Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Sumário:
1. O Brasil e os principais componentes de sua geoeconomia elementar
2. O sistema político brasileiro e sua posição na geopolítica mundial
3. Potencial e limitações da economia brasileira no contexto internacional
4. A emergência econômica e a presença política internacional do Brasil
5. A política externa brasileira desde 2003 e sua atuação no âmbito do Brics
6. Conclusões: o que busca o Brasil nos Brics?; o que deveria, talvez, buscar?
Paulo Roberto de Almeida (São Paulo, 1949) é Doutor em Ciências Sociais (Université Libre
de Bruxelles, 1984), Mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Antuérpia, 1977), e
diplomata de carreira desde 1977. Foi professor no Instituto Rio Branco e na Universidade de
Brasília, diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI) e, desde 2004, é
professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em
Direito no Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Como diplomata, serviu em diversos
postos no exterior e na Secretaria de Estado. É editor adjunto da Revista Brasileira de Política
Internacional e participa dos comitês editoriais de diversas publicações acadêmicas.
Seleção de livros publicados: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa
brasileira em tempos não convencionais (2014); Integração Regional: uma introdução (2013)
Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da
globalização (2012); Formação da diplomacia econômica no Brasil: as relações econômicas
internacionais no Império (2001; 2005); Blog : http://diplomatizzando.blogspot.com/; Site:
www.pralmeida.org.
1
1. O Brasil e os principais componentes de sua geoeconomia elementar
Do ponto de vista do território e de sua população, em termos absolutos, o Brasil
se situa entre os cinco ou seis maiores espaços e demografias do mundo, e entre as dez
primeiras economias, pelo volume absoluto do seu PIB, elementos que constituíram,
justamente, as justificativas para sua inclusão no conceito original do Bric. Os
contrastes entre os membros inaugurais do Bric são, entretanto, notáveis: com 17
milhões de km2, a Rússia representa quase a metade do território global do grupo,
sendo que a China (9,3 milhões de km2) e o Brasil (com 8,5) praticamente se
equivalem. A Índia, por sua vez, parece pequena (dispondo de apenas 3,2 milhões de
km2) para abrigar a segunda maior população do mundo, terreno no qual o cenário se
inverte. Com efeito, China e Índia representam dois quintos da população mundial,
sendo que o país da Ásia do Sul deverá superar o seu vizinho do norte dentro de mais
alguns anos. A Rússia, por sua vez, exibe uma demografia declinante, o que pode
comprometer o seu futuro econômico de médio prazo. A África do Sul, integrada
posteriormente ao Brics, apresenta território e população bem mais modestos.
Em termos relativos, o Brasil representa quase a metade do território da América
do Sul e quase um terço de sua população total, perfazendo fronteiras com quase todos
os seus vizinhos, à exceção do Chile, transandino, e do Equador, transandino e
amazônico; com este último país, curiosamente, o Brasil chegou a negociar um tratado
preliminar de fronteiras, no início do século XX, uma vez que os limites amazônicos do
Equador ainda não tinham sido amputados pelos seus vizinhos maiores, a Colômbia e o
Peru, neste segundo caso motivo de uma disputa territorial que por duas vezes levou a
disputas armadas que foram justamente intermediadas pacificamente com a colaboração
do Brasil. Historicamente, o território brasileiro foi sendo ampliado significativamente,
ao longo do período colonial, pelas incursões de exploradores portugueses em várias
direções do imenso hinterland da América do Sul, em contraste com o porção bastante
diminuta de território atlântico que tinha sido atribuída ao reino de Portugal pelo
Tratado de Tordesilhas (1494), negociado com o reino da Espanha ainda antes do seu
descobrimento oficial (1500), ainda assim bem mais favorável, no sentido da longitude,
do que a divisão papal das novas descobertas que tinha sido feita pelo Papa Alexandre
VI, um ano antes do tratado, através da bula Inter Coetera. O mapa histórico abaixo
informa sobre onde passavam essas duas divisões preliminares do território brasileiro.
2
Figura 1
A primeira divisão do mundo entre portugueses e espanhóis, 1493, 1494
3
Figura 2
A linha de Tordesilhas e o alargamento posterior do Brasil
4
produtivos e de população comparativamente menor, em face de outros membros do
Bric, mas que todavia foi, durante muitos anos, a segunda potência econômica mundial.
O Brasil e a República Popular da China sempre foram países de enormes
dimensões, dispondo igualmente de vastos recursos naturais; ambos, contudo, exibiam
populações paupérrimas até algumas décadas atrás, sem contar significativamente na
escala mundial de poderio econômico. A China, que até o final do século XVIII,
representava a primeira economia planetária – pelo menos em termos brutos – só
deslanchou verdadeiramente a partir dos anos 1990, quando as reformas econômicas
empreendidas por Deng Xiao-ping começaram a dar frutos, depois de mais de uma
década de reformas econômicas iniciadas pela agricultura – desmantelamento das
unidades coletivas, e retorno às propriedades privadas de base familiar, com a
possibilidade de venda livre nos mercados das colheitas – e prolongadas nas zonas
econômicas especiais, depois com abertura mais ampla aos investimentos estrangeiros.
O Brasil, por sua vez, conseguiu consolidar seu processo de industrialização e
preparou as bases da modernização de sua agricultura ainda nos anos 1970, o que lhe
permitiu dar um salto considerável em termos de PIB, passando a ocupar os primeiros
postos da economia mundial, ainda que a renda per capita tenha acompanhado muito
lentamente esse avanço no produto total, em virtude da uma taxa igualmente vigorosa
de sua natalidade. Desde então, ele oscilou entre as primeiras dez ou quinze posições
mundiais pela importância do PIB, dependendo de suas taxas de crescimento e do valor
nominal do câmbio. Em termos de paridade de poder de compra – índice que leva em
conta o custo real de fatores para cada uma das economias nacionais – o Brasil se situa,
ao início da segunda década do século XXI, entre o 6o e o 8o lugar mundial no que se
refere ao PIB (muito embora a paridade cambial possa influenciar a posição exata).
Como elemento distintivo para sua importância futura na ordem econômica
mundial, relatórios prospectivos de agências multilaterais – como a FAO, por exemplo
– ou de organismos regionais – entre eles a OCDE – colocam o Brasil como um dos
países mais capazes, junto com os Estados Unidos, de aumentar a oferta alimentar (em
grãos, lácteos ou carnes, entre vários outros produtos), num contexto de aumento ainda
relativamente importante da população mundial. Os dois países do hemisfério ocidental
serão responsáveis por quase a metade, ou por pelo menos dois quintos, da oferta
alimentar suplementar destinada aos 2 bilhões de habitantes adicionais que o planeta
deve ainda abrigar até meados deste século; os dados para a energia – e aqui depende da
composição futura da matriz energética mundial – são menos claros a este respeito, mas
5
ambos os países, igualmente, prometem manter uma base diversificada em suas
respectivas matrizes nacionais, com grandes chances de impactar positivamente a matriz
energética mundial (Almeida, 2014). Os Estados Unidos estão em meio a uma pequena
revolução no que concerne os combustíveis fósseis – petróleo de xisto, gás – ao passo
que o Brasil tem grandes chances na produção de petróleo off shore – a grande
província petrolífera do pré-sal – e também nos renováveis (etanol e biodiesel).
Por vezes, mais importantes do que os números absolutos – de território, de
população ou de recursos – são as dinâmicas respectivas de cada país no que se refere a
tendências estruturais de suas formações sociais ou sistemas econômicos. A China, por
exemplo, praticamente não mais dispõe de terras agricultáveis, e as disponíveis, na
atualidade, enfrentam sérios problemas de erosão e de ressecamento, devido a uma
gestão irresponsável dos recursos hídricos no passado. A Rússia, na sua conformação
pós-soviética, perdeu, justamente, grande parte das terras agricultáveis, concentradas
nas planícies da Ucrânia e da Bielo-Rússia. A Índia tem menor disponibilidade de
terras, mas os problemas principais parecem derivar de uma população rural pouco
dotada, socialmente falando, de capacitação técnica e de capitalização suficientes para
modernizar o setor primário da economia em bases intensamente capitalistas.
O Brasil, desse ponto de vista, é um privilegiado como poucos outros países no
planeta, pois a disponibilidade de água – fator relevante num futuro de médio prazo – é
uma das maiores do mundo, ainda que a taxa de desperdício (na origem e no tratamento
ulterior) e uma gestão igualmente incompetente das fontes possam comprometer uma
boa parte desses recursos hídricos; água e espaços agricultáveis não devem faltar ao
Brasil no futuro previsível. A modernização tecnológica da agricultura começou a ser
feita nos anos 1980, e pode beneficiar-se, tanto de ganhos de escala quanto da redução
da intervenção governamental nos mecanismos de formação de preços, o que estimulou
tremendamente o setor a partir dos anos 1990.
Na sua dimensão espacial, a ocupação de terras empregadas na agricultura e na
pecuária, atualmente, representa apenas um quinto do que ainda pode ser incorporado às
atividades primárias (excluindo-se totalmente a Amazônia desse tipo de contabilidade).
A disponibilidade de terras no Brasil não é apenas extensiva, pois é razoável esperar que
a produtividade da agricultura continue a crescer significativamente, a partir de aportes
tecnológicos e de ganhos de produtividade, inclusive empurrada pela própria demanda
mundial; na pecuária será possível aumentar substancialmente a oferta de carne sem
expandir proporcionalmente a ocupação de novos espaços de superfície, apenas pelo
6
adensamento dos rebanhos de todos os tipos de herbívoros e melhorando as rações
destes e de todas demais espécies animais. Para todos os efeitos práticos, e mesmo
independentemente da qualidade de suas políticas econômicas, o Brasil continuará
sendo um grande ofertante de excedentes alimentares, devido à pujança já adquirida
pela sua agricultura capitalista. No terreno das energias, sua capacidade de influenciar a
futura matriz mundial – cuja conformação pode ainda sofrer alterações sensíveis, em
função tanto da composição dos recursos naturais quanto das inovações tecnológicas –
dependerá bem mais das políticas econômicas do que propriamente da disponibilidade
de recursos naturais, que parecem existir potencialmente, tanto do lado dos fósseis,
quanto pelo lado dos renováveis (com ênfase mais na biomassa do que propriamente na
eólica ou solar). A política energética brasileira, nas últimas décadas, tem sido moldada
muito mais em função de uma grande estatal – a Petrobras – do que propriamente pelas
forças de mercado, que costumam ser contrariadas por políticas econômicas de índole
nacionalista e de corte estatizante (inclusive na geração de energia elétrica).
Ressalvadas, portanto, as incertezas ainda pendentes na área energética, o Brasil
já faz, e continuará fazendo, uma enorme diferença na oferta alimentar mundial, com
base numa diversidade de possibilidades naturais e de origem tecnológica que poucos
países podem exibir. Os EUA, por exemplo, o outro grande fornecedor mundial de
alimentos, já não dispõem, como o Brasil, de fronteiras agrícolas a serem incorporadas à
sua atual base produtiva espacial, devendo a oferta adicional de alimentos depender de
ganhos de produtividade. A Índia, por sua vez, ainda não empreendeu, de verdade, uma
necessária revolução agrícola – ou seja, a da capitalização e a da concentração de terras
– tarefa que é dificultada pela existência de algumas centenas de milhões de
camponeses pobres e da baixa disposição de suas elites políticas em dar início a essa
radical transformação da paisagem humana e econômica daquele imenso subcontinente.
A China, como já referido, deverá depender cada vez mais da importação de
energia e de alimentos, tanto para a sua população, quanto para os seus rebanhos
(sobretudo o porcino e o aviário). A Rússia, finalmente, não parece estar em condições
de aumentar sua oferta agrícola, tanto por razões demográficas quanto climáticas,
embora transformações com base em adaptações movidas a incrementos tecnológicos
sempre sejam possíveis, desde que ela se liberte da extrema dependência atual em
recursos fósseis (petróleo e gás) e em minérios. China e Índia, ainda que em proporções
diversas, continuarão a depender de fontes altamente poluentes de energia – fósseis,
portanto, mas carvão de baixa qualidade, por exemplo – e por isso um esforço especial
7
de desenvolvimento de fontes renováveis é extremamente importante para ambas, o que
a China já vem empreendendo com algum sucesso no plano tecnológico. O Brasil
também poderá aumentar de modo relativamente satisfatório sua oferta total de energia,
tanto a de origem fóssil (petróleo e gás), quanto a proveniente da biomassa, mas tudo
depende de políticas econômicas adequadas nesses dois terrenos, o que não foi o caso
registrado na última década e meia, quando vários erros foram cometidos em ambas as
frentes. Mas, como para os alimentos, as possibilidades de desenvolvimento energético
são promissoras, à condição que as políticas setoriais corretas e um grau ampliado de
inovação tecnológica estejam presentes nos anos à frente.
A dinâmica demográfica do Brasil foi positiva até aqui, embora nem tudo esteja
caminhando de maneira adequada na atualidade, em vista dos desafios que irão surgir
no próximo quarto de século. Tendo passado de 150 milhões de habitantes a quase
duzentos milhões no último meio século, o Brasil já atravessou, desde os anos 1980, o
fenômeno conhecido como transição demográfica, ou seja, a passagem de altos níveis
de fecundidade, de natalidade e de mortalidade (sobretudo infantil), para níveis
reduzidos dos três indicadores, exibindo atualmente uma taxa de natalidade que o
aproxima dos índices registrados em alguns países desenvolvidos (certamente não os
declinantes, porém, como Japão e Itália). A taxa de fecundidade ainda é importante em
regiões menos desenvolvidas – como no Norte e no Nordeste, inclusive por deficiências
de educação e de políticas adequadas de natalidade – mas permanece importante nas
zonas rurais e em estratos pobres e marginais das metrópoles, o que é justamente
preocupante no plano social e da marginalidade urbana.
O maior desafio demográfico do Brasil, porém, tem a ver com a rapidez relativa
de sua transição para um perfil “desenvolvido”, ou oblongo, de sua distribuição etária;
em outros termos, as faixas etárias mais avançadas estão deformando para baixo a
pirâmide demográfica, o que representa um duplo problema para o Brasil, um imediato
e o outro de médio prazo. No plano imediato, os déficits previdenciários – que estão
sendo potencializados pela ausência de reformas substantivas na última década, e
mesmo ameaças de retrocesso nos limitados ajustes feitos por iniciativa do governo
anterior – devem crescer até alcançar proporções não administráveis, lembrando-se
ainda que o Brasil já gasta, com o sistema de aposentadorias e pensões, um volume
proporcionalmente maior do PIB do que vários países desenvolvidos, com populações
idosas bem maiores do que a atual proporção do Brasil. Agregue-se a esses gastos,
aqueles comprometidos, cronicamente, com um generoso sistema universal de saúde,
8
que promete tratamento de qualidade a todos e a cada um, e cujos custos devem crescer
geometricamente, tanto pelo aumento dos idosos, quanto pela má administração (estatal
e privada) de todo o sistema.
No médio prazo, o Brasil tem um desafio ainda maior, que é representado pelo
fim do chamado “bônus demográfico” – que representa a melhor proporção entre ativos
e dependentes no conjunto da população – num espaço de tempo (no máximo 25 anos)
no qual o baixo crescimento econômico manterá a renda média brasileira em níveis
insuficientes para sustentar o aumento dos dependentes a cargo das contas públicas. De
fato, o crescimento da renda é medíocre no Brasil, em virtude de parcos ganhos de
produtividade (devidos à má educação geral da população) e de um nível insuficiente de
poupança doméstica para sustentar taxas mais elevadas de investimento produtivo, o
que prenuncia um futuro preocupante para os atuais entrantes no mercado de trabalho.
A taxa de crescimento econômico do Brasil – que antes da crise da dívida externa de
1982 se situava acima da média mundial – tem sido persistentemente mais baixa do que
a média mundial e três vezes inferior à dos países emergentes mais dinâmicos; ela tem
se situado sempre no patamar inferior dos Bric, a ponto de vários estudiosos indagarem
se o Brasil não estacionou num patamar permanente de baixo crescimento econômico, o
que agravaria ainda mais o cenário do fim do “bônus demográfico”.
A despeito desses enormes desafios nos planos da demografia, do crescimento e
da perda de oportunidades na exploração de seus recursos naturais, o Brasil é, dentre os
Brics, o país que melhor se situa se situa num índice de “progresso social” lançado em
2014 (ver no link: http://www.socialprogressimperative.org/). Ainda que ocupando um
modesto sétimo lugar na região (depois do Uruguai, do Chile, de três outros países
menores, e da Argentina), o Brasil se situa bem à frente dos demais Bric nos três
grandes critérios incluídos no índice: necessidades humanas básicas, fundamentos do
bem estar e oportunidades (cada um com componentes objetivos, mensuráveis, como
nutrição, saneamento, educação e saúde, direitos individuais, etc.).
Com efeito, situando-se em 46o lugar no cômputo geral (com 69,97 pontos), o
Brasil antecipa-se em 30 posições à frente do segundo, a Rússia (80o lugar, com 60,79
pontos), em 44 posições antes da China (90o lugar, com 58,67 pontos) e bem acima da
Índia (102o lugar e 50,22 pontos), o que não é surpreendente. Dados desagregados, em
ordenamentos setoriais, poderiam deixar o Brasil em posições menos confortáveis, mas
é inegável que, pelo grau de liberdades democráticas já alcançado, tanto quanto pela sua
9
economia de mercado consolidada, o Brasil dispõe de um ambiente humano, social e
político relativamente mais satisfatório do que seus colegas do Bric.
A questão seria saber como transpor essa posição relativamente mais positiva no
plano do bem estar social para o terreno da influência internacional e da projeção de
poder nos assuntos globais; ou seja, quais seriam os requerimentos efetivos para que o
país possa contribuir para moldar a agenda mundial nos diversos itens que a compõem?
10
Quadro 1
Constituições e regimes políticos no Brasil, 1824-2014
Constituições Tipo de instituição Características
1a.: 1824 Outorgada; longa Pedro I dissolve a Constituinte; quatro poderes,
duração, 65 anos de inclusive o Moderador, exclusivo do imperador,
regime parlamentar podendo dissolver a câmara; voto censitário;
2 a.: 1891 Promulgada; Regime republicano federativo, autonomia dos
emendada, eleições estados; presidencialismo de 4 anos, sem reeleição;
fraudadas voto restrito aos alfabetizados; Estado laico;
3 a.: 1934 Promulgada; Centralização, nacionalismo econômico; direitos
representação sociais e laborais; direito de voto às mulheres;
corporativa analfabetos continuam excluídos;
4 a.: 1937 Outorgada; fecha o Autoritária, inaugura o Estado Novo: fechamento do
Congresso congresso, dissolução dos partidos; centralização
5 a.: 1946 Promulgada por Tensão entre a maioria presidencial e o Congresso,
Assembleia de base proporcional, fragmentado pelo aumento do
Constituinte número de partidos e coalizões heteróclitas;
Emenda: 1961 Regime Crise política de substituição presidencial contornada
Plebiscito: 1963 parlamentar; Volta por um governo de gabinete: instabilidade; plebiscito
ao presidencialismo opera retorno ao presidencialismo; novas crises;
Golpe 1964; Ato Primeiro Ato (sem Regime autoritário iniciado com golpe militar em
Institucional número), seguido 1964; novo ato dissolve os partidos políticos;
de outro: 1965 eleições indiretas para presidente e governadores;
a
6 .: 1967 Outorgada; Decretos-leis diretamente aplicáveis; eleições para
Comissão Juristas presidente por colégio eleitoral: generais presidentes
Emenda: 1969 Outorgada por Novas restrições no sistema político, por meio de
Junta Militar atos institucionais outorgados pelo regime militar;
a
7 .: 1988 Promulgada: 315 Retorno ao regime democrático, descentralização;
artigos, 573 parag. voto do analfabeto; extremamente prolixa;
Plebiscito Tipo de regime e Previsto nas disposições transitórias da CF-1988:
consultivo: 1993 forma de governo confirma governo republicano e presidencialismo;
Emenda: 1997 Reeleição Cargos majoritários; mandato presidencial de 4 anos.
1988-2014 81 emendas Acréscimos e correções; detalhamento excessivo.
Elaboração: Paulo Roberto de Almeida (atualizada até 20/07/2014).
11
exageraram no superaquecimento da máquina produtiva, ao tentar fazer o Brasil
ascender rapidamente ao status de grande potência.
Os dois choques do petróleo, em 1973 e em 1979 – quando o Brasil dependia à
razão de 80% da importação do produto –, e a crise da dívida externa em 1982 – em
grande medida provocada por aqueles choques – deram o golpe de misericórdia nesse
projeto, embora os militares tenham logrado colocar o país entre as grandes economias
do planeta. A fase final do regime militar, cujo início data da crise da dívida externa em
1982, desenvolve-se numa atmosfera de graves turbulências econômicas e políticas,
marcada entre outros elementos pelo movimento em prol de eleições diretas para a
presidência da República. Nesse período, foi nítido o contraste entre os principais
indicadores macroeconômicos (crescimento, taxa de inflação, contas externas) da fase
final com aqueles que tinham caracterizado o período do “milagre econômico”, como
evidenciado por meio dos indicadores para os anos selecionados na tabela 1.
Tabela 1
Indicadores econômicos em duas fases do regime militar, 1970-1984
Anos Crescimento do PIB Balanço Dívida Dívida Taxa de
% ano Per capita Pagam. Externa % PIB Inflação
1970 10,4 7,2 -562 5.295 12,5 19,5
1971 11,3 8,6 -1.307 6.622 13,3 20,3
1972 12,1 9,4 -1.489 9.521 16,3 17,3
1973 14,0 11,3 -1.688 12.572 15,9 14,9
(…) (…) (…) (…) (…) (…) (…)
1981 -3,1 -5,3 -11.734 61.411 23,3 109,9
1982 1,1 -1,2 -16.310 70.198 25,8 95,5
1983 -2,8 -5,0 -6.837 81.319 39,4 154,5
1984 5,7 3,4 45 91.091 43,1 220,6
Fonte: IBGE; Valores: US$ milhões
12
se conseguiu, finalmente, escapar da voragem inflacionária, a partir do Plano Real, em
1994, a renda per capita se encontrava no mesmo patamar conhecido em 1980. O título
que o período ganhou, de década perdida, se justifica plenamente, portanto.
A reconstitucionalização do país, em 1988, reduziu apenas parcialmente a
centralização tributária, mas a multiplicação exagerada dos municípios desde então –
provocada artificialmente por uma classe política predatória – voltou a colocar o
Executivo federal no centro das barganhas políticas. A primeira tentativa de controle da
inflação, no seu governo, deu-se mediante um tratamento de choque, o Plano Cruzado
(fevereiro de 1986), caracterizado pelo congelamento de preços, tarifas e câmbio e pela
troca de moeda. Ele foi seguido, oito meses depois, pelo plano Cruzado 2, já num
contexto de aumento de tarifas e de reajuste generalizado de preços, com a consequente
reindexação da economia e a criação de um gatilho salarial (cada vez que a inflação
superasse 20%, o que passou a ser frequente). Novo plano em junho de 1987, chamado
de Bresser (do novo do novo ministro das finanças), traz novo choque cambial e
tarifário, com novo congelamento de preços, salários e aluguéis: ele tampouco
estabilizou a economia.
Desde a redemocratização, em 1985, o Brasil vem consolidando um sistema
político relativamente resistente às pequenas crises das transições governamentais, mas
marcado por imperfeições derivadas do período militar, entre elas a deformação referida
na representação congressual. O sistema ainda padece de várias contradições sistêmicas
e de falhas conjunturais, em função da coalizão de forças predominantes no Congresso e
no Executivo, nem sempre convergentes no plano da representação proporcional da
população ou da maioria presidencial, de base majoritária, de conformidade com a
norma presidencialista. Curiosamente, o processo constituinte de elaboração de uma
nova Constituição tinha sido inicialmente concebido para um regime parlamentarista,
mas terminou confirmando o presidencialismo tradicional no Brasil, a despeito de
diversos outros dispositivos tendentes a reforçar o papel do poder legislativo no sistema
de poder. A tensão entre os dois poderes tem sido uma constante desde então, sempre
com o predomínio do Executivo, que domina as alavancas do poder econômico.
Historicamente, a contradição entre a maioria congressual – estabelecida com
base no voto proporcional, mas deformado em virtude de limites mínimos e máximos
para os diferentes estados da federação – e a maioria presidencial, que emerge do voto
majoritário, eventualmente em dois turnos, sempre esteve na origem das crises e da
instabilidade crônica do processo político. Essa diferença de maiorias e o caráter
13
parcialmente atomizado do sistema político-partidário obrigam o chefe do Executivo a
negociar, cada vez, o apoio das forças políticas por todos os meios disponíveis, legais
ou heterodoxos. Esse estado de negociações permanentes entre os dois poderes, sempre
permeado por barganhas financeiras paroquiais, foi ainda reforçado pela instituição do
princípio da reeleição para cargos majoritários, aumentando o caráter fisiológico da
conquista de espaços de poder e de retribuições materiais em troca de apoio político. O
chamado “presidencialismo de coalizão”, como foi chamado esse sistema de
negociações constantes em torno de projetos parlamentares fragmentados, minimiza a
viabilidade de grandes lideranças nacionais e potencializa o poder dos interesses
setoriais e das representações corporativas, estilhaçando ainda mais o sistema político-
partidário. O Brasil constitui, possivelmente, uma das grandes democracias do mundo
emergente a apresentar um leque partidário extremamente disperso, com um número
crescente de legendas de ocasião e de partidos basicamente oportunistas: o Tribunal
Eleitoral registra mais de três dezenas de partidos regularmente constituídos, sendo que,
dentre as duas dezenas presentes no parlamento, vários subsistem unicamente devido à
ausência de cláusulas de barreira para vetar partidos de aluguel.
Um intenso processo de reformas marcou as duas administrações de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002), tanto no âmbito do Estado (reformas administrativa, da
previdência social etc.), como no ambiente regulatório de vários setores da economia,
infraestrutura e comunicações, em especial. Mudanças organizacionais importantes
ocorreram no plano das funções do Estado. Não obstante sua capacidade de liderança na
implementação das reformas, seus mandatos foram fortemente perturbados pelos dois
ou três ciclos de crises financeiras internacionais que tiveram início no México, no final
de 1994, prolongaram-se pela Ásia a partir de meados de 1997, atingiram um ápice na
Rússia em julho de 1998, terminando por atingir igualmente o Brasil em setembro desse
ano; finalmente, a crise final do regime de conversibilidade cambial na Argentina, em
2001, e as próprias eleições presidenciais no Brasil, no ano seguinte, obrigou o governo
a negociar diversos planos de sustentação com o FMI entre 1998 e 2002. A grave erosão
da situação cambial determinou uma completa mudança nos fundamentos da política
econômica, com a passagem da âncora cambial vigente até então para um regime de
flutuação cambial. Todos esses percalços redundaram numa taxa de crescimento pífio
para o segundo mandato, com queda no valor em dólares do PIB e o crescimento do
desemprego, como se pode constatar nos indicadores do período.
14
Tabela 2
Indicadores econômicos dos dois governos Fernando Henrique
Cardoso: 1995-1998 e 1999-2002
PIB, valor e crescimento Poupança Taxa Taxa
Ano US$ milhões % real % PIB inflação Desemprego
1995 705,4 4,2 20,3 21,9 4,4
1996 775,5 2,6 18,0 9,1 5,2
1997 807,8 3,2 17,7 4,3 5,1
1998 787,5 0,1 17,2 2,5 7,2
1999 529,4 0,8 16,0 8,4 7,3
2000 588,0 4,3 17,7 5,2 7,6
2001 503,9 2,5 19,2 9,4 6,4
2002 504,3 2,7 18,2 12,5 11,7
Fonte: IBGE
Este era o cenário político no Brasil até a eleição de Luís Inácio Lula da Silva,
em 2002, para o início de dois mandatos sucessivos, como permitido pela reforma
constitucional introduzida por Fernando Henrique Cardoso no curso do seu primeiro
mandato, em 1997; reeleito para mais um mandato em 2006, Lula logrou nova vitória
em 2010 para a mesma coalizão partidária sob hegemonia do Partido dos Trabalhadores.
O que caracterizou basicamente a administração Lula, no plano institucional, foi a
exacerbação de algumas das características mais negativas da política brasileira, como a
chantagem recíproca entre Executivo e Legislativo em torno da distribuição de recursos
federais, a fragmentação dos programas orçamentários e a permanente construção de
maiorias parlamentares de ocasião para a apreciação e aprovação de projetos de lei.
Em 2006, o “presidencialismo de coalizão” se aproximou perigosamente de um
“presidencialismo de Mensalão”, quando os líderes do partido hegemônico, conduzidos
pelo “primeiro ministro” do Governo Lula, e líder virtual do PT, José Dirceu, decidiram
literalmente comprar o apoio de parlamentares como garantia de votos favoráveis. Esta
foi a origem de um dos maiores escândalos da política brasileira, desvendando
comportamentos que existiam potencialmente no sistema político-partidário; não parece
ter havido mudanças significativas desde então.
Paradoxalmente, essa deterioração institucional ocorrida desde 2003 coincidiu
com uma notável projeção internacional do Brasil, obtida por uma conjunção de
tendências estruturais e de fatores contingentes. Os primeiros emergem como resultado
dos anos de ajustes macroeconômicos e de reformas institucionais efetuadas durante os
dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que prepararam o terreno
para o bom desempenho econômico registrado durante as duas administrações seguintes
(sob Lula, de 2003 a 2010). O fim da inflação, a estabilidade macroeconômica então
15
conquistada, a volta dos investimentos estrangeiros, e as amplas reformas conduzidas
sob FHC – a despeito das crises financeiras ocorridas durante seu segundo mandato –
ofereceram a Lula o melhor ambiente possível para se beneficiar da nova fase de
crescimento mundial que ocorreu na primeira década do século XXI.
Tabela 3
Indicadores econômicos dos dois governos Luis Inácio Lula da Silva:
2003-2006 e 2007-2010
PIB, valor e crescimento Poupança Taxa Taxa
Ano US$ milhões % real % PIB inflação Desemprego
2003 552,4 1,1 16,5 14,7 12,8
2004 663,7 5,7 18,8 6,6 11,2
2005 882,2 3,1 17,8 6,8 9,4
2006 1.088,9 3,9 16,7 4,1 10,6
2007 1.366,8 6,1 18,4 3,6 9,5
2008 1.653,5 5,2 18,9 5,6 8,1
2009 1.620,1 0,3 16,3 4,3 8,0
2010 2.143,0 7,5 18,0 5,9 6,7
Fonte: IBGE, Banco Mundial, Economy Watch (www.economywatch.com).
16
um seleto número de parceiros estratégicos “não hegemônicos”: Índia e África do Sul,
com os quais é rapidamente constituído o grupo Ibas, e China e Rússia, que completarão
o quadro das alianças estratégicas do Brasil na construção tentativa de uma “nova
ordem internacional” (ou uma “nova relação de forças” e uma “nova geografia do
comércio internacional”, como seguidamente repetido pelo presidente e seu chanceler).
Ainda que mantendo taxas modestas de crescimento em relação ao resto do mundo, os
indicadores de expansão do PIB, sob Lula (4,5% ao ano na média), quase dobram o
ritmo que vinha sendo observado na década anterior (de apenas 2,5% ao ano).
Tabela 4
Indicadores econômicos agregados para as presidências FHC e Lula
Médias anuais em cada governo FHC Lula
Crescimento do PIB real 2,6 3,4
Inflação (deflatores do PIB) 9,2 5,79
Participação da indústria na formação do PIB 18 13
Fonte: IBGE
Tabela 5
Indicadores econômicos do governo Dilma Rousseff: 2011-2014
PIB, valor e crescimento Poupança Taxa Taxa
Ano US$ milhões % real % PIB Inflação Desemprego
2011 2.492,9 2,7 17,6 6,4 5,9
2012 2.395,9 0,8 14,6 5,8 5,5
2013 2.256,6 2,5 16,1 6,1 5,4
2014 e 2.481,2 0,1 17,0 6,4 4,8
Fonte: IBGE; Economy Watch; e = estimativas
Figura 3
Brasil: taxas de crescimento médio anual cumulativo, 1995-2013
19
3. Potencial e limitações da economia brasileira no contexto internacional
No plano econômico, as diferenças, e mesmo as divergências, entre os Brics são
tão importantes quanto seus interesses comuns nos planos político e diplomático. Se é
verdade que a justificativa e a legitimidade do grupo no contexto internacional foram
dadas por um economista de banco de investimento – e esta é provavelmente a primeira
vez na história que um bloco diplomático é constituído a partir de mera sugestão de um
observador externo, aliás amador em assunto de política internacional –, cabe examinar
o conteúdo econômico da participação do Brasil nesse bloco, tanto em termos de
potencialidades, quando em termos de dinâmicas estruturais.
Não é preciso remontar a história econômica de cada um deles, ao longo dos
séculos precedentes, para apresentar, ou explicar, os traços econômicos dominantes na
contemporaneidade, embora algum retrospecto sumário seja importante, para bem situar
o contexto macroestrutural da formação econômica brasileira ainda presente em certas
características de sua economia atual, notadamente a especialização nas exportações
primárias e o grau relativamente modesto de seu capital intelectual, o que influencia sua
capacidade de inovação tecnológica. Diferentemente dos outros três Bric – e a história
da África do Sul, o quinto Brics, é ainda mais única e original –, o Brasil é a única
formação nacional que não deriva de uma civilização anterior, de povos longamente
estabelecidos num determinado território, e constituídos enquanto Estados a partir de
sua própria dinâmica interna, mas enquanto “importação” feita no período colonial.
Com efeito, o Brasil é um caso clássico de criação colonial – característica que
ele não partilha com nenhum outro Bric – e de lenta constituição de uma economia
diversificada, no quadro de uma construção estatal mais afirmada e bem sucedida. De
fato, o Brasil teve um Estado unificado – e centralizador – antes de ter uma economia
integrada nacionalmente ou positivamente integrada à economia mundial. Esse Estado
não construiu a nação de modo exclusivo, mas representou, mais tarde, um poderoso
elemento indutor na construção de uma economia industrializada e relativamente
moderna para os padrões usuais dos países “periféricos” ou em desenvolvimento.
O país, mais bem o território, foi mantido em sua função colonial de provedor de
produtos primários durante mais de três séculos, condição o que marcou e ainda marca
determinadas estruturas produtivas e a situação social de parte de sua mão-de-obra.
Exportador de cana-de-açúcar durante os seus quinhentos anos de existência, ainda hoje
é possível encontrar, ao lado de estruturas produtivas mais modernas e capitalizadas, os
mesmos padrões que existiam no começo dos tempos: corte de cana no facão, por uma
20
mão-de-obra quase análoga à do período do trabalho servil. Certos traços dessas velhas
estruturas econômicas também podem ser encontrados na Índia – como a concentração
da propriedade fundiária, a miséria de algumas populações rurais, o mandonismo
político associado a essas características econômicas – mas o antigo e o moderno se
confundem tanto regionalmente, quanto socialmente.
Independentemente do peso das tradições e das velhas estruturas no seu sistema
econômico atual, cabe registrar que o Brasil sempre foi uma economia de mercado,
ainda que insuficientemente desenvolvida no conceito capitalista da expressão. Ele
nunca atravessou décadas de socialismo centralizador – e totalitário – como nos casos
das experiências ainda recentes da Rússia e da China, e tampouco exibiu os exageros do
planejamento estatal conhecidos na Índia nos primeiros quarenta anos de sua existência
enquanto Estado independente moderno. Em todos eles, porém, o Estado assumiu um
papel preeminente no processo de desenvolvimento econômico, o que é uma evidência
de primeiro plano na formação das estruturas econômicas e das instituições políticas, o
que explica em grande medida a busca de entendimento recíproco e de convergência
relativa que esses países possam ter, no confronto com as típicas democracias de
mercado que formam o G7 e boa parte das economias avançadas de tradição capitalista.
De fato, o estatismo inerente às mentalidades dos dirigentes respectivos dos Bric
(e agora dos Brics) faz com que, no terreno das políticas econômicas, eles estejam mais
propensos a apoiar soluções estatais para desafios típicos das sociedades modernas –
como o tratamento da educação, da ciência e tecnologia, da inovação, do provimento de
serviços públicos, das comunicações e logística, e de um sem número de atividades que,
nas economias liberais de mercado, são justamente entregues à competição privada – e
defendam tais orientações nos foros globais de coordenação econômica e financeira.
Essa característica é importante de ser retida, pois ela vai influenciar poderosamente a
maior parte das iniciativas diplomáticas tomadas pelos Brics.
Em todo caso, a melhor avaliação quanto ao papel do Brasil no contexto dos
Brics ganha muito se auxiliada visualmente com uma estrutura tipo SWOT (sigla em
inglês para os conceitos de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças), tal como
reproduzida abaixo. Seria possível traçar um SWOT para o conjunto dos Brics, mas a
comparação entre eles aparece como problemática, em virtude das enormes diferenças
que existem entre os quatro (agora cinco) países, tanto em elementos estruturais, quanto
em fatores contingentes, ou de políticas econômicas e de orientações diplomáticas.
21
Quadro 2
Quadro SWOT para o Brasil
Ambiente Fatores Positivos Fatores Negativos
Grande território; diversidade e Exploração predatória dos recursos
abundância de recursos naturais; fontes naturais; baixa capacidade tecnológica
diversificadas de energia (renováveis, de transformação; matriz energética
em grande parte); demografia favorável sendo “poluída” por novos recursos em
Interno (bônus, alta proporção de ativos); fósseis; mercado interno ainda de baixa
regime democrático; expansão da renda; crescimento acelerado do número
economia de mercado; população de velhos; altos custos previdenciários e
receptiva à globalização; talentos de gastos com saúde; sistema político
individuais disponíveis; unidade disfuncional e democracia de baixa
cultural, mesma língua, sem conflitos qualidade; altos níveis de tributação
religiosos; federalismo atuante; regressiva; aumento da delinquência,
estabilidade econômica; riscos sociais dos particularismos culturais, raciais e
moderados; flexibilidade adaptativa da de gênero; gastos públicos elevados;
população e grande tolerância nos baixa produtividade pela má educação;
costumes e modos de vida. burocracia estatal ineficiente.
Enorme capacidade para expandir a Uso extensivo, mais do que intensivo,
oferta de produtos básicos, sobretudo dos recursos naturais; políticas setoriais
alimentares; agricultura capitalizada, (industrial e comercial) incompatíveis
produtividade garantida por P&D e com aumento da oferta externa; má
Externo administração conectada a mercados; infraestrutura de exportação; baixo
lições das crises financeiras e da dívida coeficiente de abertura externa;
externa trouxeram menor dependência e poupança interna insuficiente; oferta
altas reservas internacionais; atração de externa de baixo valor agregado, baixa
IED, pelas oportunidades de mercado; elasticidade; mão-de-obra protegida,
mão-de-obra sendo formalizada; prêmio cara; baixa competitividade externa;
de risco reduzido atualmente, ranking inserção reativa na globalização;
com grau de investimento; diplomacia volatilidade das políticas econômicas
profissional qualificada, convivendo externas, defensivas; política externa
com a atual diplomacia partidária. “anti-hegemônica”, esquerdista.
Elaboração: Paulo Roberto de Almeida, 03/03/2014
23
Tabela 6
Resultados do PISA 2012 para os países do Brics incluídos na avaliação
Posição dos Matemática Leitura Ciências
Países Posição % Piores % dos Mudança Resultado Mudança Resultado Mudança
geral resultados Melhores anual geral anual geral anual
Média OCDE 494 23,1 12,6 -0,3 496 0,3 501 0,5
1. Xangai 613 3,8 55,4 4,2 570 4,6 580 1,8
34. Rússia 482 24,0 7,8 1,1 475 1,1 486 1,0
53. Brasil 391 67,1 0,8 4,1 410 1,2 405 2,3
Fonte: OCDE, Pisa 2012 Results (disponível: http://www.oecd.org/pisa/keyfindings/pisa-2012-results.htm)
Tabela 7
Brics: receitas públicas em % do PIB, 2013
Países Receitas Públicas: % do PIB
Brasil 37,0
Rússia 36,2
África do Sul 27,8
China 22,1
Índia 19,4
Fonte: Economy Watch (http://www.economywatch.com/economic-
statistics/economic-
indicators/General_Government_Revenue_Percentage_GDP/)
25
Quadro 3
Doing Business, 2013, países e indicadores selecionados
Economias Facilidade Iniciando Registrando Proteção do Pagando Comércio
Selecionadas Negócios Empresa Propriedade Investimento Impostos Exterior
Hong Kong 2 5 89 3 4 2
Portugal 31 32 30 52 81 25
Chile 34 22 55 34 38 40
África do Sul 41 64 99 10 24 106
México 53 98 150 68 118 59
Itália 65 90 34 52 138 56
Rússia 92 88 17 115 56 157
China 96 158 48 98 120 74
Brasil 116 123 107 80 159 124
Argentina 126 164 138 98 153 129
Índia 134 179 92 34 158 132
Fonte: World Bank, Doing Business 2013 (disponível: http://www.doingbusiness.org/rankings)
Quadro 4
Índice de Competitividade Global, 2014, países selecionados (entre 148)
Posição geral do Pontuação geral: Requer. básicos Eficiência Inovação
país de 1 a 7 Posição relativa Posição relativa Posição relativa
1 Suíça 5,67 3 5 1
7 Hong Kong 5,47 2 3 19
12 Taiwan 5,29 16 15 9
25 Coreia do Sul 5,01 20 23 20
29 China 4,84 31 31 34å
34 Chile 4,61 30 29 45
49 Itália 4,41 50 48 30
51 Portugal 4,40 41 46 38
53 África do Sul 4,37 95 34 37
56 Brasil 4,33 79 44 46
60 Índia 4,28 96 42 41
64 Rússia 4,25 47 51 99
104 Argentina 3,76 102 97 98
Fonte: World Economic Forum, The Global Competitiveness Report, 2013-2014, p. 16-17.
26
manter sua presença internacional, graças aos avanços tecnológicos, das vantagens
naturais de que goza o Brasil e dos investimentos feitos em inovação (Mota, 2013: 96).
27
Tabela 7
Poupança nos Brics, 2013
Países Taxa de Poupança: % do PIB
China 49,7
Índia 30,2
Rússia 28,8
Brasil 16,2
África do Sul 13,4
Fonte: Economy Watch
(http://www.economywatch.com/economic-statistics/economic-
indicators/Gross_National_Savings_Percentage_of_GDP/ )
28
Figura 6
Índice de preços de todas as commodities, 2000-2014
(excluindo o petróleo)
6. Conclusões: o que busca o Brasil nos Brics?; o que deveria, talvez, buscar?
Esta é uma pergunta que não pode ser respondida com esse sentido unitário, ou
nacional, que está subentendido pelo conceito de país (ou de Estado). Como é o caso de
37
grande parte das, senão de todas as, iniciativas de política externa tomadas no âmbito da
diplomacia brasileira desde 2003, não se pode dizer, exatamente, que elas tenham sido
concebidas por seu staff diplomático, ou que elas correspondam a um determinado
consenso nacional em torno das opções escolhidas, das políticas adotadas, das ações
empreendidas, em âmbito regional, bilateral, pluri ou multilateral. Não; elas são
claramente o resultado de escolhas do partido hegemônico, superficialmente temperadas
por alguns formalismos diplomáticos, mas profundamente impregnadas por conceitos,
objetivos e metodologias diretamente produzidas a partir da Weltanschauung partidária
do PT, expressando, basicamente, suas concepções políticas (em alguns casos, até, suas
práticas semiclandestinas, que se desdobram paralelamente à ação do Estado brasileiro.
Esta é uma constatação que pode ser feita a partir de uma análise do discurso e da
prática da diplomacia brasileira desde 2003, ainda que elas tenham sido elaboradas
basicamente – por vezes até inteiramente – no âmbito institucional das relações
exteriores oficiais, mas elas expressam um profundo sentido partidário, como jamais
ocorreu antes no Brasil.
É sob essa perspectiva que cabe interpretar a participação do Brasil no Brics,
bem como as modalidades adotadas para definir políticas puramente diplomáticas, ou de
natureza econômica, ou ainda com certo sentido social ou cultural, conforme seja o caso
dos temas na agenda. Seria possível conceber o Brasil no Brics sob um outro tipo de
governo? Provavelmente sim, ainda que as escolhas, os discursos e as opções políticas e
diplomáticas pudessem ser outros, parcialmente ou totalmente diferentes das iniciativas
que foram sendo tomadas desde meados da década passada, e que se materializaram no
tipo de participação que o governo do PT vem imprimindo à ação do Brasil no Brics. As
alternativas às políticas efetivamente adotadas no Brics, eventualmente tomadas por um
governo diferente – de inspiração liberal clássica, possivelmente, ou mesmo social-
democrática da vertente reformista capitalista – talvez não fossem tão radicalmente
diferentes quanto as preferidas por um governo declaradamente socialista (como ainda
se pretende o PT), mas uma última reflexão sobre o sentido do Brics, o que ele
representa no mundo, e sobre os países que o integram, pode oferecer uma plataforma
conceitual para algumas reflexões conclusivas sobre o papel do Brasil no Brics.
A primeira constatação a ser feita é que o grupo, ou bloco, ou foro, é tão
desigual, ou “assimétrico”, quanto parece ser o Nafta, o acordo de livre comércio da
América do Norte, com a diferença que o Nafta aspira apenas a ser o que ele é, um
acordo de livre comércio, e não um instrumento para a coordenação de posições no
38
plano internacional. A China – como parece ser o caso dos EUA no Nafta – representa,
de certo modo, “metade” dos Brics para os componentes mais relevantes desse grupo
(economia, finanças, crescimento, investimento, etc.), ainda que Rússia, por um lado, e
Índia e Brasil, por outro, tenham certo peso na conformação dos temas e formato das
agendas dos encontros ministeriais e de cúpula, tanto quanto nos termos das declarações
aprovadas. Esta é uma realidade que se coaduna com a presente fase de nova “guerra
fria econômica”, em substituição à velha Guerra Fria geopolítica que existia na era
bipolar (Almeida, 2011). Pode-se dizer do Brics algo semelhante ao que Nixon havia
dito ao ditador brasileiro, quando de sua visita a Washington em 1972: “Para onde se
inclinar o Brasil, se inclinará a América Latina”. Exagerado, certamente, mas não é
difícil concluir, igualmente, que o Bric dificilmente poderá escapar do que se poderia
chamar de “sobredeterminação chinesa”.
A diplomacia do PT no governo tem procurado fazer do Brics uma grande
alavanca de sua presença internacional, talvez como compensação por algumas
frustrações no plano regional da América do Sul, onde sua liderança nunca foi acolhida
de forma consensual; ao contrário, ela sofreu a oposição velada, mas concreta, da
Argentina, bem como de outros países, mesmo aqueles considerados aliados no terreno
das simpatias ideológicas, como poderia ser o caso da Venezuela ou da Bolívia. Embora
a consulta e coordenação de posições nos Brics tampouco seja isenta de fricções e de
interesses diferenciados, o grupo tem procurado mostrar ao mundo uma frente comum
que busca se apresentar como uma alternativa à velha preeminência econômica e
diplomática do G7 (que talvez volte ao seu formato anterior, em vista dos percalços da
Rússia no G8, como resultado de suas ações no entorno imediato, em especial no caso
da crise política da Ucrânia).
A questão relevante para a diplomacia brasileira, não suficientemente discutida
seja no âmbito profissional do seu corpo de servidores do Itamaraty, seja no plano da
opinião pública responsável (mídia, academia) ou da sociedade, de modo geral, é a de
saber se as iniciativas do governo petista atendem a todos os critérios, constitucionais
inclusive, que deveriam pautar as relações exteriores do Brasil no âmbito multilateral e
no quadro de suas relações bilaterais. Dois componentes importantes dentre o conjunto
de valores e princípios pelos quais o Brasil se deve guiar em suas relações externas –
mas regularmente e consistentemente “esquecidos” ou obscurecidos pelo Brics, em suas
reuniões e declarações – são as dimensões dos direitos humanos e da democracia, temas
que muito marcaram a sociedade brasileira na sua longa trajetória de saída do regime
39
autoritário dos militares (1964-1985) para a igualmente lenta consolidação de sua
democracia política, mas que é ainda muito frágil no respeito aos direitos humanos, ou a
simples direitos elementares dos seus muitos cidadãos de condição social modesta.
Democracia e direitos humanos são moeda corrente nos encontros do G7, como
de resto nos foros euro-atlânticos, de modo geral, mas são bem mais raros, se por acaso
aparecem, nos encontros do Brics. Dos quatro integrantes originais do Bric, os dois ex-
socialistas apresentam características autoritárias, resultado de um legado de séculos de
tradição totalitária, e que ainda não evoluíram para democracias de verdade (e talvez
demorem a fazê-lo). Os outros dois apresentam trajetórias democráticas mais ou menos
consolidadas, ainda que com deficiências de funcionamento e de justiça social, mas
também são as economias de mercados que mais se aproximam dos padrões capitalistas
de organização. O quinto membro, já no quadro do Brics, emergiu há menos de uma
geração de uma longa história de segregação racial e de Apartheid social, que ainda
parecem pesar no seu processo de desenvolvimento e de construção de uma nova
institucionalidade; no plano social, ele parece longe do ideal de uma sociedade
inclusiva, de características multirraciais, como é, por exemplo, o Brasil.
O Brasil, de todos eles, era o que possuía as estruturas capitalistas mais
avançadas, embora a China venha fazendo enormes progressos nessa direção, podendo
ser considerada, atualmente, e sob certos aspectos, mais “capitalista” do que o próprio
Brasil. No plano do seu ordenamento social, o Brasil ostenta a mais moderna dentre as
sociedades do Brics: inclusiva, multirracial, religiosamente diversa e tolerante, e aberta
a todos os influxos externos da globalização capitalista. O Brasil também parece ser a
sociedade mais integrada – nos planos linguístico, cultural, étnico e, talvez, religioso – o
que permite, em princípio, melhores formas de administração política, sem rupturas
institucionais, com condições mais favoráveis para a continuidade de sua modernização.
O grau relativamente avançado de democratização social – a despeito dos enormes
defeitos de sua superestrutura política, excessivamente marcada pela corrupção – pode
tornar mais lento o ritmo de crescimento econômico e os processos de adaptação aos
novos ambientes globais, mas isso também pode contribuir para uma maior coesão em
torno dos objetivos nacionais (Almeida, 2009). Infelizmente, a educação de qualidade
ainda não parece fazer parte desses objetivos nacionais prioritários, e é isso que torna
mais lento o crescimento do Brasil, por representar uma enorme bola de ferro amarrada
aos vetores dos ganhos de produtividade.
40
Pode o Brics, enquanto grupo, enquanto organização que parece tender a maior
grau de formalização, contribuir para o avanço político, econômico, social, espiritual, de
seus membros, individualmente, ou em conjunto? Talvez, mas conviria receber com
algum ceticismo sadio tais pretensões, que não parecem fazer parte da “ideologia” dos
Brics, se algo desse gênero existe como substrato “filosófico” aos objetivos políticos e
diplomáticos desse novo foro de consulta e coordenação relativamente sui generis. Todo
foro de consulta e coordenação política é, por princípio, positivo nas diversas dimensões
sobre as quais ele atua, uma vez que reforça laços de cooperação e diminui, no mesmo
plano de inserção internacional, os pontos de fricção que porventura possam existir
entre eles, ou entre eles, como bloco, e outros membros da comunidade internacional.
Mas cabe reconhecer igualmente que a aproximação entre os Brics, e sua atuação
enquanto grupo, não se deu exatamente em torno de uma grande plataforma comum de
objetivos e valores voluntariamente compartilhados – como podem ter sido, por
exemplo, em suas respectivas esferas, a aliança atlântica e a integração europeia – mas
em razão de ganhos políticos e diplomáticos, de cálculos de oportunidade que foram
feitos pelos dirigentes dos países membros, em função de uma determinada conjuntura
da ordem internacional e de alguns traços estruturais de suas próprias sociedades, de
suas economias e de suas formações políticas. O que une os Brics, portanto?
O que parece unir todos os membros do Brics – ou pelo menos seus dirigentes
atuais – numa mesma plataforma comum de ação são duas características contingentes,
que talvez possam ser alteradas num futuro de médio prazo. No plano interno, eles
parecem partilhar da crença que os poderes do Estado são capazes de corrigir ou, caso
necessário, até a se contrapor a tendências ou ao fluxo “natural” dos comportamentos
dos mercados. Em outros termos, existe uma aposta implícita no sentido de que seus
próprios governos encontram-se em condições de influenciar decisivamente a ação dos
agentes primários dos mercados, o que pode, talvez, ser verdade para suas respectivas
empresas nacionais, mas se torna especialmente problemático no caso de grandes
empresas transnacionais, em especial considerando-se a natureza da interdependência
econômica contemporânea e dos circuitos da integração produtiva e comercial.
No plano externo, eles têm a pretensão de contrapor sua própria interpretação do
que seja a democratização das relações internacionais e o tratamento da agenda mundial
de assuntos correntes de forma diferente, em alguns casos oposta, ao que vem sendo
oferecido pelas tradicionais potências do G7, consideradas, implícita ou explicitamente,
como potências “hegemônicas”. A declaração emitida ao final do primeiro encontro de
41
cúpula (2010) estabelece claramente que os chefes de Estado estão comprometidos com
“o apoio a uma ordem mundial multipolar mais democrática e justa, baseada no
primado do direito internacional, da igualdade, do respeito mútuo, da cooperação, na
ação coordenada e na tomada de decisão coletiva de todos os Estados.” Além disso, eles
“reiteram seu apoio aos esforços políticos e diplomáticos para resolver pacificamente as
controvérsias nas relações internacionais”.
Trata-se, obviamente, de uma declaração tipicamente diplomática, que poderia
ser igualmente subscrita pelos países membros do G7, ou por quaisquer outros grupos
regionais. Observe-se, porém, a não referência a elementos que poderiam aparecer em
declarações do G7, como por exemplo a defesa dos direitos humanos, das liberdades
democráticas, ou de uma economia aberta à interdependência global. Como pode ficar
evidente pelas ações dos governos atualmente responsáveis nos membros do Brics,
nenhum desses países pode ser considerado, na superfície ou nos seus fundamentos
profundos, uma democracia liberal de mercado, e todos eles partilham de uma crença
comum que a economia deve, sim, ser submetida a regras de ordenamento, ou de
regulação, que contenha tendências “naturais” de mercado que são, de uma forma ou de
outra, consideradas “nefastas” do ponto de vista dos objetivos políticos ou sociais que
seus dirigentes pensam dever implementar para salvaguardar seus objetivos enquanto
Estados ativos na definição das políticas nacionais de desenvolvimento que seus líderes
pensam impulsionar internamente.
Este parece ser o “código secreto” dos Brics, não explicitamente revelado em
suas ações e muito menos em suas declarações, mas implicitamente compreendidos nas
iniciativas diplomáticas que eles tomam, conjuntamente ou individualmente. Poderia ser
diferente? Talvez, mas seria preciso supor outros tipos de governança na China e na
Rússia, principalmente, e secundariamente na Índia e no Brasil, subsidiariamente na
África do Sul, para conceber uma ação conjunta dos Brics de forma ligeiramente ou
radicalmente diferente da que vem sendo adotada pelo grupo desde sua emergência
formal enquanto foro de coordenação política e diplomática. No que se refere ao Brasil
atual, sob a hegemonia do Partido dos Trabalhadores e da figura de Lula, a participação
do Brasil no Brics parece corresponder ao que vem sendo feito em outras esferas e
outros contextos, nos planos regional, bilateral ou multilateral. O sentido do Estado
como “corretor” dos desequilíbrios dos mercados, o papel dirigente da vanguarda
esclarecida a organizar a sociedade e guiar os passos dos cidadãos no emaranhado da
burocracia estatal (mas controlada pelo partido), a suposição de que o mundo é
42
composto por interesses conflitantes em face dos quais algumas iniciativas devem ser
tomadas com algum sentido de exclusão – como numa concepção econômica
equivalente ao chamado jogo de “soma zero” – todas essas características cabem no
sentido da ação diplomática tomada pelo governo do PT para sua participação no Brics
e também para diversas outras iniciativas de caráter regional ou plurilateral.
O Brics, na verdade, é uma das poucas iniciativas adotadas, ou “incorporadas”,
pelo governo do PT, não resultando diretamente de seu planejamento político, pelo
menos não diretamente. Mas ele corresponde inteiramente ao que partido teria feito se
lhe fosse dada oportunidade de conceber uma forma de ação diplomática que melhor
expressasse sua concepção do mundo e determinadas iniciativas políticas no âmbito
internacional. Se o Brics não foi feito para o PT, precipuamente, o PT se encaixa muito
bem no espírito político e diplomático do Brics, pelo menos em seu formato político
atual, com a “ideologia” que lhe é implícita nas declarações e ações de seus dirigentes.
Pode ser que o mundo esteja, efetivamente, no limiar de uma nova ordem
internacional, que se pretende multipolar, democrática, respeitadora das soberanias
nacionais, com total autonomia dos Estados sobre suas jurisdições respectivas (e
algumas até mais além). Se este é o caso, a História de fato não terminou, e o mundo
ainda conhecerá novas astúcias da razão a guiar os passos dos dirigentes políticos das
novas potências emergentes. Será o Brasil uma delas? Talvez, mas a História justamente
não terminou...
===============
Referências:
43
_______ (2010). “O Bric e a substituição de hegemonias: um exercício analítico
(perspectiva histórico-diplomática sobre a emergência de um novo cenário
global)”, In: Renato Baumann (org.): O Brasil e os demais BRICs: Comércio e
Política. Brasília: Cepal-Ipea, pp. 131-154 (disponível:
http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/2077BricsHegemoniaBook.pdf).
_______ (2009). “O papel dos Brics na economia mundial”, In: Comércio e
Negociações Internacionais para Jornalistas. Rio de Janeiro: Cebri-Icone-
Embaixada Britânica em Brasília, p. 57-65.
Economy Watch (2014): www.economywatch.com (diversas consultas).
IFC-World Bank (2014). Doing Business, Measuring Business Regulations, Brazil
(disponível: http://www.doingbusiness.org/data/exploreeconomies/brazil/;
consultado em 10/07/2014).
Mazower, Mark (22012). Governing the World: The History of an Idea, 1815 to the
Present. New York: Penguin.
Mota, Ronaldo (2013). “O Brasil, os BRICS e o cenário de inovação” em José Vicente
de Sá Pimentel (org.) O Brasil, os BRICS e a agenda internacional. Brasília:
Fundação Alexandre de Gusmão, p. 85-98.
Ocde (2014). PISA 2012 Results: Creative Problem Solving; Student’s Skills in tackling
real-life problems, vol. V (disponível:
http://www.oecd.org/pisa/keyfindings/PISA-2012-results-volume-V.pdf;
consultado em 10/07/2014).
Schwab, Klaus (ed.) (2014). The Global Competitiveness Report 2013-2014. Genebra:
World Economic Forum (disponível:
http://www3.weforum.org/docs/WEF_GlobalCompetitivenessReport_2013-
14.pdf; consultado em 10/07/2014).
The Social Progress Imperative (2014). Social Progress Index, 2014. Washington
(disponível: http://www.socialprogressimperative.org/; consultado em
10/07/2014).
===========
44