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André Saad
08/08/2017
1. Conteúdo programático
2. Metodologia
3. Avaliações
4. Bibliografia
→ Contextualização da disciplina:
De início, é importante destacar que pessoa jurídica e sociedade são institutos diferentes,
mesmo que a legislação muitas vezes trate estes institutos como sinônimos. Assim sendo, torna-se
imprescindível distingui-las.
– Pessoa Jurídica
A pessoa jurídica é um instituto difícil de ser compreendido por ser uma realidade
exclusivamente jurídica. Na legislação, no âmbito do direito empresarial, a pessoa jurídica é
reconhecida como o próprio empresário (ao contrário do senso comum, que identifica “empresário”
como os sócios ou, em outras palavras, os integrantes de um negócio jurídico cujo objetivo é obter
lucro através da pessoa jurídica).
O art. 44 do CC procura elencar através de seus incisos quais são as entidades que devem
ser reconhecidas como pessoas jurídicas de direito privado:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.
O art. 44 vem fulcrado na teoria de Savigny (teoria da ficção), segundo a qual a pessoa
jurídica, por ser totalmente abstrata, depende da legislação para o seu reconhecimento. Em outras
palavras, a pessoa jurídica só existe a partir do momento que a lei permitir, estabelecendo
previamente os critérios de quem pode ser reconhecido como pessoa jurídica.
A redação do art. 44 não é muito técnica, já que parece igualar à pessoa jurídica aos
institutos elencados pelos incisos, inclusive à sociedade. A mens legis não é essa, obviamente, mas
sim indicar as estruturas que podem conduzir à formação de uma pessoa jurídica. A pessoa jurídica,
então, se relaciona com essas figuras. Neste sentido, é importante para esta disciplina entender as
relações da pessoa jurídica com a sociedade.
– Sociedade
O conceito de sociedade vem estabelecido pelo art. 981 do CC, localizado no Livro II –
Direito de Empresa, constituindo-se, portanto, em um instituto típico do direito de empresa. A
natureza jurídica da sociedade é de contrato: “Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente
se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos
resultados”.
A sociedade nada mais é do que uma modalidade de contrato, como é um contrato de
compra e venda, de doação etc., mas é um contrato que goza de peculiaridades – e, por isso, não
vem tratado na Parte Geral do Código Civil.
Não há referência no art. 981 do CC à necessidade de registro para a existência da
sociedade. As sociedades existem independentemente do registro ou de qualquer atividade notarial.
Em consonância com o art. 981, a sociedade depende do encontro de vontades, mas ainda sem
referência à pessoa jurídica.
Conforme o art. 45 do CC, “começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro” . A pessoa jurídica é, de fato, uma estrutura diferente da
sociedade, mas que se relaciona com a mesma. A pessoa jurídica é uma figura totalmente
dependente do registro de seu ato constitutivo para existir. A pessoa jurídica é uma consequência, se
há ato constitutivo para ser levado a registro é porque já existe uma sociedade anterior.
A sociedade é uma estrutura de fundo, que sustenta a permanência da pessoa jurídica; a
pessoa jurídica, por não ter uma existência física, necessita de alguém que a conduza, e esta
estrutura que a comanda é a sociedade.
A pessoa jurídica é uma figura mais genérica, não serve apenas (mas também) ao direito de
empresa, ao contrário da sociedade. A sociedade é enquadrada como um contrato, como uma
espécie de contrato, e não como uma pessoa, como o é a pessoa jurídica.
– Art. 45 do CC – “começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a
inscrição do ato constitutivo no respectivo registro” . A pessoa jurídica é uma figura eminentemente de
direito, não existe pessoa jurídica antes do registro, ela é totalmente dependente deste para existir.
Quando o legislador utiliza o verbo “começar” significa que não se pode admitir a existência de
uma pessoa jurídica de fato, ela é um consequência, ela é fruto de uma vontade. Se há o registro que
culmina com a formação de uma pessoa jurídica, algo ou alguém conduz esse registro.
O ato constitutivo que é levado a registro é um documento que retrata a vontade de pessoas
que têm a pretensão de constituírem uma pessoa jurídica. Estas pessoas são todas aquelas que estão
envolvidas com as figuras do art. 44 do CC: as pessoas que pretendem se associar podem ter a
pretensão de constituir uma pessoa jurídica; as pessoas que pretendem ser sócias podem ter a
pretensão de constituir uma pessoa jurídica, e assim por diante. Assim, é fácil a percepção de que,
antes da existência da pessoa jurídica, há a necessidade de haver o fenômeno de grupamento. No
caso desta disciplina, esse grupamento é a sociedade.
– Art. 981 do CC – fica evidente que a sociedade é demonstração de um contrato, é uma
estrutura que reúne a intenção das pessoas. Desta intenção de realizar poderá advir a pessoa
jurídica.
Para grifar ainda mais a diferença entre sociedade e pessoa jurídica é importante notar que
a sociedade não se converte em pessoa jurídica; a previsão legal estabelece que a pessoa jurídica
está relacionada ao início de uma existência, não tem correspondência anterior ao registro, começa a
existir com o registro. Antes do registro, há uma sociedade, uma associação etc.; mas o fato é que
essas estruturas mencionadas nos incisos do art. 44 do CC são justamente a causa, a motivação para
a formação da pessoa jurídica, sendo estruturas independentes. A sociedade, como contrato, pode
existir independente da pessoa jurídica, mas a pessoa jurídica, ao contrário, é totalmente dependente
da sociedade.
Parte-se do questionamento: quais são as consequências do registro para a sociedade?
Imaginar que a sociedade desaparece com a formação da pessoa jurídica não faz sentido e traria
problemas como: quem controlaria a pessoa jurídica, quem agiria através da pessoa jurídica? Se a
pessoa jurídica é uma entidade totalmente inanimada, se é meramente legal, quem a conduziria?
Não há como encontrar essa resposta.
Também não há motivo para pensar que a pessoa jurídica é fruto da transformação da
sociedade, ou que a sociedade se converteu na pessoa jurídica. O dispositivo legal afirma “começa a
existência legal das pessoas jurídicas […]”, não afirma algo do tipo “tem-se a pessoa jurídica como
resultado da transformação da sociedade […]”. Não há pessoa jurídica antes do evento do registro,
ela é totalmente dependente da vontade.
Assim, a melhor proposta é entender que o fato de ter havido o registro não desfaz a
sociedade, o registro não é causa dissolutória da sociedade. O contrato que deu base à formação da
pessoa jurídica continua a existir, a diferença é que agora temos uma realidade contratual
legalizada, regular, pública.
Portanto, a partir do registro temos duas estruturas simultâneas: a sociedade e a pessoa
jurídica. Esse fenômeno é perfeitamente visível em relação à pessoas jurídicas centenárias: ao longo
dos anos é óbvio que o seu quadro societário se alterou (pessoas morreram etc.), mas a pessoa
jurídica manteve-se de forma estável. São estruturas distintas, mas harmônicas entre si. A sociedade,
mais instável, e a pessoa jurídica, que permanece mesmo no caso de morte dos sócios.
Duas maneiras de visualizar a pessoa jurídica, de perceber a sua existência, são através do
seu nome empresarial e de seu CNPJ. O direito defere um nome empresarial à pessoa jurídica
exatamente para que ela seja um centro de imputações diferente de sua membresia, para que se
distingua desta (patrimonialmente).
– O art. 44 do CC estabelece quais são as estruturas que servem de base para a pessoa
jurídica. Quando o art. afirma que a associação é uma pessoa jurídica, significa que a partir da
associação existe a possibilidade de formação de uma pessoa jurídica; quando afirma que a
sociedade é uma pessoa jurídica, significa que a partir da sociedade pode se estruturar uma pessoa
jurídica. A diferença entre essas figuras reside em sua finalidade.
A associação, por exemplo, é uma estrutura que visa fortalecer um grupo, existe para
ganhar visibilidade no cenário político, sem finalidade de lucros; a sociedade também se faz pela
reunião de indivíduos, mas o que marca o conceito de sociedade é a busca por uma finalidade em
comum lucrativa, econômica.
A finalidade da sociedade é uma finalidade legal, está instituída no art. 981 do CC. O que
caracteriza a sociedade é exatamente essa finalidade comum: o exercício da atividade econômica.
Por exemplo, se duas pessoas quiserem alugar uma loja para venda de livros usados, elas podem
criar uma sociedade para isso, e ou uma vende ou a outra vende os livros. Ao criar uma pessoa
jurídica, possibilita-se que a pessoa jurídica venda os livros.
A diferença, portanto, não está na pessoa jurídica, mas na estrutura que origina a pessoa
jurídica, na finalidade desta estrutura. A pessoa jurídica oriunda de uma associação tem quase todas
as mesmas características de uma pessoa jurídica derivada de uma sociedade.
É importante entender a diferença entre pessoa jurídica e sociedade pois existem institutos
que são direcionados à pessoa jurídica e existem institutos que são direcionados à sociedade. No
âmbito do direito de empresa, é importante entender que a pessoa jurídica é uma espécie de
empresário. Na Lei de Falência, por exemplo, o legislador estabelece que o empresário se sujeita à
falência e à recuperação – assim, a pessoa jurídica é que se sujeita à falência e à recuperação, não a
sociedade. A falência da pessoa jurídica não é a falência dos sócios. E também há institutos
direcionados à sociedade e sua membresia e não à pessoa jurídica, como a morte.
– Conceito de pessoa jurídica = centro de imputações dotadas de direitos e deveres,
entretanto, sem existência real (apenas existência legal). Passa ter personalidade a partir do registro
– art. 45 c/c art. 985 do CC ( “Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro
próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos” ). O erro da redação do art. 985 do CC é que não é a
sociedade que adquire personalidade jurídica, mas a pessoa jurídica.
No âmbito das pessoas jurídicas de direito privado a personificação da pessoa jurídica, que
é a atribuição de personalidade, é dada com o registro, não há outro episódio que construa a
personalidade jurídica para ela senão pelo registro (para pessoas jurídicas de direito público, por
exemplo, a própria lei de criação já atribui personalidade). O registro faz com que a personalidade
jurídica seja imputada, ela não é adquirida pois aquisição é ato contratual, ela é imputada, vem de
cima para baixo (o Estado é que impõe a personalidade jurídica à entidade).
Esta atribuição, essa imputação da personalidade jurídica leva à pessoa jurídica ao status
de gozar de autonomia. A pessoa jurídica é uma entidade legal autônoma (autonomia = reger-se por
si).
– Autonomia da pessoa jurídica:
– Autonomia negocial = a partir do instante que a pessoa jurídica existe, ela tem
legitimidade para participar de negócios jurídicos de qualquer natureza. Por ex., para contratar um
empregado, para ter conta corrente bancária e outros.
– Autonomia processual = a pessoa jurídica pode ocupar os polos ativo ou passivo em
ações judiciais.
– Autonomia patrimonial = a pessoa jurídica pode ter bens, direitos incorporados sob sua
titularidade.
É importante também destacar que a pessoa jurídica é apócrifa (não tem vontade, não tem
mãos para assinar um contrato) e amórfica (não tem forma, não tem rosto, não tem corpo, não tem
fisionomia). Dada a sua abstração, no quadro de sócios haverá um ou mais sócios que será(ão)
eleito(s) aquele(s) que faz as vezes da pessoa jurídica. Trata-se do administrador, que agirá em
nome da pessoa jurídica, é um membro da sociedade que, por mandato, acaba sendo a vontade da
pessoa jurídica – aquela pessoa jurídica vai agir através do seu administrador. O administrador,
modernamente, é a pessoa jurídica (tecnicamente não é um representante, pois representação é no
âmbito de incapazes; tecnicamente é melhor dizer que o administrador presenta a pessoa jurídica,
ele é a pessoa jurídica).
A personalidade jurídica é uma figura criada para resolver um problema patrimonial, para
separar o patrimônio de quem explorava a atividade econômica e o risco desta atividade; ela cria
uma espécie de muro que separa a existência da pessoa jurídica e a existência da sociedade, como se
fosse mesmo um elemento divisório. Mas essa separação não é e nem poderia ser absoluta, é uma
separação relativa, ocasionando sistemas de controle como a desconsideração da personalidade
jurídica, que é uma construção doutrinária decorrente da percepção de que a personalidade jurídica
sem controle é um perigo (casos de fraude etc.).
Em suma: pessoa jurídica não se confunde com sociedade; personalidade jurídica divide
esses dois universos.
22/08/2017
→ Características da sociedade
O art. 981 é a base do contrato de sociedade. Ao longo do tempo, esse contrato, que é
medieval, sofreu alguns poucos acréscimos, pontos que na verdade se agregaram à base já existente.
Com o desenvolvimento das práticas mercantis, a base do art. 981 foi agregando outros elementos,
outros valores, outros institutos que deram origem aos chamados tipos societários. Em decorrência
dessa pluralidade de modelos de contratos de sociedades é que pensamos em suas classificações.
(*) As sociedades anônima e a comandita por ações são as denominadas “sociedades por
ações”, são meramente apontadas no Código Civil, e são regulamentadas por uma legislação
específica, a Lei nº 6.404/76.
(**) As sociedades cooperativas também têm legislação própria.
ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples” , o art. 1.040 do CC “A sociedade em nome coletivo se
rege pelas normas deste Capítulo e, no que seja omisso, pelas do Capítulo antecedente” e o art. 1.053 do CC “A
sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples” .
Outra variante é a figura da parte capital. Conforme o art. 981 do CC, no cenário do
contrato de sociedade, para que se forme a pessoa jurídica incumbe aos sócios contribuir para a
formação desse patrimônio. A ideia de contribuição é inerente à formação da entidade. Esta
contribuição que os sócios devem entregar para a pessoa jurídica deve ser documentada (com
quanto cada um participou). A forma de se documentar isso, no âmbito do direito societário, é
através da definição da participação para o capital da pessoa jurídica. O capital da pessoa jurídica é
o capital social, que não é sinônimo de patrimônio da pessoa jurídica. O capital social, em verdade,
tem a pretensão de definir a extensão de investimentos que lhe foi atribuída.
A documentação da contribuição de cada sócio, com quanto cada um integralizou, é feita
através da divisão do capital social, cujas partes irão representar a capacidade contributiva de cada
um. É comum que o capital social seja fracionado em pequenas unidades, e essa unidade, essa
fração, é denominada parte capital. A parte capital, em sociedades personalistas, é denominada
quota; a parte capital, em sociedades capitalistas, é denominada ação.
As unidades adquiridas pelos sócios (quotas e ações) são incorporadas ao seu patrimônio.
Quotas e ações estão juridicamente no patrimônio do sócio, representando a participação do
indivíduo na sociedade e, ao mesmo tempo, a presença desta parte capital no patrimônio do sujeito
que confere a ele o status de ser sócio.
Destaque-se, de início, que a natureza jurídica das quotas é diferente das ações. A natureza
jurídica das quotas é de direito de natureza complexo, já as ações são enquadradas legalmente como
bens móveis. A natureza jurídica da parte capital de cada sociedade já indica características que ora
priorizam o sócio, o indivíduo, (nas sociedades personalistas) ora priorizam o capital (nas
sociedades capitalistas).
Em relação às quotas, essa complexidade se traduz com direitos de natureza pessoal
atribuídos ao sócio (direito de fiscalização, direito de voto, de participação, de alienar as quotas
etc.) e de natureza patrimonial também atribuídos ao sócio (lucros, submissão a prejuízos, pro-
labore, saldo de repartição). A soma desses direitos confere ao sócio (sócio quotista) o status socci.
Como as quotas são juridicamente entendidas como um direito, só há uma maneira deste direito ser
demonstrado: a prova desse direito complexo já está atribuída no próprio contrato social. Não há
como demonstrar que determinada pessoa integra determinada sociedade sem ser pelo contrato
social. Não há como representar a quota em um papel separado (certidão etc.); a quota está inserida
em cláusula contratual.
A quota é um direito alienável – as quotas podem ser alienadas, o que não significa venda.
Alienação é ato de transferência de propriedade de um bem ou de um direito. Transfere-se bens
tanto através de compra e venda (onerosa) e da doação (gratuita). Transfere-se direitos por cessão,
onerosamente ou gratuitamente. A alienação de quotas é feita através de cessão.
A figura da cessão de quotas ajuda bastante a reforçar o tom personalista das sociedades
que se utilizam destas. É possível que, dentro da estrutura do contrato, para a alienação das quotas
os demais membros da sociedade sejam chamados para opinar. Esta necessidade já demonstra o
caráter personalista da sociedade. A legislação assegura aos demais sócios inclusive a possibilidade
de proibir a cessão desta quota.
O art. 1.057 do CC é um exemplo de como a alienação de quotas podem depender da
autorização dos demais:
“Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio,
independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto
do capital social”.
O artigo, ao falar em “estranho”, inclui até os sucessores. Obviamente os sucessores não
ficam com o seu direito sucessório descoberto, mas se a legislação os autorizassem a entrar na
sociedade automaticamente isso seria uma violação às características, aos atributos da sociedade
personalista.
Já em relação às ações, cuja natureza jurídica é de bens móveis, percebe-se que a sua
representatividade é completamente diferente da representatividade das quota. Enquanto a
representatividade das quotas reside no contrato social, a representatividade das ações não está no
estatuto, mas sim no Certificado de Ações – é um documento separado, independente do estatuto,
definido no art. 23 da Lei 6.404/73:
Art. 23. A emissão de certificado de ação somente será permitida depois de cumpridas as formalidades
necessárias ao funcionamento legal da companhia.
Isso significa que a titularidade de ações atribuídas ao acionista faz-se através da
demonstração do certificado. Neste documento há a definição da qualidade das ações (nominativa,
ordinária, preferencial etc.), o valor das ações, a data de aquisição etc.; através deste certificado o
indivíduo demonstra a qualidade de acionista. A alienação das ações é bem mais fácil de ocorrer do
que com as quotas – como estas ações estão no patrimônio do acionista e como são entendidas
como bens móveis, a fruição desses bens móveis acontece de forma bem diferente: em primeiro
porque só se consegue transferir quando ocorre a tradição (a entrega da coisa). O certificado de
ações efetivamente frui, no sentido de ser deslocado, transferido, e submetido à tradição. A
transmissão de propriedade é imediata, quando se transmite determinado bem móvel ele
naturalmente incorpora no patrimônio do outro.
Além disso, a transmissão de bens móveis não depende de anuência, de autorização de
ninguém (seja cônjuge, sócio etc.), e isso faz com que a transmissibilidade (ou a fruição) dessas
ações ocorra de maneira muito mais fácil do que com as quotas. O direito de preferência, dentro da
sistemática acionária, não é algo muito frequente. O interesse da sociedade é de preservar os
investimentos já realizados, e quando o sócio é substituído, esse investimento é preservado. A
alienação se faz através do contrato de compra e venda.
A última variante de análise é em relação às consequências ao falecimento do sócio. Nas
sociedades capitalistas, na medida em que um sócio falece, vem à tona as regras do direito das
sucessões, com o princípio da saisine – ocorre imediatamente após o falecimento a transferência do
acervo patrimonial aos sucessores. Essa transmissão que acontece é relativa, porque o objetivo
dessa transmissão é de que a herança seja tornada indivisível – art. 1.784 do CC:
Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
Os sucessores, no exato momento da morte, recebem todos os direitos e todos os deveres
deixados pelo falecido. Isto é imediato, independe de inventário. As ações, assim, são atribuídas
imediatamente aos sucessores, o que significa dizer que as sociedades capitalistas não entendem
como negativa a participação de um sucessor em substituição de um sócio falecido, já que os
investimentos continuam estáveis, somente modificou a titularidade das ações. É a técnica mais
simples e compatível com a natureza das sociedades capitalistas, que primam pelos investimentos.
Essa solução está mencionada no art. 31, §2º da Lei nº 6.404/73:
Art. 31. A propriedade das ações nominativas presume-se pela inscrição do nome do acionista no livro de
"Registro de Ações Nominativas" ou pelo extrato que seja fornecido pela instituição custodiante, na qualidade de
proprietária fiduciária das ações.
[…]
§ 2º A transferência das ações nominativas em virtude de transmissão por sucessão universal ou legado, de
arrematação, adjudicação ou outro ato judicial, ou por qualquer outro título, somente se fará mediante averbação no
livro de "Registro de Ações Nominativas", à vista de documento hábil, que ficará em poder da companhia.
A transferência patrimonial é imediata, mesmo que os sucessores não queiram ser
acionistas (neste caso, eles venderão as ações, mas para a pessoa jurídica isto é irrelevante).
Já em relação às personalistas, há um tratamento diferente, embora no plano inicial a
solução seja basicamente a mesma. De início, com o falecimento do sócio aplica-se igualmente o
princípio da saisine, no momento da morte os bens, direitos e deveres do falecido são
automaticamente transferidos aos sucessores, inclusive as quotas. Porém, como as quotas são frutos
de um direito, como essas quotas esbarram na figura da pessoalidade que envolve as sociedades
personalistas, a legislação não pode obrigar aos demais sócios desta sociedade que aceitem os
sucessores como integrantes dela.
No campo das sociedades personalistas, a única que legisla sobre os efeitos da morte dos
acionistas é a sociedade simples. Como diante da omissão em Capítulo que legisla cada tipo de
sociedade aplica-se as normas da sociedades simples, a forma de transmissão das quotas no âmbito
das personalistas vem regida pelo art. 1.028 do Código Civil:
Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:
[…]
O art. 1.028 do CC está inserido na Seção V “Da Resolução da Sociedade em Relação a
um Sócio”, e a resolução é uma das formas de desfazer o contrato. A regra é que no caso da morte
do sócio as suas quotas serão liquidadas. A liquidação é uma operação contábil que consiste em
apurar como um determinado item é considerado financeiramente, convertendo as quotas em
dinheiro para que seja entregue a seus sucessores como forma de indenização. Por detrás dessa
liquidação irá ser desfeito o negócio jurídico feito pelo falecido – as quotas serão devolvidas à
sociedade, que, por sua vez, irá pagar pelos investimentos realizados através do patrimônio da
pessoa jurídica. Ocorre a redução do capital social e do patrimônio da pessoa jurídica com o
cancelamento das quotas. Assim, como regra, os sucessores não ingressam à sociedade. Os sócios
não são obrigados a tolerar os sucessores do falecido, mas é possível que haja exceções. Há um
apelo contratualista tão grande nas sociedades personalistas que é possível que os sócios legislem
diferente sobre isso – incisos do art. 1.028 do CC:
Art. 1.028. […] salvo:
I – se o contrato dispuser diferentemente;
II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;
III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.
O inciso III merece destaque pois permite que os sócios remanescentes e os sucessores
realizem um acordo mesmo que este acordo desdiga a previsão inicial do contrato.