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A Natureza como base das ações morais

Por Leo J. Elder, S.V.D.

Filósofos têm visto, desde o começo da especulação losó ca, uma forte ligação entre a
natureza humana e a moralidade das nossas ações. Diziam eles que as ações realizadas
contra o conjunto, propriedades ou tendências da natureza humana, e mesmo contra a
natureza das coisas que nos cercam, são pecaminosas, enquanto as ações realizadas
conforme a natureza são moralmente boas. Como veremos, o problema não é nada
fácil, e mais recentemente foi motivo de disputas ferozes, especialmente entre teólogos
e estudantes de Direito. Além disso, a in uência notável do atual clima espiritual no
pensamento de muitos teólogos morais os afasta da doutrina tradicional. Como escreve
João Paulo II, o interesse na observação empírica, no progresso tecnológico e em certas
formas de liberalismo têm levado as pessoas a enxergar uma oposição entre a
liberdade humana e a natureza. A Liberdade é contrastada com a natureza física e
biológica do homem: ele deveria subjugá-las às suas necessidades e desejos. Nesta
visão, a natureza humana não é nada além do substrato das nossas ações, que devemos
deixar para trás, ou, pelo menos, transformar. Di cilmente temos uma natureza
definitiva: devemos continuamente criar a nós mesmos.

Contudo, três séculos de loso a moral alinhada ao ponto de vista liberal e


individualista não deram conta de ceder uma base coerente para a moralidade. Um
estudo renovado, à luz do pensamento contemporâneo sobre este antigo problema
estudo renovado, à luz do pensamento contemporâneo sobre este antigo problema
pode, talvez, ser útil para esclarecer alguns de seus aspectos.

No que segue, pretendo considerar, sucessivamente:

(1) a idéia da natureza no passado e no presente; (2) natureza e lei natural; (3) A visão de
Tomás de Aquino sobre a aplicação da lei natural e algumas visões dissidentes; (4)
argumentos contra o recurso à natureza; (5) algumas conclusões.

Uma história concisa do conceito de natureza

Examinando a história do conceito de natureza, vemos que os lósofos jônicos usavam


o termo para identi car a natureza própria das coisas, seu comportamento, e
especialmente a matéria de que elas eram feitas. Eles ainda usavam a palavra para
denotar o vir-a-ser, que é a geração de coisas de uma natureza particular. Neste sentido,
“natureza” signi ca tanto o processo contínuo de vir a ser e perecer como o resultado da
mudança de alguma natureza em particular. Finalmente, para os pré-socráticos,
natureza também signi cava o todo da realidade, do mesmo modo como hoje dizemos
“natureza”, a ordem de coisas imbuída de razão. Os primeiros tratados de loso a eram
nomeados Da natureza.

Na segunda metade do século V a.C, o termo também começou a ser usado para
identi car também a natureza humana. Filósofos então falavam de uma oposição entre
“natureza” e “lei”. Aqueles que viviam na Grécia nesse período de iluminação relutavam
em deixar-se limitar por regras ou costumes, e preferiam ser controlados por seus
impulsos naturais (1). Platão criticava esta linha de pensamento defendida pelos
so stas. Ele também rejeitava o determinismo. No mundo, trabalham design e arte, e
isto signi ca que a mente dirige processos. Ainda, cada uma das naturezas de diferentes
espécies de coisas é dependente de uma idéia (2).

De acordo com Aristóteles, natureza é a essência das coisas que têm em si mesmas um
princípio de movimento. Por isso, a natureza está relacionada com atividade e
movimento. Contra Platão, Aristóteles retornou à antiga tradição dos pré-socráticos no
que diz respeito ao signi cado original do termo. No entanto, ele aceitou o melhor dos
insights platônicos: physis é, em primeiro lugar, a forma, o que dá às coisas sua
inteligibilidade. Aristóteles deu à natureza os atributos que Platão havia dado à alma, a
saber, regularidade e propósito (3). Natureza deve ser distinguida de acaso e produção
arti cial. A questão do estagirita é colocada no contexto da causalidade: de onde as
coisas vêm e como algo como o desenvolvimento natural é possível. A resposta é:
“devido à sua natureza”. Natureza não é uma causa extrínseca, mas o princípio de
movimento inerente nas coisas. É a essência, ou substância, das coisas que têm a
origem da mudança em si mesmas. Entre os pré-socráticos, havia uma tendência de
reduzir a natureza à matéria, mas Aristóteles considerava ser a forma o conteúdo
principal. A natureza dos elementos é o princípio de seu movimento (4). Ele também usa
o termo physis quando trata de toda a realidade física e da ordem teleológica do
o termo physis quando trata de toda a realidade física e da ordem teleológica do
universo.

No monismo dos estóicos, natureza é a combinação de matéria, força e mente. A força,


ativa no universo, impõe forma à matéria. Zenão considerava este princípio o mesmo
que physis, que, por sua vez, identi cava com o fogo. Comparável com um artista que dá
forma aos objetos, este conceito cumpre todos os requisitos que Platão havia dado à
Alma do Mundo. É o mesmo que o Logos, o íntimo coração da realidade, do qual faz
parte o intelecto do homem. Desta forma, Crísipo pôde explicar o dictum de Zenão
sobre o movimento constante: é o dever de agir segundo a natureza. Na mesma linha,
Marco Aurélio convida seus leitores a “seguir um caminho reto, guiado pela própria
natureza e pelo Poder universal” (5). Em uma passagem notável, Cícero escreve que
nem as leis das nações, os decretos governamentais, as sentenças judiciais ou a opinião
da maioria constituem o certo se não encontrarem sua base na norma da natureza
(naturae norma), o único critério que nos permite distinguir o que é bom e honesto do
que é ruim e ilícito (6). De acordo com Cícero, a natureza como norma está presente em
nossa mente e nós a conhecemos espontaneamente (7).

O neo-platonismo de Plotino, por outro lado, apresenta uma nova visão: a natureza é
hipostática, uma manifestação mediata do Um, derivada da Alma, isto é, uma alma de
posto mais baixo, encontrada entre a Alma do Mundo e as coisas materiais. Sua função
é dirigir o processo cósmico.

Os primeiros pensadores cristãos foram in uenciados pelo estoicismo e sua


impressionante doutrina moral sobre a vida em harmonia com a natureza e a razão.
Embora eles tenham emprestado este pensamento dos estóicos, seu ensinamento
moral foi profundamente religioso e baseado no Velho e no Novo Testamento. Ao
escrever sobre cotidiano, nutrição, vestimenta e cosméticos, Clemente de Alexandria
insistia nas lições que a natureza nos ensina: toda luxúria ostensiva deve ser evitada:
devemos seguir a natureza. Em seu Paidagogos II, 1, 4 e ss., ele insiste na ideia de que
devemos usar coisas como o corpo, comida, faculdades sexuais e riqueza segundo sua
natureza, ou seja, segundo o que essas coisas são para o homem. Sobre a vida sexual,
Clemente a rma o princípio de que ninguém deve forçar a natureza para o contrário do
que ela mesma propõe (8). Tanto ele como os Padres condenavam explicitamente a
tentativa de tornar estéril o sexo.

A teologia moral de Orígenes é profundamente bíblica. Em sua Quinta Homilia do Livro


de Josué, ele atenta para o lugar de Cristo na vida dos cristãos: mesmo os mandamentos
da lei natural devem ser entendidos à luz de Cristo, embora venham até nós através de
Deus. Tertuliano foi outro cristão primitivo para quem a “natureza” é a chave da vida
moral. Tudo o que a natureza nos ensina também nos foi ensinado por Deus. Ele
escreve: “Ouçam a natureza… ela é nossa professora” (9). A natureza recebeu suas leis
de Deus. Obedecer a natureza é obedecer a Deus. Escrevendo sobre luxúria, Tertuliano
chega ao ponto de a rmar que Deus não se apraz com o que Ele mesmo não fez, como
vestimentas de cores berrantes. O modo como as pessoas usam certas coisas nem
vestimentas de cores berrantes. O modo como as pessoas usam certas coisas nem
sempre faz jus à sua origem em Deus (10). Ele ainda escreve que o que nos chega pela
natureza é trabalho de Deus, mas o que é feito pelo homem é trabalho diabólico. Um
argumento similar é usado por São Cipriano ao condenar a luxúria exagerada que
tomava Cartago em sua época. Deus fez simples as coisas, e, por isso, mulheres não
deveriam mudar a cor de seus cabelos e o aspecto de suas orelhas ou de sua pele, mas
preservar estas coisas do modo como receberam. (12) Michel Spanneut vê uma forte
influência estóica nesta exortação para manter a simplicidade da natureza. (13)

Contudo, os Padres da Era de Ouro vão muito além dessa posição, a rmando que a
santidade nos eleva para acima da natureza (14). De fato, com citações frequentes de
textos bíblicos, eles insistem ser um ótimo negócio viver de acordo com as exigências do
Evangelho. De qualquer maneira, o tema da natureza como fonte do conhecimento
moral permanece presente. No tratado Da Providência, VIII, S. João Crisóstomo escreve
que Deus, ao criar a forma do homem, incutiu nele uma lei inata, superior à razão, que
o serve como guia. Abel e Cain conheciam essa lei sem nunca tê-la estudado.
Infelizmente, a maioria das pessoas rejeita as lições que a natureza fornece. Assim, Deus
abriu outro caminho para ensinar o homem. A natureza não é alterada pela graça, mas
nossa vontade e nosso discernimento o são. Nas suas homilias contidas na Carta aos
Romanos, c. 6, hom. 5, São João Crisóstomo atenta para o conhecimento inato dado por
Deus sobre as obrigações morais do homem, mas não chega a desenvolver uma teoria
sistemática dos conteúdos da lei natural.

O valor das lições morais de Santo Ambrósio é rebaixado por alguns autores que o veem
quase como um copiador de Philon, Cícero e Plotino. A isto dizemos que, embora ele
tenha de fato usado os mesmos termos de seus predecessores não-cristãos, Ambrósio o
fez com signi cados completamente novos. Foi um processo de substituição —
conteúdo cristão substituindo idéias pagãs — não uma síntese de pensamento cristão e
pagão. Dada a sua familiaridade com Cícero, é surpreendente que ele não o tenha
aproveitado ainda mais em favor da lei natural. Para ele, uma doutrina pagã básica,
como a da vingança, tem de dar lugar ao Evangelho, que a proíbe. Encontramos
referências ocasionais da natureza como fonte de lei moral, por exemplo, quando ele
escreve que a natureza estabeleceu um direito à propriedade comum para todos (17).

Passando agora a Santo Agostinho. O Bispo de Hipona defende que, comparável à


iluminação intelectual da mente humana, recebida por Deus, existe também uma
iluminação moral: o homem recebe de Deus esclarecimento moral, isto é, a consciência,
que é a participação na Lei Eterna de Deus (18). Ele menciona esta Lei em muitos textos.
Deus, nosso Criador, escreveu com suas próprias mãos uma lei em nossos corações: o
que não queremos que seja feito conosco, não devemos fazer aos outros (19). Para
conseguir enxergar essa lei divina, o homem tem de se encontrar com seu íntimo (20).
Contudo, a impressão geral que obtemos ao estudar as obras do grande Doutor é a de
que a doutrina da fé absorveu os ensinamentos morais (21). Sua teologia moral é
desenhada a partir das Sagradas Escrituras (22). É di cílimo, ele escreve, compreender,
desenhada a partir das Sagradas Escrituras (22). É di cílimo, ele escreve, compreender,
sem auxílio da Graça, a completa extensão dos preceitos que Deus colocou em nossos
corações (23). Apesar desses textos, parece que a doutrina da lei natural, como evidente
ao homem, é levada ao plano de fundo. No entanto, em relação a certas questões,
Agostinho procede um exame cuidadoso guiado pela razão e pela argumentação (24). O
objetivo a ser alcançado na vida humana é a felicidade, ou melhor, a beatitude, que é a
conquista autêntica da nossa natureza.

Embora Santo Agostinho use “natureza” em seu sentido ordinário — a natureza


essencial das coisas — neste sentido mesmo Deus é natureza (25) —, seu ponto de vista,
quando usa o termo, é decididamente histórico e teológico. Ele vê a natureza humana
através do plano de fundo da relação entre o homem e Deus. A natureza humana é o
ser do homem como Deus criou Adão: “… a natureza como foi originalmente criada, sem
defeitos, é propriamente chamada natureza humana”. Ele defende que a natureza do
homem foi corrompida na Queda, posição não compartilhada por Santo Tomás de
Aquino (27). A redução da natureza à vontade de Deus é tão proeminente em Agostinho
que ele chega a a rmar que milagres não violam a natureza, pois “a vontade de Deus é a
natureza de todas as coisas” (28). Assim, Agostinho a rma que devemos usar com
devoção a capacidade que tem as coisas da natureza, como corpos físicos e animais,
para signi car uma realidade mais alta. Ele introduziu a expressão “o Livro da Natureza”,
que é, segundo ele, uma fonte de conhecimento para uma realidade mais alta, como
também é a Bíblia (29). A expressão “o Livro da Natureza” foi frequentemente usada na
Idade Média.

No platonismo cristão de Dionísio, o mundo sensível manifesta os mistérios divinos (30).


De acordo com Pedro Damião, podemos traçar exemplos para a nossa vida moral a
partir da natureza de todo o mundo animal, que é, para ele, apenas uma alegoria
sagrada (31). Contudo, referências à lei natural são escassas em seus trabalhos. Como
poder-se-ia suspeitar, Pedro Abelardo contraria a tradição Agostiniana segundo a qual a
razão humana é capaz de formular leis básicas para a vida. A Justiça é derivada da lei
natural, que é anterior ao Evangelho, tanto no tempo como por sua natureza (32). De
acordo com Pedro Lombardo, o verdadeiro sentido do conceito de natureza é “aquele
estado de retidão em que fomos criados, e que se manifesta como uma faísca da razão
— a synderesis — e o movimento da vontade em direção ao bem. Esta natureza, que
antes da Queda brilhava em todo seu esplendor, agora se mostra apenas como uma
faísca, como o que sobrou em nós da natureza humana (33). Para concluir, poderíamos
dizer que, ao m do século XII, a maioria dos teólogos considerava a natureza humana
uma fonte para a doutrina moral, na medida em que a razão pode distinguir o que é
certo do que é errado. Deus escreveu uma norma no coração do homem (34).

Acima, demos atenção à visão medieval da natureza como um re exo do mundo


espiritual. Além da natureza humana, as coisas naturais, em geral, demonstram ter
sabedoria e propósito, assim como regularidade. Onde há propósito e regularidade, há a
causa que os produziu (35). Neste sentido o ditado foi cunhado: “opus naturae est opus
causa que os produziu (35). Neste sentido o ditado foi cunhado: “opus naturae est opus
intelligentiae” (36). Alguns autores, como Guilherme de Conches e Teodorico de Chartres
chegaram a colocar a natureza no centro, negando seus laços com o Criador (37).
Entretanto, para a maioria dos teólogos do ocidente a natureza permaneceu um
instrumento de Deus e um espelho de uma realidade mais alta.

Chegando ao conceito tomista de natureza, vemos que Tomás subscreve a de nição e


divisão aristotélica dos sentidos do termo. “De acordo com Aristóteles em Metaph. V, o
nome natureza é primariamente usado para signi car a geração contínua dos seres
vivos. Como este modo de geração parte de um princípio intrínseco, o signi cado do
termo foi estendido para denotar o princípio intrínseco de qualquer movimento. Assim a
natureza é de nida no livro II da Física. Já que este princípio é ou formal ou material,
tanto a matéria como a forma são chamadas natureza. Ora, como a essência de
qualquer coisa encontra sua completude através de sua forma, a essência de cada coisa,
expressa por sua de nição, é normalmente chamada natureza” (38). Este é o sentido
em que ele usa o termo no tratado sobre a Trindade, de onde nós retiramos a citação.
Assim, o termo pode signi car desde o princípio intrínseco do movimento de
crescimento até o princípio intrínseco de qualquer outra espécie de movimento (39).

Tomás de Aquino teve de enfrentar a di culdade de distinguir entre o movimento


natural e o provocado. As coisas da natureza estão sujeitas a serem movidas por
agentes externos. Água, quando aquecida pelo sol, muda. Corpos naturais têm uma
potência natural para suas formas apropriadas, além de uma espécie de desejo natural
para adquiri-las, mesmo que tenham de fazê-lo com ajuda de in uências causais
externas. Por outro lado, coisas feitas artisticamente[1] não têm uma potência natural
para as formas que o homem lhes deu. A distinção proposta por Aquino parece ser
bastante sutil. Ela faz sentido se aceitarmos um plano do Criador para as coisas naturais
em suas relações mútuas, como, por exemplo, água e calor. Aqui temos um exemplo
que ilustra como o conceito tomista de natureza tem um conteúdo bastante rico, uma
vez que assume implicitamente as relações mútuas entre as criações divinas. Ele
escreve, portanto, na Summa contra gentiles: “O trabalho da natureza pressupõe a
criatividade ativa de Deus” (40).

Sozinho, o termo natureza aparece quase 4800 vezes na Summa theologiae, sem
acompanhar a presença persistente do adjetivo naturalis. O termo complexo natura
humana também aparece com muita frequência. O termo natura normalmente aparece
no sentido de “ser essencial” das coisas. A natureza especí ca das coisas vem de Deus,
que as criou sem intermediações; são participações contínuas nas idéias divinas. Isto
explica porque são tratadas como fontes das regras que, por vontade de Deus, regem
nosso comportamento. De fato, quando Tomás escreve que os objetos que nos atraem
são naturalmente percebidos como bons, ele vê nossa natureza como participação no
ser de Deus e como expressão do plano divino para governar a criação. Voltaremos a
este ponto na próxima sessão.
Em relação ao resto da história do termo “natureza”, mudanças importantes em seu
signi cado ocorreram na idade moderna. Cientistas começaram a considerar as coisas
físicas através de uma perspectiva matemática, e passaram a dar menos atenção à
nalidade como expressão da atividade das coisas naturais. A teoria das formas
substanciais e dos quatro elementos foi abandonada e substituída pelas propriedades
químicas e pelas forças físicas calculáveis. Para Tomás de Aquino era óbvio que a
natureza depende de Deus e é governada por Ele, mas, na era moderna, a natureza
passou a signi car, para muitos, a realidade última. No século XVIII, a natureza chegou a
ser objeto de uma quase veneração religiosa. Entre os teólogos prevaleceu o costume
de ver a ordem sobrenatural como um bônus que não altera a natureza humana, mas
permite ao homem viver em seu habitat natural sem referência à ordem da graça. A
natureza consiste em fatos observáveis e devemos segui-la, pois tudo o que a natureza
faz é bom (41).

C o m Descartes, a mente humana se coloca fora e acima da natureza. O dualismo


“mente – corpo” leva ao dualismo “mente – natureza” (42). Já Kant deixou a mente
humana tomar o lugar de Deus, o legislador supremo. A natureza agora está subjugada
pela inteligência prática do homem. Hegel empresta de Aristóteles o conceito de
natureza como um processo que tem m em si mesmo, que identi ca o ponto de
partida com a linha de chegada. Natureza como geração transforma-se em natureza
como ser e vice-versa. De acordo com Marx, a grandeza da fenomenologia hegeliana
está em compreender que a produção do homem pelo homem é o resultado do próprio
trabalho humano.

No despertar do nominalismo e do empirismo, a doutrina segundo a qual as coisas têm


uma natureza xa e imutável foi abandonada por muitos naturalistas, especialmente
depois que a teoria da evolução de Darwin, como foi proposta em seu livro A Origem das
Espécies, encontrou vasta aceitação. Um grupo ou classe de animais aparentemente
similares não possui natureza estabelecida. Darwin acreditava que, ao invés da “grande
corrente dos seres”, existe uma multidão de variações in nitas (43). Um bom número de
físicos tende a considerar a natureza das coisas como a soma das relações que elas
carregam no mundo (44). De acordo com os fenomenólogos, a natureza humana é
ininterruptamente afetada pela existência humana e exposta a mudanças constantes.
Um tratamento ainda menos simpático veio dos lósofos analíticos, para quem
enunciados a priori sobre a natureza humana não são veri cáveis e, portanto, não têm
sentido.

II – Natureza e lei natural

Uma negação bastante sincera da visão tradicional sobre a natureza humana é proposta
nos trabalhos de Jean-Paul Sartre. O homem não é nada além daquilo que ele faz dele
mesmo (46). Sartre precisa deste postulado para assegurar a liberdade completa do
homem. De acordo com o lósofo existencialista francês, uma decisão verdadeiramente
livre é um projeto, isto é, um ato que nasce espontaneamente sem quaisquer in uências
livre é um projeto, isto é, um ato que nasce espontaneamente sem quaisquer in uências
ou determinações (47). Em cada escolha livre, o rompimento com o passado deve ser
total. Uma natureza humana funcionando como bússola para guiar o homem
simplesmente não existe: fosse o caso, ela nos “projetaria” para frente o tempo todo. A
teoria de Sartre exerceu in uência considerável na geração pós-guerra. Expressou o que
um bom número de pessoas em nossa sociedade ocidental pensa sobre a ação humana
(48). Também existem autores que rejeitam a natureza como fonte para o
comportamento moral, pois, para eles, imitar a natureza signi ca rebaixar-se a um
patamar animal. Não foi Ulpiano quem disse que “a lei natural é o que a natureza
ensinou a todos os animais”? (49). Mas o homem está muito acima desse patamar.
Assim como ele impõe sua vontade ao curso dos rios, clama suas terras, constrói ilhas
arti ciais e doma os animais, também pode dar à sua própria vida e à sua sexualidade a
expressão que lhe condiz.

Muitos autores a rmam que a lei natural não existe, uma vez que o fundamento sobre
o qual ela foi construída está destruído: não há determinação natural que possa nos
impor suas regras: nós decidimos livremente sobre nosso agir. Normas, eles supõem,
dependem do entorno cultural. O relativismo moral é a melhor abordagem para a vida
moral. Um antropologista pode apontar diferentes formas de comportamento em
diferentes culturas, algumas das quais podem ser abomináveis para outras. John Locke,
dizem, foi um precursor deste ponto de vista. Em seu Ensaio acerca do Entendimento
Humano, Locke observa que é muito raro encontrar um princípio moral que não tenha
sido desprezado ou condenado pela opinião dominante de alguma sociedade (50).
Legisladores e juízes notam uma discordância considerável entre os cidadãos, e,
enquanto não for prejudicial a alguém, deixam fora de suas decisões o que eles
consideram ser parte da moralidade privada. A distinção entre o errado em si mesmo e
o errado porque é proibido cou incerta. Eles propõem tolerar o máximo de liberdade
individual consistente com a integridade da sociedade.

Isso nos leva ao último e mais decisivo fator para a rejeição da natureza humana como
base para o agir moral: o aumento abrupto da consciência sobre a liberdade pessoal.
Um bom número de nossos contemporâneos conserva o desejo de tornar-se
absolutamente livre do que a natureza ensina. Ora, esta posição leva a algumas sérias
consequências:

1. Em primeiro lugar, produz uma certa desordem no modo como o homem


organiza sua vida: o leva à falta de consistência nas suas atividades. Ao invés da
razão, governa o instinto.

2. Nossa vida pessoal não encontra outro objetivo além da preocupação em agir
sem inibições. A unidade da nossa vida mental e moral está perdida. As virtudes,
a lei natural, a tradição e os costumes não são mais valores positivos, uma vez
que eles impõem restrições à vontade e reduzem a liberdade.

3. Escolher uma certa ação sem motivar-se em algo além do sentimento


3. Escolher uma certa ação sem motivar-se em algo além do sentimento
dominante em certo momento acaba por matar o pensamento. As pessoas não
sabem mais sobre o que estão falando ou o que querem fazer. Elas querem
chegar em algum lugar mas não sabem onde esse lugar fica (51).

4. Essa noção de liberdade causa o colapso da delidade. O que se deseja é


mudança constante. Destaca esse modo de pensar o fato de que os frutos da
tecnologia estão incessantemente dando seus lugares a novos produtos.
Mesmo as famílias deixaram de ser a pedra angular que foram outrora.
Con itos entre pais e seus lhos crescidos, promiscuidade, troca de parceiros,
divórcio, recusa a uniões estáveis, coisas que antes eram tratadas com repulsa,
não são mais a exceção, mas modos de vida toleráveis.
5. Por trás de muitas dessas mudanças, trabalham o individualismo moderno e o
subjetivismo. Os sentidos de dever e bem comum, consequências de participar
da cidadania de um certo Estado, estão enfraquecidos. O litígio cresce junto com
a crítica ao governo e às instituições. É como se as pessoas estivessem cando
egoístas.
6. Muitos rejeitam a lei natural com o objetivo de conquistar mais liberdade.
Quando o fazem, normalmente apelam para a própria consciência, mas muitas
vezes o termo “consciência”, como é usado pelo homem ocidental moderno,
não signi ca mais do que escutar os próprios desejos e formular opiniões
baseadas neles. Muitos de nossos contemporâneos desejam completa
autonomia em suas vidas morais e se recusam a ser subjugados por normas ou
mandamentos propostos pela Bíblia, pela Igreja, pela tradição ou pelo costume.

Abandonar a natureza como critério para os nossos atos chegou ao ponto de fazer com
que, em loso a política, alguns autores usassem a expressão “democracia
procedimental” para sugerir que um governo deveria sistematicamente preferir a não-
religião à religião, a livre união ao casamento, o aborto à proteção do nascituro, etc.
Outras áreas que abandonaram as normas da natureza ou foram deixadas aos bolsos
de grupos privados são as dos pacientes terminais e embriões humanos. Cientistas,
buscando grandes conquistas nanceiras, querem dispor de total liberdade para
explorar o potencial de obter materiais para medicamentos capazes de curar certas
doenças.

III – Tomás de Aquino sobre a aplicação da lei natural e algumas visões


dissidentes

As coisas da natureza são boas ou ruins conforme elas possuam ou não aquilo que
concorda com e pertence às suas naturezas. Ora, o que especi ca a natureza humana é
a razão. Portanto, Santo Tomás conclui com Dionísio que “o bem do homem é estar em
concordância com a razão; seu mal é estar em con ito com ela” (52). Nesta visão, a
qualidade moral de um ato é sua conformidade (ou falta dela) com o que a reta razão
estabelece como útil ou necessário ao homem. A relação de certas ações com nosso
estabelece como útil ou necessário ao homem. A relação de certas ações com nosso
bem é um fato objetivo. De acordo com Aquino, a razão descobre essa conformidade ao
invés de construi-la. Em última análise, essa relação foi colocada nas coisas pelas mãos
do Criador. O homem descobre o que Deus quis que nossas ações fossem e o que
signi cassem; ele toma para si o que Deus intencionou colocar nas criaturas (54). Contra
uma visão difundida em sua época, Aquino a rma que a lei natural não é inata, a não
ser que se esteja falando de seu fundamento na natureza humana. A lei natural é
natural na medida em que formula espontaneamente seus primeiros princípios com
base em nossas inclinações fundamentais. Isso abrange mais do que os preceitos
formulados sem maiores re exões pelo nosso intelecto. Sua extensão compreende
todas as obrigações morais que podemos deduzir desses primeiros princípios. Uma vez
que a lei natural está enraizada na natureza humana, ela é universal e eterna. No
entanto, as inclinações naturais não são a lei natural, mas as obrigações que decorrem
dela. Certas ações, escreve Tomás, são boas para o homem pois conformam-se com sua
natureza.

Entretanto, é errado pensar que na maioria dos casos uma simples análise de objetos
isolados nos permite estabelecer uma regra de conduta. A relação entre as coisas é
muito complexa. Santo Tomás introduz uma distinção entre a natureza particular e a
natureza universal, aplicável para a relação entre o corpo humano e suas partes. O
mesmo vale para indivíduos humanos e a sociedade de que eles participam. Pode
acontecer de alguma coisa estar conforme uma natureza particular mas ser contrária à
natureza universal. Um exemplo é a amputação de um órgão doente ou outro membro
do corpo humano para salvar uma vida. A morte das plantas e dos animais, que é
claramente contra suas próprias naturezas, podem beneficiar a natureza como um todo.

Tomás de Aquino evita a expressão “contra a natureza” ou “conforme a natureza”. Na


maioria dos casos ele utiliza “de acordo com a razão” ou “contra a razão” para
determinar o que é moralmente bom ou mal (I-II 18, 5 ad. 1). É a razão que conhece o
bom ou o mal do homem e que formula sobre o que é bom ou mal para ele (58). Tomás
acrescenta a seguinte consideração: a alma racional é a forma substancial do homem.
Portanto, o homem tem uma inclinação natural para agir em conformidade com a razão
(59). O que é contra a ordem da razão é contra a natureza humana (60). Na maioria das
vezes, Tomás reserva a expressão “contra a natureza” para signi car atos contra a
natureza animal do homem (61). A natureza humana torna-se a fonte de moralidade de
certos atos pelo intermédio das inclinações naturais do homem (62). “Todas essas coisas
para as quais o homem naturalmente está inclinado são apreendidas pela razão como
sendo boas, consequentemente como objetos a serem procurados. Seus contrários são
apreendidos como maus, e consequentemente como objetos a serem evitados. Sendo
assim, a ordem dos preceitos da lei natural está conforme a ordem das inclinações
naturais” (63). Estas inclinações incluem as exigências e necessidades básicas dos seres-
humanos. As ações para as quais somos inclinados são resultado da nossa natureza
guiada pela lei natural. Existe em todos nós uma inclinação natural para agir de acordo
com a razão, que age virtuosamente. Desta forma, agir virtuosamente é fruto da lei
com a razão, que age virtuosamente. Desta forma, agir virtuosamente é fruto da lei
natural. Entretanto, ações virtuosas individuais não o são: há muitos atos virtuosos que
as pessoas realizam devido a algum discernimento que obtiveram ao longo da vida, sem
que, para estes atos, houvesse convite da natureza. Um bom exemplo é a criação de
organizações humanitárias.

Deste modo, Tomás faz uma distinção entre preceitos fundamentais e regras de
conduta de formulação ulterior (64), por vezes chamadas preceitos primários e preceitos
secundários. Os primários são discernimentos da razão imediatamente evidentes, e
versam sobre deveres e tarefas básicas, comparando-se aos primeiros princípios da
inteligência especulativa. A partir da re exão, do raciocínio e do recurso à experiência,
derivam-se desses primeiros princípios imediatamente evidentes — de certa forma
correspondentes aos Dez Mandamentos —, outras regras de conduta (65). Abre-se com
isto um vasto campo para novos desenvolvimentos na vida em sociedade. A distinção a
que procedeu Tomás foi antecipada por alguns teólogos medievais da primeira metade
do século XIII (66).

Para as ações que extrapolam as necessidades imediatas do homem, quem determina


o que deve ser feito é a razão. A esse respeito, a razão tem certa margem sobre a qual
deve valorar os resultados esperados de determinada ação. Existem atos com efeitos
duplos, e outros com uma certa extensão determinada pelas circunstâncias (67).
Entretanto, o homem não pode reinventar a nalidade de atos que estão diretamente
ligados às nossas inclinações fundamentais e cuja nalidade é determinada pela
natureza, mesmo que a intenção com que são praticados seja honesta. Agindo desta
forma, o homem estaria contradizendo seu próprio ser e opondo-se à intenção do
Criador. Como esta referência ao Criador indica, há uma interação entre a ética filosófica
e a ética Cristã. O homem recebe sua natureza de Deus. Re etindo acerca desta dádiva,
ele compreende e decifra o que deve ser feito (68). Contudo, enquanto os chamados
primeiros preceitos da lei natural são conhecidos por todos, alguns dos preceitos
derivados, devido à sua complexidade, podem não chegar ao reconhecimento de
algumas pessoas.

Para ilustrar a importância que Santo Tomás dá à lei natural, pode-se citar alguns de
seus argumentos: diz-se que mentir é pecado porque o discurso é signo do
pensamento; é inatural e errado dizer em palavras o contrário do que se tem em mente
(69). — A injustiça é pecaminosa pois implica in igir dano a outrem e obter mais do que
se é devido (70); cometer suicídio é absolutamente ilícito, pois é ato contrário à
inclinação natural de amar a si mesmo e manter-se vivo; ademais, uma pessoa é parte
da sociedade, e não poderia arbitrariamente retirar-se dela (71); inebriar-se é imoral
pois voluntariamente e conscientemente priva-se do uso da razão (72); o orgulhoso
peca porque eleva-se acima da própria condição e não se satisfaz com o que é
proporcional a si mesmo (73); positivamente, rezar é exigido de nós, já que dependemos
de Deus.

Para concluir algo sobre nossos deveres, intervêm a razão e a argumentação, embora
Para concluir algo sobre nossos deveres, intervêm a razão e a argumentação, embora
alguns discernimentos não atinjam certos grupos de pessoas. Algo assim pode ser
causado por algumas situações particulares e pela in uência do homem no meio-
ambiente. Não é algo que pode sempre ser evitado pelos indivíduos. O desenvolvimento
da vida social e política traz consigo o crescimento das relações humanas e o uso cada
vez mais complexo da natureza e dos artefatos. Pode-se pensar em agricultura
industrial, grãos geneticamente modi cados etc. O princípio “nullues peccat in hoc quod
utitur aliqua re ad hoc quod est” (74) encontra aplicação no crescimento de complexidade
da vida cotidiana. O direito à propriedade privada é muitas vezes dito ser parte da lei
natural. Aquino, no entanto, pensa que, para o bem da utilidade e de uma vida
comunitária ordenada, a vida, a terra, as construções e a riqueza, que são basicamente
posse de todos, passaram à posse de indivíduos (75). Quanto mais descemos a detalhes,
mais saímos das estipulações básicas da lei natural. Em seus princípios, a lei natural é a
mesma para todos, mas os desdobramentos podem variar. Progredir no entendimento
das nossas obrigações fundamentais também é possível, como se vê no
desenvolvimento das teorias dos direitos humanos e no modo como os fortes e os
fracos são tratados (76).

Outra questão a ser colocada é se certas partes da lei natural podem mudar ou serem
anuladas. É impossível que os primeiros princípios da lei natural mudem ou sejam
anulados. Quanto aos preceitos derivados, pode acontecer que eles não sejam
aplicáveis. Algumas di culdades clássicas na teologia moral católica são as ordens de
Deus para que Abraão matasse o próprio lho; para que os judeus roubassem
embarcações de prata e ouro dos egípcios; para que o profeta Oseias tivesse relações
sexuais com uma prostituta. A solução de Tomás para o problema, como apresentada
na Summa Theologiae, é a seguinte: a lei natural consiste em preceitos formulados pela
mente humana. Deus, o Criador da natureza, pode mostrar para uma pessoa que um
certo ato não mais se aplica ao preceito formulado, e que o que permanece verdadeiro
para o homem não obriga a Deus. Aquino assinala que matar um inocente é crime.
Mesmo assim, milhares de pessoas morrem diariamente em eventos que envolvem a
causalidade divina. Para provocar a morte de alguém, Deus também pode usar uma
pessoa ao invés de causas naturais. Da mesma forma, todas as posses humanas
pertencem, em primeiro lugar, a Deus. Finalmente, Deus também pode ligar uma
mulher a um homem fora do casamento (77). À primeira vista, essa solução parece
arbitrária e insatisfatória. De um lado, Deus impôs certas regras de conduta ancoradas
na natureza humana. De outro, ele as torna nulas. A isto responde-se que, em certo
sentido, a natureza das coisas é composta pelo que Deus faz. Tomás dá o exemplo da
água, que se espalha igualmente segundo a sua natureza, mas é erguida à altura de um
maremoto sob in uência lunar, o que não contraria a natureza da água. Do mesmo
modo, uma ação causada ou desejada por Deus, de quem depende a atividade natural
das coisas, não contraria suas naturezas (78). Essa solução é interessante por mostrar
que, para Aquino, fator dominante não é a estrutura físicas ou biológica, mas o
discernimento que nos faz ver e formular os preceitos morais básicos.
discernimento que nos faz ver e formular os preceitos morais básicos.

A ética tomista está longe de querer limitar o homem por uma cega submissão aos
fatores biológicos. Ela coloca a vida humana à luz da razão e das idéias divinas, nos
convidando a viver de acordo com nosso ser verdadeiro e nossa vocação autêntica. A
pessoa humana formula sua lei natural, pois, nas circunstâncias mutáveis da nossa
existência histórica, devemos determinar o signi cado moral das nossas ações e da
forma como usamos as coisas. João Paulo II escreve: “a lei natural expressa e prescreve
as nalidades, direitos e deveres, baseada na natureza corpórea e espiritual da pessoa
humana… É pela ordem racional que o homem é chamado pelo Criador para dirigir e
ordenar sua vida e seus atos e usar e dispor de seu corpo” (79).

Depois de Aquino, Escoto e, sobretudo, William Ockham zeram a moralidade depender


exclusivamente da vontade de Deus. No século XVI, o estudo da lei natural oresceu em
Espanha e Europa Ocidental. Autores importantes são Vitoria, Suarez, Hugo Grotius,
Samuel Pufendorf e John Locke. A visão de Suarez sobre a lei natural tendia a separar a
razão humana da natureza que nos cerca. Esta disjunção se desdobrou em uma
confrontação entre a liberdade e a natureza humana. “O rompimento entre a liberdade
individual do homem e a natureza humana, comum a todos, exerceu uma forte
in uência no pensamento contemporâneo” (80). A ascensão do positivismo, do
historicismo e do individualismo minou o interesse no assunto, mas o aparecimento de
regimes totalitários levou à renovação dos estudos sobre a ética baseada nas sempre
válidas regras da natureza humana.

Entretanto, muitos autores de escolas positivistas e analíticas argumentavam que é


impossível passar do “é” para o “deve ser”. Mesmo um autor bastante conhecido e
amplamente aclamado como Germain Grisez subscreve essa a rmação. Ora, se quer-se
dizer que a ordenação moral difere do reino da natureza física, ela até está correta. Mas,
se se pretende negar que os preceitos centrais da vida moral são baseados na sua
conformidade com as demandas da natureza, então está errada. Grisez escreve que
“pessoas humanas diferem de outras entidades naturais; não é uma natureza humana
pronta, mas um possível preenchimento humano o que proporciona as normas
inteligíveis para a escolhe livre”. Ele cita um exemplo daquilo que pensa ser uma falha
na teoria escolástica da lei natural: o argumento contra medidas anticoncepcionais — a
contracepção perverte a faculdade geracional por frustrar seu poder natural de iniciar
uma nova vida, porém, por este pensamento, usar abafadores de ouvido para amenizar
ruídos também seria errado, pois eles estariam frustrando a capacidade auditiva (81). De
acordo com Grisez, a teoria escolástica da lei natural ajuda a explicar o caráter estático,
o negativismo e o minimalismo da teologia moral clássica (82). Surpreendentemente,
Grisez não oferece nenhum argumento melhor do que essa comparação. De acordo
com ele, a teoria escolástica da lei natural assevera que os princípios morais são leis da
natureza humana. Bondade ou maldade morais, escreve Grisez, podem ser discernidos
comparando-se ações possíveis com a natureza humana, de modo a ver se há
concordância com os requisitos naturais. Grisez está disposto a aceitar que a natureza
concordância com os requisitos naturais. Grisez está disposto a aceitar que a natureza
tem uma certa normatividade, da qual seguem uma série de requisitos (como regras de
dieta). Mas ele a rma que a teoria procede em um passo logicamente ilícito — parte da
natureza humana como uma realidade dada para o que deve e o que não deve ser
escolhido; vai do que é para o que moralmente deveria ser (83). Em uma nota à página
112 ele acrescenta que, para Santo Tomás, os primeiros princípios da inteligência prática
são irredutíveis aos da inteligência especulativa. Nós deveríamos substituir “baseado na
natureza humana” para “benéfico à realização humana” (84).

Um teólogo relutará em deixar de lado a teoria segundo a qual, de certo modo, normas
morais são dependentes da natureza, porque esta doutrina encontra base
extremamente sólida na tradição e parece oferecer um fundamento excelente para
normas obrigatórias, enquanto sua substituta, o critério da realização humana de
Grisez, parece ser moldável aos desejos e preocupações das pessoas. Em um país onde
muçulmanos são a maior parte da população, eles talvez considerem a imposição
forçada da shariah aos não-muçulmanos como um caminho para a realização humana,
assim como no passado outros podem ter pensado que a exterminação de certas tribos
indianas facilitaria tal realização. Parece que nós devemos procurar por uma base mais
profunda, universal e objetiva para as leis morais. É óbvio que a lei moral não pode ser
uma estrutura biológica (85), mas deve ter um caráter racional. É aqui que Santo Alberto
Magno mostrou o caminho, enfatizando o caráter racional da lei natural, que é exclusiva
ao homem. Aquino argumenta que a lei natural não é apenas inata, mas que suas
bases, ou seu ponto de partida, nasce junto com a natureza humana. Isto signi ca que
nosso intelecto formula espontaneamente os princípios básicos de ordem moral. Estes
princípios constituem o centro da lei natural e correspondem aos primeiros princípios
do ser na inteligência especulativa que, obviamente, é pressuposta e só faz sentido no
contexto de uma loso a antropológica correta. As inclinações naturais para a própria
preservação, o desenvolvimento intelectual, a comunhão com os outros etc., não são a
própria lei natural, mas as obrigações que deles uem, enquanto são formuladas pela
inteligência visando o fim da vida humana (87).

Uma objeção muitas vezes levantada contra essa posição aponta que, nesse sentido, a
lei natural é estática, imutável, incapaz de desenvolver-se e adaptar-se às mudanças de
circunstâncias. A lei natural é imutável? Alguém pode questionar-se se o homem pode
perder o conhecimento de alguns de seus preceitos. Em relação aos primeiros
princípios, Aquino nega a hipótese, embora ocorra, ele escreve, que pessoas vendadas
por certas paixões não consigam voltar-se a um princípio geral (88). Do mesmo modo,
princípios segundos podem ser apagados por opiniões erradas ou pela perversão dos
costumes dominantes na sociedade (89). Nos países do ocidente moderno existem
opiniões erradas que, em certa extensão, obscurecem o pensamento moral, como
claramente se vê nas discussões sobre a vida do nascituro, dos pacientes terminais, da
prática homossexual: pensamentos que se desviam radicalmente da moral do século
passado. No entanto, eu penso que, a respeito dessas formas de comportamento, a
maioria das pessoas está ciente de estar transgredindo a lei natural, uma vez que estes
maioria das pessoas está ciente de estar transgredindo a lei natural, uma vez que estes
atos se referem aos princípios primeiros.

IV – Contracep ção e lei natural

Talvez seja útil pensar sobre a aplicação da doutrina da lei natural com respeito à
contracepção, um tipo de teste ácido para ver se um apelo à nossa natureza tem
qualquer valor neste campo. Quando há mais de 30 anos Paulo VI organizou uma
comissão especial para estudar a moralidade da contracepção, a maioria de seus
membros concluiu que eles não poderiam convincentemente demonstrar, com base na
lei natural, o mal moral intrínseco dessa prática. Vale a pena tratar dessa questão por
conta de seu valor exemplificativo para o entendimento da lei natural.

Certos moralistas como J. Fuchs argumentam que o ato conjugal em si é pré-moral, e


que a intenção é que o faz moral ou imoral. Entretanto, quando falamos sobre o ato
conjugal, queremos dizer que o ato é concebido por alguém que sabe o que está
fazendo. O conteúdo do ato está relacionado com a natureza humana, com as
obrigações que as pessoas têm e com os ns que elas buscam. Quando se pratica o ato
conjugal usando-se contraceptivos, sabe-se exatamente o que se está fazendo. Existe
uma diferença entre usar uma ferramenta como um martelo e se envolver em atos
como comer, beber, pensar, amar ou ter relações sexuais. Aquele é um ato aberto: sua
moralidade depende do propósito buscado. Mas atos como comer, beber e se
relacionar sexualmente têm já um signi cado e um valor moral em si mesmos. Como
tais, e quando praticados em conformidade com a reta razão, são bons. Mas para serem
moralmente bons esses atos devem preservar sua natureza. Esta natureza não é
meramente composta por suas estruturas biológicas. Estamos lidando com atos
conscientes e voluntários do agente humano. Frustrar o propósito natural de tais atos é
contradizer a si mesmo. Dois parceiros querem unir-se, mas ao mesmo tempo querem
prevenir o que essa união implica.

Uma fonte de confusão a esse respeito é a falsa visão sobre a natureza humana. Pode
parecer inacreditável, muitas pessoas acolhem uma abordagem dualista para a
antropologia. Eles distinguem duas camadas no homem: de um lado a parte biológica e
animal, e do outro a esfera da autoconsciência humana. Ao invés dos processos e
mecanismos biológicos que, dizem eles, nunca têm valor absoluto, deve-se dar total
prioridade ao homem como pessoa, aos seus desejos e aspirações (90). Na visão deles,
devemos atribuir ao homem um poder maior sobre seu próprio corpo para que ele
possa, depois, determinar o signi cado de sua vida sexual, de forma não muito
diferente daquela com que ele molda o mundo físico. De acordo com esses autores, é
menos natural submeter-se à própria estrutura biológica do que intervir com a razão
para moldar essas funções e torná-las melhor adaptáveis à busca de certos bens
específicos.

Quanto a isso, respondemos que a questão não gira em torno de uma cega submissão
às estruturas biológicas, mas à lei humana. A lei natural não é uma série de princípios
às estruturas biológicas, mas à lei humana. A lei natural não é uma série de princípios
biológicos. Ela consiste no discernimento e no comando da razão, que nos diz, em um
campo particular, se devemos agir de determinada maneira ou deixar de praticar
determinada ação. Certas ações não encontram aplicação na lei natural, como — pelo
menos ordinariamente — a escolha de um trabalho, mas a lei natural de nitivamente se
aplica ao campo dos atos sexuais, devido à sua importância essencial na vida humana,
assim como sua signi cância biológica e psicológica. Isso signi ca que as pessoas
entendem e formulam alguns de seus deveres básicos considerando o uso de suas
funções sexuais. Por exemplo, eles sabem que suas faculdades sexuais lhes foram
dadas para assegurar a existência contínua da humanidade; eles sabem que são
responsáveis pela sua prole e devem tomar conta dela. Eles também sabem que devem
formar um laço estável com um parceiro em confiança e estima mútuas.

Por sua própria natureza, a livre escolha sexual nunca é incidental ou casual, nem
puramente biológica. Em razão do que ela é, existe a tendência de engajamento de toda
a psiqué e responsabilidade moral de alguém. Precisamente porque a união do coito
não é mero instrumento ou qualquer coisa irrelevante, mas algo intrinsecamente
humano, ela tem um signi cado próprio. Quem frustra ou neutraliza uma ou outra de
suas funções essenciais, insere uma contradição no próprio agir. Se é errado dizer uma
mentira porque ela contradiz o propósito do discurso e porque a con ança mútua deve
reinar entre as pessoas, contradizer a própria estrutura da união do coito é muito pior,
porque algo muito mais importante está em jogo: atos profundamente humanos que
dizem respeito à sobrevivência da humanidade e ao indivíduo como ser racional.
Ninguém pode deixar de lado o m natural desses atos sem contradizer a si mesmo
(91).

V – Algumas conclusões

A discussão sobre a existência e o signi cado da lei natural está longe de terminar.
Nossas sociedades são confrontadas com di culdades formidáveis quando devem
decidir por rejeitar ou aceitar certas formas de comportamento como aborto, eutanásia,
homossexualidade, recusa ao serviço militar, globalização da economia,
desaparecimento de estruturas regionais e nacionais em prol de estruturas políticas
mais abrangentes, experimentos com embriões humanos, pena de morte, esterilização
e, às vezes, problemas aparentemente inofensivos como a mendicância. É verdade que
comportamentos privados, enquanto não interferirem na vida comunitária, devem ser
ignorados pelo legislador?

1) Até pouco tempo, a maioria dos julgamentos morais aceitáveis era sobrevivente da
ética cristã. Mas agora as pessoas preferem discordar em princípios básicos — pelo
menos um grupo aclamado da intelligentsia e os representantes da mídia tentam
direcionar a opinião pública para a aceitação de uma vida pública totalmente neutra,
que tolera qualquer forma de comportamento privado enquanto terceiros não
sofrerem violência. Atrás dessa atitude existe uma visão diferente da vida e da pessoa
humana, considerada totalmente livre para fazer o que bem entender enquanto não
humana, considerada totalmente livre para fazer o que bem entender enquanto não
causar danos a outrem. Ela também pode dispor livremente de seu corpo, uma vez há
certa dicotomia entre corpo e mente. Enquanto o formato externo da vida em
desenvolvimento não é reconhecível como a de um ser-humano, o embrião/feto é
considerado material com valor biológico para propósitos “nobres” como ajudar alguém.
Está muito enfraquecida a idéia de que a vida humana é dádiva de Deus a ser respeitada
e jamais utilizada à livre disposição dos outros. Mas isto também se aplica à totalidade
da natureza, que, nessa era tecnológica, parece ter perdido, aos olhos de muitos, sua
referência ao Criador. Entretanto, começam a surgir as consequências desse liberalismo
referente à vida e ao valor da pessoa humana: di culdades crescentes no campo da
educação, envelhecimento da população, desaparecimento do respeito e de certos
padrões de decência, tendências de certos grupos para denegrir a fé e a moral cristã.
Surpreendentemente, em outros campos, como o da justiça, a tendência está para o
lado da aplicação estrita de normas de honestidade pública. Exemplos impressionantes
da aplicação de éticas naturais são o reconhecimento dos direitos humanos, a proteção
às minorias e a total condenação ao genocídio.

2) O pluralismo, como prevalece na maioria dos países ocidentais, implica diferentes


visões no campo da religião, da ideologia, da cultura, da economia e da busca por
diferentes objetivos. Não é seguro dizer que um estado fortemente plural pode
sobreviver (92). Éticas idealmente naturais, estabelecidas por uma justa maioria de
cidadãos, poderiam prover uma base para o espírito de unidade necessário a um país.
Um outro problema em que a necessidade de éticas de lei natural aparece é a
nomeação de juízes para a suprema corte americana ou para os tribunais
constitucionais, no caso de outros países. Muitas vezes estas nomeações são baseadas
em política, uma vez que o partido no poder tenta impor seus candidatos. Para
assegurar julgamentos moralmente corretos para as cortes, é de importância primordial
que os juízes concordem nos princípios básicos da lei natural, mesmo que em casos
difíceis eles possam, compreensivelmente, divergir em algumas conclusões.

3) A importância das éticas de lei natural para a sociedade também é claramente


demonstrada pelo problema dos direitos humanos. Direitos humanos estão hoje nos
holofotes, mas teorizar sobre os direitos fundamentais do homem não é algo tão novo
assim. Certos direitos foram reconhecidos no Império Romano, acima de tudo na era
cristã. Entretanto, quando, nos séculos XVII e XVIII a função da Igreja como sua
garantidora deixou de ser reconhecida, desenvolveu-se a preocupação com os direitos
humanos como um corpo autônomo de princípios (93). É precisamente este aspecto das
teorias sobre a lei natural que mais chama a atenção dos nossos contemporâneos.
Talvez seja útil de nir primeiro a relação entre lei natural e direito natural. De acordo
com Santo Tomás, uma lei é essencialmente uma regra, uma diretriz obrigatória que
visa o bem comum e é emitida pela pessoa ou grupo de pessoas que está no comando
da sociedade. A lei natural é esta diretriz para a conduta básica do homem, formulada
pelo próprio homem conforme suas inclinações naturais.
A justiça direciona o homem em seu trato com os outros. Ela visa uma certa igualdade.
“Justo” (iustum) é a quali cação dada para uma relação de igualdade entre duas
pessoas.[2] Por exemplo, o pagamento de um salário equitativo para os empregados.
“Justo” é o objeto da virtude da justiça (94). Algo pode ser tornado justo a uma pessoa de
duas maneiras: primeiro por sua própria natureza — e isto recebe o nome de direito
natural, — e segundo pelo acordo ou consenso. Este acordo pode ser público ou
privado. Há acordo público quando toda a comunidade ou o governo, agindo em nome
dela, faz um decreto. Direitos e deveres são derivados tanto da natureza humana
quanto da lei positiva (95). Hoje em dia, direitos humanos são concebidos como
reinvindicações de cidadãos individuais ou grupos de pessoas representando o povo.
Eles pedem que seus direitos sejam respeitados: ter um trabalho seguro e adequado,
expedientes menores, férias, proteção e assistência social etc. A natureza humana é o
fundamento das reinvindicações mais básicas, mesmo que as teorias contemporâneas
sobre os direitos humanos deixem isso tão aparente. Os advogados dos direitos
humanos costumam apelar para as Declarações dos Direitos Humanos, proclamadas de
comum acordo.

Nesse sentido, a ética da lei natural tem a importante tarefa de esclarecer as bases
desses direitos, defini-los com cada vez mais precisão, distinguir entre direitos e pseudo-
direitos e mostrar quais são os deveres correspondentes a eles. A implementação dos
direitos humanos também depende do estado de organização e desenvolvimento da
sociedade, bem como do funcionamento dos seus órgãos. Há uns duzentos anos, não
faria muito sentido reivindicar ao Governo dos Estados Unidos o direito a um trabalho
ou a uma educação adequada. Esta espécie de direitos era geralmente provida pela
comunidade local.

Aparentemente, a questão de quem deve honrar com esses direitos não é sempre fácil
de responder. Não é, por exemplo, tão claro dizer se é o Estado, que clama para si essa
autoridade, que deve prover, entre outras muitas tarefas no campo social, educação aos
jovens. Ademais, o exercício de certos direitos, como o direito a expressar as próprias
opiniões ou realizar certos atos, sempre exige respeito aos direitos das outras pessoas e
aos requisitos do bem comum. De fato, viver em uma sociedade política requer a
adoção de uma boa parte das ideias implícitas de seus membros.

Os direitos humanos básicos são caracterizados pelas seguintes propriedades:

(1) São universais e aplicáveis a todos os homens. Este axioma é baseado no fato de que
todos dividimos a mesma natureza humana (96). (2) Devem ser imediatamente
evidentes, porque são derivados dos primeiros princípios da lei natural (97). (3) São
imutáveis e não podem ser totalmente eliminados da vida consciente (98).

Houve uma época em que certos direitos humanos hoje amplamente reconhecidos,
pelo menos no mundo ocidental, não tinham este reconhecimento, como os direitos dos
pelo menos no mundo ocidental, não tinham este reconhecimento, como os direitos dos
trabalhadores, das mulheres, das minorias étnicas etc. Isso levanta a questão sobre a
mutabilidade da lei natural, tratada por Aquino nos artigos 3 a 6, Ia-IIae, q. 94. Aquino
estava bastante ciente do que em geral é mutável na vida humana. Também ocorre que
as conclusões por vezes tiradas de certos direitos humanos tornam-se absurdas ou
erradas. Por exemplo, do direito à livre expressão alguns concluem que a mídia pode,
de forma desimpedida, publicar o que quiser e usar todo e qualquer meio para acessar
— visando o lucro — aquilo que repórteres e editores consideram importante.
Obviamente, isto deveria ser revisado através dos princípios da lei natural, como o
direito à honra e à privacidade, assim como o direito de não ser ofendido por razões de
crença religiosa.

4) Outro problema que precisa da assistência da ética da lei natural é a relação entre o
indivíduo e o Estado, ou a relação entre países e estruturas políticas protecionistas,
como a União Européia. A esse respeito, a ética da lei natural estabelece o seguinte
princípio: o que nações, grupos, ou indivíduos podem fazer sozinhos, não deve ser
regulado pelo Estado ou outras estruturas que o compreendam. O Estado não deveria
se apropriar das iniciativas dos cidadãos individuais, mas restringir suas intervenções a
nível subsidiário, como oferecer ajuda quando for necessário (99). A pessoa individual
deve decidir o que ela mesmo pode fazer. A dignidade da pessoa humana exige que se
conduza a própria vida e se determine o próprio lugar na sociedade. O princípio da
subsidiariedade protege o bem do indivíduo (101).

5) A ética da lei natural também tem um grande papel na questão da globalização da


economia e nas di culdades crescentes do livre-mercado mundial. O utilitarismo, que
pretende alcançar o maior bem ao maior número de pessoas, não consegue de nir o
que é este maior bem nem garantir proteção su ciente aos direitos do indivíduo
referentes aos seus costumes e estilo de vida. A ética da lei natural cristã não acredita
que o bem-estar supremo das pessoas será alcançado por uma liberdade desenfreada
no comércio e no desenvolvimento industrial. Se é verdade que os estados nacionais já
estão muito pequenos para promover o bem-estar a longo prazo de seus cidadãos,
dificilmente conglomerações e alianças ainda maiores conseguirão (102).

6) Um último campo onde considerações éticas baseadas na natureza humana e nos


direitos da pessoa humana têm um papel importante é o meio-ambiente. Embora se
defenda o direito do homem utilizar os recursos naturais e minerais, o reino das plantas
e o universo dos animais de acordo com as necessidades dos cidadãos do mundo, deve-
se prestar muita atenção para a justeza da exploração desses recursos, de forma que se
respeite os direitos de diferentes povos e gerações futuras. As pessoas devem se
conscientizar sobre seu dever de economia no uso de recursos não-renováveis. O apelo
contínuo à energia nuclear e a eliminação de resíduos radioativos também entram
nessa seara, assim como a luta contra a poluição excessiva da atmosfera e dos oceanos.
Serão necessários grandes esforços sobre este campo na educação.
Tradução de Gabriel Gusso

1. Cf. F. Heinimann, Nomos and Physis. Herkunft und Bedeutung einer Antithese im
griechischen Denken des 5. Jahrhunderts, Basel 1945; M. Pohlenz, “Nomos and
Physis”, in Hermes, 1953, 418-438.

2. See D. Manusperger, Physis bei Platon,, Berlin 1969.


3. Cf. Physics, II, ch. 1; Metaphysics V (), ch. 4

4. In In II Phys., l. 1, n. 145, Tomás explica que “princípio” signi ca igualmente causa


formal, material e eficiente.
5. Meditations, V.

6. De legibus, I, xvi, 43: “Quodsi populorum iussis, si principum decretis, si sententiis


iudicum iura constituerentur, ius esset latrocinari, ius adulterare, ius testamenta
falsa supponere si hæc su ragiis aut scitis multitudinis probarentur…Atqui nos
legem bonam a mala nulla alia nisi naturæ norma dividere possumus, nec solum ius
et iniuria natura diiudicatur, sed omnino omnia honesta et turpia“.
7. Pro Milone 4, 11: “Est igitur hæc… non scripta sed nata lex, quam non didicimus,
accepimus, legimus, verum ex natura ipsa arripuimus“.
8. Paidagogos, II, 10, 95.

9. De testimonio animæ ,V, 1-2.: “Magistra natura, anima discipula est. Quidquid aut
illa edocuit aut ista perdidicit. a Deo traditum est, magistro scilicet ipsius
magistrae… Senti illam, quae ut sentias efficit”.
10. De cuktu feminarum, I., 8, 2. Cf. M. Spanneut, Tertullien et les premiers moralistes
chrétiens, Gembloux / Paris 1969.
11. Op. cit.,, II, 5, 4: “Quod nascitur opus Dei est. Ergo quod in ngitur, diaboli
negotium est”.
12. De habitu virginum, 11.

13. Le stoïcisme des Pêres de l’Église,257-266.

14. St. Gregory of Nyssa, Vita sanctæ Macrinæ, I, 5: � � .


15. V Catech. Bapt, 11 (Wenger)..

16. Cf. G. Madec, Saint Ambroise et la philosophie, Paris 1974, p. 175: “Ambroise
semble avoir été doué d’une aptitude extra-ordinaire et déconcertante à vider
les formules de leur substance, pour se les approprier dans le sens qui lui
convenait ou qu’il estimait vrai. Or, il s’agit là d’un processus de substitution et
non pas de synthèse”.
17. De officiis ministrorum, I 28.

18. See E. Gilson, Introduction à l’étude de saint Augustin3, p. 167; cf. Contra Faustum
manich. XXII, 27.
19. Enarr. in Ps. 51, 1; Enarr. in Ps. 118, 25, 4; Enarr. in Ps. 145, 5: “Consilium sibi ex
luce Dei dat ipsa anima per rationalem mentem, unde concipit consilium xum
in æternitate auctoris sui… Legit ibi quiddam tremendum, laudandum,
amandum, desiderandum et appetendum”.

20. De libero arbitrio II, 16, 41: “… et in te ipsum redeas atque intelligas te id quod
attingis sensibus corp[oris, p[robare aut improbare non posse, nisi apud te
habeas quasdam pulchritudinis leges, ad quas referas quæque pulchra sentis
exterius”.

21. Cf. Th. Deman, Le traitement scienti que de la morale chrétienne selon saint
Augustin, Montréal 1957, p. 21.

22. De bono viduitatis, 1, 2: “Quid ego amplius te doceam quam id quod apud
Apostolum legimus? Sancta enim Scriptura nostræ doctrinæ regulam figit”.

23. De spiritu et littera, XXVII, 47.

24. O.c., XV, 19.


25. De trinitate, XV, c. 1: “Deus est natura, scilicet non creata sed creatrix”.

26. Retract., I, 10, 3: “Naturam qualis sine vitio primitus condta erat, – ipsa enim ver
et proprie natura hominis dicitur”.

27. Cf. I-II 85, 1: “Primum bonum naturæ nec trollitur nec diminuitur per peccatum”.

28. De civ. Dei, XXI, 8, 2: “…cum voluntas tanti utique Conditoris conditæ rei cuiusque
natura sit”.

29. See De Genesi ad litt.: PL 32, 219; Enarr. in Ps. 45, 7.


30. De divinis nominibus, 700 C. Cf. also Isidore of Sevilla, De natura rerum, See Tullio
Gregory, L’idea di natura nella filosofia medievale, Firenze 1964.
31. De bonop religiosi status: PL 145, 785.

32. Dialogus inter Philosophum, Iudæum et Christianum: PL 178, 1614.

33. II Sententiarum, d. 39, 3: PL 192, 747.


34. See O. Lottin, Psychologie et morale aux XIIe et XIII siècles, (8 vols),
Louvain/Gembloux 1942-1960.
35. Cf. E. Gilson, The Spirit of medieval Philosophy, New York 1940, p. 365.

36. Em seu Scriptum super libros Sententiarum, Tomás atribui o dito a Aristóteles, e
em escritos posteriores aos “ lósofos”. Ver De veritate, q.5, a.2 etc. A expressão
provavelmente foi cunhada no início do século XIII.

37. Cf. A crítica de Santo Tomás a Theoderic of Chartres, em In II Physicorum, lectio 1.


38. Cf. S.Th. I, 29, 1 ad 4; In II Phys., lectio 1.
39. Cf. Summa theologiæ III, 2, 1.

40. III, c. 65: “Opus naturæ præsupponit opus Dei creantis”.


40. III, c. 65: “Opus naturæ præsupponit opus Dei creantis”.
41. See J. Chevalier, Histoire de la pensée, II, Paris 1956, 584.
42. O uso do termo natureza em sentido estrito é possível. Mesmo Tomás diz que
“voluntas dividitur contra naturam sicut una causa contra aliam” (I-II 10, 1 ad 1),
mas isso não o impede de predicar a natureza, em um sentido mais básico e
universal, de seres espirituais.
43. Nos últimos cinquenta anos, as espécies animais zeram um retorno notável.
Indivíduos pertencentes a espécies ganharam seu próprio fundo genético; e
devem ser considerados formas de vida a seu próprio modo. Eles foram uma
unidade ecológica e são descontínuos em relação a outros grupos de seres
vivos. Ver E. Mayr, Animal Species and Evolution, Cambridge Mass., 1963, 29.
44. Cf. M. Merleau-Ponty, La structure du comportement, p. 1. Ver também L.
Wittgenstein, Tractatus logico-positivus, 1-2: o mundo é feito de fatos, não de
objetos ou substâncias.
45. A. Ayer, Language, Truth and Logic, ch. 1.
46. L’existentialisme est un humanisme, p. 22.

47. L’être et le néant, p. 577 ff.


48. Em sua encíclica Veritatis splendor, 84 – 87, João Paulo II escreve que a
característica do homem moderno é o desejo de liberdade absoluta, uma
liberdade que perdeu contato com a verdade.
49. Liber I Institutionum. Corpus iuris civilis, Inst. I, 1; Dig. 1, 1, 3.
50. O.c., I, chapter 3.
51. Esta condição, encontrada em certos jovens na Califórnia foi descrita por Bret
Easton Ellis em seu romance The Informers.
52. I-II 94, 3.
53. I, 47, 2.

54. No homem, diz Tomás, a lei natural não é nada além de uma participação na Lei
Eterna de Deus. Cf. I-II 91, 2: “Et talis participatio legis æternæ in rationali
creatura lex naturalis dicitur”.
55. Ver Ph. Delhaye, Permanence du droit naturel, Louvain/Lille/Montréal, 1960
(Analecta Namurensia, 10).
56. Summa contra gentiles, III, ch. 129.
57. II-II 65, 1. O princípio também se aplica à execução de um criminoso de alta
periculosidade. (II-II 64, 2).

58. I-II 19, 3; 94, 2.


59. I-II, 94, 3.
60. L.c., ad 2.
60. L.c., ad 2.

61. II-II 154, 9.


62. Santo Alberto foi precursor desta doutrina, quando estabeleceu que a razão
formula e expressa, nos preceitos da lei natural, as diferentes inclinações
humanas Cf. De bono, V, q. 1, a. 3.

63. I-II 94, 2.


64. I-II 94, 3.
65. Cf. I-II, 94, 2: Omnia illa ad quæ homo habet naturalem inclinationem ratio
naturaliter apprehendit ut bona et per consequens ut opere prosequenda, et
contraria eorum ut mala et vitanda. Secundum igitur ordinem inclinationum
naturalium est ordo præceptorum legis naturæ”.
66. William of Auxerre and Roland of Cremona. Ver O. Lottin, Le droit naturel chez
saint Thomas d’Aquin et ses prédécesseurs, p. 37 ff.

67. II-II 154, 4.


68. Cf. S.C.G. I, 7 ; S.Th. I, 44, 3.
69. II-II 110, 3.

70. II-II 59, 4.


71. II-II 64, 5.
72. II-II 150, 2.

73. II-II 162, 1.


74. II-II 64, 1.
75. I-II, 95, 5 ad 4.

76. I-II 94, 4. Cf. J. Maritain, On the Philosophy of History, pp. 82-83.
77. I-II 194, 5.
78. I, 105, 6 ad 1: “Cum igitur naturalis ordo sit a Deo rebus inditus, si quid præter
hunc ordinem facial, non est contra naturam. Unde Augustinus dicit, XXVI Contra
Faustum, c. 3 quod “id est cuique rei naturalis, quod ille fecerit a quo est omnis
modus, numerus et ordo naturæ”. Cf. Q.d. de potentia, q. 1, a. 3 ad 1.
79. Donum vitae. � 3.
80. Veritatis splendor, � 51.

81. O.c., p. 105.


82. O Pe. S. Pinckaers tem uma explicação diferente e historicamente muito melhor:
a partir do século XVI, os moralistas evitaram construir suas teorias à luz do
propósito último do homem, a felicidade; ao invés de insistir nas virtudes, eles
reduziram a teologia moral a uma ponderação cuidadosa sobre a extensão dos
direitos de liberdade individual contra as obrigações da lei. (Les sources de la
direitos de liberdade individual contra as obrigações da lei. (Les sources de la
morale chrétienne).
83. The Way of the Lord Jesus. Volume I: Christian Moral Principles, Chcago 1983, p. 108.

84. Ibid., p. 105.


85. Alguns lêem a de nição de Ulpiano da lei natural como “aquilo que a natureza
ensina a todos os seres vivos”.

86. De bono, V, q. 1, a. 2: “Ius naturale est lumen morum impressum nobis


secundum naturam rationis”/
87. I-II 94, 2.
88. I-II 77, 2.

89. I-II 194, 6.


90. A. Valsecchi, Régulation des naissances, Gembloux 1970.
91. O relatório da Comissão do Papa Paulo a rma que o caráter pecaminoso da
contracepção não é derivado do fato de que os atos sexuais são afastados de
seu m natural (já que isso às vezes ocorre na natureza). A referência é feita a O.
d. de malo, q. 2, a. 1, mas referir-se a Aquino não faz muito sentido, pois o texto
não trata de atos em que regras da razão estão intimamente conectadas com
seus ns naturais. O fato de que circunstâncias biológicas (períodos inférteis,
idade avançada etc.) estejam envolvidas na impossibilidade natural da geração
de descendentes é um assunto completamente diferente. Não é caso de
transformação voluntária de uma estrutura natural.
92. Cf. A. Schwan, “Pluralismus und Wahrfheit”, em Ethos det Demokratie. Normative
Grundlagen des freiheilichen Pluralismus, Paderborn/München/Wien 1992, 105 ff.
93. See J. Punt, Die Idee der Menschenrechte. Ihre geschichtliche Entwicklung und ihre
Rezeption durch die moderne katholische Sozialverkündigung,
Paderborn/München/Wien/Zürich 1987.

94. Summa theologiæ, II-II, 57, 1 and 2.


95. Cf. Locke’s Second Treatise of Civil Government, onde ele deriva os direitos
naturais do homem a partir da natureza,

96. In V Ethicorum, lesson 12.


97. S.Th. I-II 100, 1.
98. Quæstio disputata de malo, q. 2, art. 4 ad 13. Nesta seção ver Jesús García López,
Los derechos humanos en Santo Tomás de Aquino, Pamplona 1979, pp. 66 ff.

99. Quadragesimo anno, n. 96.


100. A encíclica fala em uma singularis persona.
101. A.-F. Utz, in A.-F. Utz (ed.) Das Subsidiaritätsprinzip, Heidelberg 2953, p. 10.

102. Cf. A. Giddens, Konsequenzen der Moderne, Frankfurt a. Main 1995, 86.
102. Cf. A. Giddens, Konsequenzen der Moderne, Frankfurt a. Main 1995, 86.

[1] No sentido grego clássico de “produzir algo”. (N.T.)

[2]
No parágrafo anterior, o autor prometeu distinguir o direito natural da lei natural.
Aqui, ele procede à distinção explicando o uso das palavras “Right” e “Just”. É que a
língua inglesa trata diferentemente do português os termos relacionados ao Direito e à
justiça. Em português, as duas palavras signi cam “justo”. “Right”, em tradução literal,
signi ca “direito”, como em “direitos humanos”, mas o leitor da língua de Camões deve
ler “justo”: uma ação “direita” é uma ação “justa”. Também poderíamos usar os
vocábulos “ajustado” ou “reto”, como em “agir retamente”, mas preferimos esclarecer o
embaraço idiomático através desta nota ao invés de confundir os leitores de Santo
Tomás, que certamente serão ensinados pelo Doutor que a justiça visa o justo, o direito
(ius) e que entre duas pessoas existem relações justas (iustus, ou iustum). (N. T.)

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