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A expressão poesia semiótica designa genericamente um tipo de texto literário que procura
explorar outros códigos além do puramente linguístico, incluindo imagens, disposições não-
convencionais na página (ou na tela), por vezes sons e até movimento. É uma trasladação do poema
do mundo analógico para o mundo digital, instaurando um outro processo de leitura, não por
contiguidade ou linearidade, mas por montagens ou associações. A partir do concretismo, lançado
em 1956/1957 no Brasil, encabeçado por nomes como Haroldo e Augusto de Campos, Décio
Pignatari, Ferreira Gullar e outros, seguiram-se outras propostas, como o neoconcretismo, o poema-
processo, os popcretos, a poesia-práxis. O que nos concerne é seu caráter intersemiótico, multi-
associativo. A partir da década de oitenta do século XX, a cibercultura propiciou também o
aparecimento da escrita holográfica, do vídeo-clipe, da poesia hipertextual, do poema-fractal, da
poesia intersignos etc. Todas elas têm em comum a ânsia de libertar a poesia da tirania da página,
com seu dirigismo infradestro.
Enfim, o que estamos chamando aqui “poema semiótico” congrega todas as experiências de
extravasamento da palavra e da página pela poesia em sua inquietação, que começa com os
concretistas da década de 50 do século XX e que não para de se desdobrar em novas propostas, em
novas possibilidades.
Apresentamos a seguir alguns textos representantes desse tipo de poesia, para discussão.
Tomemos como objeto de observação e leitura o poema abaixo. Durante a leitura você encontrará
uns botões. Siga-os para entender parte do poema.
Botão 1: O epitalâmio (aqui grafado em sua forma latina, epithalamium, que veio do grego
epithalámion) é uma espécie poética praticada desde a Grécia antiga, e consiste em um canto de
louvor ou exaltação aos noivos no casamento. O autor chamou-o “epithalamium II”, talvez pelo fato
de já existir um poema chamado “Epithalamium”, por sinal escrito em inglês, do poeta português
Fernando Pessoa.
Botão 2: No centro do poema, temos a palavra “he” (ele, em inglês), envolta pelo “S” de “she” (ela,
em inglês). O texto tem, então, algo a ver com relação entre homem e mulher, mais especificamente
ligada ao casamento.
Botão 3: Tanto à esquerda como à direita da imagem central temos uma “chave léxica” que explica
alguns termos. A partir daí, você pode imaginar todas as possibilidades de sentido que envolvem as
palavras “he” e “she”, que, por sua vez, conduzem às ideias de homem e mulher, casamento,
envolvimento amoroso, serpente, tentação, sedução, remetendo à relação homem-mulher desde os
tempos do paraíso, com Adão e Eva, e até hoje...
Botão 4: Veja quanta coisa foi falada desse poema, que não apresenta nenhuma frase completa, nem
mesmo incompleta. Temos apenas signos, que se superpõem, e que tentamos montar para
estabelecer um significado. Pense numa coisa: quanto menos um texto explica as coisas, maiores
são as possibilidades de criação em torno dele, e assim, nesse gênero de poesia, podemos dar asas à
imaginação e pensar em tudo o que o texto nos autoriza, e além. O fato, por exemplo, de se utilizar
a língua inglesa, pode conduzir à idéia de universalidade, a referência ao mito cristão de Adão e Eva
pode sugerir o caráter sagrado da união. E assim por diante.
A pequena análise que fizemos acima é incompleta (como todas as análises literárias). Releia
o poema e o comentário que se lhe segue e discuta junto com um colega ou uma colega e tente
descobrir mais coisas no poema. Anote aqui suas observações.
Em seguida, tente responder a essa perguntinha de múltipla escolha:
1. Do lado direito vimos uma legenda para cada letra do poema. A letra “S” significa serpente,
a letra “h”, homo e a letra “e”, Eva. Que relação você estabelece entre essas legendas?
Releia o poema e os comentários dos botões e marque a opção que se refere de forma
aceitável à relação entre as palavras serpente, homo e Eva.
a) A letra S que envolve as letras que representam homo e Eva pode sugerir o caráter
pecaminoso de um envolvimento amoroso.
b) O S que envolve as letras h e e sugere a submissão feminina na relação a dois.
c) A maneira como as letras se entrelaçam para formar a figura indica a eterna dificuldade de
relacionamento entre homens e mulheres.
d) A forma de serpente da letra S veicula a ideia de que a sedução é sempre uma atitude
prejudicial ao seduzido.
2. Observe agora o poema abaixo. Toda a compreensão do poema depende da chave léxica, que
identifica o coração a “você” e o quadrado a “eu”. Este parece ser também um poema de
amor. De certa maneira, a compreensão aqui obedece a uma sequência mais ou menos
tradicional, de cima para baixo. Responda as questões a seguir:
Sobre o poema acima, assinale a alternativa que melhor descreve essa “história” de amor:
a. hesitação
b. aproximação
c. afastamento
d. submissão
Leia agora o seguinte texto, do poeta José Paulo Paes, nesse caso composto apenas de uma
palavra que se fragmenta em partes, mas que mantém uma relação de sentido entre elas, em torno do
título. Vamos a alguns comentários: “epitáfio” é um inscrição que se coloca no túmulo de uma
pessoa. Pressupõe, portanto, que essa pessoa já fez sua passagem aqui neste mundo. Nesse caso, o
epitáfio é um texto que de certa forma “conta” sucintamente a história dessa pessoa, ou o que essa
pessoa foi. Em geral, os epitáfios falam bem do “defunto”, é uma homenagem póstuma. Será que
poderíamos ler o poema abaixo como uma homenagem ao banqueiro mencionado? Tente fazer a sua
própria leitura do texto, e procure descobrir que impressão o autor tem de um banqueiro, e por
extensão o que é a vida e a morte de um banqueiro, o que ele busca em vida, qual a finalidade dessa
busca etc.
Vamos a mais uma proposta de poema. Uma única dica: preste atenção na chave léxica e
acompanhe o “raciocínio” expresso pelo texto.
Assinale a alternativa cuja afirmação pode ser inferida a partir da leitura do poema.
a. O destino do homem é desesperador mas há esperança.
b. A morte pode ser evitada se reduzir o círculo a uma dimensão menor do que a do quadrado.
c. O mundo pode ser negro, mas enquanto o homem é branco há esperança.
d. O destino do homem é conclusivo e desesperador.
3. Vamos pensar sobre um outro poema semiótico, como o que segue abaixo:
Inicialmente, macho e fêmea divergem, até que em determinado momento eles se miram,
aproximam-se, misturam-se, interpenetram-se, um se torna o negativo do outro, mas parece que não
há exatamente um final feliz. Considerando a narrativa intuída do texto, pode-se considerar que o
relacionamento entre os personagens caracteriza-se por:
a. Oposição
b. Vacilação
c. Ciclo
d. Dominação
Para finalizar esta parte, você vai dialogar com o seguinte poema, de Augusto de Campos:
O poema cima é construído com preposições e conjunções, que são palavras de ligação entre ideias
de um discurso. O título relaciona-se com a única palavra não riscada. Podemos dizer que a
preposição que remanesce veicula uma ideia de
a. Finalidade
b. Exceção
c. Desacordo
d. Conformidade
As preposições e conjunções contribuem para estabelecer com mais segurança as relações lógicas
entre fragmentos de discurso. Entretanto, nem sempre elas aparecem nos textos. As frases abaixo
expressam relações lógicas sem o auxílio de conjunções ou preposições. Assinale aquela que não
contém a ideia de oposição.
Nesta atividade, você vai ler um texto e assistir a outro. O primeiro é o “Plano-Piloto para Poesia
Concreta”, de Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, de 1958. O outro é o
videopoema “Pessoa”, de Arnaldo Antunes, de 1993.
Coisa que acaba. Troço que tem fim. Sujeito. Que não dura, que se extingue. Míngua. Negócio
finito, que finda. Festa que termina. Coisa que passa, se apaga, fina. Pessoa. Troço que definha.
Que será cinzas. Que o chão devora. Fogo que o vento assopra. Bolha que estoura. Sujeito.
Líquido que evapora. Lixo que se joga fora. Coisa que não sobra, soçobra, vai embora. Que nada
fixa. A foto amarela o filme queima embolora a memória falha o papel se rasga se perde não se
repete. Pessoa. Pedaço de perda. Coisa que cessa, fenece, apodrece. Fome que se sacia. Negócio
que some, que se consome. Sujeito. Água que o sol seca, que a terra bebe. Algo que morre,
falece, desaparece. Cara, bicho, objeto. Nome que se esquece.
Observe que há um outro discurso superposto a este, que é falado pelo locutor, e que parece
fazer uma análise das palavras, termos, frases do outro discurso, evidentemente uma análise
“científica”, utilizando uma nomenclatura de determinado saber bastante específico, aparentemente
bem organizado. Ao fundo, há outros discursos que se projetam na tela, quase incompreensíveis.
Procure relacionar os discursos do videopoema de Arnaldo Antunes, refletindo sobre o lugar, a
ordem dos discursos em nossa sociedade, e como esses discursos podem se transformar em um
poema, se é que se pode chamar poema a esse artefato apresentado (você acha que se pode?).
Arnaldo Antunes é um poeta que questiona, interroga, desconstrói os discursos, a linguagem que
utilizamos, para transformá-la em poesia, uma metapoesia que dialoga constantemente com os
próprios discursos.