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11/04/2019 A bem da verdade histórica - 07/04/2019 - Paula Cesarino Costa - Ombudsman - Folha

Paula Cesarino Costa (/colunas/paula-cesarino-costa-


ombudsman/)

A bem da verdade histórica


Tentativas de reescrever história exigem que se iluminem passado e presente

Carvall/Folhapress

7.abr.2019 à 1h06

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2019/04/07/)

PAULA CESARINO COSTA

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O governo do presidente Jair Bolsonaro pôs em debate a tentativa de


reconstrução da história, e não só da brasileira.

Primeiro, o presidente negou que tenha havido golpe militar em 1964,


sugerindo que houvesse celebração da data de 31 de março, momento em
que, segundo ele, Forças Armadas e sociedade teriam se unido contra a
possibilidade de implantação do comunismo no Brasil.

Depois, em documento oficial enviado à ONU, o governo argumentou que "o


Exército agiu para preservar as instituições nacionais, no contexto da Guerra
Fria, com apoio da maioria da população".

Foi acompanhado por seu ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez,


que afirmou que não houve golpe em 64 e que o regime que se seguiu não foi
uma ditadura. Ele ainda anunciou que os livros didáticos seriam alterados
progressivamente para que fosse resgatada uma versão da história, de modo
que "as crianças possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história".

A líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann, entrou na onda


deformadora da realidade. Escreveu que o festejo de 31 de março de 1964 "é a
retomada da narrativa verdadeira da história".

Em outra declaração desvinculada dos fatos, o ministro das Relações


Exteriores, Ernesto Araújo, definiu nazismo e fascismo como "fenômenos de
esquerda". Foi seguido pelo presidente que, ao ser questionado, afirmou que
"não há dúvida" de que o nazismo foi um movimento de esquerda.

Ambos contrariam documentado consenso entre historiadores alemães e


mundiais que inequivocamente afirmam que Hitler liderava uma corrente
política de direita.

Mesmo entre os bolsonaristas, a tentativa de reescrever a história só


encontra eco nos mais fanáticos. Cabe à imprensa desqualificar tais
proposições. Tarefa fácil, na visão do historiador Luiz Felipe de Alencastro,
porque a esmagadora maioria de historiadores, cientistas políticos e
testemunhas diretas desmente as teses bolsonaristas.

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No caso do golpe de 1964, a historiadora Maria Helena Rolim Capelato, da


USP, diz que até há "pequenas discussões" se a qualificação mais precisa é
dizer tratar-se de uma "ditadura militar ou civil-militar". No mais, é
peremptória: "Houve um golpe e o que se instalou a partir daí foi uma
ditadura comandada pelos militares".

O poder político --indivíduos, grupos ou partidos-- usa de todas as


ferramentas possíveis para construir a narrativa mais adequada para fins da
própria perpetuação. Um dos embates mais importantes se trava no campo
da memória.

O jornalismo é um dos vetores mais relevantes na construção da memória


coletiva por meio da compreensão e recuperação do passado, a partir de um
discurso construído no presente. Os críticos da mídia, em geral, destacam a
frequente incapacidade e falta de vontade do jornalismo de lembrar,
recontar e comparar fatos do passado e do presente.

Autor de "Seduzidos pela Memória: Arquitetura, Monumentos e Mídia"


(2000), o alemão Andreas Huyssen afirma que é comum que a mídia seja
acusada de amnésia, contraditoriamente ao fato de que nunca houve tanta
informação disponível sobre o passado e com acesso tão rápido e simples.

Huyssen explica que nem sempre é fácil traçar uma linha de separação entre
passado mítico e passado real. "O real pode ser mitologizado tanto quanto o
mítico pode engendrar fortes efeitos de realidade", analisa ele no livro.

Em outras palavras, a recuperação do passado pelo jornalismo é


indispensável, além do óbvio e obrigatório relato detalhado e fiel do
presente, o que não significa que o passado deve reger o presente, porque
este fará do passado o uso que preferir. O passado se converte em princípio
de ação para o presente. Seu uso exemplar permite entender o que está por
acontecer.

A tentativa de integrantes do governo Bolsonaro de recontar a história do


mais recente período ditatorial brasileiro, jogando no lixo conceitos básicos
de história e ciência política, deve ser combatida com mais vigor pela

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imprensa. Essa postura embaralha ainda mais um ambiente em que notícias


falsas conspurcam fatos.

O filósofo Tzvetan Todorov escreveu que a memória deve ter prestígio entre
os inimigos do totalitarismo porque qualquer ato de reminiscência, por mais
humilde, é uma forma de resistência antitotalitária.

O jornalismo tem a história como ferramenta de apoio e esclarecimento. Em


qualquer sociedade, uma forte vinculação ao presente impede sua
transformação em futuro, assim como uma desconexão completa com o
passado limita o entendimento do ponto em que se está e aonde se chegará,
como definiu Todorov.

Se os que ocupam hoje o poder buscam recriar um passado falso, por


convicção ou estratégia, cabe ao jornalismo iluminar os fatos passados e as
intenções futuras dos que agem no presente.

Paula Cesarino Costa


Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. É ombudsman da Folha
desde abril de 2016.

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