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O proletariado ‘invisível’: a centralidade da classe trabalhadora e a transição para o socialismo

Claus Germer

Introdução
1) A luta ideológica: o suposto ‘desaparecimento’ ou a ‘perda de centralidade’ do proletariado
2) O suposto declínio da força de trabalho industrial: aspectos teóricos e estatísticos
2.1. Aspectos teóricos1
a) o exército industrial de reserva e os capitais industriais individuais
b) o exército industrial de reserva e o capital industrial global
c) a demanda de força de trabalho e o capital comercial
2.2. A ocultação estatística do proletariado industrial
Trabalho produtivo e improdutivo
3) A questão política, trabalho produtivo/improdutivo X proletariado/não-proletariado e a revolução
socialista
Capitalismo e transição

Introdução

O materialismo histórico, representado pelo marxismo, identifica a luta de classes como o elemento dinâmico
do movimento transfomador da história, ou como motor da história.

“... a história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes” (M/E,
1848).

A descoberta desta lei fundamental, por Marx e Engels, deu início a uma nova era na história da humanidade,
pois através ela forneceu ao ser humano um elemento fundamental para capacitá-lo a dirigir conscientemente o
desenvolvimento da sociedade. No capitalismo, esta lei lançou luz sobre o sentido histórico subjacente às lutas
do proletariado, inaugurando todo um século de conquistas até então inimagináveis.

A luta de classes refere-se especificamente à contradição entre as duas classes que constituem o núcleo das
estruturas de classes das sociedades baseadas na propriedade privada: a classe proprietária e a classe não-
proprietária. No capitalismo estas duas classes são a burguesia e o proletariado, respectivamente. Mas Marx e
Engels não se referiam, com esta lei, apenas a uma característica da sua época, mas apontaram através dela uma
tendência:

“A sociedade divide-se cada vez mais em dois vastos campos opostos, em duas grandes classes diametralmente
opostas: a burguesia e o proletariado” (Ibidem).


Professor do Departamento de Economia da UFPR, Curitiba.
1
A leitura da seção 2.1. pode apresentar dificuldades para leitores não familiarizados com a teoria econômica de Marx. Neste caso
pode-se passar diretamente para as seções 2.2. e seguintes, menos áridas, e retornar à seção 2.1. após o fim da leitura.
2

Com esta afirmação expressavam outra lei fundamental: o desenvolvimento do capitalismo implica a
progressiva e crescente concentração da propriedade dos meios de produção nas mãos da burguesia, de um
lado, e, do outro lado, a progressiva e crescente proletarização dos produtores diretos de todas as categorias. A
história do capitalismo, desde então, tem sido a história da realização desta projeção:

“Internacionalmente, a tendência consistente é de ‘proletarização do mundo’. Em 1900 contavam-se cerca de 50


milhões de trabalhadores assalariados para uma população total de um bilhão de habitantes. Hoje contam-se cerca
de dois bilhões para uma população de 6 bilhões” (Bensaïd, 2001).

Ou seja, a proporção da classe dos trabalhadores assalariados elevou-se de cerca de 5% para cerca de 33% da
população mundial nos últimos cem anos. Ao mesmo tempo a burguesia dificilmente atinge 5% da população
em um país (Labini, 1983). Enquanto o proletariado cresce sem cessar, a burguesia permanece estagnada como
proporção da população. Isto significa que a correlação de forças entre as duas classes fundamentais em luta
torna-se, quantitativamente, cada vez mais desfavorável à burguesia. Isto explica a ferocidade com a qual a
burguesia e o Estado burguês, em todo o mundo, reprimem qualquer indício de processo de conscientização e
ação políticas por parte do proletariado, seja por meio da violência policial pura e simples, nos momentos mais
difíceis, seja por meio da cooptação e da massificação ideológica, nos momentos que lhe são mais favoráveis,
como ocorre nas últimas duas ou três décadas.

O caráter estratégico da descoberta, por Marx e Engels, da estrutura de classes e do sentido histórico da luta de
classes que se desenrola no capitalismo, revelado na prática pelas estupendas conquistas obtidas pelo
proletariado mundial no século 20, explicam os esforços incansáveis, despendidos pela intelectualidade
burguesa e pelos meios de comunicação de massas, no sentido de desqualificar e erradicar da consciência das
massas e dos meios intelectuais, por todos os meios, a teoria e a história da luta de classes. Este mesmo fato
coloca em evidência, em contrapartida, o caráter estratégico da reconstituição de uma intelectualidade
revolucionária e da sua união ao movimento de lutas práticas do proletariado, a fim de que se restaure a
coerência entre as lutas do proletariado e o seu sentido histórico.

A discussão em torno da ‘centralidade’ do proletariado nada mais é que o capítulo mais recente da luta
ideológica, na qual se enfrentam as duas classes fundamentais. Por um lado a burguesia, que procura semear, no
campo teórico-ideológico, por intermédio da tese da ‘perda da centralidade’, a confusão e o descrédito sobre a
existência das classes sociais e da luta de classes, e em particular sobre a existência do próprio proletariado e da
sua potencialidade revolucionária. Por outro lado o proletariado, representado pela intelectualidade socialista
revolucionária, à qual compete reafirmar as poderosas leis fundamentais descobertas por Marx e Engels, no
3
sentido de iluminar a avenida histórica que se abre ao proletariado e inaugurar uma nova, e talvez definitiva,
fase de conquistas políticas e sociais no século 21.

1) A luta ideológica: o suposto ‘desaparecimento’ ou a ‘perda de centralidade’ do proletariado

É essencial notar que a classe proprietária – a burguesia, no capitalismo –tem clara e aguda consciência da
oposição de interesses de classes e sua gravidade, embora a negue. Esta consciência expressa-se, por um lado,
na ação repressiva sistemática e metódica que patrocina na prática (Bertaux, 1979, p. 213), e, por outro lado, no
terreno teórico-ideológico, nos esforços sistemáticos e incansáveis, por intermédio dos seus representantes
intelectuais e políticos, no sentido de exorcizar a concepção da luta de classes e de elaborar diversas e
sucessivas teorias que descrevem a estrutura social sem recorrer ao conceito de classes sociais ou, se a aceitam,
é para afirmar que o conflito entre empregadores e operários industriais é coisa do século 19, mas entrou, desde
então, em processo contínuo de atenuação, devido à contínua melhoria da situação dos operários2.

O monopólio da propriedade dos meios de produção, inclusive dos meios de produção e difusão de teorias e
ideologias, pela burguesia, confere-lhe a possibilidade de impor as teorias que lhe convêm ao conjunto da
sociedade, incluindo o próprio proletariado (M/E, 1845/6). O aspecto central desta luta ideológica é, portanto, a
existência ou não de uma luta de classes no capitalismo, e o ponto principal desta questão é a existência ou não
do proletariado como classe revolucionária, isto é, ontologicamente oposta à burguesia.

O problema do ‘desaparecimento’ do proletariado, ou da ‘centralidade’ da classe, é uma expressão ideológica


no sentido clássico, isto é, de uma teoria destinada a encobrir a realidade ao invés de revelá-la. A
intelectualidade burguesa conseguiu, pelo menos em parte, realizar a proeza de tornar o proletariado ‘invisível’,
através de um processo de ‘ocultação’, seguindo o termo tomado por Bensaïd de Stéphanie Beaud e Michel
Pialoux, que chamaram a atenção para o fato de que “a ‘condição operária’ não havia desaparecido. Ela havia
‘se tornado invisível’” (Bensaïd, p. 31). Isto significa que conseguiu difundir a crença de que o proletariado
tornou-se uma minoria na sociedade capitalista. Uma interessante ilustração prática do efeito deste processo
sobre a intelectualidade pequeno-burguesa é fornecida por Bertaux, professor de sociologia, que perguntou aos
seus alunos qual era, na sua opinião, a ‘proporção de homens que trabalham como operários” na França. O
então recente censo de 1968 havia revelado que esta proporção era de quase exatamente 50%. As respostas dos
estudantes, porém, ficaram entre 15% e 35%, com uma média de 25%, representando, portanto, a metade do
dado real. Bertaux destaca o fato de que todos ‘subestimaram sistematicamente a proporção de operários’,
ressaltando que se tratava de ‘estudantes de Sociologia do quarto ano, e dos quais muitos ... eram politicamente
ativos’. Hoje podemos repetir a pergunta de Bertaux: “que força, obscura mas poderosa, poderia então deformar
2
Note-se que nenhum esforço se faz para negar a existência da burguesia, da classe dos capitalistas. Pelo contrário, neste caso o
esforço é no sentido de legitimar o seu papel econômico, social e cultural como expressão mais alta da natureza humana e da sua
evolução histórica.
4
de maneira tão profunda a percepção global da sociedade francesa precisamente aos olhos daqueles cuja
profissão iria ser ... conhecer-lhe os traços essenciais? A essa força podemos chamar ideologia dominante... [ou]
ideologia ambiente” (Bertaux, p. 153-6). O autor conclui incisivamente:

“A ideologia ambiente não orienta apenas as idéias do sentido comum: opera também sobre os trabalhos dos
‘cientistas’, dos historiadores e dos sociólogos. É dessa forma que num país – a França – em que cerca da metade
da população é operária (a metade dos homens e um quarto das mulheres que têm emprego), num país em que o
movimento operário esteve, no decorrer do século 19, na vanguarda do movimento operário mundial, não se
encontrem mais do que alguns estudos sobre a ‘classe’ operária. Ela é a enjeitada da ideologia francesa” (Ibidem,
p. 155).

Trinta anos depois este comentário aplica-se perfeitamente ao Brasil, e o mesmo certamente pode ser dito sobre
a maioria dos países que apresentam algum desenvolvimento capitalista. No Brasil, no exato momento em que
estamos discutindo este ‘problema’, o censo demográfico de 2000 acabou de revelar que o proletariado
industrial e comercial compreendia quase 52% da população empregada, e a classe dos trabalhadores
assalariados como um todo abrangia mais de 70% da população. A burguesia, ou seja, os proprietários dos
meios de produção, segundo o mesmo censo, não passava de 2,9%, mas ninguém, que se saiba, coloca em
dúvida a ‘centralidade’ da burguesia. Assim, o que merece discussão é o fato de que se procure contestar a
legitimidade das pretensões políticas do proletariado, por representar supostamente ‘apenas’ 25% ou 30% da
população, ao mesmo tempo que não se faz a menor referência à flagrante ilegitimidade do domínio ditatorial
exercido no capitalismo, sobre toda a população, por uma classe – a burguesia – que em lugar algum chega aos
5% da população.

Sabemos que as concepções ideológicas, na sua maioria, possuem um fundamento na realidade, quando não são
a própria forma aparente de manifestação dos traços essenciais da realidade. Assim, a ‘invisibilidade’ do
proletariado, produzida pela ideologia burguesa, encontra apoio, em parte, nas mudanças reais sofridas pela
estrutura de classes, na sua composição e distribuição, ao longo das últimas décadas. Segundo uma corrente de
opinião, o núcleo da estrutura de classes do capitalismo – de um lado a burguesia industrial, de outro o
proletariado industrial - era mais visível, no tempo de Marx e Engels, e a partir do início da fase monopolista
tornou-se gradualmente mais complexa (Melnikov, 1978, p.53). Camadas médias antigas desapareceram e
outras novas desenvolveram-se e segmentações de diversos tipos atravessam todas as classes (segmentações
nacionais, religiosas, profissionais, culturais, de idade, de gênero, até mesmo esportivas, etc.), fornecendo
inúmeros pontos de apoio para a desfiguração fantasiosa da divisão em classes. Neste sentido, segundo Nadel,
“a maioria dos grupos sociais pode ser distinguida segundo características externas e visíveis. Mas as classes
não aparecem na superfície da realidade em traços claramente marcados. Ao contrário, as características de
5
classe estão frequentemente ocultas sob a cobertura das relações mercantil-monetárias. A estrutura de classes
situa-se em níveis mais profundos do que outras estruturas sociais” (Ibidem, p. 18-9).

2) o suposto declínio da força de trabalho industrial: aspectos teóricos e estatísticos

Um dos problemas teóricos na discussão sobre a centralidade do trabalho é a tese de alguns críticos do
marxismo, segundo os quais o trabalho deixou de ser – se é que alguma vez foi –, a única fonte e substância do
valor no capitalismo. Esta tese da ‘perda da centralidade’ do trabalho, tal como a conheço, apóia-se em duas
evidências empíricas aparentes: por um lado, insinua-se que, com o desenvolvimento técnico inerente ao
capitalismo, o trabalho é gradualmente substituído, como fonte do valor das mercadorias, pela ciência e a
técnica, o que seria confirmado pela sistemática redução da proporção da força de trabalho na estrutura do
capital em funcionamento. Nestes termos esta tese agrega-se às inúmeras tentativas, feitas ao longo da história
do capitalismo, de negar ao trabalho a condição de fonte da riqueza e, deste modo, negar que o capitalismo se
baseia na exploração da força de trabalho. A tese atual da ‘perda da centralidade’ é uma nova versão desta tese
ideológica, alimentada pela intensidade da reestruturação tecnológica. A segunda evidência empírica que se
supõe ser observável é que o capital tornou-se incapaz de continuar absorvendo a força de trabalho disponível,
dando origem a uma proporção permanente e crescente de desempregados, o chamado ‘desemprego
permanente’. Uma variante desta tese, mas que ocupa lugar central em abordagens mais elaboradas, é a
suposição da redução persistente da proporção do trabalho industrial, que é o trabalho produtor de mais-valia. O
objetivo destas teses é, claramente, ocultar o fato de que os trabalhadores são os verdadeiros produtores de toda
a riqueza, mas esta é apropriada por uma classe minoritária, a burguesia, que os explora.

Estas teses focalizam a demanda de força de trabalho pelo capital. O capital é uma totalidade complexa, de
modo que a análise deste problema deve começar decompondo-o em partes. Aqui se decomporá o capital social
global em dois blocos: o capital industrial global, ao qual se subordina o trabalho produtivo, e o capital
comercial global (que engloba o capital de comércio de mercadorias e o capital de comércio de dinheiro ou
capital bancário), ao qual se subordina o trabalho improdutivo. O Estado, que absorve outra parte do trabalho
improdutivo, não será incluído na análise. O capital industrial constitui a base de toda a estrutura econômica, do
qual os capitais comercial e bancário constituem ramos. Mas ambos formam uma totalidade como componentes
da demanda de força de trabalho, e devem portanto ambos ser contemplados ao se analisar a evolução do
emprego. No entanto, é preciso proceder por partes, começando pelo capital industrial, base de toda a estrutura.

2.1. Aspectos teóricos

a) o exército industrial de reserva e os capitais industriais individuais


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É preciso reconhecer que esta tese parece refletir a realidade observável do capitalismo atual: em primeiro
lugar, o trabalho torna-se gradualmente uma proporção menor das estruturas produtivas (capital industrial),
tanto fisicamente, isto é, em termos da quantidade de trabalhadores em relação ao volume das instalações de
produção e matérias-primas utilizadas (que formam em conjunto os meios de produção), quanto em termos de
proporção do valor total de cada investimento (isto é, o gasto em salários é uma proporção decrescente dos
investimentos). Deve-se reconhecer que estas evidências são incontestáveis, não havendo portanto motivo para
discutí-las. O que no entanto se deve discutir é o modo como são interpretadas e as conclusões falsas delas
retiradas, quando analisadas isoladamente.

Estas evidências não contradizem a teoria marxista que, ao contrário, não apenas as reconhece como as
antecipou e explicou. Marx demonstrou que a proporção do capital variável (salários) no capital industrial
individual deve necessariamente reduzir-se no processo de acumulação, e denominou este fenômeno ‘aumento
da composição orgânica do capital’, que expressa monetariamente o aumento da sua composição técnica.
Consequentemente isto não constitui um problema para a teoria marxista, mas constitui um problema real para
o capitalismo. Marx foi certamente o primeiro autor que apontou estas evidências como tendências inerentes ao
capitalismo, portanto inevitáveis, pois resultam das leis internas de movimento do capitalismo, que ele
identificou na sua pesquisa e expôs no O Capital. Ele as detectou teoricamente antes que elas tivessem se
tornado perceptíveis na realidade, e foi por isso alvo de pesadas críticas dos defensores do capitalismo. Marx
foi também o primeiro autor que reconheceu e expôs com precisão o papel decisivo da ciência e da técnica no
capitalismo, no qual atuam de modo absolutamente diferente do que em todos os modos de produção anteriores.
Assim, se estas tendências não conflitam com a teoria do valor baseado no trabalho, não há sentido em supor
que, em algum momento, Marx deveria ter sido induzido a considerar a hipótese de que outra fonte de valor
substituísse o trabalho. Efetivamente, em nenhum lugar da sua obra há qualquer indicação disto.

Portanto, o problema a discutir, no campo marxista, não é se as tendências apontadas são verdadeiras ou não –
pois Marx foi o primeiro a apontar a sua emergência inevitável. O verdadeiro problema a discutir é o seu
significado e suas implicações, a fim de evitar interpretações que falseiam a realidade. Em primeiro lugar, na
teoria de Marx as tendências apontadas acima são responsáveis por um dos aspectos mais importantes do
capitalismo, que é a tendência da queda da taxa de lucro, que constitui uma grave contradição interna desta
economia. Dada a sua relevância, esta tese de Marx foi alvo de potentes críticas por parte de economistas
burgueses desde o início do século 20, o que mostra que o problema não é novo. Não é este, porém, o ponto em
discussão no debate atual.

Para esclarecer a posição marxista no debate atual, convém oferecer pelo menos uma síntese da interpretação
marxista do modo pelo qual o progresso técnico causa as tendências apontadas acima. Como já foi dito, a
redução relativa da força de trabalho no processo de produção e no valor dos investimentos não contradiz a
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teoria do valor-trabalho. Mas esta redução abala a estabilidade do capitalismo, constituindo uma das suas
contradições internas e uma das condições que o conduzirão ao colapso. O motivo disto compreende-se
facilmente: sendo o trabalho a fonte do valor e portanto da mais-valia ou lucro, é intuitivo que a redução
quantitativa da força de trabalho implica uma redução proporcional do valor gerado por ela na produção. Um
trabalhador a menos por dia de trabalho significa uma redução do valor por ele gerado diariamente,
principalmente da sua fração correspondente à mais-valia. Como isto é claramente contrário aos interesses dos
capitalistas, é preciso explicar por que e como ocorre. A explicação dada por Marx é que isto ocorre porque
cada capitalista, na luta pela sobrevivência através da concorrência com os demais, é obrigado a reduzir
continuamente seus custos de produção. Para isto necessita aumentar a produtividade do trabalho (isto é,
produzir mais por hora de trabalho dos seus trabalhadores), o que implica, por sua vez, uma maior massa de
instalações e insumos operados por cada trabalhador (ou seja, uma menor proporção de trabalhadores em
relação ao investimento total). Isto é alcançado através de aperfeiçoamentos técnicos contínuos, com centro na
mecanização, que exigem a aplicação da ciência e da tecnologia como processo sistemático e contínuo. Este é o
mecanismo que causa a contínua redução da importância relativa, em termos físicos e monetários, da força de
trabalho nos processos produtivos, e deve ocorrer necessariamente porque os capitalistas estão sempre em
concorrência uns com os outros.

Ao demonstrar este processo, Marx mostrou que ele significa que a lógica interna do próprio capitalismo cria-
lhe uma contradição insuperável, pois mata a galinha dos ovos de ouro, isto é, elimina gradualmente do
processo produtivo o fator gerador de valor, portanto de mais-valia, que é a força de trabalho. Esta contradição
se expressa, por um lado, na queda gradual da taxa de lucro e, consequentemente, do potencial de expansão do
sistema. Por outro lado, a continuidade deste processo, ao provocar o aumento ininterrupto da produtividade do
trabalho, conduzirá, em algum momento, a uma situação em que a produção continuará aumentando mas o
número de trabalhadores empregados começará a cair em termos absolutos. Esta inflexão abala a base de
sustentatação moral do capitalismo, pois o apresenta como um sistema social incapaz de absorver
produtivamente uma parcela crescente da população.

Em síntese, o exposto acima significa que, segundo a teoria de Marx, o problema central do capitalismo é que
ele próprio corrói a base da sua riqueza, que é o trabalho, fonte e substância do valor, sendo esta uma da mais
importantes causas do seu futuro colapso. Assim, a tentativa de negar as evidências do declínio da participação
da força de trabalho na produção capitalista, supondo talvez estar defendendo a teoria do valor-trabalho, implica
na realidade em contestar um dos mais sólidos argumentos de Marx sobre as contradições do capitalismo e uma
das condições necessárias para a transição ao socialismo. Ao mesmo tempo ignora-se o outro lado da questão: o
aumento da produtividade do trabalho, que causa tão sério problema ao capitalismo (e aos trabalhadores, devido
ao desemprego que provoca), constitui ao mesmo tempo um dos pilares necessários ao socialismo, pois
significa o aumento da capacidade produtiva do ser humano, reduzindo o esforço requerido para a obtenção dos
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meios de sobrevivência necessários, ao mesmo tempo que expande continuamente o volume e aperfeiçoa a
qualidade de tais meios. Embora no capitalismo isto ocorra em detrimento dos trabalhadores, constitui a base
indispensável a uma sociedade de abundância no futuro. O que se verifica, portanto, é que o socialismo tem por
base uma estrutura econômica em que o trabalho direto, na produção, é reduzido, sendo as máquinas, os
sistemas de máquinas e os sistemas de fábricas os fatores fundamentais da produção.

Uma corrente teórica heterogênea, que utiliza categorias marxistas, afirma existir atualmente uma nova fonte de
valor, que consistiria no conhecimento prático dos operários e no trabalho intelectual, que poderia explicar a
continuidade do crescimento da economia capitalista a despeito da redução relativa da obsorção de força de
trabalho. É curioso constatar, em oposição a isto, que, nas últimas décadas, a fonte principal do crescimento do
capital, a nível mundial, não tem se localizado nas concentrações de trabalho intelectual, situadas nos países
capitalistas centrais, mas nos mananciais de força de trabalho bruta, recentemente proletarizada, em regiões e
países onde há abundantes reservas inexploradas de força de trabalho de baixíssimo valor, especificamente no
leste e sudeste da Ásia: Japão, Coréia, China, Índia e outros países menores. Este aspecto do fenômeno asiático
recente, geralmente ignorado, deveria ser levado em conta como uma evidência empírica da continuada
condição da força de trabalho como a única fonte do valor, cujas fronteiras ainda inexploradas o capital
persegue desesperadamente, como o vampiro persegue o sangue. Nos mananciais de exército industrial de
reserva, onde a força de trabalho possui baixíssimo valor, é onde uma massa significativa de mais-valia pode
ainda ser obtida, graças à elevada taxa de mais-valia possibilitada pelo baixo valor da força de trabalho, por
jornadas de trabalho extensas e por elevada intensidade imposta ao trabalho. Curiosa e significativamente, é lá
que se expandem os ramos industriais mais avançados, que se instalam as plantas mais gigantescas, é lá
portanto que se expande o capital industrial.

b) o exército industrial de reserva e o capital industrial global

A demanda de força de trabalho pelo capital industrial global pode apresentar uma evolução contrária à
indicada pela análise do capital industrial individual, feita na seção anterior. Há uma diferença entre a tendência
persistente de redução da importância relativa da força de trabalho nos capitais industriais individuais, devida à
elevação também persistente da composição orgânica do capital, e a capacidade de absorção de força de
trabalho pelo capital industrial global. Os dois fenômenos são diferentes: a elevação da composição orgânica do
capital individual reduz a proporção da força de trabalho na estrutura do capital existente, mas o volume de
capital existente pode expandir-se a uma taxa superior à elevação da composição orgânica do capital, de modo
que a demanda de força de trabalho pode continuar aumentando, apesar da elevação da composição orgânica e
da consequente redução relativa da demanda de força de trabalho pelo capital individual. Vejamos o seguinte
exemplo:
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Suponhamos que, num determinado período de tempo, sendo constante o valor da força de trabalho, a
proporção do capital variável cai 1%, de 30% para 29%, de modo que composição orgânica do capital
industrial global passa de 70c+30v=100 para 71c+29v=1003. Suponhamos que, ao mesmo tempo, o
volume do capital industrial global cresce 5%, de 100 para 105. Este valor final, com a nova composição
orgânica, terá a seguinte estrutura: 74,55c+30,45v=105. Vê-se que, apesar da redução relativa da
absorção de força de trabalho pelos capitais individuais, o capital total elevou esta absorção em termos
absolutos, de 30 para 30,45. Ou seja, a demanda de força de trabalho elevou-se 1,5%, mas para isto foi
necessário que o capital constante se elevasse 6,5%.

Este exemplo mostra que o crescimento da massa de capital industrial pode compensar o aumento da sua
composição orgânica. Ele aponta, ao mesmo tempo, para a possibilidade de um maior crescimento da demanda
de força de trabalho, caso o capital industrial cresça sem aumento da composição orgânica. Examinando-se a
evolução do capitalismo mundial após a IIGM, pode-se concluir que esta última possibilidade não deve ser
descartada.

Deve-se considerar, em primeiro lugar, que o capitalismo se desenvolve de modo cíclico, isto é, através da
contínua sucessão de fases de crescimento seguidas de fases de estagnação e contração. O ciclo que nos
interessa é o mais longo, o ciclo de Kondratieff ou onda longa, que dura entre 50 e 60 anos, dividida mais ou
menos meio a meio em uma fase ascendente e uma descendente, cada uma durando, portanto, cerca de 25 a 30
anos. Após a fase ascendente, de grande prosperidade, a partir do fim da IIGM, o capitalismo entrou na fase
descendente a partir de meados da década de 1970 (Itoh, 1990). Ocorreu de imediato uma grande onda de
desemprego nos países centrais, que se alastrou pelo mundo e se prolonga desde então, embora com grandes
desigualdades regionais, dando origem a um cenário de desemprego elevado e persistente, que é o motivo da
suposição da existência de ‘desemprego permanente’. Como ocorre em toda crise e fase descendente, os
capitais mais frágeis, geralmente de menor composição orgânica, desapareceram ou foram absorvidos por
capitais maiores ou mais sólidos, geralmente de maior composição orgânica. Como resultado, o capital
industrial global contraiu-se e a sua composição orgânica média elevou-se, portanto reduziu-se drasticamente a
proporção média do capital variável no capital total, e, consequentemente, a demanda de força de trabalho.

É possível, portanto, que o quadro de baixo crescimento econômico e elevadas taxas de desemprego, vigentes
nas últimas décadas, esteja apenas associado à fase descendente da onda longa, ao invés de representar as
tendências definitivas do capitalismo. Se assim for, não se pode descartar a possibilidade de que a fase
ascendente de uma nova onda longa venha a ocorrer, alterando radicalmente o quadro das últimas décadas.
Neste caso as seguintes possibilidades devem ser levadas em consideração.

3
Nestas fórmula ‘c’ representa o capital constante (meios de produção) e ‘v’ o capital variável (salários).
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Durante a atual fase descendente o rigor da crise forçou os capitais sobreviventes a promover todos os avanços
técnicos possíveis, incorporando e aperfeiçoando as inovações existentes e as que surgiram no período. Pode-se
supor que hoje, há mais de 30 anos do início da fase descendente da atual onda longa, a composição técnica
média do capital industrial tenha se elevado significativamente, implicando um menor potencial de absorção de
força de trabalho do que na fase anterior. Por outro lado, há alguns indícios de que, a partir do início da presente
década, esta fase descendente possa ter chegado ao fim (embora isto ainda não possa ser afirmado
taxativamente), considerando que se verificou um surto de crescimento que abarcou praticamente todo o
mundo. Nestas condições, uma expansão do emprego acompanhada de redução das taxas de desemprego seria
possível, caso os capitais se expandissem com composição orgânica constante ou levemente crescente. Isto
seria possível na presença de uma grande onda de investimentos concentrados em curto período de tempo, uma
vez que neste caso a composição técnica do capital se cristalizaria na estrutura física das plantas instaladas,
mantendo-se portanto constante a composição orgânica do capital. Haveria portanto um forte crescimento do
capital investido, com composição orgânica relativamente constante, o que implica que a demanda de força de
trabalho se elevaria praticamente à mesma taxa que a acumulação de capital, resultando em redução das taxas
de desemprego. Vejamos a seguinte ilustração:

Retomemos o exemplo anterior, supondo agora que a composição orgânica do capital existente
atualmente, que serviria como fundamento da nova fase ascendente, fosse de 70c+30v=100 e
permanecesse constrante, e que ocorresse uma rápida expansão do capital industrial a uma taxa de
apenas 5% a nível mundial. Neste caso o capital industrial cresceria, nos primeiros 3 anos, tomados
como ilustração, da seguinte maneira:

1o ano: 105,0=73,5c+31,5v  crescimento de 5% na demanda de força de trabalho;


2o ano: 110,3=77,2c+33,1v  crescimento de 5% na demanda de força de trabalho;
3o ano: 115,9=81,1c+34,8v  crescimento de 5% na demanda de força de trabalho.

Nos três anos a demanda de força de trabalho teria crescido mais de 15%. Mas é preciso levar em consideração
o fato de que, a nível mundial, o EIR existente é muito grande, em particular nos países periféricos e no antigo
mundo socialista soviético, de modo que são muito elevadas as taxas de acumulação necessárias para reduzí-lo
em proporção significativa. Mesmo assim, uma taxa hipotética de crescimento da demanda de força de trabalho
de 5% ao ano, por exemplo, seria bastante superior à taxa média de crescimento vegetativo da população
mundial atualmente, de modo que o EIR necessariamente se reduziria. Por outro lado, em fases de expansão
também é grande a absorção de força de trabalho em atividades improdutivas de todos os tipos, tanto aquelas
acessórias ao capital industrial em expansão, como o emprego comercial e bancário/financeiro, quanto as
vinculadas aos trabalhos doméstico e estatal.
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c) a demanda de força de trabalho e o capital comercial

Como o capital comercial global (capital comercial propriamente dito e capital bancário) é caudatário do capital
industrial global, segue-se que o aumento da massa de capital industrial implica aumento da massa de capital
comercial, supondo que todas as demais permaneçam constantes. Isto lembra o conceito de multiplicador de
emprego, proposto por Kahn na década de 1930. No entanto, a relação entre o emprego industrial e o emprego
comercial não é simples e a dinâmica do capital comercial é diferente da do capital industrial, o que precisa ser
melhor analisado pelos marxistas.

2.2. A ocultação estatística do proletariado industrial

Argumenta-se que a proporção do proletariado diminui continuamente, e se deduz disto que ele perde – se é que
jamais teve, sugere-se também – o papel que lhe atribuíram Marx e Engels, de agente da revolução socialista.
Dois equívocos conceituais estão na base desta tese: o primeiro é que o proletariado a que se refere é apenas o
chamado proletariado industrial. ‘Industrial’, neste caso, é, com frequência, erradamente entendido como o
proletariado empregado na ‘indústria de transformação’, isto é, naquilo que se entende comumente por
‘fábricas’. Este entendimento decorre de uma interpretação equivocada do conceito de indústria e de capital
industrial de Marx. O conceito de capital industrial não se restringe ao capital aplicado em fábricas, mas refere-
se explicitamente a todo capital que percorre o ciclo D-M...P...M’-D’ (Marx, OCII), que engloba o conjunto dos
capitais dos ramos produtivos. Entre os capitais industriais que não se identificam com ‘fábricas’, Marx citou
explicitamente os capitais aplicados na agricultura (que inclui, além da lavoura, a pecuária e o cultivo florestal),
na extração mineral (minas), na extração vegetal, na pesca, no armazenamento e nos transportes. Nos dias de
hoje novos ramos de aplicação do capital industrial surgiram, podendo-se citar as indústrias das
telecomunicações, da energia elétrica, do ensino, da saúde, a indústria cinematográfica, a indústria alimentar e
outras. Em todas elas o capital percorre o ciclo completo exposto acima. Todas elas constituem, portanto,
campos de aplicação do capital industrial e seus trabalhadores são parte do proletariado industrial.

Este equívoco é também alimentado pela leitura descuidada das estatísticas convencionais. Como a economia é
habitualmente dividida em três setores – agricultura, indústria e serviços, ou primário, secundário e terciário,
respectivamente – é também habitual avaliar-se a importância relativa do proletariado industrial com base no
emprego no setor secundário, com o que se exclui o proletariado existente na agricultura e na extração vegetal,
além dos ramos industriais erradamente incluídos no setor terciário ou de serviços4.

4
O setor terciário ou de serviços inclui atividades próprias do capital industrial, embora não no sistema de ‘fábrica’: armazenagem,
transportes, telecomunicações, distribuição de energia elétrica, serviços de água e esgoto, saúde e educação. Em alguns deles
combinam-se capitais privados, empresas estatais operando como empresas privadas, ou órgãos públicos prestadores de serviços não
remunerados. Assim, nas estatísticas da OECD, por exemplo, os ramos de armazenamento, transporte e comunicações, assim como
‘educação, saúde, serviço social e outros serviços’, estão incluídos no setor de serviços, não no industrial, no qual diversas destas
atividades deveriam estar situadas (OECD, 2007).
12

Assim sendo, é um erro discutir o problema da ‘centralidade’ com base nos dados das estatísticas
convencionais, que subestimam drasticamente a força de trabalho industrial, ou seja, o trabalho produtivo.
Somados todos os ramos da produção que se classificam como industriais segundo a teoria de Marx, a
proporção do trabalho produtivo no emprego total é significativamente maior do que se costuma crer. Isto
resulta da progressiva absorção, pelo capital industrial, de atividades que inicialmente se mantinham fora do seu
domínio. Deste modo, a evolução da demanda de força de trabalho pelo capital industrial deve ser encarada
como uma resultante de duas tendências: por um lado a redução relativa da demanda de força de trabalho
devida ao aumento da composição orgânica do capital nos ramos já dominados pelo capital industrial, e, por
outro lado, o aumento da demanda decorrente da penetração do capital industrial em ramos que ainda não
dominava.

O segundo equívoco é que se exclui os trabalhadores do comércio e dos bancos – ou do conjunto dos chamados
‘serviços’ – do conceito de proletariado, com base na importante distinção entre os trabalhos produtivo e
improdutivo, segundo a qual os trabalhadores do comércio e dos bancos são improdutivos, isto é, não geram
mais-valia. O equívoco baseia-se no fato de que a classificação dos trabalhadores em produtivos e improdutivos
refere-se a um problema diferente, e serve a uma finalidade diferente, da sua classificação em proletários e não-
proletários. A distinção entre produtivos e improdutivos situa-se na análise do processo de reprodução do
capital, que é a base da reprodução da sociedade, portanto na esfera da reprodução em termos amplos, ao passo
que a distinção entre proletários e não-proletários situa-se na análise de luta de classes, portanto na esfera
política.

Trabalho produtivo e improdutivo

Pode-se identificar dois conceitos dos trabalhos produtivo e improdutivo: um geral ou abstrato, aplicável ao
trabalho humano em todas as épocas, e outro, mais concreto, específico do capitalismo (Marx, OCI). O conceito
geral define o trabalho produtivo como aquele aplicado nas formas de trabalho que contribuem para a criação
de riqueza material, isto é, de meios de produção e de consumo5 necessários à reprodução normal da sociedade.
São improdutivas as formas de trabalho que não o fazem, mesmo que sejam úteis. Portanto, a distinção entre os
trabalhos – e os trabalhadores – produtivos e improdutivos, não se destina a apontar quem são e quem não são
os proletários, mas a apontar quais formas de trabalho contribuem e quais as que não contribuem para a criação
de riqueza, isto é, de meios de produção e de consumo necessários à reprodução normal da sociedade. Os
trabalhadores improdutivos realizam atividades que não aumentam a riqueza social, mas, ao contrário,
consomem parte dela para a sua própria manutenção e para a reposição dos meios de produção utilizados no seu

5
Os meios de produção e de consumo não são apenas objetos físicos, mas também atividades, cujo produto não se apresenta na forma
de um objeto físico que subsiste após a conclusão do trabalho. Exemplos são o ensino, a assistência à saúde, etc.
13
trabalho. Consequentemente, a quantificação das proporções de trabalhadores produtivos e improdutivos,
respectivamente, fornece importante informação sobre a parte da força de trabalho disponível que está ocupada
em atividades que contribuem para a expansão da riqueza social e a parte ocupada em atividades que, ao
contrário, apenas consomem parte da riqueza social. Em uma economia planificada, a identificação destas
proporções permite distribuir a força de trabalho entre atividades produtivas e atividades improdutivas úteis,
segundo a hierarquia das necessidades sociais. Permite também fixar metas de elevação da produtividade do
trabalho (produtivo) necessárias para tornar possível a ampliação dos trabalhos improdutivos úteis. Permite
também avaliar, ao analisar uma economia capitalista, a proporção do trabalho social aplicada em atividades
improdutivas inúteis, em comparação com as necessidades não atendidas da população.

O trabalho improdutivo não é sinônimo de trabalho inútil ou moralmente reprovável, embora uma parte dele
possa sê-lo, e efetivamente o é. Em cada modo de produção há uma proporção de trabalho improdutivo útil e
indispensável, assim como de trabalho produtivo inútil ou moralmente reprovável. A classe
proprietária/dominante, por exemplo, cerca-se de uma proporção significativa da força de trabalho voltada
unicamente para a prestação de serviços pessoais às suas famílias – o trabalho doméstico –, que são formas de
trabalho improdutivo e socialmente inútil. Parece ser uma regra que, à medida que um modo de produção se
aproxima do seu fim, a classe proprietária/dominante deste modo de produção adquire progressivamente um
caráter parasitário e amplia a força de trabalho empregada nestas funções e nas de proteção e segurança dos
seus membros.

O conceito de trabalho produtivo específico do capitalismo define-o como o trabalho gerador de mais-valia, isto
é, é trabalho produtivo o trabalho assalariado inserido no circuito do capital industrial – D-M...P...M’-D’. O
trabalho produtivo, portanto, é o trabalho assalariado aplicado à produção de valores de uso – portanto incluído
na fase ...P... do ciclo do capital industrial. O trabalho improdutivo, por contraste, é todo trabalho, mesmo que
assalariado, que não gera mais-valia, que portanto não está inserido em ciclos de capitais industriais. A
definição de trabalho improdutivo admite duas variantes: a primeira, designando formas de trabalho
improdutivo indispensáveis ao processo de reprodução do capital em termos globais, mas inseridas em ciclos de
capitais não industriais, portanto dos capitais comerciais e bancário/financeiros. Estes trabalhos situam-se na
fase da circulação ou comercialização – M’-D’ – dos capitais industriais, quando a produção das mercadorias,
ou seja, a produção de valor, já foi concluída, sendo por este motivo improdutivos6. Estes trabalhos são
desnecessários para a produção de valores de uso e decorrem unicamente da vigência da propriedade privada e
servem apenas para a transferência da propriedade das mercadorias de um a outro. Como a transferência de
propriedade não é um requisito da produção de valores de uso, esta é mais uma evidência do caráter
improdutivo destas formas de trabalho, cuja manutenção é um peso inútil suportado pela sociedade e decorrente
6
Inclui-se no trabalho improdutivo, por exemplo, a propaganda, que constitui uma parcela importante do trabalho comercial
atualmente, e é uma característica específica da dominância do capitalismo monopolista, isto é, da centralização do capital, e da
concorrência oligopolística dela decorrente, e que absorve inutilmente uma proporção significativa da força de trabalho disponível.
14
unicamente da vigência da propriedade privada. Com o fim da propriedade privada, portanto, a maior parte
deste trabalho poderá converter-se em trabalho produtivo.

A segunda forma do trabalho improdutivo específica do capitalismo compreende duas diferentes espécies de
trabalho, que, embora produzam valores de uso, são improdutivas porque se situam fora das esferas dominadas
pelo capital: por um lado, os trabalhos domésticos e os dos trabalhadores do Estado, cuja característica é não
produzirem mercadorias que, ao serem vendidas pelos seus empregadores, realizam a mais-valia nelas contida;
por outro lado, também são improdutivos os trabalhos de produtores simples de mercadorias ou serviços, como
artistas, artesãos, donos de pequenas oficinas ou empresas familiares, etc., cuja característica é produzirem
mercadorias mas não realizarem mais-valia, uma vez que trabalham para si mesmos, não contratando
trabalhadores assalariados. Ambos os grupos de atividades são, em medidas variáveis, campos potenciais de
aplicação de capitais. Quando capturados pelo capital, os seus trabalhadores passam a produzir mais-valia e
convertem-se, portanto, em trabalhadores produtivos. Como exemplos da conversão de trabalhos domésticos
em trabalho industrial pode-se citar a substituição da preparação doméstica de alimentos pela produção pelo
capital industrial em restaurantes, fast-foods, supermercados, shopping centers, empresas de produção de
alimentos prontos para operários de grandes empresas, etc.; a substituição da educação doméstica pré-escolar
por creches, escolas, etc.; a substituição de motoristas domésticos por empresas de transporte escolar, e assim
por diante. Como exemplos da substituição de trabalhadores do Estado por trabalhadores industriais pode-se
citar a privatização do ensino e da saúde públicos, dos serviços de limpeza e segurança de prédios públicos, e
assim por diante.

Estas duas formas de trabalho improdutivo evoluem, provavelmente, até certo ponto, de maneiras diferentes.
Pode-se dizer que a primeira, de trabalhos domésticos e estatais, tende a acompanhar o processo global de
reprodução do capital7, embora não às mesmas taxas: o Estado expande-se, em especial nas atividades de
repressão e militares, incluindo o judiciário e órgãos afins, e o número dos trabalhadores domésticos cresce com
a ampliação dos hábitos de consumo e do desperdício da classe capitalista e das camadas de executivos do
capital em todos os níveis. A segunda forma de trabalho improdutivo, que produz mercadorias e serviços fora
do domínio do capital industrial, parece ter uma composição mais heterogênea e teria que ser analisada com
mais detalhe. O que se pode sugerir, de imediato, com base na distinção entre os trabalhadores do Estado e os
demais, é que nas formas de trabalho improdutivo não estatais a tendência é de serem absorvidas pelo capital à
medida que este se expande e amplia gradualmente o domínio deste sobre todas as formas de atividades, ao
passo que a força de trabalho absorvida pelo Estado amplia-se nas atividades de repressão interna, devido ao
acirramento da luta de classes, e nas forças armadas, devido ao acirramento da concorrência inter-imperialista.

7
Denomina-se ‘processo global de reprodução do capital’ ao movimento de reprodução do capital social como um todo, representado
pela fórmula D-M...P...M’-D’, entendida como somatório de todos os capitais.
15
3) a questão política, trabalho produtivo/improdutivo X proletariado/não-proletariado e a revolução
socialista

A distinção entre proletários e não-proletários, como já mencionado, refere-se não à análise do processo global
de reprodução, mas à análise da luta de classes. Consequentemente, não há fundamento teórico para associar os
trabalhadores proletários aos produtivos e os trabalhadores não-proletários aos improdutivos.

Na análise do processo global de reprodução do capital, o trabalho improdutivo opõe-se conceitualmente, isto
é, teoricamente, ao trabalho produtivo, mas o trabalhador improdutivo não se opõe politicamente ao
trabalhador produtivo. Ambos opõem-se politicamente ao capital. Ambos são expropriados de meios de
produção e obrigados a vender a sua força de trabalho para poderem sobreviver, e a vendem a capitalistas,
sejam estes industriais, comerciais ou banqueiros. Os trabalhadores improdutivos são trabalhadores assalariados
como quaisquer outros e igualmente explorados, pois recebem como salário o valor da sua força de trabalho,
mas trabalham uma jornada inteira. Como o valor da sua força de trabalho é menor que o da jornada inteira,
segue-se que trabalham gratuitamente uma parte da jornada (Marx, DKIII, p. 304). Os trabalhadores
improdutivos não produzem valor nem mais-valia com o seu trabalho, mas trabalham gratuitamente, durante
uma parte da jornada, para os seus empregadores, tal como os trabalhadores produtivos8. Os trabalhadores
produtivos produzem toda a mais-valia que sustenta tanto o conjunto da classe capitalista quanto os
trabalhadores dos setores improdutivos, incluído o Estado (Beloto e Germer, 2006). Mas a mais-valia produzida
pelos trabalhadores produtivos não se materializaria sem os trabalhadores improdutivos, pois são estes que
viabilizam a circulação das mercadorias e do capital monetário, viabilizam portanto a realização e a distribuição
da mais-valia, assim como a transferência de parte da mais-valia produzida pelos capitalistas industriais para os
capitalistas comerciais e bancário/financeiros e para o Estado.

As duas classes fundamentais podem ser concebidas, de modo teoricamente consistente, da seguinte maneira:
capitalistas são os proprietários dos meios de produção e de circulação, que promovem em conjunto o processo
global de reprodução do capital, o que inclui tanto os capitalistas industriais, que produzem mercadorias e mais-
valia, quanto os capitalistas comerciais e banqueiros, responsáveis pela circulação das mercadorias e do
dinheiro, e, consequentemente, pela realização da mais-valia. Todos têm um interesse comum, que se opõe ao
dos trabalhadores assalariados, que todos empregam e exploram conjuntamente. Estes trabalhadores, tanto os
produtivos quanto os improdutivos, trabalham todos para a classe capitalista, no processo conjunto de produzir
e circular as mercadorias, e de produzir e realizar a mais-valia. O conjunto dos capitalistas industriais e

8
Os trabalhadores comerciais recebem um salário correspondente ao tempo necessário, que cobre apenas uma parte da jornada de
trabalho, mas trabalham a jornada inteira, portanto trabalham gratuitamente uma parte da sua jornada. Este trabalho gratuito é
fornecido por eles aos capitalistas comerciais (DKIII, p. 305). Cabe mencionar que os trabalhadores do Estado também recebem um
salário que corresponde ao valor da sua força de trabalho, e também trabalham uma jornada inteira, portanto fornecem um excedente
de trabalho gratuito, mas este excedente é fornecido não ao Estado, mas à sociedade – em parte à classe capitalista e em parte às
classes não capitalistas – na forma dos serviços prestados.
16
comerciais constitui a burguesia, e o conjunto dos trabalhadores industriais e comerciais responsáveis pela
execução dos respectivos trabalhos constitui o proletariado.

Um trabalhador pode vender a sua força de trabalho tanto a um capitalista industrial quanto a um capitalista
comercial ou bancário/financeiro. A venda a um ou a outro em nada altera a sua condição de expropriado de
meios de produção e de força de trabalho à disposição do capital. Recebe o mesmo salário, correspondente ao
valor da sua força de trabalho, e o mesmo tratamento, de ambos os capitalistas, tem portanto o mesmo
confronto de interesses com ambos. Para o trabalhador o fato de trabalhar para um capitalista comercial ou
bancário/financeiro ao invés de um capitalista industrial não altera a sua condição do proletário.

O proletariado pode também ser definido como a camada dos trabalhadores assalariados cuja inserção objetiva
na propriedade dos meios de produção e no trabalho a coloca em contradição frontal e inconciliável com o
capital. Mas nem todos os trabalhadores subordinados ao capital têm com este contradições frontais e
inconciliáveis, tanto em relação ao trabalho produtivo quanto ao improdutivo. Há duas hierarquias de trabalho
no interior das unidades capitalistas de produção e distribuição: uma é a hierarquia de trabalhos em função das
diferenças de complexidade técnica, que se refletem em diferenças salariais; a outra é a hierarquia de trabalhos
correspondentes ás posições na cadeia de comando sobre os trabalhadores. Esta última é a hierarquia do
despotismo do capital (Marx, OCI, cap. 11). As duas escalas hierárquicas sobrepõem-se em certa medida, isto é,
o mesmo trabalhador pode acumular – e geralmente o faz – um trabalho técnico de maior complexidade com
uma posição de comando despótico, como chefe de setor, de departamento, ou diretor, etc. Os trabalhos
complexos existentes no interior do capital industrial são também trabalhos produtivos e produtores de mais-
valia, mesmo quando combinados a funções de comando despótico, mas isto não faz dos trabalhadores que os
realizam integrantes da categoria política que é o proletariado. A direção da revolução socialista cabe aos
segmentos do proletariado que têm com a classe capitalista as contradições mais agudas, e estes segmentos são
os mais explorados, isto é, meros executantes das formas mais elementares de trabalho.

Notar que, se os trabalhadores comerciais e bancário/financeiros forem excluídos do proletariado por não serem
produtivos, pelo mesmo critério os capitalistas comerciais e bancário/financeiros deveriam ser excluídos da
burguesia, e se deveria concluir que não há contradições de classe, portanto não há contradições antagônicas,
entre os empregados e empregadores da esfera comercial e bancário/financeira, e que não há motivo para que os
trabalhadores destes setores aliem-se ao proletariado industrial ao invés de aliar-se aos comerciantes e
banqueiros. Isto é obviamente absurdo.

Em conclusão, deve-se definir o proletariado como o conjunto dos trabalhadores cujos interesses, pela sua
inserção no processo global de reprodução do capital (produção e circulação), em funções meramente de
17
execução (Melnikov, p. 57), opõem-se aos do conjunto da classe capitalista (segmentos produtivo e
improdutivo).

Capitalismo e transição

Afirmar a ‘centralidade da classe trabalhadora’ significa que a classe trabalhadora é a classe revolucionária, isto
é, a classe promotora da superação do capitalismo através do ascenso de um novo modo de produção. A classe
revolucionária é a classe que nasce e cresce com base nas novas forças produtivas emergentes, e que, no
momento da revolução política, apropria-se dos meios de produção após expropriar a classe proprietária vigente
(Germer, 2007). Nos modos de produção baseados na propriedade privada, até o capitalismo, cada modo de
produção caracteriza-se pela existência de uma classe minoritária que se apropria dos meios de produção, com
exclusão da maioria não-proprietária da sociedade, que passa a constituir a classe trabalhadora. A transição a
novo modo de produção caracteriza-se pela emergência e crescimento de uma nova classe proprietária, gerada
espontaneamente pelo desenvolvimento das forças produtivas, que disputa o poder com a classe proprietária
vigente e finalmente a derrota, inaugurando novo modo de produção. Ora, no capitalismo não se observa o
surgimento de uma nova forma de propriedade privada e de uma correspondente nova classe proprietária. O
capitalismo se caracteriza, ao contrário, por um processo de expropriação espontânea e progressiva da
propriedade de meios de produção de toda a sociedade, incluindo a própria classe capitalista, expropriação esta
provocada também pela natureza específica do desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo. Não
há, portanto, emergência de uma nova classe proprietária privada, mas extinção da propriedade privada e
consequentemente extinção da categoria de proprietários privados.

Como resultado disto, a contradição que conduz à revolução política apresenta-se, no capitalismo, de modo
diferente do que ocorre nas transições entre modos de produção baseados na propriedade privada. Nestes casos
a contradição ocorre entre duas classes proprietárias privadas: a classe proprietária vigente e a classe
proprietária emergente. Esta última nasce gradativamente, paralelamente ao desenvolvimento das forças
produtivas, e de modo gradativo e espontâneo, sem provocar alarme inicialmente, aparentando ser uma
evolução normal do modo de produção vigente, vai assumindo a gestão dos meios de produção possuídos pela
classe proprietária vigente. Nesta medida incorpora também, gradativamente, o patrimônio de conhecimentos
técnicos e culturais impregnados nos meios de produção e no exercício da direção prática dos mesmos. Assim,
tanto a posse dos meios de produção quanto do conhecimento, acumulados ao longo da história, transferem-se
gradativamente para a nova classe, habilitando-a aos poucos a assumir a direção técnica e cultural de toda a
sociedade no lugar da classe dirigente vigente. Este processo, à medida que adquire dimensões mais
significativas, desperta a resistência da classe proprietária vigente, que bloqueia por todos os meios o
desenvolvimento da classe desafiante, abrindo-se o período da revolução política. Portanto, nas transições entre
modos de produção baseados na propriedade privada, o choque dá-se entre duas classes proprietárias de meios
18
de produção e de conhecimentos acumulados. Ao mesmo tempo que se desenvolve a nova classe proprietária,
desenvolve-se uma nova classe não-proprietária, isto é, uma nova classe trabalhadora, que se associa à nova
classe proprietária e segue a sua liderança no processo da revolução política.

Na transição do capitalismo ao comunismo as coisas passam-se, aparentemente, de modo diferente, pois não há
formação progressiva de novas classes - proprietária privada e trabalhadora, respectivamente –, emergindo ao
lado das classes proprietária privada e trabalhadora do modo de produção vigente e sobrepondo-se
gradualmente a elas. A burguesia e o proletariado parecem continuar existindo como tais. Como o proletariado
está expropriado tanto dos meios de produção quanto do patrimônio cultural/tecnológico, não parece apto a
assumir o poder político e a direção da sociedade, pois está ausente o processo progressivo de apropriação
privada, por um grupo de indivíduos, da gestão de parcela crescente dos meios de produção, da força de
trabalho e do patrimônio cultural da sociedade. Assim, parece não surgir, espontaneamente, uma nova classe
apta a disputar a gestão da sociedade no lugar da burguesia.

A transição do capitalismo ao comunismo não poderia dar origem a uma nova classe proprietária privada,
porque está em curso um processo espontâneo de extinção da propriedade privada. Mas não é a propriedade,
como categoria tanto real como jurídica, que está desaparecendo, o que desaparece é a forma privada da
propriedade. Em compensação, está em gestação uma nova forma material de apropriação, a apropriação
coletiva, que deverá expressar-se futuramente na forma jurídica da propriedade coletiva. Mas, tal como ocorre
na transição entre formas de propriedade privada, em que a nova forma de apropriação privada se desenvolve
imperceptivelmente sob a capa da forma vigente, também no caso da gestação da apropriação coletiva, esta se
desenvolve imperceptivelmente sob a capa da propriedade privada. A propriedade privada está sendo extinta
através de um processo geral de expropriação, que converte a maioria absoluta da população em trabalhadores
assalariados. Mas estes assalariados são empregados não apenas nos trabalhos de execução da produção e da
circulação, mas também nos trabalhos de planejamento, coordenação e supervisão da produção e da circulação
das mercadorias e de todas as formas de riqueza, isto é, na sua gestão prática. Ou seja, uma proporção
majoritária e crescente da população é convertida em uma categoria homogênea de assalariados (homogênea
nesta característica, de serem assalariados, portanto não proprietários privados de meios de produção). A
burguesia perde progressivamente a condição de proprietária material dos meios de produção, e permanece, tal
como em todos os modos de produção em fase terminal, como classe parasitária, que se apropria da riqueza
gerada mas contribui apenas marginalmente no processo material de produção e circulação da mesma. A classe
de trabalhadores assalariados constitui-se já, idealmente, isto é, sem ter disto consciência e sem que isto seja já
uma realidade política e jurídica, em uma classe que, como dito acima, ao assumir a gestão de meios de
produção e da correspondente força de trabalho – sob a capa da propriedade privada burguesa –, adquire
gradativamente a bagagem de conhecimentos técnicos e culturais que a habilita a assumir a gestão técnica e
cultural de toda a sociedade. Para tanto, todavia, deve realizar-se a revolução política, que finalmente destronará
19
a burguesia da sua posição dominante, abole a propriedade privada e institui a propriedade coletiva. O problema
da ‘centralidade’ é identificar qual segmento da classe trabalhadora terá que assumir o papel de catalizador do
processo de sedimentação da consciência do caráter de classe dos assalariados e a direção da revolução política.
Este segmento é o proletariado, tal como definido acima.

Estes fenômenos são palpáveis, apenas não se interpreta o seu sentido e não se retira as suas necessárias
consequências. Os seguintes fenômenos devem ser mencionados:

a) a ascenção da sociedade anônima à condição de forma típica do capital no capitalismo desenvolvido implica
a progressiva substituição dos capitalistas por assalariados na gestão da produção e da distribuição, na condição
de gerentes ou executivos. Não importa que tais assalariados se apresentem, neste momento, como meros testas
de ferro dos capitalistas. O relevante é que não são os capitalistas, mas executivos ou gerentes assalariados, que
dominam gradativamente a gestão dos meios de produção. Na transição do feudalismo ao capitalismo os
primeiros capitalistas também pareciam meros testas de ferro da nobreza feudal, como no caso dos
arrendatários capitalistas das terras dos feudos ou das terras urbanas e das periferias das cidades, dos
comerciantes do comércio de longa distância associados às monarquias feudais, etc. A ascenção de uma classe
de executivos ou gerentes assalariados também não implica que serão eles os dirigentes da revolução política,
podendo no entanto desempenhar um papel relevante quando do acirramento das lutas de classes no momento
em que estale a fase decisiva da revolução política. Nas transições ao capitalismo segmentos da burguesia
mercantil, até então ssociados à nobreza feudal, desempenharam um papel na revolução política, mas foram
logo ultrapassados pela burguesia industrial emergente. No caso presente da gerência assalariada, esquece-se
frequentemente que esta gerência não se resume à diretoria, isto é, ao pequeno grupo de dirigentes máximos da
sociedade anônima, mas constitui uma estrutura complexa na qual a diretoria é apenas a ponta do iceberg, que
possui o comando supremo de uma hierarquia de trabalhadores técnicos ou intelectuais dedicados ao
planejamento e à gestão técnicos da produção e da distribuição. A descida na escala hierárquica na estrutura de
gerência significa um gradual distanciamento das direções superiores e uma correspondente aproximação com
os trabalhadores de base. Isto implica que, no acirramento da luta de classes no momento da revolução política,
a própria estrutura de gerência se romperá em um ponto determinado da hierarquia gerencial.

A importância deste fenômeno revelou-se de modo nítido na revolução russa e tem sido interpretado, de Lênin
aos dias de hoje, como um aspecto negativo daquela revolução: os gerentes das grandes empresas foram
convidados a manterem-se em seus postos, recebendo altos salários, muito superiores ao proletariado
propriamente dito. No entanto, é preciso inserir este fenômeno no contexto daquela revolução, contexto que
difere de modo significativo do contexto de uma revolução encarada como fenômeno global, ou pelo menos da
que ocorra em países capitalistas centrais. No caso russo os gerentes tinham que ser cooptados através de
salários maiores e outras mordomias porque tinham a alternativa de fugir para países capitalistas e a situação do
20
novo governo era desesperadora. Mas em uma revolução definitiva não terão para onde fugir, pois não haverá
mais países capitalistas, de modo que somente poderão continuar exercendo as funções para as quais são
qualificados na condição de gerentes de estruturas produtivas geridas socialmente, submetidos às determinações
das novas leis.

Assim sendo, o fato relevante, abstraídos contextos específicos, é que, no capitalismo desenvolvido, a gestão
dos meios de produção passa, gradativamente, ao controle de trabalhadores assalariados, o que significa que,
em contrapartida, a burguesia perde, na mesma progressão, a capacidade de exercer tal gestão. Parece óbvio que
toda a hierarquia de gerentes permanece absolutamente fiel à burguesia nos períodos desfavoráveis ao
proletariado. Por outro lado, parece plausível admitir que, nos períodos de acirramento das lutas de classes,
ocorra uma divisão na linha hierárquica, e que uma parte desta hierarquia seja atraída para a causa do
proletariado.

b) o processo de centralização do capital e da produção gera blocos de capitais cada vez maiores, cuja atuação
abrange territórios geográficos cada vez mais extensos e parcelas cada vez maiores da população dos países e
de todo o planeta. Isto implica que o planejamento da produção e da distribuição adquirem dimensão cada vez
mais ampla, criando-se ao mesmo tempo teorias e técnicas de planejamento cada vez mais complexas e
abrangentes, gerando, no interior do próprio capitalismo, também os pressupostos teóricos e práticos do
planejamento global da produção e da distribuição próprio do comunismo.

Referências

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