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Por quem a
cobra fumou?
Estudos mostram
importância da
participação de
tropas brasileiras
na Segunda Guerra
U
ma piada corrente no país, pouco antes de o
Brasil entrar na Segunda Guerra Mundial, era
que Hitler teria dito ser mais fácil ver uma co-
bra fumando do que os brasileiros conseguirem
enviar tropas para a batalha. Quando, por não
ter sido possível encontrar o número ideal de
soldados necessários para compor um corpo
divulgação
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PESQUISA FAPESP 177
Desfile do
Primeiro
Batalhão
da PUC-Rio. “No auge de seu esfor- da, uma abordagem científica da guer- convertidos em soldados para lutar pela
ço de guerra, os Aliados não queriam ra que, na Itália, se chocaria com uma pátria”, observa Ferraz. Mas não foi fácil.
um parceiro que precisava ser vestido, realidade de incertezas, de necessidade Os convocados depararam com a tra-
alimentado, treinado e municiado, co- de improvisação e de rápida tomada de dição francesa dos militares brasileiros.
mo o Brasil, e tentou-se desestimular decisões pelos oficiais”, diz Campiani. “Os oficiais eram muito ríspidos com
as pretensões brasileiras. Mas o gover- “Tinha-se a percepção de que a fan- seus subordinados e os praças recebiam
no de Vargas insistiu no envio de uma farronice encenada em campanhas nas prisões disciplinares pelos motivos mais
força expedicionária para melhorar coxilhas ou nos tiroteios contra estudan- insignificantes. A alimentação era de
sua posição internacional na mesa de tes paulistas destreinados seria suficiente péssima qualidade e os uniformes vis-
negociações do pós-guerra”, afirma o para enfrentar o Exército alemão.” No tosos dos oficiais contrastavam com o
historiador Francisco César Ferraz, ataque a Monte Castelo, por exemplo, o fardamento dos soldados, feitos de te-
professor da Universidade Estadual de comandante brasileiro, general Zenóbio cido barato que se rasgava com facili-
Londrina. As Forças Armadas, porém, da Costa, dispensou o ataque prévio da dade”, afirma Ferraz. Além disso, legiões
não estavam preparadas para organizar artilharia sobre posições alemães di- de conscritos das classes mais altas logo
uma expedição e os poucos oficiais com zendo: “Não precisa! Os meus meninos trataram de arrumar “pistolões” que lhes
experiência de combate tinham lutado tomam aquela m. no grito!”. “Quando os garantissem a exclusão da FEB. O mes-
pela última vez em 1932. “A instrução jovens foram convocados para a guer- mo valeu para uma quantidade consi-
do Exército era baseada na doutrina ra, inaugurou-se uma nova organização derável de oficiais do Exército regular,
militar francesa de 1914, já ultrapassa- para o Exército: a de cidadãos que eram que arrumaram meios escusos de fugir
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cou mais os soldados brasileiros do que
fotos divulgação
essas mostras de racismo. É certo que
as notícias sobre a FEB revigoraram o
questionamento do sistema de segre-
gação da sociedade americana e deram
um impulso adicional ao movimento
negro dos EUA”, diz Ferraz. Antes de um
desfile de tropas, Zenóbio da Costa teria
emitido uma determinação de isolar ou
retirar os expedicionários negros das
colunas, ordem que foi amplamente
ignorada pelos oficiais da FEB.
O “Exército da FEB”, por todas es-
sas razões, não agradava aos líderes do
“Exército de Caxias”, que fizeram proce-
dimentos de desmobilização apressados
no retorno ao Brasil com o término da
guerra. A imprensa propagava a FEB co-
mo símbolo das “tropas de democracia”, Lendo notícias
criando assim grande expectativa para o de casa no
retorno dos expedicionários. “Durante front italiano
muito tempo acreditou-se que Vargas
temia a volta dos soldados, que pode-
‘
riam apressar o fim do seu regime. Mas culdades de conseguir um emprego fo-
as maiores desconfianças partiram das ram potencializadas pelo fato de a maior
principais autoridades militares brasilei- parte dos expedicionários ter sido recru-
ras, os generais Dutra e Goes Monteiro, Havia uma tada na idade de aprendizagem de uma
e de setores políticos que teriam a per- profissão”, lembra Ferraz. Os veteranos
der com a livre expressão política dos flagrante má não conseguiam tampouco entender
febianos”, fala Ferraz. Foi estabelecido por que eram proibidos de falar sobre
um prazo limite de oito dias para o uso vontade para suas experiências de combate para civis
de uniformes da FEB e os pracinhas fo- e para a imprensa. “Era preciso passar a
ram proibidos, ainda na Itália, de emitir com a FEB por impressão de que fora a sua formação,
comentários sobre a guerra sem autori- não o duro aprendizado dos combates,
zação do Ministério da Guerra. muitos militares que possibilitou aos brasileiros vencer
um inimigo forte, uma questão de pres-
Liberal – “Havia temores políticos: a tígio numa sociedade em que o Exército
ameaça que representava para o ‘Exér-
no retorno ao era o principal ator político. Os militares
cito de Caxias’ esse novo tipo de força não podiam admitir limitações e falhas”,
militar, mais profissional, liberal e de- Brasil, diz Ferraz observa Ferraz. Sem poder de barganha
mocrático; o medo de que os oficiais com autoridades do governo, muitas das
febianos pudessem se tornar o fiel da quais eram oficiais graduados durante a
balança político-eleitoral e fossem co- vontade para com a FEB por autoridade ditadura militar e haviam fugido à con-
optados pelos comunistas; acima de do governo e muitos militares temiam vocação à guerra, os veteranos se calaram
tudo, temia-se que os expedicionários, ser preteridos nas futuras promoções da para poder sobreviver. Por uma confusão
entre os quais Vargas tinha grande po- carreira pelos oficiais e praças expedi- ideológica, ironia do destino, a imagem
pularidade, pudessem apoiá-lo e em- cionários que podiam exibir experiência dos ex-combatentes foi associada aos
polgar a população para soluções dife- de guerra”, diz Ferraz. militares golpistas, o que questionou
rentes daquelas do pacto conservador Muitos febianos viram, com amar- ainda mais a memória da FEB. “Apenas
das elites políticas para a sucessão de gura, que essa experiência, única na em 1988, com a nova Constituição, os
Vargas”, explica Ferraz. Um exemplo América do Sul, não iria ser aproveitada veteranos conquistaram o direito de uma
desse medo foi o veto à distribuição para moldar um novo Exército, sendo, pensão especial. Mas, dos 25 mil, pouco
de medalhas para todos os soldados em vez disso, destacados para guarni- menos de 10 mil estavam vivos quan-
pelos americanos. Afinal, poderia ser ções distantes. O grosso do contingente do o reconhecimento foi aprovado”, diz
“fonte de vexação” para os militares de ainda deparou com o desemprego, pois Ferraz. A pergunta “você sabe de onde
carreira que haviam ficado no Brasil muitos patrões, obrigados a readmitir eu venho?”, da Canção do expedicionário,
e teriam que medir forças políticas e seus empregados mobilizados, logo os teima em ficar sem resposta. n
profissionais com militares moldados demitiam alegando desajuste, neuroses
em combate. “Havia uma flagrante má ou incompetência profissional. “As difi- Carlos Haag