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Félix Guattari
1"Capitalismo mundial integrado" (CMI) é o nome que, já no final dos anos 1970, Félix Guattari propôs
para designar o capitalismo contemporâneo como alternativa à "globalização", termo por demais
genérico e que vela o sentido fundamentalmente econômico, e mais precisamente capitalista e
controlar os modos de subjetivação, ou seja, uma “cultura de equivalência”, que
explicada pelo autor seria como:
neoliberal do fenômeno da mundialização em sua atualidade. Nas palavras de Guattari: "O capitalismo
é mundial e integrado porque potencialmente colonizou o conjunto do planeta, porque atualmente vive
em simbiose com países que historicamente pareciam ter escapado dele (os países do bloco
soviético, a China) e porque tende a fazer com que nenhuma atividade humana, nenhum setor de
produção fique de fora de seu controle". GUATTARI, Félix. "O Capitalismo Mundial Integrado e a
Revolução Molecular". In ROLNIK, Suely (org.). Revolução Molecular. Pulsações políticas do desejo.
Brasiliense, São Paulo, 1981.
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Guattari acrescenta o sufixo "ístico" a "capitalista" por lhe parecer necessário criar um termo
que possa designar não apenas as sociedades qualificadas como capitalistas, mas também
setores do "Terceiro Mundo" ou do capitalismo "periférico", assim como as economias ditas
socialistas dos países do leste, que vivem numa espécie de dependência e contra dependência
do capitalismo. Tais sociedades, segundo Guattari, em nada se diferenciariam do ponto de vista
do modo de produção da subjetividade. Elas funcionariam segundo uma mesma cartografia do
desejo no campo social, uma mesma economia libidinal-política.
devaneiam, fantasiam, se apaixonam e etc. garantindo pretensiosamente uma
função hegemônica em todos esses campos do pensamento subjetivo (Guattari
e Rolnik, 1996).
Como uma forma de se opor a essa máquina capitalística de produção de
subjetividade os autores propõem um outro conceito, chamado de “processos de
singularização”, uma espécie de recusa a esses modos de encodificação
preestabelecidos, recusa aos modos de manipulação e de telecomando, para
então construir novos modos de sensibilidade, modos de se relacionar com o
outro, novos modos de produção de desejo, de criatividade que produzam uma
subjetividade singular (Guattari e Rolnik, 1996).
Pra então se pensar a realidade dos processos que foram colocados em questão
se faz necessário o entendimento do sentido da palavra cultura ao decorrer da
História, (Guattari e Rolnik, 1996) então dividem a cultura em três sentidos,
sendo o “sentido A” denominado “cultura-valor”, que corresponde a um
julgamento de valor que determina quem tem cultura, e quem não tem cultura,
ou ao pertencimento a meios cultos ou se pertence a meios incultos. O segundo
sentido designado como “sentido B” é o do sentido da “cultura-alma coletiva”,
como um sinônimo de civilização, desta vez não há mais a questão do ter ou não
ter, todos tem cultura, uma noção democrática, ligada então a questão da
identidade cultural, como os autores salientam seria uma espécie de cultura “a
priori”, fala-se portanto de cultura negra, cultura underground, cultura técnica e
etc. Essa noção de “alma” traz consigo diversas ambiguidades os longo da
História, pois o seu conteúdo semântico foi usado desde a noção de volk (povo)
dentro do partido hitleriano, quanto em movimentos de emancipação que querem
se reapropriar de sua cultura e de seu fundo cultural. O terceiro sentido ou
“sentido C” já é correspondente a cultura de massas, e os autores denominaram
“cultura-mercadoria”, nesse âmbito não há o julgamento de valores, nem
territórios coletivos da cultura como nos sentidos A e B. Nesse aspecto de
cultura-mercadoria a cultura então seria todos os bens:
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Aqui os autores referenciam-se às noções de relativismo cultural, altamente abstratas e
generalistas, também não negando a noção de indivíduo e de etnia, propondo uma suposta
natureza humana, adotadas por autores como Ruth Benedict, Kardiner e Margareth Mead que
ao tentarem sair do etnocentrismo renunciando a uma referência geral em relação à cultura
branca, ocidental, masculina, etc. estabelece na realidade novos paradigmas etnocêntricos.
A categoria cultura-mercadoria não se trata de uma cultura a priori, mas de uma
categoria de cultura que se produz, reproduz e se modifica de forma constante,
objetivamente o intuito é produzir e difundir mercadorias culturais, isso sem levar
em consideração os valores de julgamento como no sentido A. estabelece-se
uma nomenclatura cientifica pra que se possa apreciar e encontrar essa
produção de cultura a fim de consumi-la do ponto de vista mercadológico do CMI,
nesse sentido pode-se classificar segundo os autores os níveis culturais das
cidades, das categorias sociais presentes nesses centros e fora deles, e assim
por diante, isso em função do índice, do número de livros produzidos, do número
de filmes, do número de salas de uso cultural, número de espetáculos e etc.
Para Guattari e Rolnik (1996) os três sentidos de cultura que apareceram
sucessivamente ao decorrer da História continuam a funcionar, e ao mesmo
tempo, pois há entre esses três núcleos semânticos uma complementaridade,
pois os meios de comunicação de massa, a produção subjetiva capitalística
provoca uma cultura de vocação universal. O duplo modo de produção de
subjetividade, essa industrialização da produção de cultura segundo os sentidos
B e C não renunciaram absolutamente ao sistema de valorização do sentido A.
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Os autores ao invés do termo ideologia, preferem falar sempre em subjetivação, em produção
de subjetividade (Guattari e Rolnik, 1996, pg. 25).
os processos de singularidade, deixando a questão em aberto para que novos
agenciamentos possam se organizar, dispor e financiar processos de
singularização cultural que desmontem os particularismos atuais no campo da
cultura.