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“A voz da geração falida”

por
paulo franchetti

Os 25 melhores poemas de Charles Bukowski foi


um dos últimos trabalhos de Jorge Wanderley. É um
bom livro. Lendo-o, impressiona por manter em
português o mais característico da obra de Bukowski: a
informalidade, o aparente desleixo de linguagem, o
registro baixo que emerge de súbito e salta à cara do
leitor, bem como o imprevisto lirismo que surpreende
com o sinal oposto. Principalmente, ressalta o difícil
equilíbrio desses registros, a combinação própria, que
dá o sabor específico da poesia e também da melhor
prosa de Bukowski.
Há muitas maneiras de avaliar uma tradução. E
há mesmo, sobre tradução, muito debate e acirradas
divisões em vertentes teóricas. E, como muitas vezes
acontece, essas discussões alimentam não apenas
revistas especializadas, mas ainda podem ramificar-se
em importantes divisões acadêmicas que, em casos
extremos, fundam, fendem ou fundem departamentos
inteiros.
Sem querer disputar com os especialistas nem o
jargão, nem a base de fundamentos ou de crenças,
muito particularmente julgo que uma boa tradução é
aquela que mais prescinde do original. Aquela na qual o
tradutor encontra uma forma de dizer que basta por si
mesma.
É claro que um bom livro de poemas traduzidos
deve trazer, lado a lado, o texto de base e o texto
traduzido. Isso funciona mais ou menos como uma
garantia, um gesto de confiança e de generosidade. O
leitor pode comparar, pode ler verso a verso em uma e
outra língua, pode ler aos blocos, poemas inteiros, em
sucessão. Se gostar da tradução, fica com ela; se não
gostar, sempre tem ao lado o texto na língua em que foi
primeiramente escrito.
Mas o que me parece o triunfo do tradutor é
aquele momento no qual, depois de conferir, meio
desconfiado, alguns tantos versos e poemas, e
percebendo a propriedade ou a coerência das escolhas,
o leitor percorre apenas o texto na sua própria língua,
para ver como soa aquele poeta na língua que não era
dele, mas que é a do leitor. Para ler, afinal, uma
interpretação.
Nesse sentido, é uma alegria, para os amantes
do velho Hank, tê-lo assim tão carinhosamente vertido
para o português (e charmosamente editado, da capa ao
miolo).
É certo que um exame atento pode levar a
concluir que o Bukowski-Wanderley é mais homogêneo
em termos de linguagem. Os coloquialismos e a
imitação de linguagem oral, presente em vários versos
dos poemas escolhidos, acabam recebendo uma veste
mais padronizada. Não há violência lingüística, nos
textos de Wanderley. E em alguns momentos, a
impressão é a de que a linguagem de Bukowski sofre
mesmo alguma elevação de tom.
No geral, porém, a operação de leitura é
coerente e produz um texto harmônico. Dá-se algo
parecido a uma canção, quando é transposta de tom. A
mudança é sensível na modulação, mas o resultado
conserva o desenho das frases, e o conjunto soa bem.
Os pontos que poderiam ser objeto de maior
reparo são poucos. Há algumas rimas a mais, o que dá
ao texto às vezes um caráter bastante diferente do que
tem em inglês. O caso mais notável é o da tradução
destes versos: “I cannot rhyme. / I am too tired to /
steal”. Em português, ficou assim: “não sei rimar. /
estou cansado demais para / roubar.” Se a assonância
rhyme/tired encontrou equivalente adequado em
rimar/demais, a inclusão da palavra “roubar” torna o
terceto uma contradição em termos, pois em português
o poeta diz, rimando, que não sabe rimar... O que é o
mesmo que dizer que na nossa língua temos um verso
sarcástico, enquanto em inglês temos um verso apenas
plano.
Há uma oscilação na hora de traduzir, ao longo
do livro, algumas palavras repetidas. O caso mais
flagrante é o de uma palavra cara ao poeta, whore. No
poema “Entrevistado por um ganhador do Guggenheim”,
lemos “esse sul-americano ganhador de um Gugg /
entrou aqui com a prostituta dele”; logo abaixo, a
mesma palavra já é traduzida por “puta”, da mesma
forma que no poema “Muito”, onde lemos “é como uma
cave, isso aqui: / cheia de morcegos e putas”. Nos três
casos, em inglês temos a mesma palavra. E a mim me
parece claro que, no primeiro caso, a palavra deveria
ser a mais chula, inclusive porque o ritmo ficaria mais
adequado, pois em inglês o segundo verso é
sensivelmente mais breve do que o primeiro; e em
português, além de próximo da extensão do primeiro,
resultou um verso de medida clássica, um sáfico, cujo
efeito aqui parece pouco adequado.
É preciso considerar, na hora de fazer estes
poucos reparos, que as traduções talvez não tenham
sofrido uma revisão final, pelo autor. Uma última leitura
talvez eliminasse, por exemplo, no belo “The last
generation”, o que me parece um problema na tradução
do verso “many others broken in victory”. Em
português, ficou: “muitos outros falidos na vitória”.
Como o título foi traduzido por “A geração falida”, cria-
se, a meu ver, um problema com a utilização do mesmo
termo português para “last” e “broken”, porque quem
lesse o texto apenas em nossa língua tenderia a ler o
verso acima como o centro de força do poema. O que
não é verdade. Ao menos, não como seria se a palavra
do título, que é um trocadilho com a denominação “lost
generation”, também aparecesse nesse verso, junto
com a palavra “vitória”.
Quanto à escolha dos poemas, dada a vastidão
da obra poética de Bukowski, não posso dizer muito.
Wanderley recolheu os poemas que traduziu de três
livros: uma seleção dos melhores poemas, publicada
pela primeira vez em 1960, uma coletânea da primeira
parte da década de oitenta e o volume The Last Night of
the Earth Poems, de 1992. Por certo, a apresentação de
apenas 25 poemas sob esse título valorativo é uma
aposta arriscada. Como todas as apostas das antologias,
é certo. Mas aqui, dada a exígua dimensão do conjunto,
o peso e o risco da seleção dos “melhores” parecem
muito grandes.
Num prefácio comovido, que apresenta o sentido
desse livro na vida de quem o traduziu, Márcia
Cavendish Wanderley explicita o princípio e a opção:
“Jorge Wanderley viu no bardo marginal uma
reprodução de si próprio, dividido entre o permitido e o
proibido, essa linha tênue que nos persegue em vida,
condenando-nos ao banal ou elevando-nos ao
epifânico”.
É certo que quase tudo que li de Bukowski
ressalta a epifania que brota da banalidade, da sujeira e
do rebaixamento. Mas não em toda parte encontramos o
momento de revelação do desejo de ternura, ainda que
impossível, e a cedência ao humor como redenção
parcial e afetiva, numa síntese precária. No mais das
vezes, o texto de Bukowski cristaliza um momento de
frustração absoluta, da entrega ao destino sem futuro
nem elevação.
Mas os termos da dicotomia formulada no
prefácio são adequados para compreender o movimento
desta antologia. E se existe um critério a orientar a
seleção, sem dúvida ele consiste na busca de poemas
que operam mais claramente essa elevação ao
epifânico. E por poemas nos quais o tom sentimental
tenha um lugar importante.
É uma escolha. E sendo uma escolha derradeira,
esse conjunto de traduções que se publica, póstumo, se
deixa ler como um testamento e como uma consolação.
O livro: Márcia Cavendish Wanderley (org). Os 25
Melhores Poemas de Charles Bukowski. Edição Bilíngüe
com tradução de Jorge Wanderley. Rio de Janeiro,
Editora Bertrand Brasil, 2003.

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