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PSICOLOGIA ARGUMENTO ARTIGO

doi: 10.7213/psicol.argum.31.075.AO01 ISSN 0103-7013


Psicol. Argum., Curitiba, v. 31, n. 75, p. 637-643, out./dez. 2013

[T]

A subjetividade e a objetividade em Michel Foucault


e Karl Marx: Algumas considerações
[I]
The subjectivity and objectivity in Michel Foucault and Karl Marx: Some considerations

[A]
CDouglas Rossi Ramos , Hélio Rebello Cardoso Júnior[b]
[a]

[R]

Resumo
[a]
Mestrando em Psicologia pela A questão a respeito da relação entre sujeito e objeto tem sido debatida e explorada nas mais
Universidade Estadual Paulista
diversas tendências teórico-metodológicas, apresentando ressonâncias e discordâncias refe-
(Unesp), Assis, SP - Brasil, e-mail:
dogretes@yahoo.com.br rentes às possibilidades de desenvolvimento de uma ciência ou de um sistema filosófico que
permitam a construção de um conhecimento sobre o mundo. Dentre tais tendências, as de dois
[b]
Doutor em Filosofia pela
autores, em específico, se diferenciam, respectivamente, em sua complexidade taxionômica e
Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp), professor ontológica: Michel Foucault e Karl Marx. O objetivo deste texto é discutir aspectos da díade
livre-docente de Filosofia da objetividade/subjetividade nos trabalhos desses dois pensadores, apontando algumas corre-
Universidade Estadual Paulista
lações entre elas. Para tanto, foi realizada uma discussão a respeito da concepção de conheci-
(Unesp), Assis, SP - Brasil, e-mail:
herebell@hotmail.com mento adotada pelo filósofo francês Michel Foucault e da dificuldade encontrada por seus es-
tudiosos e pensadores em classificar sua obra dentro de alguma tendência ou sistema teórico
moderno, além de se discutir a respeito da diferença marcada pelo arcabouço teórico de Marx
Recebido: 14/10/2011
Received: 10/14/2011 em relação a outros programas de pesquisa em ciências humanas modernas por não apre-
sentar o indivíduo como entidade ontológica fundamental. A obra de Foucault traz algumas
Aprovado: 17/04/2012
contribuições que, de certa maneira, influenciaram correntes neomarxistas em seu trabalho
Approved: 04/17/2012
de reconstituição teórica e de resgate do marxismo. [#]
[P]

Palavras-chave: Michel Foucault. Karl Marx. Conhecimento. Subjetividade. Objetividade.[#]

[A]
Abstract
The question of the relationship between subject and object has been discussed and explored in
several theoretical and methodological systems, showing resonances and disagreements about
the possibilities of developing a science or a philosophical system to allow the construction of
the knowledge about the world. Among these, the systems of two authors in particular are differ-
ent, respectively, regarding the complexity and ontological taxonomic: Michel Foucault and Karl
Marx. This work aims to discuss the objectivity and subjectivity in the work of these two thinkers,
indicating some possible correlations. The discussions were about the concept of knowledge in
Michel Foucault, difficulties experienced by its researchers to classify their work within a classical
theoretical system and the difference of Marxist theory in relation to other research programs for

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not presenting the individual as the fundamental ontological entity. Foucault's work influenced
the process of restoration and redemption of Marxism by Marxists groups #]
[K]

Keywords: Michel Foucault. Karl Marx. Knowledge. Subjectivity. Objectivity.#]

Introdução complexidade de sua obra, composta por posições


e elementos estratégicos, dificulta sua classificação
A relação entre sujeito e objeto segue como um de- dentro das tradicionais tendências teórico-metodo-
safio à superação ou compreensão dos indivíduos em lógicas. Dreyfus e Rabinow (1995) em Michel Fou-
sua existência no mundo. Esse problema, pertinente cault: uma trajetória filosófica: para além do estru-
não só ao pensamento filosófico, mas também a toda turalismo e da hermenêutica; Rouanet (1987) em As
racionalidade científica, vem a ser explicado e com- razões do iluminismo; e Merquior (1985) em Michel
preendido a partir das mais diversas abordagens teó- Foucault ou o niilismo de cátedra trazem uma dis-
ricas, tais como o idealismo platônico na Grécia Antiga, cussão a respeito dessa dificuldade encontrada en-
o idealismo clássico de Kant, Hegel e Schopenhauer a tre os estudiosos em situar o pensamento e a obra
partir do século XVIII, as correntes empiristas e posi- de Foucault.
tivistas de Bacon, Comte, Locke e Hume no século XIX Merquior (1985) faz uma crítica a Foucault, na
e, por fim, no decorrer do século XX, a fenomenolo- qual o aponta como seguidor da corrente estrutu-
gia de Husserl, o neopositivismo do círculo de Viena, ralista. No livro As palavras e as coisas (Foucault,
a psicanálise a partir de Freud e o estruturalismo de 2002), Foucault teria proclamado a morte do ho-
expoentes tais como Saussure, Lévi-Strauss, Piaget, mem, o que o afastaria de uma preocupação tradi-
Althusser e Lacan. Além dessas referidas abordagens, cional da ideia de sujeito-fundamento e de idealis-
a de outros dois autores, em específico, se diferen- tas, tais como Descartes, Kant e Hegel, ao mesmo
ciam, respectivamente, em sua complexidade taxio- tempo em que o aproximaria do estruturalismo. Já
nômica e ontológica: Michel Foucault e Karl Marx. para Dreyfus e Rabinow (1995) — apesar de em sua
O objetivo deste texto é discutir aspectos da día- fase denominada de arqueologia Foucault afirmar
de objetividade/subjetividade nos trabalhos desses que “o discurso é um sistema governado por regras”
dois pensadores, apontando algumas correlações en- (p. XX), concepção similar aos modelos estruturalis-
tre elas. A partir disso, pretende-se discutir a concep- tas, e que “o discurso é autônomo e autorreferente”
ção de conhecimento adotada pelo filósofo francês (Dreyfus & Rabinow, 1995, p. XXI), conforme pre-
Michel Foucault, abordando a respeito de suas resso- gam concepções pós-estruturalistas —, estritamen-
nâncias com o pensamento de Nietzsche e da dificul- te falando Foucault não seria estruturalista e nem
dade encontrada por seus estudiosos e pensadores pós-estruturalista, já que mais tarde recuará em
em classificar sua obra dentro de alguma tendência relação a essas afirmações e se desviará da tenta-
ou sistema teórico moderno. Ainda, será discutido a tiva de desenvolver uma teoria geral das regras que
respeito da diferença marcada pelo arcabouço teórico governam os sistemas de práticas discursivas, to-
de Marx em relação a outros programas de pesquisa mando então a genealogia de Nietzsche como ponto
em ciências humanas modernas, por não apresentar de partida para o desenvolvimento de um método
o indivíduo como entidade ontológica fundamental. que lhe permita tematizar a relação entre verdade,
Por fim, serão apontadas contribuições da obra de teoria, valores, instituições e práticas sociais. A ge-
Foucault que, de certa maneira, influenciaram algu- nealogia passaria a englobar sua arqueologia, confi-
mas correntes neomarxistas em seu trabalho de re- gurando-se em um novo método que possibilitaria
constituição teórica e de resgate do marxismo. recursos para explorar essas relações entre poder,
saber e corpo. O corpo é o objeto de cada tecnologia
de poder, que produz seus respectivos enunciados
O conhecimento para Michel Foucault e visibilidades de acordo com as épocas históricas.
Com o abandono da arqueologia como proje-
Dentre os intelectuais contemporâneos, Fou- to teórico, Foucault não somente se distanciará
cault talvez seja o mais difícil de definir, pois a do estruturalismo, mas também situará “o projeto

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estruturalista historicamente, em um contexto de qual os atores sociais têm uma vaga consciência
crescentes práticas isoladoras, ordenadas e sistema- (Dreyfus & Rabinow, 1995, p. XX).
tizadoras consequências do que chamou tecnologia
disciplinar” (Dreyfus & Rabinow, 1995, p. XXIII). Já para Rouanet, atribui-se erroneamente a
Para Dreyfus e Rabinow (1995), antes ainda Foucault o rótulo de pensador pós-moderno.
da adoção na arqueologia de técnicas estrutura- Rouanet exemplifica dizendo que pensadores, tais
listas, Foucault se identificara claramente com a como Habermas, situam Foucault como pós-moder-
tradição da ontologia hermenêutica de Heidegger. nista, porque além de ter uma postura crítica ele
Entretanto, Foucault também abandonará suas pre- “rejeitaria tanto a modernidade social quanto a cul-
ocupações quanto à posição hermenêutica e trans- tural” (Rouanet, 1987, p. 219).
ferirá seu interesse aos efeitos sociais em detrimen- De acordo com Rouanet (1987), apesar de em
to de um sentido explícito das práticas cotidianas. grande parte da obra foucaultiana sua relação com
A obra de Nietzsche ajuda Foucault a se alertar a modernidade se mostrar ambígua, Foucault seria
quanto às necessidades e perigos da abordagem in- um pensador moderno justamente porque apresen-
terpretativa. Dessa forma, a genealogia de Nietzsche ta um espírito iluminista de crítica. No princípio de
em relação a Foucault, sua obra havia um espírito moderno frequentemen-
te camuflado por posições antimodernas, mas, ao
[...] da maneira como o poder usa a ilusão do final, a modernidade aflorou sem qualquer censura.
sentido para se favorecer, dá a ele boas razões Rouanet argumenta que Kant inaugurou duas
para ser crítico da hermenêutica, tanto em sua grandes tradições críticas, sendo uma delas con-
forma de um comentário da vida cotidiana, cebida como um estudo das condições dentre as
quanto na sua forma correlata de exegese pro- quais o conhecimento é possível, ou seja, a analítica
funda do que as práticas cotidianas encobrem da verdade e, outra, referente a uma ontologia do
(Dreyfus & Rabinow, 1995, p. XXIII). presente, em que se questiona a respeito do que é a
nossa atualidade e qual é o campo de experiências
possíveis. Dessa maneira, para Foucault, estaríamos
Por fim, o novo método utilizado por Foucault atualmente confrontados com a necessidade de se
possibilitaria demonstrar como em nossa cultura optar por uma dessas tradições críticas e, de acor-
os indivíduos se tornariam uma espécie de objeto do com Rouanet, a opção de Foucault foi por uma
e de sujeitos analisados e descobertos pelo estrutu- ontologia do presente, na qual fundou uma refle-
ralismo e pela hermenêutica, cujas técnicas se mos- xão referenciada nessa forma de filosofia que vai
traram muito poderosas. Em seus estudos, Foucault desde “Hegel à Escola de Frankfurt, passando por
consegue criticar e, ao mesmo tempo, utilizar esses Nietzsche e Max Weber” (Rouanet, 1987, p. 223).
dois métodos até então hegemônicos e dominantes Apesar dessas dificuldades e discordâncias
no pensamento francês da época de um modo extre- apontadas em situar a obra foucaultiana, esses au-
mamente original. Dessa maneira: tores concordam em relação a um aspecto em co-
mum: o da influência de Nietzsche no pensamento
Ele tentou evitar a análise estruturalista que de Foucault, seja por meio de sua crítica ao conheci-
eliminava totalmente a noção de sentido, subs- mento e à cultura, seja em relação aos alertas e dis-
tituindo-a por um modelo formal de comporta- cussões referentes à hermenêutica, ou até mesmo
mento humano que apresenta transformações, por sua genealogia.
governadas por regras, de elementos sem signi- Merquior (1985) aponta Foucault como um pen-
ficado; ele tentou evitar o projeto fenomenológi- sador ocidental contemporâneo neonietzcheanista,
co de ligar todo o sentido à atividade de dar sen- sendo que sua obra sofreria grande influência do ir-
tido de um sujeito autônomo e transcendental; racionalimo nietzschiano. Já Rouanet indica que, na
e, finalmente, evitar a tentativa do comentário leitura de Foucault:
de ler o sentido implícito das práticas sociais, Nietzsche não é um Zaratusta epilético espu-
mando verdades iniciáticas, mas o anti-historiador
assim como o desvelar feito pela hermenêuti-
que restaurou os direitos da verdadeira história, a
ca de um sentido diferente e mais profundo do

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wirkliche Historie, desmascarando, com isso, a his- os discursos de inspiração iluminista conceituali-
tória metafísica. A genealogia não supõe a intui- zam o conhecimento como razão dirigida a desco-
ção profética, mas o saber, a paciência, a erudição, brir a verdade inerente à realidade, representando
única forma de fazer justiça à história verdadeira a consciência por meio do referencial da linguagem,
— a história das descontinuidades, dos retroces- Foucault (2000) concebe o conhecimento como dis-
sos, dos ziguezagues, dos recomeços, das lutas curso composto por práticas que sistematicamente
intersticiais, dos vazios, dos não acontecimentos formam objetos dos quais falam, sendo que essas
(Rouanet, 1987, p. 220). não identificam objetos, mas os constituem e, no ato
de fazê-lo, ocultam sua própria invenção.
Oropallo em A presença de Nietzsche no discurso Para Foucault, o homem moderno foi erigido “no
de Foucault salienta que: raiar da modernidade, como sujeito da razão trans-
cendental, pela filosofia kantiana, e como sujeito
Dessa forma, Foucault, em seus escritos, destina que vive, fala e trabalha, pelas ciências empíricas”
várias páginas à interpretação do pensamento (Weinmann, 2006, p. 17). Dessa maneira, a episte-
de Nietzsche, utilizando-o como ferramenta me moderna seria inteiramente atravessada por um
para seu método de trabalho: seja como mode- conceito de sujeito que é universal em sua substân-
lo, como tarefa filosófica e histórica, como su- cia e constituinte da experiência humana em sua
posto temático, ou ainda através dessa reatua- diversidade histórica. O homem, como um duplo
lização, inserindo-o no presente para, mediante empírico/transcendental, seria então o elemento
sua instrumentalização, efetuar um “diagnósti- ordenador de toda produção discursiva com pre-
tensão de cientificidade realizada nos marcos desse
co da atualidade” (Oropallo, 2005, p. 140).
sistema de pensamento (Foucault, 2002).

Ao final do século XIX, o pensamento de


Nietzsche traz uma crítica contundente não só em O indivíduo em Marx
relação à possibilidade do conhecimento, mas tam-
bém ao próprio pensamento e cultura ocidental, ao De acordo com autores tais como Monteiro
rejeitar sua configuração ontológica e ao condenar (1995), Lopes e Meucci (2005), nos programas de
o dogmatismo sempre presente ao longo da histó- pesquisa das ciências humanas modernas, de um
ria. A crítica ao conhecimento em Nietzsche enfatiza modo geral, o indivíduo aparece como entidade on-
a questão do conceito enquanto representação ob- tológica fundamental, ou seja, cria-se um arcabouço
jetiva e meio adequado de apreender e representar teórico desenvolvido a partir de uma concepção de
o objeto em nossa experiência no mundo. Nietzsche indivíduo para se explicar o mundo. Segundo esses
questiona o conhecimento enquanto possibilidade autores, a obra de Marx se constitui contrariamente
de delineação e representação do objeto, já que por a essa tendência, sendo que, em seu sistema, o indi-
meio da linguagem, natureza discursiva do conhe- víduo não aparece como centro gravitacional, mas é
cimento, não seria possível sua apreensão e repre- apenas fenômeno das forças de produção, tendo sua
sentação adequada. A partir disso, Nietzsche ataca origem derivada do conceito de “classe social”.
a crença epistemológica de que, por meio do conhe- O construto teórico de Marx se baseia em verda-
cimento, se alcançaria a verdade correspondente à des ontológicas tais como os conceitos de infraes-
realidade, e com isso evidencia uma “condição epis- trutura, superestrutura e de classes sociais. A partir
temológica de possibilidade da impossibilidade do dessa perspectiva, o homem seria forçado a manter
conhecimento” (Trapp, 2005, p. 47). contínuo intercâmbio com a natureza de forma a ga-
A concepção de conhecimento para Foucault en- rantir sua sobrevivência, apresentando diferentes
contra ressonâncias em Nietzsche, tanto no que diz modos, forças e relações de produção no decorrer
respeito à crítica em relação à crença epistemológi- da história. Dessa maneira, Marx chegaria ao concei-
ca de que por meio do conhecimento se alcançaria a to de classe social como “segmento econômico en-
verdade correspondente à realidade, quanto à críti- gajado no processo produtivo” (Monteiro, 1995, p.
ca à configuração ontológica e dogmatismo presen- 25), ao avaliar as relações sociais que marcaram tais
tes no pensamento e na cultura ocidental. Enquanto transformações histórico-econômicas. O homem, ao

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organizar sua sobrevivência, transformou ao longo graças à ação da classe proletária, para que, “na fu-
da história as condições sociais, políticas e econô- tura sociedade sem classes, o indivíduo resolva suas
micas, desse modo, a economia caracterizaria o ter- contradições tanto em relação à sociedade quanto
reno próprio do intercâmbio material (infraestrutu- em relação à história” (Monteiro, 1995, p. 27). O
ra) e deveria definir historicamente a organização indivíduo, nesse caso, não se apresenta como enti-
social (estruturas de classes) e política, como forma dade ontológica fundamental na qual se moldará o
de poder e dominação de classe (superestrutura). construto hipotético de Marx, mas, contrariamente
A infraestrutura consistiria, assim, nos meios de a isso, só aparecerá como um possível resultado.
produção de bens de consumo tais como carros, ge-
ladeiras, casas, alimentos, ou até mesmo de bens re-
lativos à prestação de serviços tais como lavanderia e Os neomarxistas
restaurante. Já a superestrutura, concebida como re-
flexo da infraestrutura, seria constituída pela ideolo- Para Monteiro (1995), é preciso que se ressal-
gia, formas de cultura, pela política, pelo judiciário e, tem os pontos importantes encontrados no pensa-
principalmente, pelo Estado (Lopes & Meucci, 2005). mento de Marx, mas também que se critique e situe
Esses conceitos, infraestrutura, superestrutura e as concepções obsoletas, ultrapassadas. Monteiro
classes sociais, formariam o axioma ontológico fun- (1995) enfatiza, ainda, que somente a partir das úl-
damental da obra de Marx, pois em sua estrutura timas décadas o marxismo passou a superar alguns
lógica de explicação não se poderia negá-lo em hi- preconceitos e criar um diálogo com outros auto-
pótese alguma, já que seria o principal responsável res e concepções não marxistas, além de se colocar
pelas explicações e elaborações a respeito da rea- pela primeira vez como seu próprio objeto de críti-
lidade e das demais proposições do próprio siste- ca. A partir daí, várias correntes e concepções neo-
ma. Dessa maneira, conforme relata Lopes e Meucci marxistas se propuseram efetivamente a formular
(2005, p. 98): críticas a alguns pontos do marxismo e a resgatar
concepções importantes, acrescentando assim dis-
Todo fenômeno social deve ser explicado pelas cussões a respeito da subjetividade. Essas vertentes
estruturas econômicas e pelo reflexo destas nos neomarxistas fazem um resgate do individualismo
meios de produção (propriedades, matéria- ético (realização do indivíduo por meio da liberda-
-prima, maquinário, classes produtivas etc.). de), do universalismo ético (democracia e igualda-
Com isso, todos os esforços para solucionar os de) e da reflexão racional (emancipação e liberdade
problemas devem ter em vista os meios de pro- subjetiva), indicando esses caminhos para a supera-
dução, e não diretamente os indivíduos. A partir ção da ideologia e da alienação e para novos concei-
desse axioma de Marx, podemos derivar um se- tos de subjetividade, sem perder de vista a crítica
gundo. Outra verdade ontológica: as classes so- aos fatores objetivos (Monteiro, 1995).
ciais. [...] a infraestrutura gera a divisão do tra- Monteiro (1995) ainda destaca as contribuições
de outros pensadores não marxistas como, por
balho, que, por sua vez, gera as classes sociais
exemplo, Foucault, tanto em relação à discussão a
que, finalmente, constitui o indivíduo.
respeito das novas abordagens para a questão da
subjetividade, formulando uma crítica implícita às
Monteiro (1995) discute a respeito dessa ques- psicologias tradicionais, quanto ao diálogo entre
tão da subjetividade, pouco explorada na obra de suas concepções teóricas junto às proposições mar-
Marx. Segundo o autor, há algumas aporias (con- xistas ou neomarxistas.
tradições conceituais) encontradas no marxismo, Foucault traz uma contribuição a partir de sua
sendo que essas apresentam alguns determinismos perspectiva no que diz respeito à relação saber/po-
encontrados em seu sistema teórico, como o econô- der, contrariamente à concepção marxista, em que o
mico, histórico e o sociológico. Sendo assim, se por poder seria concentrado em determinados segmen-
um lado a sociedade está estruturada em classes tos da sociedade, agindo, de certa forma, de manei-
segundo a anatomia econômica e o modo de pro- ra opressora. Para Foucault (2000), tais diagramas
dução historicamente situado, por outro a própria de poder não estariam apenas concentrados no
tendência histórica seria a de superação das classes Estado ou governo, mas nas relações cotidianas,

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pulverizados em todas as formações discursivas. Monteiro (1995), ele enfatiza, de certa forma, essa
Por exemplo, o poder não seria uma posse que se problemática de que as questões éticas estariam
encontra na figura do opressor, mas está tanto no para além dos limites da ciência e que seriam, por
opressor quanto no que se deixa oprimir, simultane- fim, fundamentais para que o homem realize o tra-
amente. O poder, nessa perspectiva, seria não ape- balho sobre si, fabricando a si mesmo e constituindo
nas opressivo, mas criativo e constitutivo. suas regras de convívio social (Ortega, 1999).
Em suas pesquisas, Foucault (2000) revela que
as relações de poder não estariam subordinadas a
algum segmento da vida social como, por exemplo, Considerações finais
o econômico, mas que as técnicas disciplinares pree-
xistiriam ao sistema capitalista. Dessa forma, confor- A questão da díade subjetividade/objetividade,
me Foucault (2000), o capital funcionaria como uma debatida e explorada pelas mais diversas tendên-
rede complexa, não apenas agindo como uma iguaria cias teórico-metodológicas, apresenta tanto resso-
produtora de força de trabalho, mas também na pro- nâncias quanto discordâncias no que diz respeito às
dução de processos de subjetivação, produzindo his- possibilidades de desenvolvimento de uma ciência
tória subjetiva, modos de ser, sentir, pensar e amar. ou de um sistema filosófico e, consequentemente,
Monteiro (1995) discute um possível caminho em relação à possibilidade de se construir um co-
para o prosseguimento da crítica sobre as teorias da nhecimento sobre o mundo. A discussão a respei-
subjetividade, o qual deveria ser traçado a partir da to desses modelos teóricos e de suas respectivas
tentativa de responder às questões epistemológico- metodologias, tal como realizado no decorrer des-
-metodológicas e ético-ontológicas, recolocando seus te trabalho a partir de Foucault e Marx, mostra-se
problemas conceituais imbricados a fim de se distin- relevante não apenas devido às soluções e contri-
guirem as demonstrações científicas ainda questio- buições propostas por cada sistema de pensamento,
náveis, de certa maneira, do plano das convicções mas também por essas proposições servirem como
metafísicas, eticamente necessárias. Nesse sentido, o elementos de precaução e alerta contra tendências
que interessaria seria uma crítica que transitasse en- e posturas ingênuas ou fundamentalistas que igno-
tre a ciência e a filosofia, já que as questões éticas ul- rem e desrespeitem as possibilidades e contrapon-
trapassariam os limites da ciência, perpassando tam- tos existentes nas mais diversas correntes de pen-
bém, dessa maneira, a ordem metafísica. Segundo samento, fechando-se, dessa forma, ao diálogo e a
Monteiro (1995), seria aí que o socialismo tomado possíveis contribuições oferecidas por concepções
como valor conceitual permaneceria como um hori- de outros autores, desenvolvidas a partir de outros
zonte utópico racional aberto, no qual se defenderia referenciais. Nesse sentido, o importante é que se
um compromisso teórico e prático voltado à crítica possibilite uma interlocução e crítica que transite
social a partir de bases neomarxistas que possam entre os mais diversos aportes teóricos e áreas, a
manter tal horizonte humanista. fim de se discutir eticamente os limites referentes
Em alusão aos apontamentos de Monteiro aos mais variados construtos hipotéticos e suas res-
(1995), Foucault, em sua Estética da existência, na pectivas tendências metodológicas, defendendo-se,
qual enfatiza o estudo da subjetividade e das práti- assim, um compromisso teórico e prático implicado
cas de si, reflete a respeito de o que podemos ser e do com a crítica social.
como nos produzimos como sujeitos. Assim, Foucault
aponta para a possibilidade de se criar, de maneira
autônoma, a forma desejada de existência. Dessa Referências
maneira, os valores éticos que, segundo Foucault,
seriam construídos baseando-se no conhecimento Dreyfus, H. C., & Rabinow, P. (1995). Michel Foucault:Uma
científico, poderiam ser superados por meio de uma trajetória filosófica – Para além do estruturalismo e da
ética que ficaria responsável por essa construção hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
diária do sujeito, de forma a ultrapassar o dito cien-
Foucault, M. (2002). As palavras e as coisas: Uma arque-
tífico. Apesar de Foucault não propor uma crítica
ologia das ciências humanas. São Paulo: Martins
social colocada sob um pano de fundo neomarxista
Fontes. (Obra original publicada em 1966).
como horizonte utópico, conforme defendido por

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