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H A N S ULRICH GUMBRECHT Ess:ts rdkx a •s In icb is sugl'ren 1 qu · nito vou a l>ord:1r 111cu

l< 'lll:l :1 partir do (antes rev olucionário e agora) venerável motivo


da "i'usão entre arte e viela" que as vanguardas elo começo do
século XX cultivavam tão teimosamente. Não apenas porque
mnsidero impossível alcançar esse objetivo (e considero mesmo),
PEQUENAS CRISES mas porque a fusão da experiência e'stética com o cotidiano neu­
traliza aquilo que há ele mais particular na experiência estética.
Por conseguinte, afirmo que "_a experiência estética nos mundos
EXPERIÊNCIA ESTÉTICA NOS MUNDOS COTIDIANOS cotidianos", apesar de apontar para um novo estado universal do.
ml.ínc iõ:S'effijxe será uma exceção que, ele maneira totalmente
natural e ele acordo com cada situação individual, desperta em nós
o desejo de detectar as condições (excepcionais) que a tornaram

possível. Uma vez que ela se opõe ao fluxo ela nossa experiência

cotidiana, os momentos da experiência estética se parecem coin

pequenas crises. ~rÇJponho agora uma ctisÜnçãÕ erítre·tr:ês-cons­

telações diferentes em que essas crises da experiência estética

Seria certamente uma primeira reação plausíve l se alguém podem ocorrer em contextos cotidianos.

dissesse que o tópico que quero tratar tem a estrutura de urn A título ele uma primeira ilustração gostaria de persuadir vocês,
oximoro. Pois, quando falamos em "experiência estética", nós suben­ se possível, a se lembrar, por um breve e potencialmente nada
tendemos que o conteúdo dessa experiência (qualquer que seja a prazeroso momento, aqueles "preciosos" ornamentos em que,
idéia ele "conteúdo") é algo que, invariável e meta-historicamente, hoje em dia, o pessoal ele limpeza nos hotéis do mundo inteiro
não está à nossa disposição em situações cotidianas. Se isso é transforma a ponta de rolos de papel higiênico. Há boatos ele
verdade, entretanto, temos que tirar a conclusão ele. que uma que esse hábito teria surgido sob a influência elo origami japonês,
experiência não pode ser "estética" e, ao mesmo tempo, parte enquanto uma interpretação mais pragmática defende a posição
çlo mundo cotidiano. Ora, a condição de não ser acessível nos ele tais ornamentos ajudarem o pessoal de limpeza a prever a troca ~;;:
nossos mundos cotidianos, não é, de modo algum, uma exdus.i­ dos rolos de papel higiênico. Mas, qualquer que seja sua origem
vicladc da experiência estética. A experiência estética divide essa ou função, meu ponto de vista é que os ornamentos podem
condição, por exemplo, com a experiência religiosa. Mas cotno desencadear um tipo de experiência estética que se impõe como
podemos distinguir entre esses modos ele experiências? Un1a uma interrupção dentro do fluxo da nossa viela cotidiana. Como
maneira de responder a essa pergunta seria dizer que aquilo segundo exemplo, gostaria de falar do movimento "Nova Óbj~.~i~ ­
que chamamos de "belo" ou "sublime" se refere a sentimentos vi9.~cl~:.,_c;:!6.s .ÇJ..Qos.}..22Q,~rnl)i~o~~scllticlq e!)tr~ QS pro~agonistas c~a
os quais almejamos (pense-se em "harmonia" ou "graça") e que, Éauhaus. Trata-se ela convicção ele que um máximo de adaptação
conseqüentemente, apreciamos a qualquer momento no qual ela fot:inà -ele um: objeto à sua função produziria necessariamente
possamos desfrutá-los na excepcionalidade ela experiência esté­ o-ma i~ ~lto valor estético. "Quanto mais funcional, mais. bonito': ·
tica. A experiência religiosa, ao contrário, poderia muito bem ser _ t~;i~ sido o lema apropriado. Em terceiro e últÚno lugar, gostaria
algo que não desejamos nem apreciamos de imediato, mas mna ele lembrá-los um desses momentos em que aquilo que consi­
experiência que nos foi imposta (imagine-se, como exemplo, o deramos uma experiência cotidiana completamente normal, de
evento dramático da conversão de São Paulo no seu caminho de repente, aparece sob uma luz excepcional, a saber, à luz de uma
Jerusalém a Damasco). experiência estética, sendo que isso acontece por causa ele uma
mudança dos moldes situacionais dentro elo qual abordamos o
objeto em questão. Às vezes, chamamos comida ele "chique",

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vemos roup;1 como "moda '', apreciamos :1 "c lcgf11Kia" tln : r ·1lt1 : :111 L'll1 quv t(': lgÍIIltlll :lt l lilltndt,, :t ex pt·dc nd:t ·s t~ : tk: 1 - v sotll('ntv
ele um. problema matemático ou estamos surpreendidos ou vindo a cx p ·dC·n ·ia v::.k~ t k :t nos ()hrig~1 a julgt~r s<.:lll a possibilida.:­
a rima que produzimos sem querer quando falamos. tk de rccorn:r ~~ dintcn::.t'>es ou conceitos estávejs. Essa fa lta de
O que esses tipos de "experiência estética na vida cotidiana" dimcnsôcs ou conceitos estáveis. em que poderíamos basear___Q.
compartilham é sua condição de_::_e?C<.:_epciqnais" dentro de um nosso jufzo é uma chs várias razões pelas quais Kant descreve
contexto maior. Mas elas são diferentes entre si na medida em que a experiência estética como ''prazer desinteressado", a saber,
cada uma depende de uma constelação diferente de circunstâncias como prazer que independe dos propósitos e das funções que
(poderíamos dizer também: na medida em que cada uma pe1tence r)erseguimos nos nossos mundos cotidianos. Mas, apesar do seu
a uma outra modalidade ele crise). Será a preocupação principal "desinteresse", junto à sua falta de dimensões e conceitos está­
no tópico seguinte descrever e analisar, no plano mais elementar veis, faz com que a experiência estética dependa, em um grau
possível, os três tipos ele experiência estética em mundos cotidia­ particularmente alto, d~§ d~i>P_C>~içÇ>eE;_ E: p_t:~L~_rências indiviclua_is,
nos que acabei de apresentar. Antes disso, porém, desenvolverei estamos espontaneamente (e,daro! contra todas as evidências)
uma série de conceitos para a descrição ela experiência estética, convet,:lcidÇJs de que todo mundo concordará ·com a nossa própria
baseados em algumas distinções-chave da Crítica da faculdade escol~~ c!o que é belo. e sublime. ·
do juízo, de Kant, do ensaio "A origem ela obra de atte", de Os argumentos e as idéias do ensaio "A origem da obra de
Heiclegger, e elo recente livro de Martin Seel sobre a "Estética da arte", de Heidegger, são muito menos transparentes. Heidegger
/ aparência".' Começando por essa abordagem confessadamente chama ele "terra" o que considera como o conteúdo ela experi­
i eclética (1), passo a discutir, em detalhe, a experiência estética ência estética, isto é, a impressão ele que podemos ver as coisas
como interrupção do cotidiano (II), a experiência estética surgindo - não necessariamente ou predominantemente as coisas que
da adaptação máxima de objetos à sua função (III) e a experiên­ desencadeiam a experiência estética -como o que são, em seu
\ cia estética resultando ela mudança do quadro situacional (IV). Ser desvelado, individual e tangível. Suponho que Heidegger usa
A minha conclusão versará sobre o estado de exaustão que, na o conceito "mundo" para enfatizar que aquilo que está sendo
minha opinião, tornou-se característico para os padrões tradicio­ desvelado não tem o status ele uma idéia ou de um protótipo
nais da experiência estética no nosso presente cultural e sobre a universal de um objeto, mas pertence, enquanto objeto individual,
necessidade ele substituir esses padrões exauridos. a situações históricas específicas (a situação histórica específica
pode até ser considerada como condição para que o desvelamento
aconteça). Nesse sentido, o conteúdo da experiência estética não
I é o templo grego sobre o qual Heidegger escreve em seu ensaio,
mas o céu e o sol, o mar e o rochedo em volta do rochedo - no
De acordo com a argumentação de Kant, na Crítica da fa­ estado de desvelamento, sendo que o templo é o catalisador que
culdade do juízo, a__c:~periência estética produz "sentirr.:et:tos desencadeia o desvelamento.
íntimos" de natureza diversa: .o sentimento da "finalidade sem Em sua "Estética ela aparência", Martin Seel diz que o conte­
flin" (o que chamamos ele "belo") ou o sentimento de algo qlli= údo da experiência estética não é simplesmente um objeto, ma~
excede as dimensões e os conceitos que usamos normalmente l.úüObjeto associado ao conceito que lhe atribuímos na nossa.
para enfrentar o mundo (o que chamamos de "sublime"). Ka11t lTriouageni. O efeito ela "~tparência", no entanto, dependeria da
- _..0
não diz muita coisa sobre os objetos que podem desencadear desvinculação elo objeto e elo conceito dos contextos conceituais
tais sentimentos íntimos. É famosa a relação que ele estabelece e materiais aos quais pertencem normalmente. Mesmo se aquilo
entre ornamentos de papel ele parede e o "belo", e entre o es­ que chamamos ele "obras ele arte" são, segundo Seel, objetos e
petáculo arrebatador do mar e o "sublime". Antes de mais nada, conceitos particularmente aptos para essa descontextualização,
ele concentra sua análise detalhada nas condições sob as quais a ele sustenta que, em princípio, qualquer objeto e seu conceito
experiência estética acontece. Diferentemente de outras situações são capazes de ser descontextualizados e assim capazes ele

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"aparece r". O efeito particular que a apart:ncia pe rmitiria seria Tvm.n:i tOll d eM('jo (' llll\:1 : q1n:. d:w~i0 p:ll'lkul:trn l<·nl<.: altn pelo
uma atenção para possíveis percepções e funções do objeto e "grúo" doJ IIUildo, pelo KC I,Jj}llltCIUIIl, para l~tze r UKO m etaf()rico de
do conceito em questão - percepções e funções que nós nem um conceito crhtdo por Roland 13arthes q uando fala da fotografia.
sequer enxergamos inicialmente enquanto se apresentam dentro Mais que nunca, talvez (e devido a esta saudade pelo grão do
do seu contexto padrão. lllundo), estamos dispostos a aceitar qualquer objeto cotidiano
co1no um objeto de experiência estética - mesmo se não nos
Com base nessas redes conceituais desenvolvidas por Kant,
esquecemos completamente da idéia de que cettos objetos são
Heidegger e Seel, gostaria de propor, como série meta-historicamente
feitos e, por isso, especificamente aptos a desencadear a experi­
válida de distinções, os seguintes quatro conceitos para a des­
(~ncia estética. Quanto às condições ela experiência estética, estamos
crição da experiência estética. O conteúdo da experiência esté­
hoje particularmente atentos para uma temporalidade específica
tica seriam os sentimentos íntimos, as impressões e as imagens
produzidos pela nossa consciência - enquanto inacessíveis aos que lhes pertence. Os conteúdos da experiência estética se nos
apresentam como epifánicos, isto é, eles aparecem repentinamente
nossos mundos historicamente específicos. A impressão de uma
("como um relâmpago") e desaparecem de repente e irreversi­
"finalidade sem fim", por exemplo, de um "Ser desvelado" ou
de um objeto e seu conceito e sua "aparência", uma vez qt1e são velmente, sem permitir-nos permanecer com eles ou de estender
sua duração. E, finalmente, quanto aos efeitos contemporâneos
desvinculados do seu contexto. Diferentemente desse conteúdo,
da experiência estética, tenho a impressão de que, num ambiente
os objetos da experiência estética seriam as coisas suscetíveis de
desencadear tais sentimentos, impt:essõ-es e imagens. o .templo cultural e social, cujo ritmo frenético (porém vazio) Jean-François
Lyotarcl uma vez caracterizou metaforicamente como "mobilização
grego, no ensaio de Heidegger, por exemplo, ornamentos de papel
de parede e o mar para Kant e, ele acordo com Seel, qualquer universal", estamos almejando, acima de tudo, um sentimento de
tranqüilidade e estabilidade interior como ele é evocado pelo
objeto. As condições da experiência estética são circunstâncias
conceito de "serenidade".
situacionais historicamente específicas nas quais a expeTiência
estética estaria baseada. "Desinteresse", por exemplo, isto é, a
distância diante ele todos os propósitos práticos que nós viemos
adotando como uma condição universal da experiência estética li
(mesmo se tudo indica que se tornou sua pressuposição na cultura
ocidental somente desde o século XVIII). E, finalmente, podemos Retornemos agora a algumas das modalidades com caráter
chamar de ~leitos da experiência estética as conseqüências e as de crise sob as quais a experiência estética pode ocorrer em
transformações decorrentes ela experiência estética, que perma­ contextos cotidianos. Começamos com aqueles casos onde a
necem válidos além do momento exato em que ocorrem. Um experiência estética é uma interrupção inesperada no fluxo do
desses efeitos seria a impressão de independência e liberdade cotidiano. Nós todos já passamos por esses momentos em que
que resulta da detecção de potencialidade até então escondidas um objeto que durante muito tempo nos foi familiar, de repente
das coisas, ou a serenidade CGelassenheit) enquanto o estado de e sem qualquer motivo visível, ganha uma aparência estranha
espírito que Heidegger associa à experiência estética. ou causa um sentimento de estranheza. Acontece comigo, mais
Em cada situação histórica particular, esses planos meta-históricos ou menos uma vez por semana, que, ao fazer a barba de manhã,
da experiência estética encontrarão suas concretizações especí­ as minhas orelhas aparecem como um acréscimo alheio ao meu
ficas (ou, talvez, devêssemos dizer "típicas"). Hoje em dia, num rosto, na maneira com que aparece no espelho. Sua forma se
ambiente cultural que nos faz perder cada vez mais o contato com torna estranha, quase grotesca; e las parecem supérfluas e
a materialidade elas coisas, apreciamos, enquanto conteúdo da desnecessárias em relação à sua função. Às vezes sinto um
experiência estética, a impressão de uma oscilação entre efeitos embaraço por sua causa, mesmo não havendo ninguém olhando
ele significação e efeitos de presença, entre os conceitos e as para mim. Sem dúvida, esses mon1entos de estranhamento se
funções que associamos aos objetos, por um lado, e sua tocabilidade. impõem no f1uxo ela minha experiência e elas minhas atividades

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cotidi<lna .s; nunca sf1o bem-vindos ou mcsn1o desejado:-~ , 111:1s .fm/1'1.(' l:tl.nh\ ' IJI , . 1i11t:1 p:trll..' ituporlantl' d;l arqui tl'lttra jnponcs:1
também chegam a um fim em total independência elas minl1 ~1s / tr;ldi<.:iotl:tl , ()1 1 k: p()rt:1s dt.: co rrer funcionam co mo moldura:-; /, ..
reações ou ela minha vontade. Será que elevo chamar esses mo­ 1 móve is, e até foi transformada num recurso típico elo cinema e ela
mentos ele "experiência estética"? Certamente corresponclem ao ; · tel~visão japonesa~~ormetonímia, poclería~nos dizer, talvez, que ' ( :':_.
que descrevemos como típicos para o conteúdo ela experiência 1: ·
certos limiares temporais cumprem funções similares. Temos uma - ) ,_,/_..(- }.·. ,~

estética no nosso mundo contemporâneo. Pois aquele efeito de expectativa e uma maior receptividade em relação a determinadas -
estranhamento de manhã cedo desencadeia uma oscilação entre perc~ões visuais, sonoras e culinárias durante as semanas antes '' ·'
os momentos em que procuro voltar ao normal, me atenho ao cjo(_Nat~ll'Nlguns ele nós antecipamos a mudança das estações \
conceito familiar e a tudo que sei sobre a função elas minhas has fortnás e cores ela moda de maneira mais intensiva durante !
orelhas ("efeito ele significação"); e aqueles outros momentos algumas semanas ela primavera e do outono (duas vezes por ano),
em que não tenho como não ficar surpreendido pela sua forma do que durante todas as outras semanas. Não hesito em reunir , r ..._._.
e materialidade repentinamente estranhas ("efeito de presença"). todos esses efeitos delib<:raclamente proch.;yçlc~s s.ob Q_cori~e}to~ · ).· 1
Por outro lado, não há motivo, nem necessidade, ele estender de "experiência estética na vida cotidiana~·. i
ao infinito o uso do conceito "estético". De qualquer maneira,
meus segundos de estrc~.nhamento de manhã destacam o caráter
repentino e surpreendente, no qual certos conteúdos podem se III
im.por no fluxo ela nossa percepção cotidiana.
O que aproxima os ornamentos do papel higiênico que men­ Se agora nos concentrarmos nesses casos onde a experiência
cionei antes e elos meus momentos de estranhamento na frente estética em mundos cotidianos depende de um nível particular­
do espelho é esse caráter repentino e irresistível com que surgem. mente alto ela adaptação de um objeto à sua função, fica óbvio
Como no caso elas minhas orelhas, esses ornamentos "atraem que a "interrupção" nào pode ser um conceito adequado para
a minha atenção" e não posso fazer nada a respeito. Também descrever a relação entre essa experiência e o cotidiano. Imagine
desencadeiam a oscilação, agora familiar, entre uma percepção uma dessas cadeiras ele design que tornaram a Bauhaus famosa e
particulam1ente forte ela qualidade material do papel e a inter­ cujas formas continuam inspirando a produção industrial ele móveis
pretação das formas em que é dobrado. Mas são diferentes dos caros até o nosso presente. As cadeiras têm como finalidade se
meus momentos privativos de estranhamento na medida em adaptarem ele maneira otimizada à anatomia e à fisionomia do
que experimento os ornamentos como um efeito que remonta à corpo humano, providenciando, assim, mais conforto às pessoas
intenção de alguém. nelas sentadas. Ora, se você se sentir confortável numa dessas
Nesse sentido, os ornamentos funcionam como os múltiplos cadeiras desde o início, você, no entanto, se dará cada vez mais
.fi·ames (agora no sentido literal,· ele moldura ou enquadramento) conta (se é que se dá conta) de como esse bom sentimento é o
que a cultura japonesa usa para chamar a atenção para certos obje­ resultado elo clesign da cadeira . A ênfase aqui está no "cada vez
tos. Isso fica bastante óbvio no caso daquelas pontes monumentais, mais", em oposição à "repentiniclacle" com a qual a modalidade
pintadas em vermelho, pelas quais se entra nos templos Shinto. anteriormente discutida ele experiência estética interrompe o coti­
Mas também no caso elas formas através elas quais os galhos elas diano. Nesse caso, a experiência estética consiste no processo
árvores num jardim japonês produzem um frame que funciona gradual ele emergência, em vez ela interrupção imposta ou ela
como um limiar no fluxo da nossa percepção, destacando, assim, epifania. Para usar a linguagem dos formalistas russos: não é o
a beleza de uma vista ou de t1ores coloridas. Essa técnica do efeito de uma "desautomatização", mas justamente a "automatização"
elo conforto ao estar sentado que pode desencadear o nosso
interesse pelos seus motivos, transformando, dessa forma, o con­
De modo geral, tradu zimosfh~unes por "moldes"; mantivemos o termo em forto numa experiência estética. Recorrendo a uma distinção que
inglês quando o autor procurou conferir-lhe um sentido específico. [N. T.]

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Jlcidcgger faz em .S'er e 'J'entjJo, poderíamos di:t.c r t.antlwm qtw V( ·rd:tdv 11:\t 1 :1! !tll:llll Sl'ndn um tnodo t:spcdfko das "pcque n:ts
um objeto perfeitamente "pronto-~t-mão" (islo é , a adaptação <.b cris ·s" do L'otidianu.
cadeira ele clesign à sua função) torna-se a condição para ele se Por mais incompatíveis que essas modalidades da experiência
transformar num objeto "presente-à-mão" (isto é, uma consciência possam parecer, à primeira vista, a perspectiva de Heidegger nos
do conforto e de suas condições). ajuda a detectar que aprender a voar um supersônico e passar .a
Podemos nos perguntar também se essa segunda modalidade sentir-se confortável num móvel (ou qualquer outro objeto que
da experiência estética em mundos cotidianos não correspon­ "usamos" diariamente) têm um ponto ele convergência surpreen­
deria a uma idéia que tomou forma durante os últimos anos da dente. Convergem na medida em que ambos são processos em
filosofia ele Heidegger, principalmente no seu ensaio "A questão nosso comportamento do dia-a-dia que podem nos aproximar,
da técnica". É a intuição de que certos fenômenos na moderna gradualmente, de momentos ele experiência estética. Visto pelo
tecnologia possam ter o potencial de se tornarem "acontecimentos outro lado Cisto é, do lado do Ser, e não do lado ela existência
ela verdade", no sentido de serem momentos do clesvelamento elo humana, do Dasein), esses processos do nosso comportamento
Ser- mas que nós perdemos tais oportunidades oferecidas pela cotidiano correspondem àqueles em que o Ser emerge por "ele­
tecnologia enquanto parte da "história do Ser" (Seinsgeschicbte) baixo" ela camada cotidiana das "entidades" (das Seiende, isto
por causa ela nossa obsessão excessiva ele ver e de usar a tecno­ é, o mundo experimentado como "pronto-à-mão", o mundo no
logia de maneira instrumentalizada. Heidegger aponta, sobretudo, sentido instrumental) para se desvelar. Insisto, no entanto, que
para aquilo que identifica como a obsessão moderna de reter o nossa segunda moclaliclacle ela "experiência estética na vida
Ser como um potencial, como uma "armação" (Gestel[), apesar cotidiana" é tudo, menos "repentina". Antes de se impor à nossa
ele deixar que o Ser apareça. Há uma pequena passagem em "O consciência, antes de interromper seu ritmo usual, trata-se de
que significa pensar?", a transcrição de uma aula que Heidegger episódios onde o Ser de uma coisa, de uma maneira bastante
lecionou no início dos anos 1950, onde, quase de passagem e literal, "cresce em nós" :
de maneira bastante surpreendente, o filósofo da Floresta Negra
imagina como voar um avião militar supersônico poderia se
tornar um caminho para experimentar um desvelamento do Ser IV
ele uma energia que seria categoricamente superior a qualquer
descrição científica da energia através de fórmulas matemáticas.
Isso nos leva a uma terceira modalidade ele experiência estética
Sempre quando leio esse parágrafo de "O que significa pensar",
em mundos cotidianos (insisto que a m.inha tipologia triparticla
me lembro do meu filho mais velho que é capitão na Focça Aé­
não tem nenhuma pretensão de exaustiviclade). Nela, o compo­
rea Alemã e que, desde que voar aviões supersônicos tornou-se
nente "cotidiano" é dado por um plano situacional primário em
para ele um.a rotina com bom domínio profissional (em outras
que certas práticas e certos comportamentos acontecem normal­
palavras: desde que voar se tornou "automatizado"), me conta os
mente. "Atrás das nossas costas", por assim dizer, esse plano
momentos de sua experiência profissional que poderiam. muito
primário passa a ser substituído por um outro plano que pode e
bem ter o status de "acontecimentos da verdade" (ou de momentos
deveria ser chamado ele "estético". Em outras palavras: trata-se da
em que ele "presencia" um desvelamento do Ser). Fico particu­
mudança pré-consciente entre planos situacionais diferentes que,
larmente feliz quando ouço meu filho dizer que "voar é tão bom
nesses casos, produzem a contigüidade - sempre excepcional
que ele nem sequer sabe por que recebe salário por isso" - e
-entre a experiência estética e o cotidiano. Meu paradigma favo­
eu me pergunto então por que ele não se refere exatamente aos
rito (e apaixonadamente admirado) para essa terceira modalidade
momentos em que, para ele, uma relação basicamente instrumental
("profissional") com a tecnologia se transforma e m tecnologia
enquanto desvelamento do Ser (em acontecimentos da verdade), Grows ort us, no original, signi[ica fan1iliarizar-se com algo, próximo de
e se, pelo fato de surgirem gradualmente, esses acontecimentos da "pegar", português coloquial ("o Ser pega "). [N.T.]

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da exp<..:riêncin eslúica 0. Iodo I ipo de espnrtv l'l1qll :ll11.o t' X'l wti 11111 l': ISO ,.;t ' lllt•llt:llllt ', t'lllll wna s ' ril' dt' dill.·rcn~·as slgnificaliv:1s,

êncla fe ita pelo espectador. Mais que qua lquer possibilicbc. lc de é aquele <.1:1 l'nlir:10 d , comida deliciosa. A primeira d iferença <.:
identificação com o time vitorioso (ou, em alguns casos, com o que a func;Jo " pr~1gmática" primária ele comer é muito mais óbvia
time underdog· ), é o fascínio por jogos bonitos que, acredito, que qualquer outra função primária e "não-pragmátíca" que
leva bilhões de espectadores desde o final elo século XIX a assis­ possamos associar à prática e ao assistir elo esporte (mesmo se,
tir aos eventos ele esporte em equipe. No futebol, rúgbi, futebol no caso de alguns eventos atléticos, origens práticas - como
americano, basketball, baseball e hockey, um jogo bonito pode exercício militar ou cuidados com a saúde -facilmente podem ser
ser descrito como epifania de uma forma complexa, corpórea e traçados). Por outro lado, isto é, do lado de um frame marca­
temporalizada. O jogo bonito enquanto forma é surpreendente damente estético, certas medidas que operam a substituição do
e, assim, epifânico porque tem que ser realizado contra o esforço frame pragmático de uma mera "ingestão ele calorias" também são
"defensivo" de outro time (e, por isso, nunca é algo previsível). muito mais visíveis. Para se conseguir uma mudança da ingestão
Ele é corpóreo e concreto porque sempre é constituído por uma puramente nutricional em direção a uma experiência estética
multiplicidade de corpos; e é temporalizado porque começa a se enquanto oscilação entre uma percepção sensorial complexa da
extinguir a partir elo momento em que começa a emergir_ Não comida (efeito de presença) e a reflexão sobre como foi produzida
há necessidade de ser um espectador "sofisticado", no sentido (efeito de significação), para operar essa mudança, uma despro­
acadêmico da palavra, para reagir a jogos bonitos exatamente com porção entre a quantidade (freqüentemente mínima) da comida
essa oscilação entre efeitos de significação e efeitos de presença, servida e o preço (muito alto) a ser pago por ela é, evidentemente,
que definimos como típicos para a experiência estética de hoje. crucial. Nos últimos anos, uma desproporção semelhante foi
Pois, por um lado, o espectador vai avaliar a contribuição ele uma enfatizada através de pratos particularmente grandes nos quais
jogada individual dentro do quadro mais amplo do resultado do jogo porções patticularmente pequenas de comida são se1vidas por
(efeito de significação). Mas ele ou ela também se relacionará com restaurantes de primeira classe- e também através da tendência
a jogada como forma corpórea que, enquanto emerge, se move de ritualizar o ato do pagamento por faturas apresentadas em
próximo aos e longe dos corpos elos espectadores, transformando, envelopes sofisticados ou em pequenas caixas de madeira. Além
assim, o espectador em parte da cena que está se desenvolvendo disso, os garçons recitam o cardápio no estilo performático um
(efeito de presença). Além do jogo enquanto objeto e ela reação tanto estranho de uma ópera, e os sommeliers (de preferência
do espectador como conteúdo de uma experiência estética, o com sotaque francês) irradiam uma autoridade de conhecimento
estádio, através do estabelecimento de uma distância entre o jogo e gosto, em comparação à qual as tradições acadêmicas mais
e o mundo cotidiano externo, se .transforma na materialização austeras pareceriam convidativos e fáceis de usar. Por último,
do "desinteresse" enquanto condição-chave para a experiência os arquitetos desses restaurantes optam cada vez mais por um
estética. No entanto, por motivos sociológicos complexos, porém modernismo ultramoderno, enfatizando, dessa forma, que são,
banais em última instância, tanto os observadores intelectuais exclusivamente, a comida e o vinho que merecem e exigem a
quanto os fãs hesitariam em definir o assistir a jogos de equipes concentração do cliente.
(e à maioria dos outros tipos de esporte) como experiência
estética. Podemos antecipar que, de fato , a maioria dos fãs mais
entusiastas se sentiria ofendida por tal identificação- de modo
que faz sentido dizer que a experiência estética é umfrmn.e que
se estabelece "atrás ele suas costas".

O time que não é favo rito. IN.T.l

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v
Cl'rl:ls 1, ·r·rtr;t:. d•• j; •Zi'.•tlt:lí•lctllv s!lnslicndas. lndepl..'tl(k-ntcmvntt'
dos i mil 1l>it :tV1 •IH nwf'ito~: intrínsecos desses gênL~ros musicais, ll:í
duas ohscrva~·ovs qtt c :1ssocio ao meu diagnóstico geral quanto
Mas que importância tem insistir na opinião de que assistir a ao estado de exausW.o dos moldes ele experiência estética. Uma
eventos de esporte ou comer em restaurantes de primeira classe delas é que se deve saber tanta coisa para captar a forma e des­
podem muito bem ser formas de experiência estética? Isso vai frutar a beleza da música erudita moderna, tanto mesmo que,
melhorar de alguma forma a comida ou o jogo dos quais frui­ para usar a expressão criada por Niklas Luhmann, suas exigências
mos? Claro que jogos bonitos e comida boa não precisam desse de inclusão se transformam em mecanismos ele exclusão social.
tipo de promoção (na pior das hipóteses, isso vai encobri-los O outro sintoma de exaustão que gostaria de mencionar é a
com uma camada elo aroma insípido da academia). O motivo obsessão contemporânea com gestos e funções "auto-reflexivos"
pelo qual considero importante falar sobre as modalidades da enquanto efeito central da experiência estética. Quanto tempo
experiência estética que ocorrem dentro dos moldes cotidianos e ainda os freqüentadores ele museus serão chateados com o tru­
sob condições que caracterizamos como "excepcionais" e como ísmo auto-acusador com que esses museus conferem certa aura
"crises" é a convicção de que os moldes "oficiais" da experiência mesmo aos objetos mais banais? Quantas gerações de leitores de
estética foram de uma estranha int1exibiliclade durante, digamos, poesia ainda serão lembradas, com uma insistência desagradável,
os últimos dois ou três séculos. O número e as formas daquelas de que é possível produzir seqüências de palavras, numa forma
situações que a cultura ocidental marcou como apropriadas para rítmica clara, sem que essas palavras estabeleçam um significado
a produção de experiência estética foram surpreendentemente igualmente claro - ou sequer qualquer significado? Existe mes­
pequenos e rígidos: livros com capas elegantes e escritos dentro mo um desejo por tanta arte e tanta literatura que se consome
de cettos confins discursivos, museus e pinturas ou desenhos em mostrando obsessivamente que é, de fato, arte e literatura?
molduras de madeira; salas de concerto e um pequeno cânone Mostrar que arte e literatura são "arte" e "literatura" cumpria
de peças musicais, de preferência do meio século, entre 1780 uma função naqueles dias longínquos, quando artistas e autores
e 1830; e a lata de sopa ocasional ou a peça de louça sanitária queriam combater a "autonomia", isto é, o "desinteresse" na
-em vez da melodia despretensiosa que se ouve ou do grC~;fflli produção e recepção de obras de arte e textos literários. Hoje,
que se vê na rua. Com exceção daqueles happenings de van­ entretanto, parece que não temos problema algum em ver a
guarda, que tanto trabalham para ir ele encontro à essência da arte como artística. Ao contrário, tornou-se vital ter consciência
arte institucional que, por um efeito paradoxal, se transformam daquelas pequenas crises na vida cotidiana, através das quais
em sua hipérbole, nada que parece não pertencer aos moldes possam emergir energicamente ilhas e novos territórios ainda não
há muito tempo estabelecidos ela experiência estética pode ser mapeados. Pois poderia muito bem acontecer que, sem aquelas
fruído como belo ou sublime. crises e ilhas, as fontes da experiência estética secariam dentro ele
Ao mesmo tempo, é difícil resistir à impressão e evitar a con­ moldes demasiadamente estreitos e de suas condições int1exíveis.
clusão de que, em termos de conteúdos e efeitos, alguns desses E já ocorreu tantas vezes no passado, que nós, os especialistas
moldes tradicionais da experiência estética alcançaram um alto acadêmicos da experiência estética, somos os últimos a notar
grau de exaustão. Para ilustrar meu ponto de vista, me refiro quão dramática se tornou essa situação.
deliberadamente a um tipo de objeto estético com o qual estou
particularmente mal familiarizado. Faço isso na intenção de me Tradução: Georg Otte
apresentar como o caso sociologicamente típico - e, eviden­
temente, não para questionar o gosto daqueles que desfrutam NOTA
essa forma de arte. O que tenho em mente é um tipo ele música
que podemos chamar de "música erudita moderna", sobretudo a 1
SEEL, Mattin. Aesthetics ojappearing. California: Stanford Universit-y Press,
música produzida na tradição da revolução atonal, mas também 2005.

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