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A ÉTICA LAICA DE RICHARD RORTY1

Wescley Fernandes A. Freire2

Resumo
O presente trabalho aborda a crítica de rortyana ao modelo de Espiritualidade elaborada pela
tradição platônica e que assume no Cristianismo uma de suas formas e cujas consequências
extrapolam o âmbito religioso e atingem a esfera pública. Dialogando de forma crítica com
Joseph Ratzinger (1927), Richard Rorty (1931-2007) procura elaborar um conceito de
Secularismo, fundado num tipo de relativismo redescrito, que seja capaz de subverter a visão
de mundo fundamentalista das religiões, entre elas a cristã, e procurando responder ao desafio
de acomodar as visões de mundo dos “credenti” e dos “laici”. Substituindo a busca de
redenção na transcendência por práticas pluralistas numa sociedade mobilizada pela
solidariedade e que procura garantir as liberdades fundamentais e necessárias para a
concretização dos projetos de vida dos cidadãos, tendo como background incontornável uma
democracia social, este ethos reivindicará, por sua vez, a elaboração de uma ética laica.

Palavras-chave: Espiritualidade. Secularismo. Fundamentalismo. Relativismo.


Solidariedade.

1 INTRODUÇÃO

Nesta breve exposição temos como objetivo apresentar algumas reflexões feitas
pelo filósofo norte-americano Richard Rorty (1931-2007) acerca do tema “Espiritualidade e
Secularismo”, tomando como obra de referência o livro Un’Etica per i Laici (2008),
traduzido para o português com o título Uma ética laica (2010), resultado de uma conferência
feita pelo pensador em Turim (Itália), a 21 de setembro de 2005, e que conta com uma
introdução feita por Gianni Vattimo (1936-).
Rorty não trata das definições de ética e laicidade de maneira usual, submetendo
estes conceitos à tutela da religião, mas abordando-os desde uma perspectiva autônoma,
procurando os recursos teóricos possíveis e disponíveis a fim de garantir a dimensão da
espiritualidade para a humanidade e, respeitando-se o campo de força da contingência, ao
menos para nossa época.
O texto original apresenta o confronto entre o laico e o religioso, mas aborda
também temas como o relativismo, a evolução social, a contingência, a solidariedade, entre
outros conceitos do vocabulário rortyano.

1
Versão modificada da comunicação oral “Por uma Ética Laica” apresentada por ocasião da I Conversação
Rortyana – “Para que pensar a partir da contingência”, realizada em 31 de maio de 2013, evento promovido
pelo GP Estudos em Ética e Filosofia Política e pelo Departamento de Filosofia – DEFIL da UFMA.
2
Professor Assistente do Curso de Ciências Humanas da UFMA. Mestre em Filosofia pela Universidade
Estadual do Ceará – UECE. E-mail: wescley.fernandes@ig.com.br
Responsável por introduzir a obra, Vattimo, que conheceu Rorty em 1979, em
Milwaukee, durante uma conferência sobre a pós-modernidade onde estava presente ninguém
menos que Hans-Georg Gadamer (1900-2002), “o mestre da hermenêutica do Séc. XX”, via
no pensamento rortyano uma imensa ousadia e originalidade. Para Vattimo, durante séculos o
ofício da Filosofia teria sido “espelhar a natureza”, isto é, “[...] fornecer as garantias de que
nossa representação da realidade é fiel” (VATTIMO, 2010, p. 07). Tanto quanto possível, à
maneira de Kant, caberia à Filosofia mostrar “[...] as estruturas básicas de acordo com as
quais espelhamos a Natureza” (VATTIMO, 2010, p. 07). A “tarefa da Filosofia” seria, então,
observar fatos, estados de coisas, e encontrar ou produzir as leis que explicariam a ocorrências
dos fenômenos, querem eles fossem naturais ou querem fossem sociais.
De acordo com Rorty, este desejo não passa de um sonho metafísico. Heidegger já
nos havia advertido de que a essência do nosso ser-no-mundo não é contemplar a verdade
objetiva ou tampouco observá-la. Recorrendo a “Guilhotina de Hume”, não se podem deduzir
normas de fatos. Não se pode ir do Ser ao Dever-ser. O que ocorre é que p sonho de Husserl
de tornar a Filosofia uma ciência rigorosa, que caracterizou tanto a Fenomenologia quanto o
Positivismo Científico no Séc. XX desapareceu.
A originalidade do pensamento de Rorty, como observou Vattimo, pode ser
atestada quando da aproximação em suas obras de autores aparentemente muito distintos e
distantes em suas perspectivas filosóficas: John Dewey, Ludwig Wittgenstein e Martin
Heidegger. Para Vattimo, Rorty seria no mínimo muito criativo. Mas não apenas isso,
certamente! O fato é que a filosofia norte-americana aproximou-se da hermenêutica e este fato
trouxe consequências para a formulação do pensamento rortyano.
Rorty observa que a nossa existência no mundo é uma “existência falante” e que,
portanto, a verdade e a falsidade dependem da linguagem. Esta é a razão pela qual Rorty
recorre ao Wittgenstein dos jogos de linguagem e ao pragmatismo linguístico. Quanto a
Dewey, o seu pragmatismo forneceu a Rorty a chave para a compreensão linguística da
realidade tal como imaginada por Wittgenstein.
Tudo isso implica em que o sentido de uma proposição resolve-se nas regras da
linguagem e que a realidade deveria ser confrontada ao nível linguístico. O Pragmatismo não
significa que “verdadeiro é o que é útil ou funciona”, mas aquela postura que toma o homem
com ser-no-mundo cuja faculdade primeira não é a observação, mas a transformação da
realidade motivada pelo nosso desejo de felicidade. Que acréscimo de felicidade nós temos
em saber “como as coisas estão?” Por quê? A verdade deve servir ao homem, a um propósito
– “tentar não ser demasiado infeliz” –, e não o homem servir à verdade!
O que Rorty espera encontrar ao aproximar-se de Heidegger? O que Heidegger
tem a ver com tudo isto? Não nos esqueçamos de uma das lições fundamentais de Ser e
Tempo (19): a existência é projeto e a Filosofia – toda pretensão de validade e verdade –
compartilha-se no projeto que elabora. A existência leva-nos, inevitavelmente, ao confronto
com os outros. Dessa maneira, o meu projeto existencial acha-se inexoravelmente articulado a
outros projetos existenciais singulares, configurando um projeto societário complexo.
Segundo Vattimo, o desafio da Filosofia no Séc. XX não é a busca da verdade,
mas o acordo com os outros, seja pela caridade, como quer o próprio Vattimo, seja pela
solidariedade, como que Rorty, seja pelo entendimento comunicativo, como que Habermas. É
no acordo com os outros que chegamos à compreensão de como as coisas estão: “Dizemos
que sabemos como as coisas estão quando nos entendemos, ou ainda quando, baseados numa
série de premissas, exigências e também de métodos compartilhados da história, atingimos
um ponto em que estamos de acordo, satisfeitos e deixamos de perguntar um ao outro: ‘O que
você está dizendo’?” (VATTIMO, 2010, p. 11). A felicidade em sua busca em comum, a
caridade e a solidariedade são anteriores a verdade enquanto mera correspondência entre
proposições e fatos – o “espelho da Natureza”.

2 DA RELIGIÃO À SECULARIZAÇÃO

Rorty inicia sua reflexão a partir de uma assertiva de Joseph Ratzinger: “Em
breve, declara o Papa, já não será possível afirmar que a homossexualidade constitui um
distúrbio objetivo na estrutura da existência humana, como ensina a Igreja Católica”
(RORTY, 2010, p. 12). Tais posicionamentos dogmáticos da Igreja conduziram a uma
sensível e desnecessária redução da felicidade humana.
Ao trazer esta discussão à tona, Rorty tem em mente a natureza da moralidade.
Os nossos papeis morais seriam definidos por instituições sociais como a Igreja ou nós
teríamos apenas a “[...] obrigação de nós ajudar reciprocamente a satisfazer nossos desejos,
atingindo a maior felicidade possível?” (RORTY, 2010, p. 13). Para Rorty, concordando com
Stuart Mill, esta seria a nossa única obrigação moral, pois a felicidade possível é um ideal
moral estimulante e concreto.
Na medida em que não existe qualquer “[...] estrutura da existência humana
capaz de servir de ponto de referência moral [...]”, pode-se entender que a produção de ideais
morais nos conduz a superstições: “[...] a superstição é a confusão de um ideal como poder;
é acreditar que qualquer ideal deve de algum modo fundamentar-se em algo já existente, em
algo transcendente que põe esse ideal diante de nós” (RORTY, 2010, p. 14).
Rorty concebe a imaginação humana como fonte dos ideais morais. A chave para
a caracterização da infelicidade humana reside na compreensão de que os ideais encontram
sua morada na imaginação, e não em um fenômeno transcendente a eles próprios. Dessa
maneira, ideais morais e políticos poderiam deixar de existir sem deixar marcas no mundo e
sem produzir qualquer ruído com o seu desaparecimento. Mas caso este “ruído” viesse a
ocorrer poderíamos chamá-lo de ressentimento.
Do fato de que a imaginação seja uma boa fonte para a produção dos ideais
humanos, Rorty concorda com a afirmação de Georges Santayana de que, quanto à essência, a
religião e a poesia são idênticas. Em sentido lato, a poesia é produto da imaginação. A
religião, também em sentido lato, incluindo aí “[...] o idealismo político e as aspirações
destinadas a tornar a vida de uma comunidade radicalmente diferente e melhor [...]”
(RORTY, 2010, p. 14-15), também seria uma criação da imaginação humana. Chamamos
religião à situação em que a poesia passa intervir na vida. Ao contrário, quando a religião
“[...] simplesmente acontece na vida [...]” (RORTY, 2010, p. 15), ela torna-se poesia.
Ao invés de seguir um ideal em razão do que ele quer de nós, encontrando apenas
nele a justificação para nossas obrigações morais, deveríamos indagar a qualquer ideal moral
como ele considera a alteridade. Para Rorty, “dedicar-se a um ideal moral é como dedicar-se a
outro ser humano” (RORTY, 2010, p. 15).
Tal como a teologia cristã, parte considerável da tradição filosófica ocidental
baseia-se na “[...] tentativa de nos colocar em contato com algo maior que nós” (p. 15).
Rorty, assim como Heidegger, rejeita a ontoteologia e a sua força criadora de ideais. Não se
trata de “[...] fazer tanto perguntas metafísicas sobre o fundamento ou a origem de nossos
ideais como perguntas epistemológicas sobre como podemos ter certeza de ter escolhido o
ideal correto” (RORTY, 2010, p. 16). Ideais podem ser apreciados por algum tempo e
substituídos por outros, mas não podemos escolher entre dois ideais presumindo alguma
neutralidade nessa escolha. Explicar uma conversão religiosa de uma forma ateísta a uma
forma de espiritualidade e vice-versa, é inútil, pois não há como recorrer a qualquer modelo
de demonstração epistêmica sobre a verdade desta conversão.
Santayana enfatiza que o pensamento platônico representa uma entre tantas outras
formas de superstição na Filosofia. Para o idealismo platônico, “[...] devemos nos fazer
perguntas metafísicas e epistemológicas sobre nossos ideais e [...] temos o dever de seguir os
passos de Platão” (RORTY, 2010, p. 16). Dessa forma, um projeto de vida só pode ser
justificável – neste caso justo – ser for demonstrado racionalmente.
Para Rorty, Santayana e Mill seriam pensadores da contingência, não
reconhecendo na cultura como definitivo. Ratzinger é um platônico que caracteriza nossa
época como marcada por uma “ditadura do relativismo” produzida pelos desejos do ego. A
crença de Santayana e Mill baseia-se no fato de que os ideais são produtos da imaginação
humana tanto quanto “[...] qualquer especulação filosófica ou culto religioso [...]” (RORTY,
2010, p. 18). Não existe algum a priori do qual as nossas convicções morais devam
necessariamente encontrar fundamento. Se Ratzinger vê com desconsolo o relativismo de
nossa época, Rorty o assume como possibilidade de abertura a novos horizontes capazes de
promover a felicidade humana, como “[...] a única maneira de evitar os males do passado
[...]” (RORTY, 2010, p. 18).

3 ENTRE RELATIVISMO E FUNDAMENTALISMO

Fundamentalismo e relativismo são termos normalmente tomados


pejorativamente. Em geral, por fundamentalismo designa-se uma postura “absurdamente
acrítica” em face da Escritura. Quanto ao termo relativismo, este é normalmente utilizado
para caracterizar a tese absurda, segundo Rorty, de que “[...] toda convicção moral é tão boa
quanto qualquer outra” (RORTY, 2010, p. 19).
Operando uma redescrição semântica, Rorty sugere que o termo fundamentalismo
passe a designar a tese “[...] de que os ideais são válidos apenas se alicerçados na realidade”
(RORTY, 2010, p. 19) e que por relativismo entenda-se a negação a qualquer forma de
fundamentalismo. Dessa maneira, relativistas seriam tão somente aqueles indivíduos “[...]
para quem estaríamos melhor [sic] sem noções como as obrigações morais incondicionais
fundamentadas na estrutura da existência humana” (RORTY, 2010, p. 19).
Em certa ocasião, Ratzinger afirmou que os relativistas produzem uma imagem
positiva de si mesmos, baseando esta imagem em conceitos como o de tolerância,
epistemologia dialética e liberdade e que a democracia encontra seu fundamento filosófico no
relativismo. Assim, o relativismo blinda e conserva a liberdade, conceito caro aos regimes
democráticos. As liberdades democráticas permaneceriam preservadas em face de uma única
concepção de verdade e válida para todos os cidadãos.
Segundo Ratzinger (apud RORTY, 2010, p. 20), “diz-se que a democracia
baseia-se no princípio de que ninguém pode ter a pretensão de saber qual é o caminho certo
a tomar. Ela se apoia em todos os modos que se reconhecem reciprocamente como tentativas
de obter um acordo através do diálogo. Dizem que a sociedade livre é uma sociedade
relativista. Só sob essa condição pode permanecer livre e flexível” (RORTY, 2010, p. 20).
Esta descrição de Ratzinger a propósito da democracia harmoniza-se com a
contingência da existência histórica observada por autores como Mill, Dewey e Habermas.
Para estes autores, a verdade revela-se mais como uma forma cujo conteúdo é constantemente
redescrito pelo “mercado das ideias” do que a tentativa de espelhar a realidade objetiva. Estes
autores tendem a caracterizar as sociedades democráticas como um tipo de ethos onde por
nada ser sagrado, toda discussão sobre qualquer coisa torna-se possível. Ratzinger vê no
relativismo um adversário forte. No terreno da política, suas formulações são em grande parte
verdadeiras. Acerca dos fins e bens da vida política pouco pode ser dito com certeza.
Liberdade, Igualdade e Justiça são conceitos que possuem conotações divergentes se
considerarmos, por exemplo, a perspectiva dos liberais e dos comunitaristas.
Para Rorty, “o que é relativo, a construção de uma vida comum e livremente
ordenada pelo homem, não pode ser absoluto” (RORTY, 2010, p. 21). Ratzinger vê no
marxismo um absoluto que chegou ao ocaso. Certas práticas como atos discriminatórios,
matar pessoas inocentes e negar aos indivíduos o direito de serem tratados como seres
humanos, isto é, de modo a garantir sua dignidade, jamais poderão ser condutas políticas de
Estado passíveis de justificação. Cabe ao Estado garantir as condições sociais, econômicas,
políticas, jurídicas e culturais a fim de que cada pessoa possa realizar os seus respectivos
projetos pessoais e singulares de vida que lhes parecem adequados, desde que não interfiram
direta ou indiretamente na consecução deste direito inalienável de outras pessoas.
Todavia, Ratzinger vê na ausência de limitações ao relativismo um problema
cultural sério. Rorty expressa com as seguintes palavras esta preocupação: “O problema, para
Ratzinger, deriva do fato de o relativismo ser visto com algo ilimitado. Segundo o cardeal, a
necessidade de estabelecer limites para o relativismo demonstra que toda vez que a política
promete ser redentora, promete demais; toda vez que pretende fazer o trabalho de Deus, a
política torna-se não divina, mas diabólica” (RORTY, 2010, p. 22).
Mas Rorty partilha com Ratzinger a dúvida por uma política redentora. Tal
observação vale inclusive para o marxismo. Mas enquanto Ratzinger transfere para o
Cristianismo e para a Igreja a única possibilidade de verdadeira redenção, Rorty vê com
reserva qualquer ideal redentor e isto vale principalmente para o Cristianismo.
Uma ética laica, neste sentido, visa promover um ethos fundado na felicidade, e
não na remissão dos pecados e na vida eterna, pois os homens “[...] não são seres
degradados, almas imateriais aprisionadas em corpos materiais, almas inocentes
corrompidas pelo pecado original” (RORTY, 2010, p. 22).
Recordando Nietzsche, os homens são inteligentes não porque são seres capazes
de “espelhar a Natureza” através da Filosofia ou da Ciência, mas porque são capazes de
interagir uns com os outros de modo a produzir uma sociabilidade cuja teleologia seja a
realização dos próprios desejos humanos em direção a uma vida melhor.
Nossos desejos nos levaram a orientar nossas práticas no mundo a fim de
concretizá-los, adequando novos meios a antigos fins. Para Ratzinger, ainda há lugar para a
fé, porque esta pertence à natureza humana. A crença na transcendência torna possível, por
sua vez, a noção de redenção e as práticas ascéticas. A elevação da parte superior da alma
espiritual e imortal em face de um corpo material e mortal é meio para esta redação. “A
redenção é o que acontece quando a parte superior triunfa sobre a inferior, quando a razão
vence a paixão ou quando a graça derrota o pecado” (RORTY, 2010, p. 23). A tradição
ontoteológica institui esta distinção ente imortalidade e mortalidade como uma aspiração ante
a finitude diante da existência. Este desejo pela ascese é-nos sempre recordado pela
lembrança do Deus infinito que se fez finito para destruir nossa finitude conduzindo-nos a
redenção na eternidade. Esta tradição, à qual Ratzinger filia-se, foi fundada por Platão e sua
crença órfico-pitagórica na imortalidade da alma e na busca pela catarse moral como resultado
de uma vida ética.
Apenas há razões para acreditar que Rorty e filósofos próximos à sua orientação
são desprovidos de espiritualidade se e somente se por espiritualidade concebermos uma
crença na transcendência, na redenção e na imortalidade. Ao redescrever o conceito de
espiritualidade, Rorty sugere que passemos a compreendê-la como “[...] um sentido elevado
de nossas possibilidades que se abrem para os seres finitos” (RORTY, 2010, p. 24). A
diferença entre as duas concepções de espiritualidade é a esperança na transcendência da
finitude e a esperança de construção de um ethos em que seres humanos sejam cada vez mais
felizes.
As revoluções democráticas que ocorreram a partir do Séc. XVIII abriram as
possibilidades de se pensar uma espiritualidade imanente e engajada, cujo pano de fundo não
é mais o domínio da vida individual, mas o desejo de transformação da sociedade cujo
indicativo seria a inclusão sempre maior de diferentes indivíduos e suas demandas. Rorty
reconhece a inspiração cristã como background dessa ideia, mas a construção de uma
democracia social necessita apenas dos desejos egológicos das pessoas enquanto Ratzinger vê
nos desejos do ego uma das fontes dos males da humanidade.
Para filósofos como Mill, Dewey, James e Habermas, não existem desejos maus
em si, mas é verdade que alguns desejos comprometem a maximização e satisfação de desejos
mais abrangentes. O que está em jogo aqui é a realização assimétrica e cada vez mais
inclusiva dos desejos dos indivíduos, situação essa que assinala o “progresso moral” de uma
sociedade, quando esta é capaz de mobilizar de forma hábil, flexível e generosa suas
instituições sociais com o propósito de ampliar a faixa de pessoas que tem seus desejos
levados a serio e concretizados. Recordando Peter Singer, trata-se de “ampliar o círculo”
daqueles que têm iguais direitos à realização de seus desejos. Rorty aponta alguns fatos
históricos que assinalam esta mudança na visão de mundo: a) “[...] quando os ricos
começaram a ver os pobres como seus concidadãos, e não como pessoas cujo lugar na vida
havia sido decretado por Deus; b) [...] considerar riqueza e pobreza como instituições sociais
modificáveis; c) [...] o sucesso recente, parcial, mas encorajador do feminismo; d) [...] o fato
de os heterossexuais estarem mais propensos a se colocar no lugar dos homossexuais, a
imaginar como deve ser ouvir dizer que o amor que se sente por outra pessoa é uma
perversão repugnante” (RORTY, 2010, p. 28).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode a Filosofia formular critérios objetivos e neutros para a escolha de ideais


morais como princípios capazes de fundar e mobilizar as forças sociais? Qual seria a
vantagem de uma vida dirigida por valores transcendentes? De onde retiram sua força de
justificação? “O tópico da verdade é relevante para a política democrática?” Para Rorty, a
Filosofia é um produto da imaginação, tanto quanto a Religião e a Poesia. E é exatamente por
isso que a Filosofia deveria renunciar a sua pretensão fundacionista e ingressar
definitivamente no mundo das coisas humanas, como o propósito de interpretar e formar
(edificar) a realidade de acordo com os desígnios humanos, rejeitando a tarefa que Platão,
Kant e Hegel lhe atribuíram, como “dona da razão”. O conhecimento deve ser encarado tão
somente sob a perspectiva de uma conversação e prática social, ao invés de “espelhar a
natureza”.
Fiel à tradição platônica, Ratzinger defende a posição de que as nossas obrigações
morais devem estar assentadas em algum imperativo categórico demonstrável pela razão
prática. Só assim poderíamos estar a salvo do comunismo e do fascismo. Para Ratzinger, o
relativismo teria sido o responsável por Dachau, Auschwitz e os Goulags. Caso ele tenha
razão, o que dizer do fundamentalismo da Igreja católica e de sua justificação de levar os
pagãos, bruxas e homossexuais?
Nem a razão, tampouco a experiência podem nos levar a decidir com certeza pela
posição de Ratzinger ou pela direção tomada pelos pragmatistas e hermeneutas. Rorty nutre
profunda simpatia pelo adágio de Protágoras – “o homem é a medida de todas as coisas” –,
porque não há verdade maior que nós mesmos!
Ao invés de um conceito de verdade que confunde ideais com o poder, Rorty
propõe um tipo de secularismo romântico que ao invés de oferecer “[...] uma visão de
ascensão vertical para algo maior que o meramente humano [...]” (RORTY, 2010, p. 30),
possa dirigir-nos a uma construção horizontal do progresso humano ao nível planetário a
partir da solidariedade.
Não se pode fazer da busca pela verdade a atividade central da vida humana
enquanto ainda houver vozes clamando por justiça no mundo. E é porque essas vozes ainda
não silenciaram que o mundo continua necessitando cada vez mais de solidariedade e
tolerância do que da verdade!

REFERÊNCIAS

______. Uma ética laica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010.

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