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O papel da vontade na
interpretação dos contratos
Gustavo Tepedino1
Resumo
A evolução do papel da vontade nas relações contratuais associa-se a diferentes graus
de intervenção legislativa sobre a autonomia privada. Sob a influência voluntarista nas
codificações civis, o legislador preocupava-se em assegurar exclusivamente a higidez formal
da declaração de vontade na celebração do negócio jurídico, cujo conteúdo, livremente
avençado, fazia lei entre as partes. O dirigismo contratual agregou gradualmente fontes
heterônomas à autonomia privada (auto nomos), com a imputação imperativa aos
contratantes de deveres destinados à promoção de valores existenciais e sociais alcançados
pelas relações contratuais. Nesta esteira, os princípios da boa-fé objetiva, da função social e
do equilíbrio das prestações flexibilizam a obrigatoriedade dos pactos e tutelam interesses
socialmente relevantes nas atividades contratuais, mesmo quando ausentes os pressupostos
e requisitos de validade do negócio jurídico subjacente.
Neste cenário, supera-se o rigor formal da teoria das invalidades, admitindo-se a
eficácia de comportamentos socialmente típicos, bem como a formação progressiva das
relações contratuais.
Abstract
The evolution of the role of will in contractual relations is associated with different
degrees of legislative intervention on private autonomy. Under the voluntarist influence in
civil codifications, the legislator was concerned only with ensuring the formal integrity of
the declaration of will. Therefore, the content of the agreement, once freely agreed upon,
made law between parties. The contractual dirigisme gradually added external influences
to the private autonomy (auto nomos), with the imperative imputation to contractors
of especific duties destined to the promotion of existential and social values reached
by the contractual relations. Accordingly, principles of objective good faith, the social
function and the balance of provision flexibilize the covenants compulsory and protect
socially relevant interests in contractual activities, even when the validity requisites of
the underlying juridical relation are absent. Thus, the formal stringency of the theory of
invalidities is surpassed, admitting the effectiveness of socially typical behaviors, as well as
the progressive formation of contractual relations.
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Professor Titular de Direito Civil e ex-Diretor da Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
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Revista Interdisciplinar de Direito v. 16, n. 1, pp.173-189, jan./jun. 2018.
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diversos campos da autonomia privada, o que seria a teoria das relações jurídicas
de fato, a qual atingiu o seu apogeu nos anos 60 e 70, com o seu reconhecimento
pela Corte Suprema Alemã – BGH (Bundesgerichtshof ).13
dovrà essere valutata in via autonomia, indipendentemente cioè dalla valutazione dei singoli atti,
singolarmente considerati. Indipendentemente dalla disciplina dei singoli atti può essere illecito
(o sottoposto a norme particolari) l’esercizio dell’attività” (p. 103). Sobre o tema, v. também o
verbete fundamental de Giuseppe Auletta (Attività (dir. priv.), in Enciclopedia del diritto, vol.
III, Milano, Giuffrè, 1958, p. 982), que define attività “quale insieme di atti di diritto privato
coordinati o unificati sul piano funzionale dalla unicità dello scopo”.
13
Na doutrina italiana, Carlo Angelici analisa o caso julgado em 28 de janeiro de 1976
pelo Bundesgerichtshof em que uma criança se acidentou no supermercado enquanto a mãe
comprava, e estava pagando no caixa. Discutiu-se se a responsabilidade era contratual ou
extracontratual e se haveria responsabilidade pré-contratual. Exclui-se a responsabilidade pré-
contratual já que a autora, sendo criança, não efetuaria compra alguma, ou seja, não teria
nada a comprar, o que a impediria de intentar a ação contra o supermercado (Responsabilità
precontrattuale e protezioine dei terzi in uma recente sentenza del Bundesgerichtshof, in Rivista
del diritto commerciale e del diritto generale delle obbligazioni, I, ano LXXV, 1977, pp. 23-30).
Segundo observa o autor, o dever de boa-fé serve de fundamento para a relação de proteção em
face de terceiros, aplicando-se a teoria designada como Vertrag mit Schutzwirkung sugunsten
Dritter, de modo a proteger terceiros alcançados pela atividade contratual independentemente
de qualquer vínculo negocial: “il Bundesgerischtshof accentua il profilo del rapporto di
protezione che deve intercorrere tra il contraente ed il terzo danneggiato e riconduce la vicenda
ad una sua rilevanza, tramite il contratto o l’attività precontrattuale, pure nei confronti della
controparte” (p. 25).
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quando ainda não se aperfeiçoou, sendo mais seguro, por isso mesmo, reconhecer interesses
positivos desde que em presença de atividade contratual.
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Embora com matizes diferenciados, a formação progressiva do contrato não se constitui
em designação recente, tendo sido sugerida por Franceso Carnelutti no início do Séc.
XX: Formazione progressiva del contratto, in Rivista di diritto commerciale, 1916, I, pp. 308
a 319. Em sugestiva síntese, Carnelutti observa: “la strada del contratto viene percorsa
a tappe” (p. 315; em tradução livre: A estrada do contrato é percorrida por etapas). V.,
ainda, sobre o tema, Vincenzo Riucciuto, La formazione progressiva del contrato,in Enrico
Gabrielli (a cura di) contratti in generale, in Trattato dei Contratti diretto da Pietro Rescigno
ed Enrico Gabrielli, tomo I, Torino, UTET 2006, 2° ed. p. 177 a 322. Para o autor,
durante as tratativas, trata-se de “individuar o conteúdo de tais momentos intermediários, e
reconstruir-lhes a função, na perspectiva de compreender sua idoneidade para a produção
de efeitos juridicamente relevantes, que poderão mostrar-se ora finalizados à definição do
regulamento de interesses querido pelas partes, a ser alcançado tão somente com a avença
contratual; ora eles próprios definitivos, configurando-se aquele momento, a bem observar,
só aparentemente intermediário; mas em realidade, segundo a reconstrução da vontade
das partes, compreendido em uma fattispecie negocial, a qual, por sua estrutura e função,
bem se apresenta com os característicos de natureza definitiva e de completude de um
regulamento contratual. No original: trata-se de “individuare il contenuto di tali momento
intermedi e ricostruirne la funzione, nella prospettiva di comprenderne l’idoneità a produrre
effetti giuridicamente apprezzabili, che potranno apparire ora finalizzati alla definizione
dell’assetto di interessi voluti dalle parti, che si avrà solo con la regola contrattuale; ora
essi stessi definitivi, configurandosi, quel momento, a ben vedere, solo apparentemente
intermedio, ma in realtà, secondo la ricostruzione della volontà delle parti, riconducibile a
una fattispecie negoziale, che, per struttura e funzione, ben si presenti con i caratteri della
definitività e della completezza di un regolamento contrattuale” (p. 179).
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Nesta direção, leciona Federico Castro y Bravo, El Negocio Jurídico, Instituto Nacional de
Estudios Politicos, Madrid, 1967, p. 29, segundo o qual, na dinâmica dos negócios jurídicos,
a definição de finalidades a serem alcançadas pelos particulares “no sopone disminuir el
alcance de la autonomía de la volontad, sino pó el contrario tenerla em cuenta em su doble
aspecto de libertad y de responsabilitad”.
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