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A natureza dos processos históricos na Antropologia:


o estudo da mudança cultural
FREDERICK GOMES ALVES*

Resumo
Este trabalho pretende discutir a importância da investigação dos processos
históricos na ciência antropológica. Uma vez que esta ciência tem como
princípio o estudo da cultura, ela não pode se isentar, ou mesmo deixar de lado,
a questão da mudança cultural, uma vez que tal mudança ocorre no decurso
temporal de uma história. Assim, buscar-se-á refletir sobre o papel que os
processos históricos desempenharam nas teorias antropológicas de quatro
importantes figuras da história da antropologia: Edward B. Tylor, Franz Boas,
Eric Wolf e Marshall Sahlins.
Palavras-chave: eventos históricos; dinâmica social; culturas; teoria
antropológica.

Abstract
This paper intends to discuss the importance of investigation of the historical
processes in anthropological science. Since this science has as principle the
study of culture it cannot ignore, or even leave aside, the question of cultural
change once such change occurs in the time course of a history. Thus it will seek
to reflect on the role that historical processes had played in the anthropological
theories of four relevant figures of the history of anthropology: Edward B. Tylor,
Franz Boas, Eric Wolf e Marshall Sahlins.
Key words: historical events; social dynamics; cultures; anthropological theory.

                                                            

*
FREDERICK GOMES ALVES é doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás
(UFG) e bolsista CAPES.
 
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1. Introdução: Antropologia, a ciência ausente. As narrativas dos viajantes


do Outro da Idade Média despertavam a
curiosidade de seus
O objetivo deste texto é refletir sobre a contemporâneos. A literatura da
importância de a investigação conquista espanhola da América
antropológica focalizar os processos está repleta de observações sobre os
históricos a partir da percepção das costumes dos nativos do Novo
mudanças culturais por que passam os Mundo. Mas não há vestígios da
diversos povos através de suas ideia de que essas observações
interações sociais. A cultura humana se poderiam ser transformadas em
expressa por meio da interação entre objeto de tratamento científico.
Eram e continuavam a ser
indivíduo, sociedade e meio ambiente,
curiosidades. Só quando sua relação
seu produto se diversifica ao longo do com a nossa civilização se tornou
tempo, e esta diversidade permite traçar objeto de pesquisa estabeleceram-se
os caminhos pelos quais a cultura de as fundações da antropologia.
cada povo se movimenta. Seu resultado (BOAS, 2004, p. 42)
é um processo histórico heuristicamente
acessível para uma antropologia que Assim, a antropologia tem como
reconheça os preceitos básicos característica fundamental o tratamento
defendidos por Franz Boas, isto é, uma científico da relação entre duas ou mais
Antropologia Histórica. culturas, dito de outra forma, da relação
entre as variadas culturas com aquela
É pertinente começar tal consideração que é própria do antropólogo. É somente
pela história disciplinar da ciência nesta relação que a antropologia pode se
antropológica, uma vez que a história de estabelecer enquanto tal, de modo que
toda ciência fornece elementos chave toda simples consideração descritiva de
para a percepção de seus fundamentos e costumes e aparências diversas não
princípios, bem como para o passa de satisfação de curiosidades,
levantamento de questões atuais a cada sendo impossível a produção do
uma das ciências, sendo possível o conhecimento científico com isto, algo
esclarecimento de problemas científicos que, para os interesses da sociedade
à luz da história das ciências. Esta ocidental do século XIX, não devia ser o
afirmação radica-se naquilo que será a foco da atenção. Tratava-se então, no
perspectiva diretriz do presente trabalho, século XIX, no momento de formação
a saber, a relação entre antropologia e da antropologia, de produzir um saber
história. sobre a relação com o outro – um saber
Numa comunicação de 1904 para o antropológico, portanto –, e este saber
Congresso Internacional de Arte e antropológico carecia de legitimação
Ciência, intitulada A história da científica para ser reconhecido enquanto
antropologia, Boas traça as linhas gerais tal pela sociedade.
daquilo que seria seu ofício e o de tantos Não faltaram esforços dos primeiros
outros pensadores interessados nos antropólogos para atribuir à antropologia
fenômenos da cultura. Para ele: os elementos já reconhecidos e
As descrições de Heródoto mostram legitimados daquilo que seria uma
que até entre as nações da ciência, acima de tudo, a submissão dos
Antiguidade, apesar de sua dados empíricos a leis, eternas e
civilização centrada em si mesma, imutáveis. Um caso emblemático disto
esse interesse [pelos costumes e foi Herbert Spencer ao incorporar a
aparências do outro] não estava teoria positivista comteana ao estudo da
 
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sociedade com sua conhecida Física seu lugar contatos e interações culturais
Social (CASTRO, 2005). Não obstante, que constituíam as múltiplas culturas
ainda neste momento fundacional da (WOLF, 2001). Esta segunda posição,
antropologia, a percepção dos processos que é claramente crítica da postura
históricos levava à compreensão dos evolucionista na antropologia, aproxima-
mesmos enquanto caracteristicamente se do pensamento de Boas, embora este
mutáveis, as culturas eram concebidas aponte algumas reservas à perspectiva
em relação, e tal relação sempre difusionista, sobretudo em suas acepções
pressupunha mudança cultural. Senão radicais, o hiperdifusionismo.
vejamos.
Eric Wolf, em artigo intitulado As
2. Quatro perspectivas sobre a
perspectivas globais na antropologia:
mudança cultural
problemas e possibilidades, apresenta
dois estágios iniciais da antropologia, Tendo a história da antropologia sido
em ambos é possível perceber a presença aqui minimamente esboçada, ainda que
da mudança cultural e do caráter em suas fases iniciais, pode-se partir
fundamental de se interpretar para uma maior consideração da questão
antropologicamente os processos do estudo dos processos históricos. Isto
históricos. O primeiro estágio da será feito em quatro momentos distintos:
antropologia seria o da antropologia em primeiro lugar será levantada a
evolucionista do final do século XIX, questão no importante ensaio de Edward
que postulava a unidade da humanidade B. Tylor A ciência da cultura, de 1871,
e um caminho racional até o progresso que se inscreve na perspectiva da
(WOLF, 2001). Como bem esclarece antropologia evolucionista; em seguida,
Boas no texto sobre a história da o tema será considerado através de
antropologia, este estágio foi a versão alguns apontamentos que podem ser
antropológica das filosofias da história feitos a partir do artigo de Eric Wolf
que tiveram papel marcante no final do Cultura, panacéia ou problema?, de
século XVIII, o que situa a antropologia 1984; uma reflexão sobre o estudo dos
evolucionista um século mais tarde dos processos históricos não poderia deixar
debates sobre filosofia da história. Em de lado as importantes considerações de
síntese, a tentativa de se projetar, ainda Marshall Sahlins, sobretudo em seu
que de modo especulativo, um sentido famoso Ilhas de história, de 1987, que
único para a história da humanidade, aqui será tomado exclusivamente em sua
bem como para o desenvolvimento da introdução, por possuir caráter mais
cultura, estava já superada nos círculos teórico, condizente com a proposta deste
intelectuais da ciência histórica e trabalho; por fim, e com o intuito de
também da filosofia, mas era algo ainda fechar as considerações, articulando-as
fortemente discutido pelos círculos em todas com esta parte final, será levado a
que o debate antropológico se fazia cabo uma reflexão tendo-se por base
presente. alguns textos de Franz Boas publicados
originalmente em seu famoso Race,
Já no final do século XIX e nos Language and Culture, de 1940, e que
princípios do século XX inaugura-se o foram traduzidos e reunidos por Celso
segundo estágio da antropologia, o Castro na coletânea Antropologia
difusionista; este também postulava uma cultural.
humanidade comum, mas a pensava fora
de uma linha evolutiva, colocando em

 
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2.1. Edward B. Tylor, causação da cultura, inclusive das ditas culturas


interna e aquisição cultural primitivas.
Edward B. Tylor começa seu texto com Mas estes processos históricos são de
a seguinte afirmação: causação humana ou natural? É preciso
Cultura ou Civilização, tomada em aprofundar no texto de Edward B. Tylor
seu mais amplo sentido etnográfico, para aproximar-se da resposta. O autor
é aquele todo complexo que inclui prossegue considerando as causas da
conhecimento, crença, arte, moral, ação humana, isto é, dos elementos que
lei, costume e quaisquer outras originam os processos históricos.
capacidades e hábitos adquiridos
Felizmente, não é necessário
pelo homem na condição de
ampliar aqui a lista de dissertações
membro da sociedade. (TYLOR, in:
sobre intervenção sobrenatural e
CASTRO, 2005, p. 31)
causação natural, sobre liberdade,
O que deve ser ressaltado de tal predestinação e responsabilização.
consideração é o fato deste complexo Podemos avidamente escapar das
chamado cultura incluir um conjunto de regiões da filosofia transcendental e
capacidades e hábitos adquiridos pelo da teologia para começar uma
jornada mais promissora por
homem. Ora, se cultura é um complexo
caminhos mais viáveis. Ninguém
de coisas adquiridas, então ele já negará que causas definidas e
ressalta, nos primórdios da naturais de fato determinam, em
Antropologia, a importância da mudança grande medida, a ação humana e
histórica. A cultura é fruto de processos isso o homem sabe, pela evidência
históricos em que, entre outras coisas, o de sua própria consciência. Então,
indivíduo adquire caraterísticas ao deixando de lado considerações de
interagir em sociedade. interferência extranatural e
espontaneidade não causal,
Desta maneira, não parece plausível a tomemos essa admitida existência
afirmação, corrente em muitos círculos de causa e efeito naturais como
antropológicos e históricos, de que as nosso terreno firme, e andemos
sociedades primitivas seriam a- sobre ele enquanto nos der apoio.
históricas, e de que estariam mesmo (TYLOR, in: CASTRO, 2005, p. 32)
estacionadas num limbo cultural sem Portanto, a ação humana não é
qualquer horizonte de mudanças. O espontânea, ou seja, sem causa; também
próprio conceito de cultura já implica não é possível, a partir de princípios
mudança, transformação, movimento, científicos, encontrar evidências de
história. Mesmo que seja simplesmente a interferências sobrenaturais ou
história de como a cultura demarca o transcendentais. Logo, a ação humana
passo adiante dado pela humanidade em assume a forma de uma estrutura cuja
relação à natureza. Mas, uma vez que dinâmica são as causas e efeitos
seja algo adquirido, não pode ser internos, observáveis e formuláveis em
pensado como sendo uma questão de leis, estando incluída aí a ação humana
menor importância, o processo de de aquisição de capacidades e hábitos na
aquisição de capacidades e hábitos interação social.
culturais, seja pelo indivíduo ou pela
sociedade, é já um processo histórico. E Com isso, tem-se que, os processos
sua consideração histórica pode fornecer históricos possuem causas definidas e
dados fundamentais para a compreensão naturais, restando saber se são internos
ou externos aos povos. Pela definição no

 
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início do texto, Tylor parece seguir caracteriza a antropologia evolucionista,


defendendo a posição de que a causa dos a saber, a cultura humana.
processos históricos é interna à cultura,
uma vez que a cultura é adquirida pelo
homem na condição de membro da 2.2. Eric Wolf e a autonomia dos
sociedade, a sua sociedade; o autor não povos com história
se refere às sociedades em geral, Foi dito acima que há uma série de
tampouco a uma suposta sociedade pensadores, não apenas antropólogos,
humana. mas também sociólogos e historiadores,
Sucede que para o estudo da, nas que possuem uma visão de mundo na
palavras de Tylor, ciência da cultura, a qual as sociedades primitivas estão
natureza dos processos históricos situa- paradas no tempo, vivendo numa região
se na busca das causas definidas e intocada pela história, estática há
naturais da ação humana, sendo, milhares de anos. Pois bem, o
sobretudo, observáveis na interação antropólogo Eric Wolf traça uma série
social de seus indivíduos nos múltiplos de considerações que auxiliam a
processos de aquisição de costumes, leis, desconstruir, ou no mínimo
moral, crença, arte, conhecimento, etc. problematizar, tais concepções que são
Neste sentido, pode-se caracterizar atribuídas a certas sociedades ditas
processos históricos, no pensamento de primitivas. Em primeiro lugar nesta
Edward B. Tylor, como a mudança denominação estão os povos das
cultural de um estágio anterior, em que Américas e do continente africano antes
os elementos culturais não estavam da chegada dos europeus. Por décadas
presentes, para um estágio posterior, no estudou-se estes povos e suas culturas
qual os elementos culturais foram como se os mesmos estivessem parados
adquiridos. no tempo, sendo portanto a pré-história
da própria civilização europeia, os
Para finalizar esta rápida passagem pelo estágios selvagem e bárbaro da cultura
pensamento tyloriano, é interessante humana, sendo os europeus os únicos a
notar os conceitos que corporificam sua se encontrarem no estágio civilizado.
teoria antropológica, que pode ser vista Mas o estudo das sociedades primitivas
como um estudo dos processos devia ser feito com urgência, uma vez
históricos através da consideração da que elas estavam se extinguindo pelo
aquisição de certos elementos que contato com o europeu; eram sociedades
formam o complexo cultural. Ele afirma: a-históricas que começavam a ter uma
“Progresso, degradação, sobrevivência, história, pois o europeu passou a
renascimento e modificação são, todos introduzir elementos ocidentais em tais
eles, aspectos da conexão que liga a sociedades; logo, a civilização europeia,
complexa rede da civilização.” como motor da história, estava girando
(TYLOR, in: CASTRO, 2005, p. 40). as engrenagens, colocando em
Todos estes conceitos são formas movimento as sociedades americanas e
distintas de processos históricos, todos africanas, levando-as assim à sua
eles caracterizam a relação entre um inexorável destruição, ao
antes e um depois entre os quais ocorre desaparecimento de sociedades
uma mudança cultural, ainda que seja primitivas pelo contato cultural com os
uma mudança que vincule diferentes civilizados, os promotores dos processos
povos e culturas no todo que configura e históricos. Ao contrário desta visão
pessimista da cultura, Eric Wolf
 
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evidencia a presença de mudanças complexidades políticas e comerciais


culturais nos povos americanos e tenham surgido do nada, que tais
africanos antes da chegada dos europeus, sociedades tenham brotado na África e
ou seja, havia nestas culturas, história; neste nível de desenvolvimento. Assim
pelo que foi apontado a partir do texto como há um amplo conjunto de
de Tylor, só pelo fato de ser cultura, já processos históricos que esclarecem a
está presente uma série de processos história da cultura ocidental, há também
históricos que retratam a mudança um amplo conjunto de processos
cultural. Wolf afirma: históricos que permitem traçar as linhas
Lá [na África], a expansão do tráfico de desenvolvimento das variadas
negreiro proporcionou o surgimento sociedades presentes no continente
de organizações sociais e empresas africano, cabendo aos pesquisadores
que deviam suas origens e (antropólogos, historiadores, etc.)
características distintivas a sua focalizar tais processos de mudança
função no tráfico. Não estou cultural para lançar luz na história e na
dizendo que o desenvolvimento cultura destes distintos povos.
político e a iniciativa comercial na
África tinham de esperar a chegada Ainda sobre a forma de se lidar com as
dos europeus: absolutamente. Havia sociedades africanas, Wolf apresenta o
arranjos políticos complexos e redes problema inerente à prática de se tratar
de comércio que facilitavam o fluxo os grupos tribais como unidades
de bens – com certeza, do ouro e de analíticas estanques, isto é, sem
um grande número de escravos – da articulações mútuas e excluídas de
zona de florestas tropicais para o processos históricos.
litoral do Mediterrâneo e do oceano
Índico. O advento dos europeus nas Uma vasta literatura antropológica
costas da África ocidental canalizou usou entidades como essas [grupos
alguns desses fluxos para o tribais] para construir tipologias de
Atlântico. Mas deve-se observar que sistemas políticos africanos ou
o tráfico negreiro atlântico deixou a classificá-las como passos
captura, o transporte e a manutenção independentes de uma sequência
dos escravos, em larga medida, para evolutiva, como se fossem estáticas,
entidades políticas e econômicas eternas e independentes de qualquer
locais. (WOLF, 2003, p. 295) processo histórico. Porém, elas
serão mais bem compreendidas
Apesar de ressaltar a influência europeia como efeitos e causas, agentes e
na configuração e no direcionamento vítimas de processos de expansão
futuros do tráfico negreiro africano, política e econômica (...). (WOLF,
Wolf deixa claro o que para muitos 2003, p. 296)
sempre permaneceu obscuro, as As sociedades “primitivas” africanas
sociedades africanas, mesmo antes da foram, durante longo tempo,
chegada dos europeus, eram sociedades compreendidas como universos culturais
complexas, com arranjos políticos e estanques, como entidades, sendo-lhes
redes de comércio bastante intrincados, negada assim qualquer dinamismo e
além de várias destas sociedades terem processualidade histórica. O problema
autonomia. Este tipo de percepção parece não estar na investigação a partir
impede a caracterização de tais da categoria analítica de grupos tribais,
sociedades como primitivas, carentes do mas sim em não se perceber tais grupos
motor da história europeu. Também não como estágios provisórios, inseridos no
é possível imaginar que tais interior de um conjunto de processos

 
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históricos ou, dito de outra forma, como sobretudo em seu livro Europa e os
grupos tribais cujos elementos culturais, povos sem história, de 1982, cada um
costumes, religião, língua, arte, destes campos de relações, mais ou
conhecimento, possuem historicidades e menos circunscritos ao nível continental,
que só através da investigação destas, se articulou, a partir do século XV, numa
enquanto processos históricos, será ampla rede que intensificou o ritmo das
possível perceber as relações entre os mudanças culturais em todos os povos,
distintos grupos. E aí já não se reduz a europeus ou não; decisivo é a percepção
uma percepção paroquialista das do protagonismo de cada um destes
culturas, limitando-se a uma grupos culturais, que não apenas
investigação dos grupos tribais reagiam, passivamente, às mudanças
excluindo-se as relações externas, mas sobretudo produziam
intercontinentais. Wolf, apesar de mudanças próprias, como no caso do
demonstrar a complexidade dos povos tráfico negreiro.
africanos, não deixa de perceber o
quanto as relações com os europeus são
decisivas na investigação da mudança 2.3. Marshall Sahlins, o protagonismo
cultural do processo de tráfico negreiro. das culturas locais
E aqui pode-se ir mais além, inserindo- Pensamento semelhante é assumido por
se o papel decisivo das sociedade Marshall Sahlins. Embora seja um
americanas neste processo. Este caminho crítico da teoria do sistema mundial, ele
pode ser ampliado, desde o ponto de não deixa de perceber as relações
vista de uma abordagem cosmopolita, e interculturais a nível mundial, nem seus
assumir o caráter de uma investigação efeitos para a mudança cultural levada a
global dos processos históricos da cabo nos processos históricos. Na
mudança cultural. Tal ampliação é introdução ao seu Ilhas de história ele
aludida por Wolf: “Em lugar de afirma:
unidades separadas e estáticas,
claramente limitadas, devemos portanto Tenho observado entre teóricos do
“sistema mundial” a seguinte
tratar de campos de relações dentro das
proposição: dado que as sociedades
quais conjuntos culturais são reunidos e tradicionais [ou primitivas] que os
desmembrados.” (WOLF, 2003, p. 299). antropólogos habitualmente estudam
O que fica desta crítica das entidades são submetidas a mudanças radicais,
culturais estanques é a percepção básica impostas externamente pela
de que toda cultura só existe em relação expansão capitalista ocidental, não é
com outras. Em termos ideais, o possível manter a premissa de que o
conjunto mais amplo deste campo de funcionamento dessas sociedades
relações seria um campo de nível global, está baseado numa lógica cultural
que poderia ser aludido a partir da autônoma. Essa proposição resulta
intensificação das relações dos grupos de uma confusão entre um sistema
aberto e a total ausência de sistema,
culturais através da formação de um
tornando-nos incapazes de dar conta
sistema mundial mediante a expansão da diversidade de respostas locais ao
europeia em meados do século XV. sistema mundial, em especial
Este sistema é mundial porque não reduz daquelas que conseguem persistir
o papel dos povos americanos, africanos, em seu rastro. (SAHLINS, 2003, p.
do pacífico sul e asiáticos ao de simples 8)
figurantes da história da modernidade Ora, esta posição traduz-se na defesa do
europeia. Como bem apontou Wolf, protagonismo histórico das sociedades
 
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não europeias. Ainda que elas sofram tanto no interior de uma sociedade,
uma influência europeia, e uma quanto entre sociedades.
influência por vezes nada sutil, tal (SAHLINS, 2003, p. 9)
influência não elimina as respostas Desta maneira, os processos históricos,
locais à esta força mundial. Mesmo que levam a efeito a mudança de
estando atrelados, como sociedades elementos culturais no interior de uma
alinhadas ou resistentes, à expansão sociedade, estão presentes por toda a
mundial, estas sociedades continuam experiência humana. Nenhuma
mantendo sua lógica cultural autônoma, sociedade, por mais primitiva que se
e seu protagonismo na ocorrência dos possa caracterizá-la, carece de entrar em
processos históricos. Eles, os processos contato com a cultura europeia para
históricos, precisam ser estudados incorporar elementos dinâmicos de
enquanto suportes dos processos de mudança cultural, a articulação com
mudança cultural neste movimento de outras sociedades, e mesmo entre
alinhamento ou resistência a forças elementos diversos de uma mesma
externas e de adequação e inovação de sociedade, já produz transformações
forças internas. Como Sahlins cujas mudanças possuem uma
argumenta, é preciso uma investigação processualidade histórica. Assim,
antropológica em que se perceba as fenômenos da linguagem podem
sociedades como sistemas abertos, e não acarretar mudanças culturais na religião;
ausentes de sistema. Esta afirmação se alterações econômicas podem favorecer
articula com a percepção de Sahlins de reestruturações morais, esta lógica
que toda sociedade possui elementos ilustra toda uma constelação cultural
dinâmicos, causadores dos processos diversa e diversificada, inscrita no
históricos, internos e externos, o que fenômeno da cultura que é
exclui toda consideração de sociedades essencialmente histórico.
primitivas, que seriam carentes de
dinamismo interno e consequentemente Todas estas considerações argumentam
carentes de processos históricos. em favor de se colocar o estudo dos
processos históricos como algo
O mesmo tipo de mudança cultural elementar na investigação antropológica.
[causada pelo sistema mundial Sem a percepção da historicidade da
moderno], induzida por forças
cultura, nenhum elemento do complexo
externas mas orquestrado de modo
nativo, vem ocorrendo há milênios.
cultural poderia ser corretamente
Não somente porque as chamadas compreendido, a apresentação de sua
sociedades primitivas jamais foram imagem presente ficaria sem
tão isoladas quanto a antropologia profundidade histórica, deixando o
em seus primórdios, obcecada pelo fenômeno da cultura com uma aparência
interesse evolucionista com o de mera superficialidade.
antigo, gostaria de acreditar (cf.
Wolf, 1982). Os elementos
dinâmicos em funcionamento – 2.4. Franz Boas e o método histórico
incluindo o confronto com um
mundo externo, que tem Feitas estas rápidas considerações dos
determinações imperiosas próprias e pensamentos de Tylor, Wolf e Sahlins, é
com outros povos, que têm suas chegada a hora de apresentar os
próprias intenções paroquiais – argumentos de Franz Boas. Seus
estão presentes por toda a comentários foram deixados por último
experiência humana. A história é devido à ênfase que o mesmo atribui à
construída da mesma maneira geral
 
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perspectiva do método histórico e sua O estudo detalhado de costumes em


importância para o trabalho sua relação com a cultura total da
antropológico. tribo que os pratica, em conexão
com uma investigação de sua
Em seu texto de 1896 intitulado As distribuição geográfica entre tribos
limitações do método comparativo da vizinhas, propicia-nos quase sempre
antropologia, ele assevera: um meio de determinar com
considerável precisão as causas
É bom reafirmar, nesse momento,
históricas que levaram à formação
um dos objetivos principais da
dos costumes em questão e os
pesquisa antropológica.
processos psicológicos que atuaram
Concordamos que existam certas
em seu desenvolvimento. Os
leis governando o desenvolvimento
resultados das investigações
da cultura humana e nos
conduzidas por esse método podem
empenhamos para descobri-las. O
ser tríplices. Eles podem revelar as
objetivo de nossa investigação é
condições ambientais que criaram
descobrir os processos pelos quais
ou modificaram os elementos
certos estágios culturais se
culturais; esclarecer fatores
desenvolveram. Os costumes e as
psicológicos que atuaram na
crenças, em si mesmos, não
configuração da cultura; ou nos
constituem a finalidade última da
mostrar os efeitos que as conexões
pesquisa. Queremos saber as razões
históricas tiveram sobre o
pelas quais tais costumes e crenças
desenvolvimento da cultura.
existem – em outras palavras,
(BOAS, 2009, p. 33-34)
desejamos descobrir a história de se
desenvolvimento. (BOAS, 2009. p. Com isso, tem-se a exposição detalhada
33) dos elementos determinantes da
Como dito acima, o objetivo mudança cultural. De um ponto de vista
antropológico por excelência não é teórico, eles podem ser considerados os
simplesmente conhecer os costumes, e fatores constituintes de todo processo
demais elementos culturais, mas, histórico, cujo resultado metodológico é
fundamentalmente, a história do a busca de suas variações em cada caso
desenvolvimento de tais elementos, isto de investigação antropológica. Mas o
é, os processos que fornecem fundamental é que os três estão sempre
profundidade histórica aos costumes tais presentes na constituição dos elementos
como são observados pelo antropólogo. culturais, e portanto são sempre
encontrados em todos os processos de
Aqui surge uma questão de método; a mudança cultural.
percepção da mudança cultural, surgida
através do estudo dos processos No que tange à questão das suposta a-
históricos, precisa ser levada a cabo a historicidade das sociedades primitivas
partir de uma tríplice consideração, a Boas, no texto de 1932 Os objetivos da
saber, a investigação deve focalizar as pesquisa antropológica, afirma:
mudanças culturais através da A aparente estabilidade dos tipos de
consideração de: a) causas ambientais – cultura primitivos deve-se à nossa
externas, b) causas psicológicas – falta de perspectiva histórica. Eles
internas, c) conexões com outros mudam muito mais lentamente que
processos, este último seria o mesmo nossa moderna civilização, mas
que os campos de relações para Wolf. onde quer que a evidência
arqueológica esteja disponível,
Assim, afirma Boas:
encontram-se mudanças no tempo e
no espaço. Uma investigação
 
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cuidadosa mostra que aqueles abarcar o fenômeno da cultura em sua


aspectos que se presumiam ser integralidade, com sua devida
quase absolutamente estáveis estão profundidade histórica, para além da
constantemente passando por mera superficialidade presentista.
mudanças. Alguns detalhes podem
permanecer por um longo tempo,
mas não se pode supor que o Referências
complexo cultural manteve suas
características por um período de BOAS, Franz. Antropologia cultural. Tradução
tempo muito longo. (BOAS, 2009, e organização Celso Castro. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2009.
p. 102)
BOAS, Franz. A formação da antropologia
americana, 1883-1911. Organização e
3. Conclusão introdução George W. Stocking Jr. Rio de
Janeiro: Contraponto: Editora UFRJ, 2004.
A afirmação de Boas segue alinhada CASTRO, Celso. Apresentação. In: CASTRO,
com a dos outros autores elencados neste Celso. Evolucionismo cultural, textos de
trabalho. A suposição de que existiria Morgan, Tylor e Frazer. Rio de Janeiro: Jorge
um tipo de cultura cujos elementos Zahar Ed., 2005.
culturais não possuem estágios SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de
diferenciados e desenvolvimento ao Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
longo do tempo é completamente TYLOR, Edward B. A ciência da cultura. In:
rechaçada pelos autores. Talvez a única CASTRO, Celso. Evolucionismo cultural,
exceção seja Edward Tylor, embora, textos de Morgan, Tylor e Frazer. Rio de
como foi aqui apresentado, sua Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
concepção deixe antever certa dimensão WOLF, Eric. As perspectivas globais na
de processualidade histórica presente em antropologia: problemas e possibilidades. In:
toda cultura. ARIZPE, Lourdes (org.). As dimensões
culturais da transformação global: uma
Com isso, resulta que a investigação abordagem antropológica. Brasília: Unesco,
antropológica não pode prescindir do 2001. Cap. 2, pp-35-50.
estudo dos processos históricos como WOLF, Eric. Cultura: panacéia ou problema? In:
uma parte consideravelmente importante WOLF, Eric. Antropologia e Poder,
de seu trabalho. A percepção e contribuições de Eric Wolf. Brasília: Editora
UnB, 2003. pp. 291-306.
investigação da mudança histórica dos
elementos culturais, segundo a
perspectiva aqui defendida, é parte Recebido em 2013-10-23
constituinte de uma pesquisa que busque Publicado em 2014-01-01

 
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