio de louças minimamente decoradas ou pintadas à 2010: 209; Symanski e Souza, 2007: 232-234). É possível considerar, por-
mão nas senzalas, geralmente presentes nas tigelas e malgas, e cujas cores apre- tanto, que ao assumir, com alguma autonomia, o controle sobre a aquisição
sentaram-se em diferentes combinações, e peças em transfer-printing na sede, de itens necessários às suas atividades cotidianas, as comunidades escravas
geralmente impressas no fundo dos pratos em azul com cenas de inspiração lançaram mão de referenciais culturais próprios.
oriental ou romântica. O predomínio de louças pintadas à mão nas senzalas A aquisição de itens diretamente no mercado tinha consequências
sugere, claramente, que os escravos contavam com alguma autonomia para importantes também para a relação de forças estabelecidas entre proprietá-
escolher os tipos de louças. Levando em conta ainda que as peças usadas na rios e escravos. Conforme assinalei antes, o repasse de itens pelo proprietário
sede por um único grupo doméstico não tinha a capacidade de suprir, em podia servir como uma ferramenta de controle e exercício de poder. Todavia,
segunda mão, as necessidades de um plantel composto por mais de uma cen- ao adquirir itens no mercado, era possível aos escravos desafiar, ainda que por
tena de escravos, é licito considerar que a entrada desses itens se deu, pelo meio de estratégias de negociação social, a ordem que lhes era imposta.
menos em parte, em função da sua aquisição pelos escravos diretamente no Uma terceira estratégia material envolvia a produção própria de uten-
mercado, ainda que por meio da compra de peças avulsas. sílios e ferramentas. Na arqueologia brasileira, as categorias materiais mais

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analisadas por pesquisadores dedicados ao estudo da escravidão são os Sebastião (São Paulo), Agostini (2010) identificou um importante centro pro-
cachimbos e objetos utilitários cerâmicos (Agostini, 1998a, 1998b, 2008, dutor cerâmico dos séculos xviii e xix, dominado por mulheres brancas e
2009, 2010, 2011: 78-170; Allen, 1998; Dias Jr., 1988; Jacobus, 1996; Souza, livres e que contava com mão de obra formada, predominante, por escravas
2000: 70-94, 2002; Souza e Symanski, 2009). Esse interesse justifica-se na adultas e crianças. No caso de São Sebastião, Agostini encontrou evidências
medida em que esses itens eram amplamente utilizados pelos escravos, tanto de que as peças ali produzidas durante o século xix contribuíram para o abas-
no âmbito público quanto no âmbito privado. tecimento de recipientes cerâmicos da cidade do Rio de Janeiro, indicando
Evidências arqueológicas ainda esparsas sugerem que esses itens podiam que esse tipo de comercialização podia, pelo menos no século xix, ter uma
ser produzidos em pequena escala, possivelmente para consumo interno. escala de distribuição bastante ampla.
Esse foi, possivelmente, o caso da Tapera do Pingador, um dos sítios pesqui- Outro item de vasto uso entre escravos era a cestaria. Infelizmente, a
sados por Symanski na Chapada dos Guimarães e que se constituiu em um preservação de fibras vegetais no registro arqueológico depende de condi-
pequeno quilombo. Nesse sítio foi encontrado um buraco de lixo, situado de ções tafonômicas raras. Em função disso, apenas ocasionalmente é possível
forma adjacente ao alicerce de uma habitação, que continha em seu interior sua identificação – e quando isso ocorre, contamos apenas com fragmentos
alguns recipientes cerâmicos fragmentados e com cicatrizes de “explosão” – esparsos e mal preservados, o que inviabiliza análises mais aprofundadas
um processo de fratura produzido na etapa de queima do recipiente durante dessa categoria material. Todavia, os registros documentais dos séculos xviii
o processo de manufatura. Diante desse conjunto de evidências, é possível e xix, sobretudo iconográficos, são abundantes em referências acerca da pro-
considerar que nesse assentamento havia a produção cerâmica, cujo refugo dução e comercialização desses itens por escravos.
foi descartado, ainda que de forma parcial, no buraco de lixo adjacente à resi- Outras categorias menos conhecidas são possíveis de ser compreendidas
dência. Evidências desse tipo de prática em unidades produtivas coloniais por meio da arqueologia. Esse é o caso dos artefatos líticos. No material pro-
foram também registradas. Por meio de análises físicas e químicas realizadas veniente das senzalas do Engenho de São Joaquim, foram encontrados qua-
no material cerâmico proveniente de uma grande unidade rural da primeira tro isqueiros (peças líticas portáveis que eram empregadas para a produção
metade do século xviii situada no Planalto Paulista, Zanettini e Wichers de faíscas e utilizadas para acionar fogueiras ou cachimbos), sete polidores e
(2009: 324-325) encontraram peças com características físicas e químicas bas- duas lascas líticas (Souza, 2008). No seu conjunto, esses itens podem ter sido
tante homogêneas, o que segundo esses autores pode se constituir em uma empregados em uma variedade de atividades, incluindo o processamento e
evidência de que havia, nessa propriedade, produção cerâmica destinada ao preparo de alimentos, rituais religiosos ou a preparação de fibras para a con-
consumo local. fecção de cestarias.
Cumpre assinalar, contudo, que essa pode não ter sido a regra. A análise Uma implicação importante da produção de artefatos pelos escravos diz
realizada por Zanettini e Wichers (2009: 317-323) para outros sítios do Planalto respeito à identificação desses itens com seus consumidores. Ao contrário
Paulista revelou algo que os arqueólogos há muito já desconfiavam: a comer- dos itens industrializados europeus, esses artefatos eram produzidos por e
cialização de recipientes cerâmicos em escala local ou regional (Jacobus, para os escravos. Desse modo, sua forma, decoração e função estavam rela-
1996). As evidências encontradas por esses autores para esse tipo de produção cionadas a seus usuários de forma mais direta, podendo refletir preferências
incluem a identificação de uma olaria situada próximo a Itu e que era desti- culturais e sociais específicas. Conforme análises têm indicado, esse foi o
nada à confecção de equipamentos de cozinha, e um conjunto de recipientes caso dos cachimbos (Agostini, 1998b, 2009; Souza, 2000: 80-85; Souza e
cerâmicos provenientes de uma unidade rural do século xvii, cuja assina- Agostini, 2012) e recipientes utilitários cerâmicos (Agostini, 1998; Souza,
tura física e química apresentava uma grande heterogeneidade, o que serve 2002, 2010, 2011; Souza e Agostini, 2012; Souza e Symanski, 2009) uti-
como um indicativo bastante confiável de que a cerâmica utilitária produzida lizados em diferentes partes do Brasil, que expressavam a visão de mundo
nesse local tinha diferentes procedências. Evidências da produção cerâmica e referenciais culturais dos indivíduos que os utilizaram, muitas vezes em
em escala regional vêm também de contextos mais tardios. Na cidade de São clara oposição à cultura material utilizada pela população livre e branca. A

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despeito desse grande potencial, a compreensão das injunções entre a pro- tenha se mostrado consideravelmente maior. No total, foram encontradas seis
dução e o consumo desses itens não é uma tarefa simples. Em sua análise peças que se agrupam em três tipos diferentes: uma com a forma octogonal,
sobre as paneleiras de São Sebastião, Agostini (2010) apontou as complexida- furo central e 3,4 cm de diâmetro, uma com a forma circular, furo central
des que envolviam a produção em escala regional desses itens, que passavam pequeno e 2,6 cm de diâmetro, e quatro com a forma circular, furo central
pela interação entre africanos de diferentes procedências e seus descendentes, grande e média de 2,4 cm de diâmetro (Souza, 2011). No material arqueoló-
dentro de uma lógica comercial regida pela população livre. gico da Casa de Fundição do Ouro de Goiás – um sítio histórico situado na
Uma quarta estratégia diz respeito à reciclagem de objetos, que, até o Cidade de Goiás e que durante a Guerra do Paraguai serviu como depósito
momento, foi identificada arqueologicamente para pelo menos dois tipos de material bélico – foi encontrado um número expressivo de partes metáli-
de suporte material: vidros e metais. Nos vidros, as evidências de reciclagem cas de armas, entre as quais negativos de retiradas circulares para a confecção
incluem marcas de lascamento que foram produzidas de modo a gerar gumes dos adornos acima descritos. Na seleção do suporte, foram escolhidas partes
funcionais. Embora a identificação desse tipo de evidência possa ser falseada planas, sendo as mais populares as bainhas de espada e as chapas metálicas
em virtude de uma série de fatores (Conte e Romero, 2008; Souza, 2010: (Souza, 2008: 16-18).
200), as evidências têm se mostrado muito consistentes em relação a esse tipo A despeito de evidências frequentes ligadas à prática de reciclar metais
de artefato. Objetos produzidos em vidro reciclado têm sido encontrados tanto para a produção de adornos, é possível considerar que um repertório muito
em contextos relacionados a comunidades indígenas (Symanski e Osório, maior de possibilidades tenha existido e que está além do nosso conheci-
1996: 49, WÜst, 1990: 344, 365) quanto em contextos relacionados a comuni- mento atual. No Engenho de São Joaquim, por exemplo, foi encontrado na
dades escravas urbanas e rurais das regiões sul, sudeste e centro-oeste (Souza, área das suas senzalas um garfo, quebrado próximo ao cabo, que tinha três
2010: 200-203, 2011, Symanski e Osório, 1996). Por exemplo, nas senzalas dos seus dentes dobrados e apenas um mantido na posição, de modo a fun-
do Engenho de São Joaquim foi encontrado um total de 49 fragmentos de cionar como um perfurador (figura 1).
vidro lascado, produzidos por meio de uma diversidade de técnicas. Esses
itens foram manufaturados a partir de fragmentos do bojo, gargalo e base de
garrafas de vinho, e empregados, em sua maioria, para a criação de raspado-
res (N=47). Em menor número, foram encontradas duas peças com ponta
que podem ter sido utilizadas para perfurar ou cortar objetos (Souza, 2008).
Exemplos etnográficos de comunidades afrodescendentes de outras regiões
das Américas sugerem que esses itens podiam ser empregados para amolar
cabos de enxada ou machado, para cortar o cabelo e a barba, ou descarnar ani-
mais (Wilkie, 1996: 44-45; Eric Poplin, comunicação por e-mail, 30/05/2007).
Em Goiás foram verificadas também evidências de reciclagem de metais
para produzir adornos. Em Ouro Fino, um arraial de mineração setecentista,
foram encontradas duas peças com a forma circular e uma com a forma retan-
gular. Todos os exemplares tinham uma perfuração central e dimensões muito
reduzidas, possuindo cerca de 1 cm de diâmetro. Pode-se afirmar que pelo
menos um desses objetos foi utilizado como brinco, uma vez que possui ainda
preservada a parte metálica destinada a prender a peça à orelha (Souza, 2000: figura 1 – Perfurador produzido pela dobragem intencional de três dentes
de um garfo quebrado. Artefato recuperado na área das senzalas
59-60). Nas senzalas do Engenho de São Joaquim, datadas de um período mais do Engenho de São Joaquim (atual Fazenda Babilônia), Goiás.
tardio, foi também encontrado esse tipo de adorno, ainda que seu tamanho (Foto: Marcos André Torres de Souza.)

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A reciclagem de itens industrializados nos remete, em primeira aná- N. de Peças
lise, às restrições materiais impostas às comunidades escravas. Analisando Raspar 54
uma amostra de vidros reciclados da cidade de Porto Alegre no século xix, Vidro reciclado 47
Lítico 7
Symanski e Osório (1996: 50-51) chamaram a atenção para as fortes desigual-
Perfurar 1
dades socioeconômicas que existiam entre senhores e escravos. Segundo Vidro reciclado 1
esses autores, isso fez com que os escravos tivessem maior dificuldade para Garfo reciclado 1
adquirir itens manufaturados, daí a decisão de substituí-los pelos vidros reci- Cortar 1
clados. Além desse cenário, é possível considerar que a decisão de reciclar Vidro reciclado 1
Instrumentos multifuncionais 6
garrafas de vidro tenha sido feita apenas em função da sua funcionalidade.
Canivete 3
Os gumes de cacos de vidro são funcionais até mesmo sem a produção de Faca de ponta 3
retoques. Nesse sentido, é possível que a adoção de uma tecnologia desse tipo Total 62
de artefato tenha representado uma solução natural para as necessidades diá-
rias dos escravos, ainda que para isso se fizesse necessária a existência de um Tabela 1 – Itens recuperados nas senzalas do Engenho de São Joaquim
e que foram empregados nas tarefas de raspar, perfurar e cortar.
repertório de técnicas específicas e inerentes ao grupo.
Uma quinta e última estratégia podia envolver o pequeno furto, antes
considerado por arqueólogos como o meio mais provável de entrada de itens cultura material e significação
nas habitações escravas (Singleton, 1996: 153). Evidências desse tipo de prá-
Além da identificação do uso de diferentes estratégias materiais, a arqueologia
tica ainda não foram, todavia, identificados no Brasil. Uma situação dessa
tem também identificado diferentes processos de significação atribuídos pelos
ordem foi identificada apenas em uma plantation do sul dos Estados Unidos,
escravos à cultura material e que se colocam além das suas qualidades pura-
onde, a partir da análise de restos alimentares relacionados a contextos escra-
mente funcionais. Um processo de significação possível de ser identificado
vos, Young (1997: 17) notou a presença de filhotes de porco, cujo consumo de
por meio da análise dos recipientes cerâmicos é o de criação de antíteses, que
forma regular seria irracional, justificando-se seu consumo apenas se levada
ocorrem quando a produção e utilização da cultura material foi feita de modo
em conta a possibilidade do furto.
a se opor a alguma outra expressão material. Durante seus momentos iniciais,
O conjunto de estratégias brevemente inventariadas acima indica que, ao
a arqueologia histórica assumiu aprioristicamente que os recipientes cerâmi-
contrário do que se poderia supor, os grupos escravos podiam contar com um
cos utilizados no universo colonial brasileiro eram produto da fusão cultural
universo material bastante diversificado. Vale notar que, muitas vezes, essas
entre indígenas, negros e brancos – uma percepção que, ao invés de refletir
estratégias podiam ser combinadas, criando um rico universo de possibilida-
um balanço equilibrado das evidências, se baseava em uma noção essenciali-
des. Um exemplo dessa diversificação vem dos instrumentos escavados nas
zada da cultura brasileira (Souza, 2008). Ao contrário do que essa concepção
senzalas do Engenho de São Joaquim e que foram empregados em três funções parecia sugerir, as evidências arqueológicas mais recentes têm indicado que,
básicas da existência cotidiana: raspar, perfurar e cortar (tabela 1). Nos três na verdade, os recipientes utilitários cerâmicos estavam profundamente envol-
grupos, podiam os indivíduos lançar mão de diferentes recursos materiais. vidos com as lutas sociais ocorridas entre livres e escravos, funcionando como
Podiam usar tanto o vidro lascado quanto o lítico polido, ambos presentes um recurso para a criação e manutenção de diferenças culturais e sociais.
nas duas áreas pesquisadas. Podiam ainda, contar, para as três funções, com Um exemplo da criação de antíteses vem do material cerâmico prove-
instrumentos em metal, fossem facas ou canivetes, adquiridos no mercado ou niente do arraial de Ouro Fino e datado do século xviii. Na análise desse
em segunda mão (Souza, 2011: 91-92). material, notei que esses utensílios serviram como ferramenta para o deli-
neamento de diferentes esferas de ação, e que envolviam homens livres e

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mulheres escravas. A separação dessas esferas foi feita por meio de artefatos Outro processo de significação – e talvez o mais conhecido – foi o de
usados em dois conjuntos de atividades ligadas ao sistema de alimentos e que atribuir um novo sentido ao artefato por um processo usualmente denomi-
apresentavam um contraste visual bastante nítido: de um lado, estavam aque- nado ressignificação ou ressemantização. Essa prática envolvia um processo
les envolvidos com o preparo de alimentos e representados por panelas; de de estranhamento, de explicar o desconhecido pelo conhecido. Os africa-
outro, estavam aqueles envolvidos com o serviço e o consumo de alimentos, nos chegados ao Brasil foram colocados diante de novas práticas culturais e
representados por malgas, xícaras e tigelas. Os utensílios ligados ao preparo formas materiais e, nesse cenário, estabeleceram um olhar mediado entre o
de alimentos apresentavam uma superfície escura e eram predominante- que conheciam e o que ignoravam. Nesse processo, terminaram por atribuir
mente decorados por incisão, compondo motivos quase sempre retilíneos, novos significados a alguns dos objetos que lhes eram apresentados. Cumpre
tais como zigue-zagues e losangos. Por outro lado, os utensílios ligados ao notar que a identificação arqueológica de tais processos é de difícil apreen-
serviço e consumo de alimentos apresentavam uma superfície de cor branca são, na medida em que eles não exigiam a transformação física do objeto.
e eram quase sempre decorados com pintura vermelha, compondo motivos Em função disso, na maioria das vezes, o arqueólogo fica na dependência do
quase sempre curvilíneos, tais como florais e padrões de semicírculos con- contexto no qual o artefato foi encontrado, o que pode oferecer informações
cêntricos. Baseado nesses contrastes, argumentei que os artefatos usados em acerca das suas novas significações. Esse exercício tem permitido a identi-
Ouro Fino associavam-se a uma série de oposições binárias (claro/escuro, ficação de poucos – porém valiosos – exemplos desse tipo de prática. Por
retilíneo/curvilíneo etc.), capazes de delinear e reforçar diferentes esferas de exemplo, na área das senzalas do Engenho Água Fria foi encontrado, abaixo
ação existentes no interior dos domicílios. Levei em conta o fato de que os reci- do nível do piso, um par de garrafas inteiras colocadas lado a lado, uma de
pientes analisados relacionavam-se a diferentes setores funcionais de uma resi- vidro preto e a outra de grés branco (Symanski, 2007: 25). Conforme indi-
dência e que incluíam as áreas de preparação e de consumo de alimentos – ou, cam relatos etnográficos de comunidades afrodescendentes de outras partes
em outros termos, as áreas de serviço e as áreas de sociabilidade da residência, das Américas, esses itens eram conhecidos como Obeah Bottles, ou garrafas
a primeira relacionada ao trabalho escravo e a segunda à área de convívio ceri- de conjuro, que eram geralmente enterradas em batentes de portas ou nos
monial da população livre, refletindo portanto oposições do tipo livre/escravo. cantos das casas visando causar malefício aos seus ocupantes (Souza, 1986;
Um aspecto complementar nas oposições criadas a partir das decorações dos Wilkie, 1997: 88-89, 2000: 10-11). Sobretudo em situações envolvendo práti-
recipientes cerâmicos está no fato de que os motivos decorativos produzidos cas religiosas, toda sorte de objetos podia passar pelo processo de ressignifica-
nesses recipientes apresentavam diferentes influências culturais. Nas peças de ção, geralmente com o intuito de adquirir atributos de significado mágico ou
serviço e consumo de alimentos, é evidente a intenção de emular as faianças religioso, tal como sugere a literatura arqueológica relacionada a outras par-
de produção europeia e as porcelanas de produção oriental. Nesses recipientes, tes das Américas (Brown, 2004; Klingelhofer, 1987; Leone et al., 2003;
predominavam as decorações florais e com padrões de semicírculos concên- Russel, 1997; Wilkie, 1999; Young, 1997, entre outros).
tricos, ambos muito frequentes também nas faianças comuns e nas porcelanas O processo de ressignificação de um artefato podia implicar na criação
do período. Nas panelas usadas no preparo de alimentos havia, por outro lado, do que pode ser definido como metonímia, que envolvia a atribuição de sig-
uma tendência em utilizar certos motivos recorrentes na cerâmica de produ- nificados semelhantes a objetos que possuíam uma relação lógica entre si.
ção africana, incluindo losangos, zigue-zagues e outros padrões geométricos. Esse tipo de atribuição foi identificada por MacGaffey (1988), que descreveu
As oposições do tipo livre/escravo se relacionavam, portanto, à expressão o nkisi (minkisi no plural), a medicina sagrada dos bakongo, como contendo
de diferenças culturais (Souza, 2010). É interessante notar que o compor- “metáforas visuais”.
tamento material observado em Ouro Fino não se limitou a esse sítio, tendo A criação de metonímias pode, por um lado, estabelecer relações verbais
sido encontrado também em outros contextos goianos (Carvalho, 2000; e visuais – por exemplo, a terra dos cemitérios pode metonimicamente evocar
Tedesco e Carvalho, 2004; Wüst, 2006) e nos engenhos de Mato Grosso os mortos. Por outro lado, pode estabelecer relações entre suportes materiais
(Souza e Symanski, 2009: 542-543). aparentemente díspares – desse modo, objetos em primeira análise distintos

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podem ser relacionados a partir de semelhanças em seu aspecto, ritmo, angu- adicionais desse tipo de significação incluem os balangandãs e patuás, que con-
laridade, transparência, textura etc. Não por acaso, situações dessa ordem têm kits de proteção espiritual. Do contexto arqueológico vem o exemplo do
podem ser encontradas tanto na América do Norte (Smith, 1994: 41) quanto que se convencionou denominar na literatura de cachés – conjuntos de itens de
no Brasil (Lima, 2002: 18), onde aportaram africanos provenientes da África uso ritual que podem incluir uma diversidade de itens, incluindo moedas, cra-
central. Essa percepção pode ajudar significativamente na interpretação de vos, ossos animais, alfinetes, tesouras, botões etc. Em sua pesquisa na sede do
itens usualmente encontrados em contexto arqueológico, sobretudo na inter- Engenho Rio da Casca, Symanski (2007: 24) identificou um desses conjuntos,
pretação de amuletos produzidos em diferentes tipos de suporte material. representados pela presença de um recipiente cerâmico que continha, no seu
Outro processo envolvia a criação de sínteses. Uma situação dessa ordem interior, uma moeda. Conforme acertadamente notou Smith (1994), tais com-
foi identificada nos sítios da Chapada dos Guimarães datados do século xix, binações compunham um conjunto articulado de intenções e significações.
onde os recipientes cerâmicos com decoração incisa podiam acumular diferen-
tes padrões. Dessa forma, motivos que apareciam muitas vezes isolados – tais
como zigue-zagues, linhas curtas paralelas, digitados, digitungulados etc. –
podiam ser reunidos em um único recipiente, o que se constituía em um meca-
nismo bastante eficiente para sobrepor diferenças, uma vez que novos meca-
nismos de diferenciação se sobrepunham ao anterior sem invalidá-lo (Souza
e Symanski, 2009: 541). Tal prática vai ao encontro do que observaram Mintz
e Price (1992: 45) acerca dos indivíduos oriundos das partes oeste e central do
continente africano, que tendem a ser “aditivos” na aceitação de outras práticas.
Um último processo de significação envolvia o reforço – quando um dado
item era utilizado a fim de dar mais força a uma dada construção. Um exemplo
desse tipo de situação provém da Coleção do Museu da Polícia Civil do Rio
de Janeiro, que conta com um acervo bastante expressivo de objetos ligados a
cultos afro-brasileiros e que foram apreendidos pela força policial da cidade no
início do século xx. Nessa coleção existem alguns galhos de árvores bastante
retorcidos que têm figas esculpidas na sua extremidade (figura 2).
De acordo com as práticas religiosas dos centro-africanos, grupo predo-
minante na cidade do Rio de Janeiro a partir do século xix (Karasch, 2000:
50-57), o uso de madeiras ou fibras com aspecto retorcido são comumente
empregados em minkisi ou amuletos (MacGaffey, 1988: 195-196). Na peça
em questão, soma-se ao retorcido a figa, cujo uso no Brasil se consagrou como
potente amuleto, reforçando, assim, os poderes mágicos da peça. Conforme já
havia notado Bastide (1971: 161) em sua análise sobre as religiões afro-brasilei-
ras, a adoção das superstições e crenças europeias foi, muitas vezes, utilizada
pelo africano de modo a fortalecer seu universo ritual e forças espirituais. Esse
foi o caso da figa em questão, um amuleto de origem europeia que passou por figura 2 – Peça de uso religioso afro-brasileiro.
um processo de ressignificação e utilização no repertório de práticas religiosas Coleção de Cultos Afro-Brasileiros, Museu da Polícia Civil.
(Foto: Wilson da Costa Vieira Junior.)
afro-brasileiras, muitas vezes para reforçar construções já existentes. Exemplos

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o uso diversificado e criativo dos recursos alcançou, em alguns pontos, a média de 300 fragmentos por metro quadrado,
depositados em uma camada que não ultrapassava a espessura de oito cen-
Evidências arqueológicas têm indicado que os escravos criaram referências tímetros. Nessa área de deposição, foi encontrada, em meio a restos alimen-
materiais amplamente compartilhadas por aqueles que se encontravam na tares e objetos utilitários descartados, uma série de artefatos reciclados, bem
situação de cativeiro. A despeito da grande diversidade cultural e étnica como a matéria-prima empregada na sua produção, sugerindo que os cativos,
existente entre esses indivíduos, é possível reconhecer algumas preferências em reuniões à volta do fogo, podiam lançar mão de tecnologias expedientes
comuns no que se refere aos artefatos por eles utilizados. Não obstante, eles (Souza, 2011, no prelo). Na minha análise, correlacionei tal comportamento
lançaram mão da criatividade e flexibilidade na produção e uso dos recursos com uma prática comum em diferentes regiões da África oeste e central, uti-
materiais. Um exemplo desse tipo de prática provém da cerâmica utilitária lizando como exemplo os Dogon. Conforme indica a etnografia realizada
dos engenhos da Chapada dos Guimarães, que possuía uma padronização por Douny (2007), membros desse grupo mantêm os objetos quebrados em
evidente na sua tecnologia de produção, forma e decoração. Conforme indi- proximidade imediata, de modo a servirem como um recurso imediato para
cou a análise desses artefatos, os grupos escravos que viveram nessa região reciclagem. Segundo esse autor, os Dogon têm uma noção fluida de lixo, na
compartilhavam o mesmo tipo de preferências no que se refere aos recipien- medida em que, dependendo da sua utilidade, um objeto pode entrar repeti-
tes cerâmicos que apresentavam, no seu conjunto, uma certa uniformidade das vezes em um novo ciclo de uso.
estilística. Foi observado, todavia, que eles tiveram liberdade criativa na pro- Entre comunidades escravas, o uso criativo dos recursos materiais pode
dução desses utensílios, expressa, sobretudo, nos momentos em que a região ser entendido não só por meio das tecnologias expediente mas também, em
contou com um número mais elevado de “nações” escravas. Para a produção um âmbito mais abrangente, por meio das estratégias e significações discu-
da decoração dos recipientes nesses momentos, foi empregada uma variedade tidos ao longo deste texto que, por sua diversidade e natureza, apontam para
de técnicas, incluindo a incisão, exposição deliberada de roletes cerâmicos, uma grande habilidade dos cativos em se relacionar com o mundo mate-
impressões de tecidos e outros objetos, carimbagem, digitado, digitungulado rial de uma forma flexível e bastante original. Convém considerar que esse
e ponteado. Essas técnicas foram empregadas de modo a formar motivos que tipo de prática tem pelo menos duas implicações importantes. A primeira
iam desde os populares zigue-zagues e losangos até uma variedade de padrões diz respeito à sua estruturação. À primeira vista, algumas das soluções por
inteiramente novos no quadro regional (Souza e Symanski, 2009: 536-538). eles encontradas parecem se apresentar como pouco estruturadas, na medida
O uso criativo e flexível dos recursos materiais pode também ser notado em que não exigiam planejamento prévio para a produção e distribuição dos
em certas práticas incidentais ligadas à manufatura e uso dos itens cotidia- recursos, o que é o caso, por exemplo, dos itens reciclados. A despeito do que
nos e que incluem, por exemplo, as peças produzidas em metal e vidro reci- parece, esse argumento não se sustenta. Por exemplo, para o lascamento de
clados citadas ao longo deste texto. No seu conjunto, essas práticas podem vidro no interior das senzalas do Engenho de São Joaquim fazia-se necessária
ser classificadas como “tecnologias expediente”, que inclui as tecnologias de a aceitação tácita de um conjunto de referências compartilhadas pelos gru-
momento, aquelas que não são planejadas, implicam em pouco esforço e des- pos corresidentes, e que podia incluir o acúmulo de dejetos no interior das
tinam-se a suprir as necessidades cotidianas mais imediatas (Binford, 1979). senzalas (fragmentos de vidro) e a criação de um padrão de uso de espaço
Para operacionalizar esse tipo de tecnologia, faz-se indispensável a disponi- (p. ex. a utilização da área ao redor do fogo para a produção de ferramentas).
bilidade imediata de matéria-prima (Binford, 1983: 265). No Engenho de Era necessário também o conhecimento prévio da tecnologia empregada (o
São Joaquim, um importante depositório de recursos para o emprego de tais lascamento de fragmentos de garrafas quebradas), bem como a existência de
tecnologias se situava em uma área à primeira vista inusitada: o interior das mecanismos de perpetuação do conhecimento necessário para seu uso. Tais
habitações escravas. Na minha pesquisa identifiquei, em um dos setores esca- práticas não são possíveis sem um estruturado conjunto de referências, san-
vados das senzalas, vestígios de uma fogueira e, à sua volta, uma ampla área de cionado pelos membros do grupo.
deposição arqueológica que contava com uma concentração de artefatos que

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A segunda implicação deriva da noção de que, por se basear em ações (Lima, 2008; Souza, 2007; Symanski, 2006: 206-209), os escravos deram
individuais, o uso criativo e flexível dos recursos não reflete de forma acu- o troco. Conforme sugerem amostras de louças provenientes de diferentes
rada as práticas materiais de um dado grupo. Durante muito tempo acredi- sítios do centro-oeste brasileiro e mencionados ao longo deste texto, os escra-
tou-se que ações individuais não organizadas, bem como o uso criativo dos vos utilizaram critérios distintos para a escolha das decorações das louças. Na
recursos, produziam “dissonância” na cultura material, não servindo, por- aquisição desses itens, lançaram mão, muitas vezes, de um modus operandi
tanto, como referência para a caracterização de práticas culturais e sociais que, em seu conjunto, destoava daquele usado nas residências da população
pretéritas (Hodder, 2000: 27). Em virtude dessa concepção, autores como livre. Na produção e uso da cerâmica utilitária e de cachimbos, aqui também
Binford (1983b: 144) consideravam que os itens produzidos de forma expe- citados, estabeleceram, por meio de antíteses, mecanismos de diferenciação.
diente tinham pouco da identidade de quem os produziu e da “consciência O emprego criativo de práticas culturais específicas pelos escravos e anta-
estilística” do grupo, considerando, assim, que os melhores marcadores de gônicas aos proprietários tem sido entendido, na arqueologia, como expres-
identidade étnica serão encontrados em itens produzidos de forma planejada sões simbólicas da relação dominante-dominado. Voss (2008: 36), por exem-
e destinados a ter uma vida útil mais longa. Percepções contrárias a essa pre- plo, argumentou que o conceito de etnogênese, amplamente mobilizado na
missa – e por mim aqui também assumida – vêm de arqueólogos que, basea- arqueologia da diáspora africana, tem sido usado com o fim de revelar a cria-
dos em autores como Giddens (1989) e Bourdieu (1977), identificam as ações tividade dos povos marginalizados e oprimidos e sua habilidade em resistir
individuais como intrinsecamente relacionadas à estrutura social na medida à dominação. Uma maneira interessante de recolocar essa questão – levando
em que, por um lado, se fundamentam em um conjunto de regras e recursos em conta sobretudo o que as pesquisas arqueológicas em contextos brasileiros
herdados do grupo e, por outro, atuam de forma recursiva na sua reprodução. têm sugerido – seria considerar que o uso criativo dos recursos pelos escravos
Dessa forma, ações individuais, a despeito do seu envolvimento com a pro- não se constituiu apenas em uma resposta, apresentando-se, na verdade, como
dução material de longo prazo, expressam de forma acurada o conjunto de um traço intrínseco do acervo de conhecimento e práticas desses indivíduos
referências pertencentes a um dado grupo. Giddens (1979: 150) assinalou que e que podem ter sido utilizados, entre outros fins, como uma ferramenta para
“os seres humanos não podem ser tratados nem como objetos passivos, nem expressar diferenças e reagir contra o sistema que lhes era imposto.
como sujeitos inteiramente livres”. Essa percepção nos permite reconhecer, Considerar que os grupos escravos empregaram soluções criativas e ino-
por um lado, a relevância das regras e normas socialmente estabelecidas e, vadoras na produção e uso dos recursos materiais implica em uma ruptura
por outro, a importância da criatividade e da inovação, que não só têm uma com o que se convencionou denominar na arqueologia da diáspora africana
função produtora-reprodutora das estruturas sociais, mas também acres- de “etnicidade estática”, que define o diagnóstico de etnicidade e práticas cul-
centam um caráter dinâmico e mutável para essas mesmas estruturas. Por turais a ela associadas com base na noção de autenticidade, que vê “a memó-
essa perspectiva, o emprego flexível e criativo dos recursos por comunidades ria como definidora, a experiência como corruptora” (Upton, 1996: 1). Na
escravas pode ser entendido em sua plenitude. Vistos por essa perspectiva, é literatura, é vastíssima a lista de estudos que definem a capacidade dos grupos
possível reconhecer sua centralidade na criação de respostas e nexos para as escravos em se diferenciar apenas por meio do estabelecimento de semelhan-
necessidades de existência desses grupos, seja do ponto de vista individual, ças entre o Brasil e a África. Nesse tipo de abordagem, a autenticidade das
seja do ponto de vista coletivo. práticas culturais dos grupos escravos é apenas conferida quando semelhan-
Considerando o caráter singular das expressões materiais criadas e uti- ças materiais entre essas duas regiões são encontradas. Levando em conta a
lizadas pelos grupos escravos arqueologicamente estudados até o momento, cultura material até o momento recuperada em contextos associados a escra-
parece certo que, por meio da agência individual, eles desenvolveram impor- vos no Brasil, me parece claro que esses indivíduos lançaram mão de um con-
tantes mecanismos de diferenciação social em relação aos senhores. Enquanto junto de referências em parte amparado por uma base cultural proveniente
a sociedade livre se encarregou de criar potentes mecanismos de distinção da África. Não obstante, é recorrente em contextos arqueológicos a presença
social e de estabelecimento de hierarquias por meio da cultura material do “novo”, a ponto de tornar as diferenças muito mais salientes do que as

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semelhanças. Mesmo em conjuntos de artefatos produzidos e utilizados por Binford, L. R. 1979. Organization and Formation Processes: Looking at Curated
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