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Desrespeitando o desrespeito

Thiago Arruda
Escolha alguém próximo a você. Imagine que, a partir de agora, você é aquela
pessoa. Mãos, pele, cabelo, tudo isto passa a ser seu. Vá mais longe. Atente à forma
como essa pessoa se comporta, ao que ela diz, pensa, reparando nas semelhanças e nas
diferenças – as mais absurdas - que existem entre você e ela. Tente ser esta pessoa: tente
compreender esta pessoa.
Este foi um primeiro exercício. Agora, imagine-se em casa... ou melhor, você
não tem uma casa. Imagine, então, que você, sem um teto, vá para o trabalho e... não,
você não tem um trabalho, está desempregada. Aliás, antes que eu esqueça, você é uma
mulher, e apanha constantemente de um companheiro seu. Prossigamos: você é uma
sem-teto, desempregada, todo dia, chamam-lhe de “macaca”, este é seu apelido: você é
negra. “Sapatão”, também, você é homossexual. Perceba os olhares ao seu redor.
Repúdio? Raiva? Pena? Indiferença? O que lhe causam esses sentimentos, dirigidos
contra você? Como você se vê agora?
O exercício – o doloroso exercício – de sentir-se “outro” é a idéia fundante dos
Direitos Humanos. Porque gera o respeito. Porque o “outro” torna-se também humano.
Claro, você pode ter realmente imaginado o que este texto sugere, o que pode ter-lhe
gerado certas reflexões; ou você pode ter simplesmente debochado: “não, eu não sou
nada disso, exatamente porque sou melhor do que todas estas porcarias”. Em outras
palavras, você acredita que nosso país oferece oportunidades iguais a todos – logo, um
desempregado sem-teto é um vagabundo, um preguiçoso; que não há racismo no Brasil
e que chamar alguém de “macaco” não passa de uma brincadeira inocente (talvez se
você tivesse imaginado a si mesmo sendo chamado de “macaco” por toda a vida, a
história poderia ser outra, e, ah, nada contra os macacos); e que gays e lésbicas são
nojentos. Por último, você pode ainda encaixar-se em um - ou mais de um – desses
grupos e ter percebido-se enquanto alguém que, de alguma forma, é excluído (ou pode,
simplesmente, não ter dado a mínima).
Paulo Freire escreveu que, sob determinadas circunstâncias, abdicar de uma
idéia preestabelecida pode produzir uma sensação similar a de uma automutilação. É
verdade. Não estamos acostumados a aceitar “convites à reflexão”, nem a nos sentir
enquanto “outro”, o próximo – principalmente se o próximo não está próximo a nosso
próprio lugar social. Mas se aceitarmos o convite – que não é apenas meu ou deste
texto, mas uma exigência histórica – a nos sentirmos “outro”, a compreendermos a
necessidade da igualdade combinada à convivência com a diferença, estaremos
exercitando os Direitos Humanos. Mesmo que sequer recorramos a seu belo nome.
A verdade é que apenas a partir de um entendimento do outro é possível o
respeito. À mãe, à esposa, ao marido, ao filho, ao amigo, a um estranho, a uma
desempregada sem-teto, lésbica e negra. No nosso cotidiano, em casa, no trabalho, nas
ruas, mas também nos espaços políticos mais amplos: do local ao global. Uma cultura
de Direitos Humanos tem a tarefa de transformar todas estas dimensões, a partir da
alteridade, a partir do respeito, atravessando o dia-a-dia e alcançando as mais
importantes e amplas decisões.
Entretanto, é preciso destacar (ou advertir). Quando vivemos sob a cultura do
desrespeito; quando o desrespeito se impõe, transforma-se em ordem, violando direitos,
excluindo, matando; nesses casos – e é este o caso de nossa sociedade -, é preciso
desrespeitar o desrespeito. O respeito como privilégio de poucos significa exatamente o
desrespeito como sistema, e é por conta do privilégio de poucos que muitos têm seus
direitos negados. Em outras palavras, “uns com tanto, outros com tão pouco”.
Mas quem é respeitado em nosso país? Quem não tem acesso à terra, ao
trabalho, é respeitado? Quem não tem acesso à saúde, à educação, a uma vida digna, é
respeitado? Quem é discriminado é respeitado? Quem tem direitos assegurados, quem é
esta elite? É preciso lutar contra o desrespeito e se contrapor a quem faz de tudo para
conservá-lo como prática social para resguardar seus privilégios. É preciso defender
uma sociedade fundada no diálogo e na alteridade, que não comporta a exploração de
homens e mulheres, a desigualdade, o preconceito; que não respeita – é isto – o
desrespeito, a intolerância, a negação de direitos. Não se pode ficar parado: é preciso
exigir respeito.
Para quem desrespeita, respeito é obediência; para quem propõe o respeito, ele
significa igualdade e convivência entre os diferentes. Assim, desrespeitar o desrespeito
é propor o respeito como nova sociabilidade. E, com todo respeito aos que não seguiram
as modestas sugestões deste texto, me parece que isso diz respeito a todos nós.

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