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Articulando

SOBRE O JOVEM
E A ÉPOCA ATUAL

Resumo: O texto apresenta uma reflexão sobre os desafios colocados para o educador e as instituições de ensino
em uma época de grandes mudanças na constituição da sociedade, da família, do mundo atual. A socialização da
criança, baseada em várias mídias, transformou o Homo sapiens em Homo videns. A velocidade do momento implica em
conseqüências na economia psíquica e na formação da identidade do jovem. A perplexidade do jovem o leva a suprir
instantaneamente seus desejos, mesmo que pela adicção. Excesso de informação favorece o esquecimento. Memória
significa filtrar, discriminar, o que implica em conhecimento sólido. O desafio do educador é desenvolver no aluno a
responsabilidade pela sua formação contínua. É atribuição da instituição propiciar condições aos educadores e
educandos para que o processo educativo possa ocorrer. Educar é um processo afetivo.

Palavras-chave: desafios, velocidade, globalização, perplexidade, conhecimento.

Abstract: Reflection on the challenges put forward to the educator and the teaching institutions in a time of
major changes in the constitution of society and family in the current world. The child’s socialization through several
medias transformed homo sapiens into homo videns. The current velocity implies consequences in the youngster’s
psychic economy and identity formation. The youngster’s perplexity leads him/her to fulfill his/her wishes
instantaneously, even though through addiction. Excessive information favors forgetfulness. Memory means filtrating,
discriminating, which implies consistent knowledge. The educator’s challenge is to develop the pupil’s responsibility
for his/her continuous formation. It is an institutional attribute to provide educators and pupils with conditions so
that the educational process may occur. Educating is an affective process.

Key-words: challenges, speed, globalization, perplexity, knowledge.

Uma das grandes preocupações atuais dos educado- a tarefa da formação do educando. A capacidade de
res e das instituições de ensino é encontrar a fórmula simbolização era decorrência do desenvolvimento
que permita entrar em contato com o educando, possi- intelectual baseado na linguagem, na escrita e na pos-
bilitando a interação e efetuando o verdadeiro aprendi- sibilidade que só o ser humano possui de pensar
zado. No entanto, o educando parece, cada vez mais, sobre si mesmo, além de pensar sobre o mundo que
encarnar a Esfinge do Mito de Édipo que constante- o cerca. A leitura contribui muito para sua capaci-
mente propõe enigmas precedidos pela ameaça: Deci- dade reflexiva, e age como incentivo para o imagi-
fra-me ou devoro-te. nário particular de cada um, promovendo uma auto-
Ernest Cassirer, ao definir o ser humano como um reflexão constante.
“animal simbólico”, constrói um paradigma de atuação Para Teixeira (1999:110), “A imaginação é um dos
de todos os que, de alguma forma, se debruçaram sobre modos pelos quais a consciência apreende o mundo e o

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rticulando

elabora”. A imaginação é estimulada com base na imagem, na alego-


ria, no símbolo, signo. Se é com esse material que opera a imaginação,
podemos perceber que essa capacidade está sendo paulatinamente
minada. O jovem, a imaginação e seu imaginário passam por uma
modificação em sua capacidade de apreender o mundo. Segundo de-
finição de Sartrori (1997), a palavra foi sendo destronada pela ima-
gem. Não é mais o Homo sapiens, mas o Homo videns.
Criado pela televisão, antes mesmo de saber ler e escrever, sua
capacidade imaginativa vai sendo, paulatinamente, atrofiada. As ima-
gens já vêm prontas, investidas de verdade e revestidas de autoridade.
São aceitas sem questionamento. Traz como conseqüência o
embotamento da capacidade crítica. Há uma aceitação passiva do visí-
vel em detrimento do inteligível.
Essa passividade diante das imagens produz, como conseqüência,
a incapacidade de pensar, dado que o pensamento humano se pro-
duz por meio da linguagem, e a linguagem, por sua vez, enriquece-
se pela leitura. A imagem não tem capacidade de materializar inú-
meros conceitos abstratos que, por não encontrarem correspondente
empírico, vão, paulatinamente, entrando em desuso.
Sartrori (1997:16) destaca que “A televisão — como diz o próprio
Profa Maria Thereza Verardo
nome — consiste em ‘ver de longe’ (tele) (...), o telespectador passa a
ser mais um animal vidente do que um animal simbólico. Este fato
constitui realmente uma virada radical de direção, pois enquanto a
capacidade simbólica distancia o Homo sapiens do animal, o predomí-
nio da visão o aproxima de novo às suas capacidades ancestrais, isto é,
ao gênero do qual o Homo sapiens é a espécie.”
Mas há um outro fator que é preciso levar em consideração: “O Bacharel em Filosofia – USP,
cenário dessas imagens não é estável, embora apresente tendências Mestre em Educação – UNICAMP.
determinadas. (...) As imagens modificam-se, sobrepõem-se, anulam-
se, transformam-se. Acima de tudo, elas se reproduzem. Esta é a era tverardo@uol.com.br
da imagem, e da imagem visual de modo particular, que destronou
outras como a táctil e a sonora (...)” (TEIXEIRA, 1999: 112)
Segundo o autor, o que ocorre hoje é que a eliminação das ima-
gens se faz por excesso, por acumulação. A inflação de imagens leva a
uma dessimbolização da imagem: sua conseqüência é o adoecer da passa menos tempo diante da TV e
cultura. “Uma cultura cai doente quando o pensamento perde seu mais tempo diante dessas outras
poder de analogia, quando não consegue mais passar do campo do mídias, ou seja, saturado de informa-
que é e deve ser para o campo do pode ser, do que pode ter sido, ou ção, numa velocidade alucinante. Com-
poderá ser. A cultura adoece quando os símbolos se desfazem, se preender o jovem é perceber que ele
desimpregnam de sentido.” (TEIXEIRA, 1999:113) vive a interconexão das linguagens ver-
Ora, a TV representa apenas uma mídia entre outras — fotogra- bais, visuais e virtuais com ênfase nas
fia, cinema, jornais, pinturas, holografia, computador, Internet, vídeo duas últimas.
games, mensagens visuais do espaço público, hipertexto, etc., contri- Há ainda mais um aspecto típico de
buem, igualmente, para a introjeção do ser-estar no mundo. A nossa época que precisa de uma refle-
multimídia conectada globalmente em tempo real e na velocidade do xão aprofundada: a velocidade. Paul
mundo moderno produz novos tipos de linguagens, de saberes e no- Virilio já havia alertado em 1983 que vi-
vas sensibilidades. Pesquisas já demonstraram que o jovem de hoje vemos em um mundo como se estivés-

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semos em um trem, a vida passa rapidamente como a não são as pessoas inteligentes e cultas, mas as pessoas
paisagem passa pela janela do trem (pela janela do carro, bonitas e bem-sucedidas.
pela tela). O que foi possível ver ficará apreendido, mas A TV, constata Sartrori (2001), assume a impor-
e o que será do que não foi possível ver? A velocidade tância de Paidéia e não somente de um instrumento de
implica que não temos mais tempo para a reflexão. Vi- comunicação.
vemos no império da dromocracia, palavra de origem Se, até aqui, utilizamos uma série de argumentos
grega que significa corrida. É imperioso compreender a contrários a TV, há quem apresente vários argumentos
velocidade. Compreender o efeito da velocidade no es- favoráveis, e compactuamos com eles, mas nosso ob-
paço-tempo das sociedades e sua destruição provocada jetivo não é analisar a televisão, mas, sim, sua impor-
pela imediação saturante. As pessoas não são mais cida- tância, e dos outros tipos de mídia, na construção do
dãs, são passageiros em trânsito. universo mental do jovem atual. Ao mesmo tempo,
Claro que a tecnologia se insere e ajuda a promover temos consciência de que a televisão atua como um
esse momento de absoluta velocidade. A TV, principal- espelho da sociedade, isto é, tanto reflete a cultura, os
mente, ressignifica o tempo por meio de sua linguagem valores, as necessidade sociais quanto refrata, devol-
visual monossilábica, que parte do pressuposto que o vendo imagens já impregnadas por suas necessidades
telespectador não tem tempo para grandes elaborações, econômicas e posições políticas.
portanto, tudo o que tiver que ser dito deve ser dito em
30 segundos. Pressuposto que contribui para ir minan-
do a capacidade reflexiva humana.
A Sociedade
Mas não só. O processo de constituição da subjeti- É necessário, também, contextualizar o macrocosmos
vidade, da identidade, sofre profunda alteração no em que vivemos. Este é um mundo em constantes guer-
processo de velocidade de nossa época, uma vez que ras, de crise da economia nacional e internacional, de
essa construção exige tempo, e a cultura atual exige desemprego generalizado, de globalização, de morte.
instantaneidade. Como é possível processar subjetiva- Segundo Eric Hobsbawn (1995), “estamos vivendo um
mente experiências emocionais, identificações sociais, fim de século no qual o número de homens mortos ou
fruições culturais, antes vivenciadas a longo prazo e abandonados à morte por decisão humana foi o maior
que devem ser elaboradas lentamente, e que agora tem de toda a história da humanidade. Uma estimativa das
que se processar rapidamente e num processo de megamortes mostra-nos a cifra exorbitante de 187 mi-
palíndromo? lhões, ou seja, o equivalente a um entre dez da popula-
Além disso, a mídia, nas suas várias formas, contri- ção mundial em 1900. Por isso mesmo, o nosso século
bui também para proporcionar uma nova desigualdade recebe a avaliação de século mais assassino que a Histó-
social porque põe em crise a representação que cada um ria registra, as maiores fomes da História e o genocídio
tem de si mesmo. Como a imagem possui mais programado”.
credibilidade do que a palavra, basta “ver para crer”, e Ou, ainda, segundo Giddens (2003:28), que analisa a
como a mídia impõe modelos de comportamento e de globalização não como um processo econômico sim-
beleza, o não pertencimento a esses modelos é percebi- plesmente, como a maioria das pessoas, mas como res-
do como um fracasso pessoal. A pessoa, especialmente ponsável pela instituição de uma sociedade cosmopolita
o jovem, sente-se como descartado socialmente. Isto global, algo que nunca aconteceu antes. “Somos a pri-
provoca um sofrimento profundo. Especialmente no meira geração a viver nessa sociedade, cujos contornos
Brasil, país em que a beleza é mais valorizada do que até agora só podemos perceber indistintamente. Ela está
qualquer outro atributo, e que considera a pobreza um sacudindo nosso modo de vida atual, não importa o que
fator depreciativo. Não há mérito em ser inteligente. Não sejamos. Não se trata — pelo menos no momento —
é valorizada a capacidade pessoal, mas os atributos físi- de uma ordem global conduzida por uma vontade hu-
cos e a capacidade de subir na vida e/ou conseguir seus mana coletiva. Ao contrário, ela está emergindo de uma
15 minutos de fama. Até bem pouco tempo atrás, a exi- maneira anárquica, fortuita, trazida por uma mistura de
gência de belos corpos era somente para as mulheres, influências. Ela não é firme nem segura, mas repleta de
hoje é uma exigência geral. O jovem não encontra sen- ansiedade, bem como marcada por profundas divisões”.
tido na instrução porque o destaque nessa área denun- É importante ressaltar, também, que as guerras reli-
cia seu fracasso em outras áreas. Os modelos da mídia giosas imprimem um novo paradigma. O lugar seguro

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do sagrado está sendo continuamente dessacralizado, promotoras da democracia e do desenvolvimento eco-
provocando uma sensação de instabilidade ainda maior. nômico nos países mais pobres? Ora, precisamente a
A segurança tornou-se insegura. igualdade e a educação das mulheres. E o que precisa
Passaremos agora para outra constatação importan- ser mudado para que isso se torne possível? Acima de
te que é a mudança da configuração familiar, responsá- tudo, a família tradicional”.
vel, em conjunto com a mídia, por um fenômeno cultu- Talvez seja hora de inventarmos novas formas de
ral interessante no mundo moderno que é a instauração organizações familiares.
do individualismo como característica do jovem atual.
A família perdeu sua estabilidade e sua formação crista-
lizada. Há uma maleabilidade em sua composição. A
O Jovem
criança pode conviver com vários “pais”, uma vez que Provavelmente, uma das conseqüências de todas es-
os casamentos não são mais tão duradouros como anti- sas mudanças seja que a adolescência se inicia cada vez
gamente. Muitas famílias são compostas de um único mais cedo, a independência dos pais acontece cada vez
genitor. As mudanças ocorridas a partir da década de mais tardiamente; mesmo quando o jovem já é indepen-
1960 embaralham os papéis feminino e masculino. A dente economicamente, continua morando com os pais,
figura paterna estava investida da normatização, da lei usufruindo as benesses dessa situação.
doméstica. Hoje esse papel está dividido entre os dois A companhia mais freqüente da criança e do adoles-
genitores, acrescentando-se que a figura paterna sente- cente é a TV e o computador, atividades exercidas, na
se humilhada, ou pelo menos perdida, nessa nova confi- grande maioria das vezes, de forma solitária. Esses jo-
guração. A mãe, ao assumir o papel de provedora e tam- vens aproveitam para fazer várias coisas ao mesmo tem-
bém de normatizadora, encarna características até en- po. Assistem a TV e ouvem música enquanto fazem os
tão masculinas. Um número considerável de lares tem, deveres de casa.
hoje, a mulher como chefe de família. O pai e a mãe Esta prática é levada para a Universidade provocan-
têm um trabalho produtivo fora do lar. As crianças do um novo comportamento do jovem estudante que
vão para a escola mais cedo e, no restante do tempo, não consegue mais distinguir entre o espaço público e o
convivem com babás, avós, empregadas ou fazendo espaço privado. Esta incapacidade de distinção é facil-
cursos livres. mente percebida na sala de aula, onde os alunos se sen-
Giddens (2003:67) indicia uma interessante análise tam como se estivessem diante da TV em sua sala. Re-
sobre as modificações sofridas pela família: “Só uma costam-se confortavelmente nas cadeiras e apoiam os
minoria vive hoje no que poderia ser chamado de a fa- pés sobre as carteiras da frente. Aproveitam o tempo
mília-padrão da década de 1950 — ambos os pais mo- de aula para fazerem algumas tarefas como tricô, depi-
rando juntos com os filhos nascidos de seu casamento, lar as sobrancelhas, lixar as unhas, ler o jornal ou revis-
sendo a mãe uma dona de casa em tempo integral e o tas, ouvir o walkmen e conversar sobre vários assuntos
pai assegurando o sustento. Em alguns países, mais de que não necessariamente tem relação com a aula. Quan-
um terço de todos os nascimentos ocorre fora do ma- do questionados sobre esse comportamento, retrucam
trimônio enquanto a proporção de pessoas que vivem que fazer isso não os impede de ouvir o que o profes-
sozinhas se elevou verticalmente e parece tender a cres- sor está falando.
cer ainda mais. Na maioria das sociedades, como os O individualismo passou a ser “um estilo de vida”.
Estados Unidos ou a Grã-Bretanha, o casamento conti- Cada pessoa é única, deve ter liberdade total e direito de
nua muito prestigiado — elas foram apropriadamente construir sua vida e expressar suas opiniões pessoais sem
chamadas de sociedades de intenso divórcio, intenso levar absolutamente em consideração o que já foi refle-
casamento (...)”. tido a respeito, mesmo que por especialistas.
Mas é preciso deixar claro que constatar as modifi- As pessoas devem ser livres, com direito a expressar
cações que vêm sofrendo a estrutura familiar tradicio- o que sentem e de construir seu estilo de vida pessoal,
nal não significa lamentar que esse tipo de família esteja se essa crença entrar em choque com a sociedade (macro
desaparecendo. Giddens (2003:74) afirma que “A per- ou micro) o problema sempre está na sociedade.
sistência da família tradicional — ou de aspectos dela No entanto, essa autonomia subjetiva não é acom-
— em muitas partes do mundo é mais inquietante que panhada pela autonomia afetiva. Há um conflito. O jo-
seu declínio. Pois quais são as mais importantes forças vem reivindica o direito de ser seu próprio amo, seu

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próprio guia, de produzir por si mesmo seus valores, tra essa imposição eclodiu nos diferentes tipos de fana-
seu norte, seus objetivos. A conseqüência é tornar-se tismos, terrorismos e revoltas violentas dos jovens dos
responsável por si mesmo, encontrar, por si mesmo, a subúrbios. Vivemos um período de relativização dos
razão de sua existência. Instaura-se o vazio e a angústia. valores, de inclusão do mal. “Silenciosa ou ruidosa, a
Não pode mais culpabilizar valores externos. Não en- revolta germina”.
contra solidez em si mesmo. Toda essa urgência revela a tentativa de construção
Outra característica desse jovem é o hedonismo, ana- da identidade. Para tentar entender esse processo, va-
lisa Maffesoli (2004). O prazer é o constituinte principal mos, mais uma vez, fazer uso do mito, apropriando-me
desse novo estilo de vida, indicando que Dioníso é o de uma análise que elaborei para outro contexto e que
mito da modernidade. se revela apropriado para nosso objeto atual. Em uma
Dioníso traduziria a necessidade de liberdade, do fim das possíveis interpretações do mito de Narciso, este
das proibições e dos tabus. Segundo Chevalier e semideus célebre por sua beleza e insensível ao amor
Cheerbrant (1992: 341): “Dioníso simbolizaria as forças morre afogado em sua imagem por não conseguir cons-
de dissolução da personalidade: a regressão para as for- tr uir sua identidade, uma vez que lhe falta a
mas caóticas e primordiais da vida, que provocam as heteroimagem, já que ele não tem o olhar do outro,
orgias; uma submersão da consciência no magma do mas somente seu próprio olhar refletido nas águas do
inconsciente. Sua aparição nos sonhos indica uma lago; e não tem a voz do outro e, sim, sua própria voz
violentíssima tensão psíquica, a aproximação do ponto repetida na voz de Eco. Por não conseguir construir
de ruptura. Percebe-se a ambivalência do símbolo: a li- sua identidade, Narciso não pode viver, afinal ele não
bertação dionisíaca pode ser espiritualizante ou é, não tem significação.
materializante, fator evolutivo ou involutivo da perso- Ao perceber-se não significando nada, o ser huma-
nalidade. Simboliza em profundidade a energia vital ten- no persegue desesperadamente a possibilidade de ser
dendo a emergir de toda a sujeição e de todo limite.” algo. Rollo May (1972) aponta a necessidade que as pes-
O aspecto dionisíaco traduz-se pela necessidade de soas têm de se sentirem importantes em algum setor de
festas, baladas, prazeres, organização em tribos urbanas sua vida, de sentirem que significam algo. Essa signifi-
unidas pela violência, rachas, shows de rock, raves, festas. cação é que confere ao ser humano a sensação de estar
Há um erotismo crescente manifesto pelo gozo imedia- vivo e de ter alguma importância, a qual, por menor que
to e uma selvageria latente. Para a obtenção do prazer, seja, é suficiente para dar significado à existência. O au-
vale qualquer coisa: bebidas, drogas, contestação gratui- tor afirma que:
ta, indisciplina a qualquer norma. O momento é dos
“(...) em nossa sociedade, os atos de violência são
excessos, do desregramento, da efervescência. O que
executados em grande parte por aqueles que ten-
antes era valorizado, o projeto de vida, o emprego, o
tam estabelecer seu amor próprio, defender sua
estudo, a construção da carreira, a participação na His-
imagem pessoal e demonstrar que também são
tória, não tem mais valor.
indivíduos significativos. Independentemente de
Segundo Maffesoli (2004:15): “Em primeiro lugar,
quão malconduzidas ou erroneamente usadas se-
não se trata mais de uma cultura baseada na oposição
jam essas motivações; ou de quão destrutiva seja
entre bem e mal, mas, sim, de um policulturalismo ou
sua expressão, não deixam de ser a manifestação
um politeísmo de valores, ou seja, de um real plural. (...)
de necessidades interpessoais positivas. Não po-
Ora, a reafirmação da pessoa plural num mundo
demos ignorar o fato de que essas necessidades,
policultural tende a integrar o mal como um elemento
por mais difícil que possa ser sua reorientação, são
entre outros. A era do bem como valor absoluto vis-
em si mesmo potencialmente construtivas. A vio-
lumbra seu final”.
lência não é gerada pela superfluidade do poder,
Até bem recentemente, o paradigma era a oposição mas pela sua impotência”. (MAY, 1972: 23)
entre bem x mal. Para Maffesoli, o grande problema
dessa dicotomia foi a emergência dos “donos da verda- Em outras palavras, o grande problema é quando se
de” que decretavam o que a sociedade ou o indivíduo chega à conclusão de que não se significa nada. A enor-
deveriam ser, instituindo valores, muita vezes moralis- me sensação de impotência que isso acarreta gera a ne-
tas, do que deve ser vivido ou pensado e que provoca- cessidade de potência. Talvez a única forma de existir, a
ram colonialismos e etnocídios culturais. A rebelião con- única forma de se sentir potente é por meio do uso da

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violência. E o resultado é a banalização crescente da de atención constante y una reducción del tiempo
violência que temos percebido como uma marca de disponible para la afectividad. Estas dos tendencias
nossa sociedade. inseparables afectan el psiquismo individual.
Há, ainda, outra conseqüência dessa impossibilida- Depresión, pánico, angustia, sensación de soledad,
de de significação e do sentimento de impotência no miseria existencial. Pero estos síntomas
jovem: a adicção. No adicto, observa-se uma negação individuales no pueden aislarse indefinidamente,
da realidade e uma construção de novas realidades com como ha hecho hasta ahora la psicopatología y
promessas de felicidade. É uma estratégia de sobrevi- quiere el poder económico. No se puede decir:
vência, como defesa contra a perda de sentido do estar estás agotado, cógete unas vacaciones... No se
no mundo. É a felicidade imediata, a instantaneidade do puede, por la sencilla razón de que no se trata de
prazer. E, aqui, felicidade é sinônimo de euforia. O gran- una pequeña minoría de locos de un número mar-
de problema é tornar duradoura essa felicidade. Como ginal de deprimidos. Se trata de una masa creciente
suprimir a angústia e a dor inevitável nos intervalos? É de miseria existencial que tiende a estallar cada vez
aí que a droga se torna compulsiva. Perde-se o domínio. más en el centro del sistema social...”
A sedação da dor só é conseguida por novas e mais
freqüentes doses. E boa parcela dessa massa está em nossas salas
de aulas...
Berardi (2003: 24) analisa de forma bastante
elucidativa a utilização das drogas:

“Cuando a finales de los setenta se impuso una


O Professor
aceleración de los ritmos productivos y comuni- Nosso momento é um momento complexo. A com-
cativos en las metrópolis occidentales, hizo preensão dessa complexidade é condição sine qua non
aparición una gigantesca epidemia de para uma atuação eficiente. Vivemos um momento de
toxicomanía. El mundo estaba saliendo de su dissolução dos sistemas referenciais que forneciam
época humana para entrar en la época de la parâmetros para a atuação. O professor vive um senti-
aceleración da máquinas pos-humana. Muchos mento de desajuste.
organismos humanos sensibles empezaron a usar Colabora para esse sentimento de desajuste o fato
cocaína, sustancia que permite acelerar el ritmo de que, nas atuais condições de trabalho da lógica capi-
existencial hasta transformarlos en máquina. talista, os projetos têm curta duração, o que impede o
Muchos otros organismos humanos sensibles aprofundamento das experiências e das relações. As ha-
empezaron a inyectarse heroína, sustancia que
bilidades e iniciativas estão sendo constantemente re-
desactiva la relación con la velocidad del ambi-
novadas. As estratégias são permanentemente
ente circundante. La epidemia de polvos de los
redefinidas. As equipes dissolvem-se para dar lugar a
años setenta y ochenta produjo una desvastación
novos projetos. Não há tempo para consolidar experi-
existencial e cultural que aún no hemos avaluado.
ências e avaliar resultados. Qualquer experiência deve
A continuación, las drogas ilegales fueron
ser compatível com a instantaneidade. Uma das con-
sustituidas por las sustancias legales que la industria
seqüências é a alteração da vivência da noção de pro-
famacéutica pone a disposición de sus victímas, y
se inició la época de los antidepressivos de los cesso e de história.
euforizantes y de los reguladores del humor”. O professor é pressionado pela instituição empre-
gadora para despertar o interesse dos alunos, afinal, se
Impressiona verificar como tudo está interconectado. o aluno não se interessa pela aula é porque ele não sou-
Mas o autor continua: be seduzi-lo. Se ducere, do latim: afastar, desviar. Mas
“Hoy la enfermedad mental se muestra cada vez como desviá-lo de um ser/estar no mundo que não
con mayor claridad como uma epidemia social o, encontra nenhuma ressonância com o modo de vida
más exactamente, sociocomunicativa. Si quieres so- construído pelo professor em sua longa trajetória pes-
brevir debes ser competitivo, y si quieres ser com- soal e profissional? Como conciliar um estilo de vida
petitivo tienes que estar conectado, tienes que balizado na obtenção do prazer e que, ao mesmo tem-
recibir y elaborar continuamente una inmensa y po, consiga abarcar um aprendizado que se mostre efi-
creciente valumen de datos. Esto provoca un estrés ciente em sua vida profissional futura?

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É o grande desafio deste profissional: desvestir-se ções históricas. Deve abarcar as carências e as necessi-
de suas teorias para apreender o jovem em sua essência. dade dos dois atores. Torna-se imperioso, portanto, o
Compreender que decifrar o enigma significa transfor- respaldo da instituição educacional nessa compreensão.
mar as experiências vividas, dos dois atores, em cons- Talvez por motivos semelhantes é que tantos pro-
trução de si mesmo, isto significa, em fabricação de su- fissionais têm insistido na formação integral do aluno,
jeitos. Mas, segundo Tourraine (1997), a reconstrução de sua visão generalizada sobre o momento e contexto
da vida profissional e coletiva, sobre a base da idéia de de sua profissão para que ele possa atuar sobre a especi-
sujeito, necessita “proteções institucionais”, ou seja, as alidade da sua formação.
instituições, sobretudo a escola, aparecem como luga- Nesse sentido, quanto mais a Universidade se preo-
res-chave para o desenvolvimento de estratégias políti- cupar com a formação integral do aluno melhor profis-
cas a serviço da construção de sujeitos. sional ele tenderá a se tornar, maior será sua exigência
“Em síntese, o papel da educação e do conheci- pelos empregadores.
mento na formação do cidadão implica incorpo-
rar nos processos educativos uma maior orienta- A Universidade
ção sobre a personalização do processo de apren-
Ao incorporar as novas tecnologias — Internet,
dizagem, sobre a construção da capacidade de
vídeos, software, cursos a distância, teleconferências —
construir aprendizagens, de construir valores, de
que se aproximam da linguagem do jovem, a Universi-
construir a própria identidade. Neste sentido, a
dade não pode perder de vista seu papel como um lugar
maior incerteza que gera esta sociedade de alta de obtenção e produção do saber, de instrumento de
reflexidade se resolve — em termos relativos, cla- socialização e de construção de identidade. Ao mesmo
ro — com mais reflexão e não com menos refle- tempo, deve desenvolver o sentido de pertencimento
xão.” (TEDESCO, 2000: 55) à comunidade acadêmica e a coletividade. Ou seja, a
escola não pode se colocar à margem da sociedade e
Segundo Maffesoli (2004), para compreender os
ser indiferente às suas necessidades. Ela não é um fim
fenômenos sociais em ação é necessário mudar de
em si mesmo.
perspectiva: não mais criticar, explicar, mas compre-
ender, admitir, isto é, é preciso apresentar “As instituições, particularmente a escola, apare-
fenomenologicamente o que acontece. Captar a in- cem como lugares-chave para o desenvolvimento
de estratégias e políticas a serviço da construção
teireza do fenômeno. E isso só é possível por meio
de sujeitos.” (TEDESCO, 2000: 55)
das matérias que permitam desenvolver a reflexão dos
alunos e dos professores. Conectada com o macrocosmo, a função da Univer-
Ao mesmo tempo, a sala de aula é onde colidem sidade é, exatamente, a de refletir sobre as mudanças que
interesses diferenciados, origens diversas, mescla de vi- estão ocorrendo no momento histórico vivenciado pelo
das social e cultural muitas vezes antagônicas. O pro- jovem. Momento complexo de excessos. Excesso de ve-
locidade e de informação. Em uma sociedade da infor-
fessor precisa saber interpretar as diferenças, estabele-
mação, torna-se imprescindível saber diferenciar infor-
cer limites, fazer escolhas, captar as sutilezas.
mação de conhecimento. Nossa sociedade é inundada de
Retomando, captar a inteireza do fenômeno edu-
informação por todas as mídias, mas, principalmente, pela
cando e do fenômeno momento histórico é o que pode
Internet. O problema que se coloca é que toda informa-
propiciar uma nova postura em sala de aula, uma trans- ção é tida como verdadeira, sem questionamento.
formação educativa que possa incluir a dimensão afetiva Outra conseqüência do excesso é abordada por
da aprendizagem. Umberto Eco (1999: 190-191) que prenuncia que o ex-
No entanto, o afeto não pode ser compulsório. Deve cesso de informação favorece o esquecimento: “Em face
brotar da compreensão do educador e do educando da Web, você não dispõe nem de regra para selecionar a
como seres humanos produtos de determinadas condi- informação nem de regra para esquecer o que não merece

50 VERARDO, Maria Thereza. Sobre o jovem e a época atual. Momento do Professor: revista de educação continuada, São Paulo, ano 2, n. 1, p. 44-51, verão de 2005.
ser conservado. Só dispõe de critérios de seleção se está
intelectualmente preparado para enfrentar a prova para
Bibliografia
surfar na Web. Eu me explico. No verão passado, eu esta-
va no campo sem minha biblioteca e precisava de infor-
mações sobre Immanuel Kant. Ativei a Web e encontrei
uma quantidade incrível de informações. Como tenho
uma boa cultura filosófica, fui capaz de eliminar (o que
não interessava) e pude selecionar (o que interessava).
Mas eu sou um especialista, tenho atrás de mim uma vida
de estudo. E para os outros...”.
Para o autor, a função da memória não é somente
reter, mas também filtrar. A incapacidade de filtrar é a
impossibilidade de discriminar. Ou seja, para discrimi-
nar, é preciso ter uma bagagem sólida de conhecimen-
to; e o grande desafio é adquirir capacidade de selecio-
nar, organizar e distinguir a informação útil, confiável e
com potencial de produzir novos conhecimentos.
A aquisição dessa habilidade implica na existência
de um conhecimento consistente que capacitará a pes-
BERARDI, Franco. La fábrica de la infelicidad: nuevas formas de
soa para efetuar uma ponderação cada vez mais repeti-
trabajo y movimiento global. Madrid: Traficantes de Sueños, 2003.
da, a de que, hoje em dia, o processo de educação é
perene; isto é, na atual configuração social, o processo CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbo-
de educação deve realizar-se durante toda a vida, e essa los. 6. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1992.
se tornou uma atividade infindável e irreversível.
ECO, Umberto e outros. Entrevistas sobre o fim dos tempos. Rio de
Em decorrência dessa necessidade, impõe-se uma Janeiro: Rocco, 1999.
nova forma de ensino. O professor não pode mais ape-
nas transmitir o conteúdo de sua matéria, mas deve en- GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole: o que a globalização
está fazendo de nós. Rio de Janeiro: Record, 2003.
sinar o aluno a aprender. É o que se repete muito atual-
mente, tem-se que aprender a aprender. Esta se tornou MAFFESOLI, Michel. A parte do diabo. Rio de Janeiro: Record,
a nova palavra de ordem do sistema educacional desde 2004.
que a Comissão Internacional de Educação para o sé-
MAY, Rollo. Poder e inocência: uma análise das fontes de violência.
culo XXI, presidida por Jacques Delors (UNESCO
Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
1996), definiu como um dos objetivos centrais para a
educação do futuro o “aprender a aprender”. Outra ur- ROBSBAWN, Eric J. Era dos extremos. São Paulo: Cia das Letras,
gência é a de reinventar novas formas de relacionamen- 1995.
to, ou o que Giddens (2003) chama, referindo-se às re-
SARTRORI, Giovanni. Homo videns: televisão e pós-pensamento.
lações familiares, mas que podemos transportar para a São Paulo: EDUSC, 2001.
relação professor–aluno, de “democracia das emoções”,
que significaria o respeito aos direitos e deveres e às TEDESCO, Juan Carlos. Educar em la Sociedad del Conocimiento.
diferenças e especificidades. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2000.
A implicação dessa nova ordem é a urgência em de- TEIXEIRA, Coelho e outros. Rede imaginária. São Paulo: Cia. das
senvolver no aluno a responsabilidade sobre seu apren- Letras/Secretaria Municipal de Cultura, 1999.
dizado, o domínio das técnicas necessárias para saber
TOURAINE, Alan. Podremos vivir juntos?: iguales y diferentes.
lidar com o conhecimento, extraindo de seu campo de
Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1997.
interesse o que existe de significativo para sua prática
profissional. Fundamental para essa nova postura é cul- VERARDO, Maria Tereza; REIS, Marcia S. Farah; VIEIRA,
tivar a curiosidade, o raciocínio crítico e a criatividade. Rosângela Mendes. Meninas do porto. São Paulo: O Nome da Rosa,
O educando só se tornará apto e responsável por sua 1999.
formação contínua se essas características nele forem VIRILIO, Paul; LOTRINGER, Sylvere. Guerra pura. São Paulo:
desenvolvidas. Brasiliense, 1984.

VERARDO, Maria Thereza. Sobre o jovem e a época atual. Momento do Professor: revista de educação continuada, São Paulo, ano 2, n. 1, p. 44-51, verão de 2005.
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