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O controle de tráfego aéreo brasileiro entre setembro de 2006 e março de

2007: a ruptura operacional, o modelo administrativo e perspectivas.1


Bemildo Alvaro Ferreira Filho 2

Resumo

Este artigo procura apresentar alguns detalhes da preparação do trabalhador militar que prestava
os serviços de controle de tráfego aéreo no CINDACTA I na época do acidente aéreo de 29 de
setembro de 2006. Procura, também, evidenciar os elementos circunstanciais que
necessariamente estavam presentes no ambiente de trabalho para efeito de defesa e controle no
que compete a adequada operacionalidade do órgão de controle. Tais elementos tinham por
objetivo a proteção dos sargentos e suboficiais da especialidade controle de tráfego aéreo quanto
as ameaças conhecidas ou latentes e a severidade de seus riscos. Sustenta-se a ideia de que o
acidente foi uma surpresa para ambas as partes, desencadeando, após passado o primeiro mês, as
reações antagônicas que se seguiram até o desfecho do autoaquartelamento de 30 de março de
2007 e a reação do COMAER no dia subsequente. Por fim, propõe a reflexão inequívoca da
prestação de serviço de controle de tráfego aéreo tal como é feita até hoje.

Palavras-chave: acidente aéreo, controle, controlador, tráfego aéreo.

Abstract

The article examines some details of the safety defenses provided by the Brazilian Air Navigation
Service Provider (ANSP) to the Brazilian Air Traffic Control ACC-BS facility at the time of the
midair collision over the Amazonian Rainforest on 29 September 2006. It shows preventive
actions expected for coping with historically known or latent system degradations, and also
examine selection criteria for being accepted for the Basic Air Traffic Controller (BCT in
Portuguese) speciality in the Brazilian Air Force, which provides most Brazilian ATC services.
The article analyses some events which took place between September 29, 2006 and March 31,
2007 that could be seen as a potencial contributing factors to the reactions in the accident
aftermath that opposed BCT sergeants at the sharp end of the system and the ANSP's officers at
its blunt end. Finally, the article proposes an assessment of the validity of maintaining the current
organizational administration for the Brazilian ANSP.

Tags: air traffic controller, Brazilian air crash, ANSP, midair collision

1
Artigo apresetnado a
2
É controlador de tráfego aéreo capacitado pelo IPV (ICEA) em 1997 sob a licença nº 3100 e membro da
Federação Brasileira de Associações de Controladores de Tráfego Aéreo (FEBRACTA). Email:
atcosupport@gmail.com.
Introdução expressões “Caos Aéreo” ou “Crise Aérea” como
O choque entre um Boeing da Gol Linhas Aéreas detentoras da condição de explicação do que ocorreu nos
Inteligentes e um Embraer-Legacy da Excelaire em 29 de principais aeroportos brasileiros entre outubro de 2006 e
setembro de 2006 sobre o espaço aéreo amazônico foi o março de 2007.
maior acidente de tráfego aéreo brasileiro. Provocou uma
O Observatório Social (IOS) foi o instituto que primeiro
série de eventos em cascata que repercutiram em várias
redirecionou a abordagem viciada sobre o assunto ao
áreas de atuação social brasileira, indo da Imprensa na
optar referir-se a esse período como de “Instabilidade
busca das “causas” do acidente a Ciência na busca de
Aérea” (Selligman-Silva, 2007). O IOS é uma
entendê-lo, passando pela justiça criminal e pelas
organização que pesquisa o comportamento de empresas
Comissões de Inquérito Parlamentar (CPI) nas duas Casas
multinacionais e nacionais em relação aos direitos
Legislativas com o intuito de apurar responsabilidades.
fundamentais dos trabalhadores, assegurado pelas
Este artigo tem a intenção de mostrar as origens do Convenções da Organização Internacional do Trabalho
antagonismo visceral que separou o oficialato em função (OIT).
de comando da Força Aérea Brasileira de seu próprio elo
O presente trabalho está assim dividido: nas Seções 1 a 5
com os soldados, isto é, os sargentos e suboficiais da
serão detalhadas as entradas que fundamentam a
especialidade Básico em Controle de Tráfego Aéreo
prestação dos Serviços de tráfego Aéreo (ATS): uma
(BCT). O artigo se refere apenas ao período que vai do
breve explicação do SISCEAB, dos órgãos que prestam o
dia seguinte ao do acidente até a data de 31 de março de
ATS, do trabalhador operacional, dos aprimoramentos
2007, dia da negociação dos controladores de tráfego
técnicos no auxílio à tomada de decisão e a apresentação
aéreo com o Governo Federal e dia que o Comando da
das ameaças e riscos a operacionalidade com seus
Aeronáutica entregou pela via de Boletim do Estado
respectivos dispositivos formais de eliminação ou
Maior da Aeronáutica (EMAER) o controle de tráfego
controle. Na Seção 6 será feita uma análise contextual dos
aéreo da Circulação Aérea Geral (CAG) aos controladores
elementos já discorridos e, por fim, nas Conclusões, o que
BCT e civis propondo, inclusive, a criação de um Órgão
pudemos aprender com o acidente e uma opção de como
Civil específico para ratificar essa decisão (COMAER,
viabilizar concretamente esse aprendizado.
2007).
1. SISCEAB
Entretanto, alguns pressupostos basilares, portanto
anteriores ao período assinalado, serão contemplados para O Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro
que a compreensão do leitor deixe as condições (SISCEAB) é um conjunto sociotécnico composto por
superficial e subjetiva que as expressões genéricas “Caos trabalhadores altamente especializados e por uma
Aéreo” e “Crise Aérea”, cunhadas e amplamente tecnologia específica para administrar a fluidez e
difundidas pela mídia de massa, produziram e a elas segurança ao se utilizar o espaço aéreo brasileiro para
recorrem como “tags” ou metadatas de acesso rápido. trânsito de aeronaves ou operações militares em tempo de
Quando essas expressões são utilizadas iterativamente paz. O órgão central que o gerencia é o Departamento de
para referenciar a expectativa de uma situação similar, ou Controle do Espaço Aéreo (DECEA). O Controle do
os próprios eventos ocorridos no período abordado, elas Espaço Aéreo se distribui com a seguinte orientação
reforçam cada vez mais toda sorte de equívocos organizacional: Gerenciamento de Tráfego Aéreo,
produzidos pela veia investigativa difusa e leiga, Cartografia Aeronáutica, Inspeção em Vôo, Meteorologia
definindo autores a certos fatos aos quais nunca estiveram Aeronáutica, Informações Aeronáuticas,
diretamente conectados, tornando-os inexoravelmente Telecomunicações Aeronáuticas e Busca e Salvamento.
referenciados a eles. As organizações militares (OM) que auxiliam o trabalho
do DECEA e a ele estão jurisdicionadas são: o Centro de
Assim, torna-se imperativa a desmitificação dos
Gerenciamento de Navegação Aérea (CGNA), os Centros
controladores de tráfego aéreo, foco do presente artigo,
Integrados de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo
como protagonistas de ações organizadas que visavam tão
(CINDACTAs I a IV), a Comissão de Implantação do
somente atrair a atenção pública para as mazelas que
Sistema de Controle do Espaço Aéreo (CISCEA), o
vivenciavam em termos de condições de trabalho, baixos
Primeiro Grupo de Comunicações e Controle (1º GCC), o
salários e imputação de culpabilidade na colisão entre as
Grupo Especial de Inspeção em Voo (GEIV), o Instituto
aeronaves. Também é imperativa a desmitificação das
de Cartografia Aeronáutica (ICA), o Instituto de Controle

2
do Espaço Aéreo (ICEA), o Parque de Material de forma a que a comunidade aeronáutica internacional
Eletrônica da Aeronáutica do Rio de Janeiro (PAME-RJ) esteja ciente e preparada.
e o Serviço Regional de Proteção ao Voo de São Paulo
Há controladores provenientes de duas instâncias
(SRPV-SP).
diferentes entre si: civis e militares. Estes são
Após a dissolução do Departamento de Aviação Civil eminentemente sargentos egressos da Escola de
(DAC), órgão do Ministério da Aeronáutica, como Especialistas da Aeronáutica (EEAR). Os civis, por sua
autoridade central do Sistema de Aviação Civil instituído vez, se dividem em quatro grupos, todos eles capacitados
em 12 de setembro de 1968, o DECEA passou a dividir pelo ICEA: civis que trabalham diretamente para a Força
com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) essa Aérea Brasileira (FAB) e são servidores públicos
responsabilidade. Enquanto a ANAC cabe a regulação chamados “DACTAS” – Defesa Aérea e Controle de
sobre infraestrutura de aeroportos, aeronavegabilidade, Tráfego Aéreo; civis contratados por convenio com
escolas de aviação, segurança (safety e security) dentro instituições internacionais como a OACI ou organizações
dos limites de sua atuação constitucional, ao DECEA sem fins lucrativos que prestam consultorias a autoridade
cabe promover as condições para aprimoramento dos aeronáutica, as chamadas OSCIP – Organização da
serviços prestados pela navegação aérea e seu específico Sociedade Civil de Interesse Público; civis contratados
capital humano e tecnologias que o servem. Essa por empresas privadas que possuem concessão da
interação entre capital humano e tecnologia está a cargo autoridade aeronáutica para o exercício da atividade e,
do Gerenciamento de Tráfego Aéreo e os controladores de finalmente, civis que trabalham para a autarquia que
tráfego aéreo são parte integrante fundamental. administra os principais aeroportos brasileiros, a Infraero.
A diferença mais visível entre as capacitações da EEAR e
2. Serviços de Controle de Tráfego Aéreo (ATS)
do ICEA é a formação militar adicionada aquela e a
Os Serviços de Controle de Tráfego Aéreo (ATS) são necessidade de indicação institucional para ingresso neste.
prestados pelas unidades de controle de tráfego aéreo com
Como já explicado acima, o trabalho do controlador de
o intuito de prevenir colisões das aeronaves entre si e das
tráfego aéreo é o de separação das aeronaves entre si e ele
aeronaves com as possíveis obstruções na área de
não é responsável pela sua separação quanto ao solo ou
manobra, além de expedir e manter o seu fluxo (OACI,
aos obstáculos. Em princípio, para cumprimento de suas
2001). Entende-se por unidades de controle de tráfego
atribuições o controlador utiliza junto com sua expertise e
aéreo a denominação genérica dos órgãos operacionais
treinamentos os equipamentos de comunicação em VHF,
Torre de Controle (TWR), Controle de Aproximação
as Cartas Aeronáuticas, telefones com linhas direta com
(APP) e Centro de Controle de Área (ACC). Cada qual
órgãos de controle adjacentes, fichas de papel
tem sua jurisdição específica na prestação dos serviços.
padronizadas para acompanhamento mnemônico das
Embora não se confundam, há situações em que possuem
instruções dadas as aeronaves (FPV) e, dependendo do
delegação ou são aglutinadas para que uma facilidade
tipo de serviço prestado pela localidade, indicadores de
preste os serviços da outra. Hierarquicamente, a sequência
pressão atmosférica reduzida ao nível do mar e
é ACC, APP e TWR e os serviços prestados atendem as
anemômetro para o vento de superfície.
aeronaves em rota, aeronaves em descida rumo ao pouso
ou subida rumo a rota e aeronaves em torno 4. Automação nos Centros de Controle de Área (ACC)
aproximadamente oito quilômetros do aeroporto ou
Com o aumento do uso do espaço aéreo brasileiro pela
movimentando-se pelo sistema de pistas e áreas de
aviação comercial, executiva, particular, aeromédica e
movimento, respectivamente.
militar em transporte, tanto nacionais como
3. Controlador de Tráfego Aéreo internacionais, e com o aumento da performance de vôo e
de tecnologia embarcada das aeronaves que disputam esse
A atividade precípua do controlador de tráfego aéreo é a
mesmo espaço aéreo, a automação de tarefas que auxiliam
de separar as aeronaves que evoluem em sua jurisdição
a tomada de decisão do controlador de tráfego aéreo na
utilizando para tanto os valores mínimos de distância ou
estratégia de separação dos tráfegos em sua jurisdição
tempo estipulados pela autoridade aeronáutica brasileira.
passou a ser um imperativo. E um imperativo que
Caso os valores sejam diferentes dos previstos pelos
caminha a reboque do que acontece na indústria
documentos da Organização de Aviação Civil
aeronáutica, conforme mostra a ilustração abaixo (Fulton,
Internacional (OACI), deve-se publicar tais diferenças de
2010).

3
No Brasil, as dimensões dos vários setores jurisdicionais janeiro, da Reduced Vertical Separation Minima (RVSM)
de controle do espaço aéreo, principalmente os que estão (DECEA, 2004). Isso significa que mais aeronaves
nos Centro de Controle de Área (ACCs) dos poderiam ser alocadas no mesmo espaço aéreo que antes
CINDACTAs, permaneceram virtualmente as mesmas dessa implementação devido a acurácia e confiabilidade
desde que foram criadas em meados da década de 1970 dos aviônicos de nova geração e das contrapartidas
até o inicio de 2005, mormente no CINDACTA 1, técnico-operacionais de solo como prevenção a perda de
segundo os relatos colhidos de quem vivenciou separação vertical.
diretamente sua implantação (Bosi, 1998). Os
5. Ameaças e Riscos no Controle de Tráfego Aéreo
controladores separavam os tráfegos utilizando como
(ATC): defesas
ferramentas de apoio os consoles-radar que evoluíram da
simples apresentação de um alvo primário em cor verde Toda prestação de serviço de controle de tráfego aéreo
num monitor de formato circular e tela escura à (ATC) tem previsão de certas inoperâncias que são
apresentação de sua área num grande monitor retangular identificadas seja pela sua probabilidade seja pela sua
em tela plana de 21 polegadas ou maiores com recorrência. Existem procedimentos específicos para cada
apresentação de um assim denominado “vídeo-mapa”. tipo de degradação dos subsistemas que se interagem,
Este display contém inúmeras informações sobre os incluindo aí quando o elemento humano se encontra fora
tráfegos e sobre a área de jurisdição além de permitir um de sua melhor condição técnica ou de saúde física ou
espaço para acondicionar as fichas eletrônicas de mental. Vale lembrar que o controle-radar é uma
acompanhamento mnemônico das instruções dadas aos prestação do ATC, porém não é a sua prestação
tráfegos (eFPV) pelo controlador. O ano de 2005 é fundamental no Espaço Aéreo Controlado, uma vez que
importante porque indica a implementação, em 25 de as aeronaves em voo ainda precisam ser atendidas e

4
separadas se algum problema ocorrer com a apresentação A forma mais disponível de conhecimento do estado dos
das informações na tela do console. vários subsistemas do órgão de controle são os reportes
feitos em Livro de Registro de Ocorrências (LRO). O
Cumpre limitar o foco neste tópico a apenas especificar as
LRO é efetivamente um livro com folhas numeradas e
condições com expectativas de estarem mais
pautadas com a função de possibilitarem um relato fiel,
provavelmente presentes no Centro de Controle de Área
sumarizado e objetivo da situação do trabalho
de Brasília (ACC-BS) na data do acidente, condições que
desempenhado durante o Turno de Serviço. A
propunham atenuantes ou eliminação dos riscos e
normalidade também é registrada e as ocorrências são
ameaças à esperada prestação do Serviço ATC por parte
distribuídas em Ocorrências Operacionais, Ocorrências
do CINDACTA 1. Foge ao escopo deste artigo elencar os
Administrativas e Ocorrências de Equipamentos, aqui
acontecimentos reais naquele órgão ou apontar
considerando o sistema de pistas e taxiways, auxílios a
responsabilidades perante o desafortunado evento. Assim,
navegação, iluminação do sistema de pistas e taxiways e
tomei como base dois paradigmas procedentes de
do procedimento de aproximação, entre outras,
literatura técnica da investigação de acidentes em
dependendo do órgão de controle. Tais reportes são
sistemas complexos de alto risco, STAMP 3, e da visão da
fundamentais na confecção do Plano de Degradação e na
Engenharia de Resiliência sobre o “acidente normal”4.
detecção das anomalias (ainda que não tenha uma
Assim, além dos equipamentos de trabalho e sistemas de definição formalizada pela autoridade aeronáutica), das
apoio a decisão disponíveis aos controladores, há as ameaças a operacionalidade do órgão e das análises dos
formas previstas de atenuação de ameaças e riscos a riscos entre os que devem ser aceitos, amenizados ou
prestação de serviço ATC na utilização do radar eliminados. Não parece haver a opção de continuar a
constantes em norma geral do Comando da Aeronáutica trabalhar com os equipamentos em modo degradado,
(COMAER, 2006a). Mais especificamente para o ainda que intermitente, sem uma análise adequada dos
ACCBS, quanto as situações de indisponibilidade do impactos a condição de funcionamento ideal planejada
emprego do radar no serviço de tráfego aéreo, deve-se para o sistema.
considerar os documentos que tem por finalidade
Cabe ao controlador da posição operacional ou da posição
“estabelecer diretrizes com relação ao Plano de
complementar reportar as ocorrências no LRO, enquanto
Degradação, ao Plano Regional de Emergência e ao Plano
uma instância superior e não operacional do órgão de
de Contingência, a fim de garantir a segurança e o
controle local é a responsável pela declinação das formas
funcionamento dos serviços de tráfego aéreo (ATS) e de
alternativas de trabalho, caso aplicáveis.
telecomunicações aeronáuticas, mesmo que de forma
degradada, nas situações de crise, instabilidade social ou Outra forma de conhecimento da situação sistêmica no
de interrupção dos serviços de apoio diversos para a órgão de controle é o Relatório de Prevenção
localidade” (COMAER, 2006b). (RELPREV), cujo nome em 2006 ainda era Relatório de
Perigo (RELPER). É um formulário disponível a todas as
pessoas (CBA, 1986), não só controladores de tráfego
3
STAMP: Systems-Theoretic Accident Modeling and aéreo, para que descrevam anonimamente ou não o que
Processes, cuja concepção, sinteticamente, estabelece que julgarem ser ameaças (perigos) a adequada
“accidents are conceived as resulting not from component operacionalidade local. O RELPREV, bem como o
failures, but from inadequate control or enforcement of Relatório Confidencial de Segurança de Voo (RCSV), são
safety-related constraints on the design, development, and
criações do Centro de Investigação e Prevenção de
operation of the system” (Levenson, 2003)
4
A visão do “acidente normal” pode ser expressa pelo Acidentes Aeronáuticos (CENIPA), órgão central do
trecho: “Rather than looking for causes we should look Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes
for concurrences, and rather than seeing concurrences as Aeronáuticos (SIPAER).
exceptions we should see them as normal and therefore
also as inevitable. This may at times lead to the 5.1 Defesas na Seleção do Controlador de Tráfego
conclusion that even though an accident happened Aéreo (ATCo)
nothing really went wrong, in the sense that nothing
Uma das maiores defesas, senão a principal, contra
happened that was out of the ordinary. Instead it is the
concurrence of a number of events, just on the border of ameaças e riscos a operacionalidade no controle de
the ordinary, that constitutes an explanation of the tráfego aéreo é a seleção correta do trabalhador que ocupa
accident or event.” (Hollnagel, 2006) lugar nas varias equipes de trabalho das TWR, APP e

5
ACC. Um entendimento latente, porém bem real, sobre a b) capacidade de avaliar criteriosamente seu próprio
atividade dos controladores de tráfego aéreo dá conta que comportamento;
a prestação de serviço de separação de aeronaves c) capacidade para examinar e interpretar os fatores
utilizando os valores mínimos aceitos pela autoridade envolvidos em determinada situação, a fim de
aeronáutica é apenas a parte visível e a rotina do trabalho. chegar a uma compreensão global da mesma;
A real atividade repousa na manutenção das condições d) predisposição para ajustar-se a métodos e regras
ideais baseadas na filosofia expressa pelo ditado latino pré-estabelecidas, assim como a situações de rotina;
mens sana in corpore sano para se lidar apropriadamente
e) capacidade de escolher e assumir uma posição
com os imprevistos que são – ou deveriam ser – frente a várias opções e sob circunstâncias diversas;
esperados, em se tratando de um sistema complexo.
Assim, é preciso se assegurar das mesmas garantias na f) capacidade de elaborar e programar
procedimentos sistematizados para atingir objetivos
seleção de pilotos da Força Aérea Brasileira para os que pré-estabelecidos;
postulam ou são indicados a atividade de controle de
tráfego aéreo. Dada sua importância no entendimento g) capacidade de organizar uma idéia ou fato de
forma clara, lógica e precisa, selecionando meios
desse trabalhador e de suas expectativas na carreira,
apropriados que possam ser entendidos e
reproduzo abaixo na totalidade os requisitos COMAER decodificados pelo receptor;
(2004b):
h) disposição para colaborar com outros durante a
3.4 REQUISITOS DE APTIDÃO PSICOLÓGICA realização de trabalhos em equipe;
3.4.1 Os Exames de Aptidão Psicológica implicam a i) grau de maturidade e controle sobre suas reações
análise de três áreas distintas: emocionais diante de situações mobilizadoras;
a) personalidade - conjunto de características j) capacidade para antecipar providências que se
herdadas e adquiridas que determinam o façam necessárias, independentemente de
comportamento do indivíduo no meio que o cerca; procedimentos previamente estabelecidos;
b) aptidão - conjunto de características que l) capacidade de conduzir e obter confiança, respeito
expressam a habilidade com que um indivíduo, e cooperação do grupo para a realização dos
mediante treinamento, pode adquirir conhecimentos objetivos comuns. Capacidade para agir de modo
e destrezas, traduzida através do potencial geral ou criterioso e cauteloso na realização de suas tarefas,
de aptidões específicas; e atendo-se aos pormenores significativos para a sua
realização;
c) interesse - gosto, tendência ou inclinação pelas
atividades e formação relativas à função pretendida. m) capacidade de expressar-se de maneira clara,
direta e precisa, selecionando o essencial e
3.4.2 Os requisitos da área de personalidade
necessário para atingir determinada meta;
compreendem, basicamente, os seguintes aspectos
psicológicos: n) capacidade para realizar tarefas, com o propósito
de atingir um objetivo, a despeito de qualquer
a) afetivo-emocional - maneira como o indivíduo
dificuldade encontrada;
vivencia, elabora e controla seus sentimentos e
emoções; o) predisposição para atingir a correção de seus
propósitos, frente às atividades desenvolvidas;
b) relacionamento interpessoal - habilidade de
interagir, conviver e se relacionar com as demais p) capacidade para assumir e cumprir as tarefas que
pessoas, em todos os níveis da organização; e lhes são atribuídas, inclusive suas conseqüências;
c) comunicação - capacidade de transmitir e q) habilidade para agir de modo a favorecer o
expressar idéias, pensamentos e emoções. estabelecimento de contatos e a integração no grupo;
3.4.3 Os requisitos da área de personalidade são r) capacidade de desempenhar produtivamente suas
assim operacionalizados: atividades mesmo que os resultados contrariem seus
objetivos; e
a) disposição para responder a situações novas,
sabendo manejar os problemas que surgem, com o s) capacidade de apresentar comportamento e atitude
objetivo de ajustar apropriadamente o seu que demonstram firmeza e autoconfiança frente a
desempenho; situações adversas.

6
3.4.4 Os requisitos da área de aptidão são assim incluindo aí emergências, nos períodos de monotonia.
operacionalizados: Uma forma de cuidado é o conhecimento do ciclo vigília-
a) capacidade de apreender e compreender conceitos sono e os efeitos provocados em quem trabalha em escala
abstratos, utilizando-os na solução de problemas; de serviço por turnos. Assim, o conhecimento do ritmo
b) capacidade de manter a atenção voltada para circadiano é fundamental ao controlador de tráfego aéreo,
determinado objetivo, bem como para identificar pois, além de identificar o período em que a capacidade
estímulos diferentes numa mesma situação; de produção do trabalhador responde melhor as
exigências do ambiente sociotécnico, espera-se que a sua
c) capacidade de manipular objetos
tridimensionalmente, visualizar formas e estruturas, alocação na escala de trabalho faça coincidir esse
organizando-os e estabelecendo relações de forma momento ótimo com o histórico de pico de movimento
correta; diário do órgão de controle. Por outro lado, ao
d) capacidade de perceber, reter e evocar certa coincidirem ritmo circadiano em baixa e um período de
quantidade de dados, instruções e informações monotonia, alguns procedimentos atenuantes do impacto
fornecidas através de estímulos sonoros; negativo na resposta cognitiva do controlador podem ser
adotados ou permitidos no ambiente de trabalho.
e) capacidade para perceber, reter e evocar certa
quantidade de dados, instruções e informações Campanhas educativas que demonstrem que a alteração
fornecidos através de estímulos visuais; biológica provocada imediata ou lentamente pelo excesso
f) capacidade para aprender ou lidar com princípios no consumo de bebidas alcoólicas, pelo hábito de fumar,
de funcionamento e conceitos de mecanismos uso de remédios farmacêuticos prescritos corretamente e
complexos; drogas ilícitas que alteram a consciência, fazem parte de
g) capacidade para perceber corretamente as uma defesa ativa na atividade do controlador de tráfego
relações do pensamento com objetos ou entre aéreo. Essas campanhas constam do Programa de
eventos distintos; Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (PPAA) (ICA 3.2,
h) capacidade de compreender conceitos expressos 2005a) e (COMAER, 2005b) dos órgãos de controle de
em palavras, podendo abstrair, generalizar e fazer tráfego aéreo e formulado pelo (CENIPA)
reflexões;
5.2 Programa de Controle de Qualidade no Serviços de
i) capacidade de perceber determinados elementos Tráfego Aéreo.
com rapidez, retê-los momentaneamente e emitir
pronta-resposta; e Em 19 de fevereiro de 2004, o Comando da Aeronáutica
publicou as Diretrizes para Implementação dos Programas
j) capacidade para resolver problemas que envolvam
conceitos numéricos. de Garantia de Qualidade nos Serviços de Tráfego Aéreo
sob o código MCA 100-12. (COMAER, 2004a). Com
3.4.5 Os requisitos da área de interesse referem-se à
esse documento, o DECEA começou a imprimir critérios
demonstração ou expressão de motivação para a
formação e desempenho futuro na atividade para a mais racionais na forma como o serviço de controle de
qual se candidata. tráfego aéreo vinha sendo oferecido até então. Deverá sair
de cena, aos poucos, o tipo prestação de serviços que se
3.4.6 Para a obtenção dos dados necessários ao
levantamento de cada uma dessas áreas são fundamentava essencialmente no cômputo do tempo de
utilizados instrumentos psicológicos específicos, a execução da atividade pelo trabalhador e na forma como o
critério do IPA. grupo aceitava as técnicas de separação dos tráfegos para
dar conta da demanda.
5.1 Outras defesas na atividade do Controlador de
Tráfego Aéreo (ATCo) A glamorização dessa atividade dentro do ambiente
militar, em termos da apreciação do número de vidas que
Dado que o controle de tráfego aéreo é um trabalho
cada controlador tinha sob sua responsabilidade, em
essencialmente cognitivo, há que se ter cuidados inerentes
termos da complexidade dos vários setores e em termos
a preservação da capacidade ótima de tomada de decisão,
do quanto os mais proficientes desses trabalhadores
bem como de manutenção de uma capacidade mínima de
podiam fazer sozinhos tarefas complementares entre si,
alerta de forma a poder reagir prontamente as
como, por exemplo, prover a separação e
necessidades do provimento de separação regulamentar,
simultaneamente coordenar os tráfegos com os órgãos
acompanhamento e informação ao tráfego aéreo,
adjacentes, dá lugar a formalização de análises das

7
ameaças operacionais e equivalentes riscos presentes em Causa de Acidentes desenvolvido por James Reason
cada sub-processo executado e em cada tática adotada (1990), revisto pelo próprio autor anos depois (Reason,
para cumprimento do respectivo sub-processo. 2008).
A filosofia que norteia a nova forma de se encarar o A MCA 100-12 também trata pioneiramente o tema dos
trabalho de controle de tráfego aéreo parece estar chamados fatores humanos e os problemas da automação
resumida nessa breve citação extraída de COMAER de rotinas e tarefas, entre elas as que alertam o
(2004a): controlador de tráfego aéreo para possíveis conflitos em
rotas convergentes ou o auxiliam na tomada de decisão.
"As decisões, em todos os níveis de gerenciamento
Um grande avanço teórico encontrado no referido tema é
de Órgão ATS, não podem ser tomadas com base
o que se refere a “automação sob o enfoque do elemento
somente na intuição e na experiência. Embora essas
humano”, buscando colocar o trabalhador como o centro
qualificações sejam desejáveis, a prática da análise
no uso de tecnologias para sistemas críticos e de alto risco
da situação, por meio da avaliação de dados e pela
que os projetistas e desenvolvedores criam para o controle
verificação de ocorrências específicas e
de tráfego aéreo, plataformas de petróleo e gás e usinas
investigadas, pode evitar enganos fundamentais.
nucleares, entre outros.
Antes de mais nada, é necessário conhecer o
problema por meio de fatos e dados, para depois 6. Seleção Analítica
processar a solução, agindo, efetivamente, sobre as
Pode-se notar pelo discorrido acima, que muitos cuidados
causas ou fatores contribuintes." (pg. 15)
são tomados para que a prestação dos Serviços de
Controle de Tráfego Aéreo (ATS) tenha o trabalhador
A MCA 100-12 é considerada por este autor a publicação
mais altamente qualificado ao pleno exercício de suas
melhor confeccionada dentre todas as que o DECEA
tarefas rotineiras. Mais que isso, esse trabalhador tem que
confeccionou. Ela é certeira na meta a ser atingida, é
estar apto física e mentalmente para esperar o inesperado
objetivamente eficaz e eficiente ao demonstrar quais são e
no espaço aéreo que lhe é jurisdicionado e, além de estar
onde se encontram os problemas a serem atacados para
bem preparado na recuperação da condição normal do seu
que o Controle de Tráfego Aéreo comece a ser encarado
trabalho quanto a manutenção do fluxo apropriado das
sob uma ótica científica mais do que uma outra
aeronaves, ele tem que saber como agir prontamente, a
especialidade dentro de um órgão militar como a Força
despeito das iminentes mudanças nas informações
Aérea Brasileira. Dessa forma, por exemplo, houve a
disponíveis para sua tomada de decisão. Some-se a isso a
preocupação de se fundamentar todo o Capítulo 5 com
habilidade de re-arranjar a interação sociotécnica para
todo os extratos obtidos das estatísticas de anuais dos
obter êxito na ação adotada, tudo isso em curtíssimo
incidentes e acidentes de tráfego aéreo – definidos assim
espaço de tempo. Grosso modo, segundo apurou Vismari
pelo fato das sucessivas comissões investigadoras
(2007), o tempo médio gasto pelo controlador de tráfego
avaliarem que um ou mais sub-processos da prestação de
aéreo entre a detecção de um possível conflito de rotas em

Serviço de Tráfego Aéreo tiveram participação sua jurisdição, formatar cognitivamente a solução e
fundamental para o que se sucedeu, segundo o Modelo de transmiti-la ao piloto (figura 2) é de aproximadamente

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cinco segundos (4,95 seg). É também, apoiando-me em Entretanto, nem tudo estava dando tão certo como
Bosi (1998), esperado que profira 1000 palavras por aparentava. Um olhar mais clínico do SISCEAB sobre si
minuto, em média. mesmo, ou seja, as informações coletadas e compiladas
sobre os vários incidentes de tráfego aéreo conhecidos –
Isso posto, procurei apresentar como o provedor de
para efeito deste artigo, um incidente pode ser um evento
serviços de navegação aérea brasileiro, o DECEA,
com potencial de acidente, mas que não se concretizou
alinhado com o Comando da Aeronáutica da qual faz
dessa forma – foram interpretadas pela Assessoria de
parte, possibilita, em tese, as condições para que o
Segurança do Controle do Espaço Aéreo do DECEA
trabalho no órgão de controle de tráfego aéreo se
(ASEGCEA). Coletadas e compiladas, foram analisadas e
desenvolva contemplando múltiplas facetas de defesas
separadas por categorias para qualificação e quantificação
contra as ameaças operacionais mais conhecidas. Procurei
dos tipos de incidentes e de suas tendências,
mostrar, também, como são selecionados os recursos
respectivamente, de maneira a balizar eficazmente as
humanos com perfil adequado para o nível das exigências
correspondentes ações de mitigação ou erradicação. Esse
de uma atividade onde o risco de perdas de vidas e de
conhecimento produzido pela ASEGCEA transformou-se
vultosos montantes de dinheiro em investimentos da
nos alertas da MCA 100-12. Um exemplo disso pode ser
indústria aeronáutica é sempre uma expectativa em
visto no trecho a seguir (COMAER, 2004):
potencial.
“Aeronaves autorizadas a voarem em rotas
Ainda assim, a despeito dos esforços tanto do provedor
convergentes e no mesmo nível de vôo por si só já
como dos seus trabalhadores, o acidente envolvendo os
apresentam um grande potencial risco, já que uma
jatos Boeing B737-800NX e Embraer-Legacy E135
eventual distração ou falha de comunicação
ocorreu em um setor do espaço aéreo brasileiro cujos
eliminará o recurso da correção, caso necessário. O
tráfegos eram controlados por prestadores de serviços de
processo de autorizar os níveis e as rotas
tráfego aéreo militares, que, além das características
solicitadas para, posteriormente, efetuar a
físicas e psicológicas específicas já declinadas, possuíam
avaliação da situação, tem-se mostrado perigoso e
a formação e doutrina militares. O acidente de tráfego
contribuído para a ocorrência de incidentes de
aéreo imediatamente anterior, salvo engano, tinha
tráfego aéreo. Em rotas convergentes, deverá ser
ocorrido há vinte anos, em 19 de setembro de 1986.
efetuada a projeção dos tráfegos para o ponto de
Também se constituiu em um traslado para os Estados
convergência, analisando-se a separação horizontal
Unidos da América de uma aeronave da Embraer com
com antecedência e emitindo-se, quando a situação
matrícula dos Estados Unidos da América, N219AS,
exigir, autorizações que, antecipadamente,
decolada de São José dos Campos para Manaus, mas com
eliminem o conflito potencial, estabelecendo a
o vôo interrompido pelo choque com a Serra da
separação horizontal ou modificando o nível de
Mantiqueira. Padrões de acidentes que se repetem não são
vôo de uma das aeronaves para a obtenção da
desconhecidos aos especialistas (Reason, 2008).
separação vertical, antes que o mínimo de
Vinte anos se passaram, então, sem que a prestação de separação lateral seja infringido.” (pg 29)
serviços de controle de tráfego aéreo e implementações
Num primeiro relance, podemos deduzir que o embrião
importantes fossem duramente interrompidas por um
do acidente que ocorreu no espaço aéreo amazônico em
acidente aéreo em moldes semelhantes ao de 29 de
setembro de 2006 estava devidamente mapeado nos
setembro de 2006. Dentre elas, posso citar a mudança de
bancos de dados da ASEGCEA. O que não se poderia
filosofia para assuntos da navegação aérea brasileira no
precisar é onde e quando realmente aconteceria. E com o
Departamento de Aviação Civil (DAC), então órgão
alerta dado, talvez não só na publicação de 2004, mas por
central do Sistema de Aviação Civil (ANAC, 2010a), até
diversos outros meios pertinentes e previstos, como o
a criação da ANAC (ANAC, 2010b), transformando a
PPAA, por exemplo, seria de se esperar que as medidas
Diretoria de Eletrônica e Proteção ao Voo (DEPV) no
preventivas também tivessem sido disparadas. Se foram,
atual DECEA (Planalto, 2010). Outra implementação
não chegaram a tempo naquele local e naquela hora
importante de ser citada é a do Espaço Aéreo RVSM em
específica: ACC-BS e 1956 UTC, respectivamente.
janeiro de 2005 (DECEA, 2004), área onde se deu o
acidente do Boeing com o Legacy. Tomando por base os elementos acima delineados,
parecia que o sucesso obtido em cerca de vinte anos pelo

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provedor de serviços de navegação aérea brasileiro que consiste no aumento do intervalo entre as
deixava os seus planejadores, desenvolvedores, decolagens nos aeroportos controlados pelo
checadores, legisladores e formadores de recursos respectivo ACC, provocando o efeito cascata de
humanos com a certeza de que estavam trilhando o atrasos nos vôos, de modo a possibilitar que o
caminho apropriado. As medidas para reconhecimento fluxo de aviões seja readequado à capacidade
das ameaças a operacionalidade do SISCEAB no ACC- operativa do órgão, que depende de uma série de
BS, a avaliação dos riscos e as soluções plausíveis para se fatores como o número de equipamentos
evitar surpresas desagradáveis foram tomadas pela disponíveis, incluídos os radares, freqüências de
autoridade aeronáutica. Iam desde a adequada seleção do controle, postos de operação (consoles de
trabalhador para a atividade de controle de tráfego aéreo visualização ativados), operadores, controladores e
até a circunscrição das possíveis degradações dos vários mantenedores.”
subsistemas que se interagiam.
e
Tais medidas eram complementadas por reportes
“16. A situação do controle do tráfego aéreo
sistemáticos das ocorrências encontradas, devidamente
atingiu níveis críticos após o episódio do acidente
compilados e classificados para o necessário disparo dos
envolvendo a aeronave da Gol e o jato da empresa
alertas de segurança de voo aos órgãos operacionais e
americana Excel Aire (sic), em virtude do
outras instituições pertinentes. A despeito de todos esses
afastamento, para acompanhamento médico e
cuidados, cada um dos trabalhadores do SISCEAB, a
avaliação psicológica, por força de normativos da
comunidade aeronáutica e o país inteiro vivenciaram o
Aeronáutica e também por dispensa a pedido, de
acidente “impossível” de acontecer (Reason, 2008). A
mais de uma dezena de controladores de vôo que
normalidade dos trabalhos no cotidiano dos órgãos de
trabalhavam no CINDACTA I no dia da tragédia,
controle de tráfego aéreo não mostrava os indícios de que
desfalcando o órgão que já contava com um
algo estava saindo do curso e tendendo a uma falha fatal
quantitativo de pessoal no limite do estritamente
(Carvalho, 2008).
necessário à sua operação, ocasionando atrasos nas
Após o acidente, a comoção pública em torno da decolagens e nos vôos. Ainda segundo constatado
“culpabilidade” dos pilotos do Legacy ou dos pela equipe de auditoria, a questão relativa ao
controladores de tráfego aéreo, pontas operacionais que se incremento no número de controladores de tráfego,
inter-relacionam, o jornalismo investigativo na busca per se (sic), não representa o único fator que pode
solucionar o acidente, a demora do Governo Federal em ocasionar o estrangulamento da atividade de
implementar as conclusões do Grupo de Trabalho controle de vôo.”
Interministerial (MD, 2006), entre outros aspectos,
contribuíram para o acirramento nas relações hierárquicas O que se viu no aftermath do acidente que se estendeu até
dentro do DECEA com sargentos BCT e oficiais em pelo menos 31 de março de 2007, foi a tentativa de
comando se responsabilizando mutuamente pela recuperação da auto-imagem dos principais atores desse
fatalidade, antes até que se dessem conta da real dimensão cenário trágico. Os sargentos e suboficiais BCT, isolados
atingida pelo acidente “impossível”. dentro da sua Força Armada, buscavam, de maneira
caótica, elementos disponíveis para se defenderem das
O Relatório de Levantamento de Auditoria do TCU
acusações de terem falhado no dia do acidente e de
desmitificou as idéias correntes na opinião pública (OI,
solaparem o sistema de controle de tráfego aéreo para
2006) de sabotagem dos sargentos BCT no ACC-BS, ou
garantirem visibilidade. A Força Aérea Brasileira (FAB)
de outros órgãos de controle, durante o período cunhado
buscava afastar seus comandantes mais visíveis e
negativamente como “Caos Aéreo”. O TCU considerou o
contavam com o peso que a farda militar representa
assunto nos itens 14 e 16 transcritos abaixo (TCU, 2006):
culturalmente no país (IBOPE, 2009) para influenciarem
“14. Como bem destacado no Relatório, eventuais as instituições das duas Casas Legislativas federais que
falhas ocorridas no ACC, tais como diminuição queriam saber o que realmente tinha acontecido e os
nos canais disponíveis para comunicação por porquês. (Senado, 2007)
rádio, insuficiência no número de controladores,
O Centro de Comunicação Social da Aeronáutica
ou mesmo excesso de aeronaves controladas,
(CECOMSAER) pouco foi acionado, enquanto o
provoca o denominado controle de fluxo (sic),

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Presidente da Infraero e a Diretora da ANAC chamavam controle de tráfego aéreo do ACC-BS. Devido ser a
para si as responsabilidades das primeiras explicações dos elaboração da norma algo que contempla determinadas
fatos e dos apoios aos familiares das vítimas. Também o necessidades do momento, há a necessidade do
Clube da Aeronáutica emitia sua opinião pública (Frota, trabalhador em adequar as formas de trabalho às
2006) como que falando pelo Comando da Aeronáutica. demandas da produção, sob pena da paralisação sistêmica
Do lado do Governo Federal, o Ministro da Defesa era da prestação de serviço. As práticas mais comuns de
acionado pelo Presidente da República para resolver a “tampering” ou de “by-pass” (Almeida, 2007) podem se
questão de antagonismo que se fazia acreditar existir entre tornar comportamentos normais, no sentido mostrado por
os sargentos e suboficiais BCT e o Comando da (Carvalho, 2008), se não há um monitoramento constante.
Aeronáutica em relação às acusações públicas de Tanto os oficiais em comando no DECEA como os
sabotagem. sargentos e suboficiais da especialidade de controle de
tráfego aéreo do ACC-BS vinham cumprindo suas tarefas
Todas as situações acima eram as que possuíam maior
sistêmicas com a competência que lhes eram esperadas
visibilidade social. Junto com ações que se faziam
dentro das condições materiais e de filosofia de trabalho
necessárias, no âmbito do CINDACTA 1 e em outros
com as quais podiam contar. Mesmo com todos os
órgãos de controle no entender dos Comandos Aéreos, e
cuidados formais presentes, o acidente ocorreu. Seria de
evocados o princípio da hierarquia e disciplina, formaram
se esperar acidentes em áreas muito mais densas em
lentamente uma eclosão social que a imprensa e a
número de movimentos aéreos e complexas em termos
sociedade por ela informada só vieram a conhecer apenas
das possibilidades de conflito de rotas que as encontradas
meses depois do acidente. No dia trinta de março de 2007,
no espaço aéreo RVSM do ACC-BS. Não ocorreram no
isolados grupos de sargentos e suboficiais BCT em vários
Brasil em grande parte por causa da expertise e da
órgãos de controle, e mais suscetíveis aos rumos que
capacidade de adaptação das normas à realidade produtiva
levavam toda a classe ao centro da responsabilidade pelo
pelos sargentos e oficiais BCT nos seus órgãos de
acidente, resolveram empreender uma manifestação
controle, conforme demonstra a pesquisa de (Araújo,
silenciosa na forma de um autoaquartelamento que
2000). Desnecessário dizer que os comandos locais
acabou se propagando e paralisando as atividades de
validavam a prática, ainda que não formalmente.
separação dos tráfegos em vista das ameaças operacionais
que suscitava. É imprescindível que o SISCEAB seja repensado no seu
aspecto administrativo e, infelizmente e sob o auspício da
No dia seguinte, trinta e um de março, o Estado Maior da
blood priority, o acidente de 29 de setembro veio a
Aeronáutica (EMAER) publica um Boletim (COMAER,
reforçar ainda mais essa hipótese. Como já apontado mais
2007) se desligando das responsabilidades na prestação de
acima, não se questiona aqui a competência do Comando
serviços de controle de tráfego aéreo (ATS). Doravante,
da Aeronáutica e DECEA como os responsáveis na gestão
os sargentos e suboficiais BCT não precisariam vir
do Sistema. O que se contesta é o modelo vigente baseado
trabalhar com o uniforme azul-baratéia.
em fortes restrições à participação ampla de todos os seus
7. Conclusão trabalhadores, incluindo as formas associativas, de
Para Erik Hollnagel, há quatro questões que são reconhecimento social e legal da profissão, da
normalmente previstas quando um trabalho é planejado 1) transparência pública das ações empreendidas e de uma
as entradas do processo de trabalho são regulares e filosofia anacrônica de suporte técnico-científico à
previstas; 2) as demandas e recursos ficam dentro dos concepção de como a prestação de serviço é percebida,
limites; 3) as condições de trabalho em geral se monitorada e suas ocorrências investigadas. Contesta-se,
acomodam nos limites normais; e 4) as saídas obedecem ainda, que a modernização tecnológica necessária não
as expectativas ou normas (Grøtan, 2008). Porém, pode se assentar sobre antigos, inflexíveis e perenes
complementa ele, essas quatro condições frequentemente fundamentos castrenses, tal qual remendo novo em tecido
não são cumpridas e fazem, assim, com que os velho, e essa mesma modernização exige uma formação
trabalhadores ajustem suas práticas de trabalho para dar profissional diferente da atual dos trabalhadores da ponta
conta da tarefa proposta. do Sistema, hoje apenas capacitados em nível técnico.
Esse repensar se deu interdisciplinarmente,
Esse artigo pretendeu apresentar que os quatro pontos principalmente em São Paulo, por conta do Ministério
acima estavam presentes no planejamento do trabalho de Público do Trabalho, dentro do período de corte desse

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artigo, outubro de 2006 a março de 2007. Houve ações (OACI) e seus estados signatários, sem a participação
institucionais ou isoladas para conter essa “invasão” de plena, compromissada e de maior nível de excelência de
outros poderes constituídos do Estado brasileiro e, em todos os órgãos envolvidos, sejam eles do Governo
certos casos, elas foram além do Princípio da Ação e Federal, das instituições privadas ou das Associações dos
Reação newtoniana, isto é, não só desmedidas como trabalhadores ou seus sindicatos. O presente artigo visou
incidindo algumas vezes em graves perturbações da organizar racionalmente alguns eventos do controle de
tranquilidade necessária ao ambiente operacional, pelo tráfego aéreo no período mencionado, mas deixa também
menos o pouco de tranquilidade que ainda existia no pós- uma reflexão importante em aberto.
acidente.
Não se fazem tais mudanças culturais e tecnológicas,
previstas pela Organização da Aviação Civil Internacional

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