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da interceptação telefônica
Drummond1, Ana Thais Kerner
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RESUMO
1 INTRODUÇÃO
Aponta a doutrina que desde o século XVIII, com o advento do movimento iluminista,
restou consolidado o projeto de modernidade que iria proporcionar uma nova perspectiva
na qual a humanidade é erigida ao centro do universo e passa a influenciar toda a
concepção de um projeto de modernidade. Superando-se assim o dogmatismo religioso
típico do pensamento que predominou durante toda Idade Média, a construção de uma
mentalidade racional encontraria em Descartes as bases filosóficas no qual a essência
humana enquanto sujeito racional autônomo viria a consolidar o paradigma moderno,
fundado numa mentalidade das ciências objetivas, concretizando assim a percepção de
que o conhecimento é consequência de uma realidade racional, objetiva e dedutivista.
Há que se destacar contudo que a vida é mais complexa do que supõe a mera percepção
da lógica racionalista, motivo pelo qual não se pode estereotipar o desenvolvimento
humano em propostas simples, lógicas e previsíveis, sob o argumento de torna-lo
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Bacharel em Direito, Advogada. Especialista em Ciências Criminais, Violência e Segurança Pública e em
Função Social do Direito.
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“racional”. A promessa da era contemporânea desponta assim fundada e na necessidade
de imitação do poder estatal, centralidade dos direitos fundamentais, justiça, pluralidade e
ponderação.
Em matéria penal, se é verdade que não se descarta a lógica de subsunção, por outro
lado é também verdade que esta não mais consegue estabelecer toda a racionalidade
possível apenas por meio desta lógica sendo portanto necessário agregar-se novos
instrumentos do ideário pós-positivista a fim de se alcançar uma compreensão
hermenêutica mais adequada sobre o tema.
Nos exatos termos trazidos pela norma constitucional a autorização judicial, somente,
será dispensada em hipótese de estado de defesa (CF, art. 136, §1º, I, c) e estado de
sítio (CF, art. 139, III).
Como se sabe, a noção acerca de institutos jurídicos não pode ser feita tendo por base
apenas a lei. Ainda que se trate de ramo de direito afeito ao princípio da legalidade (como
o caso do Direito Penal), há de se considerar que o objeto cognoscível da valoração
hermenêutica enquanto fenômeno jurídico não prescinde das demais fontes do direito, em
especial destaque a jurisprudência.
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Fundado em tais premissas, importante destacar que anteriormente a Lei n.º 9.296/96,
considerava-se a gravação telefônica como prova ilicitamente obtida não existindo assim
méritos para condenação do acusado, pois – como dito alhures - ainda, não havia uma lei
regulamentadora do inciso XII, do art. 5º, da Constituição Federal.
Nesse período – anterior ao advento da citada Lei 9.296/96 - o Supremo Tribunal Federal,
trazia entendimento que a prova obtida por derivação, sem a devida regulamentação da
norma constitucional era ilegal. Razão pelo qual, a não aceitação do levantamento de
provas, como a escuta telefônica, sem a existência de uma lei regulamentadora decorria
de consequência direta da exegese obtida do art. 5º, LVI, CF, afastando-se assim de
forma absoluta no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Adotava-se assim
interpretação literal do preceito constitucional em comento.
Dessa forma, Todo indivíduo que praticasse escuta telefônica, inclusive os policiais,
subsumia-se no tipo penal previsto pelo art. 151, §1º, II do Código Penal Brasileiro:
Art. 151 - Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada,
dirigida a outrem:
O que se argumentava em tese oposta era como pode ser ilícito algo que sequer tem
previsão legal? Qual o sentido e alcance da expressão ilicitude nesse caso?
Para responder estas perguntas, opta-se iniciar pela segunda, de forma a adequar melhor
o argumento que se pretende expor:
Dito isso, cumpre destacar que o significado jurídico da ilicitude costuma ser desenvolvido
pelos civilistas a partir de duas noções básicas: a) condutas positivas ou negativas
valorando-se dolo ou culpa e b) por meio do abuso de direito. Fundado na primeira noção,
para a configuração do ato ilícito mostra-se imprescindível a aferição dos elementos
básicos da responsabilidade civil: conduta humana, nexo, dano, culpa.
Já para a segunda noção apresentada, a ilicitude decorre do abuso do direito que ocorre
por meio da conduta que, sob o argumento de exercício de um direito termina por exceder
os limites permitidos em razão das finalidades do direito, seu fim econômico e social, boa-
fé e os bons costumes.
Por esta ótica, a noção da expressão ilicitude atrela-se ao agir com dolo ou culpa ou em
abuso de direito. A Purgação da escuta telefônica, enquanto prova obtida por meio ilícito
parece encontrar melhor amparo na tese do abuso de direito, onde o Estado exerce seu
direito em base de norma de eficácia pendente de regulamentação, instaurando-se o
paradoxo entre o exercício ilimitado do Jus Puniendi e a violação ao princípio
constitucional da presunção de inocência, vedando que tais provas sirvam de único
alicerce para uma condenação.
Nesse sentido, cumpre destacar trecho da ementa do HC 3982/RJ, onde o tema foi
enfrentado:
A temática viria a sofrer novos rumos em 1996, com o advento da lei regulamentadora do
citado preceito constitucional garantidos da inviolabilidade do sigilo, exigindo assim novas
ponderações.
Com o advento da Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, o inciso XII da Constituição Federal
Brasileira de 1988, foi regulamentado, estabelecendo a lei as hipóteses de autorização
para a interceptação telefônica, do fluxo de comunicação em sistemas de informática e
telemática, exigindo do juiz uma decisão fundamentada a respeito.
Com o citado texto normativo, altera-se também o sentido e alcance que se possa dar ao
tema, haja vista que o referido texto de lei torna-se o objeto a ser interpretado, de onde se
extrairá os limites da interpretação para o tema.
Nesse sentido, a interceptação telefônica só poderá ocorrer se for autorizada ex ofício por
um magistrado ou se requerida pela autoridade policial, em caso de investigação policial,
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ou pelo representante do Ministério Público, no caso de investigação criminal e na
instrução processual penal. Salientando-se que a necessidade de indícios razoáveis da
autoria ou participação em infração penal é um dos requisitos para a autorização da
interceptação telefônica, já que, havendo outros meios disponíveis para a apuração do
fato, este deverá ser utilizado, sendo vetada a utilização da interceptação telefônica.
Ademais, o fato investigado deverá tipificar delito penal com sanção apenada com
reclusão, esta quando determinada pelo juiz, deverá ter sua forma de execução descrita
na ordem judicial, sendo certo que não poderá transpor quinze dias prorrogáveis pelo
mesmo tempo, e deverá ser cabalmente, fundamentada, sob pena de nulidade, sendo
que a prorrogação no prazo só poderá ocorrer se for comprovada a indispensabilidade
deste meio de prova para comprovação do fato in tela.
Outro requisito a ser observado diz respeito ao teor da gravação. Assim uma vez se trate
de gravação de conversa feita por meio de interceptação telefônica lícita, esta deverá ser
transcrita a termo, sendo as partes que não forem importantes ou ligadas ao fato
investigado serem descartadas e retirada do termo, a requerimento da parte ou do
Ministério Público. Com tal medida o legislador deixa claro o respeito ao direito
fundamental de intimidade do investigado, que tem sua mitigação apenas nos termos
balizados pelo constituinte, ou seja, nos casos de investigação criminal ou instrução
processual penal. Quando por ordem judicial e nos termos da lei.
Com isso, pode-se ponderar que a possibilidade de mitigação do direito fundamental deve
ser vista com reservas, sempre por meio de ordem judicial e dentro dos limites
estabelecidos pela lei. Dessa forma, afasta-se por completo a arbitrária e excessiva
argumentação da possibilidade sem limites em nome de um suposto interesse público. O
Jus Puniendi estatal exercido de forma legítima expressa um poder limitado pelo Estado
de Direito que, deve ter sua atuação fundada nos limites estabelecidos pelo legislador e
este pelo constituinte, numa atuação portanto ponderada e proporcional entre os meios
utilizados e os resultados que se intenta alcançar.
[...] significa que toda medida restritiva de direitos deve ser instrumentalmente apta
a favorecer a implementação de um fim constitucionalmente legítimo. (PEREIRA,
2007, p. 155)
[...] a exigência de que a medida restritiva empregada seja a menos onerosa para
os direitos quando comparada a outras igualmente aptas para implementar a
finalidade perseguida (PEREIRA, 2007, p. 155)
Dessa forma, pode-se alcançar como noção conjunta dos dois elementos a ideia de qual
a proporcionalidade enquanto princípio deve guardar respeito a uma compreensão de que
o proveito obtido a partir da implementação de certa medida, deve compensar o sacrifício
a implementação da medida restritiva acarreta, assegurando dessa forma a ideia de
proporcionalidade em harmonia às noções de dimensões positivas e negativas que os
direitos fundamentais exercem perante o Estado, com vistas a efetivar a plena fruição dos
valores que estes direitos fundamentais representam.
Longe de se advogar “interesses partidários”, o que se quer aqui é rechaçar a tese do teor
absoluto do interesse público, onde o Estado tudo pode, sem limites, desde que exista
previsão legal. Busca-se portanto alcançar uma compreensão hermenêutica que viabilize
noção de que o texto regulamentador (lei) é simples desdobramento dos valores
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constitucionais, devendo por isso condicionar-se a uma interpretação conforme a
Constituição.
Dito isso, cumpre destacar alguns pontos da Lei 9.296/96 aferindo sua melhor
interpretação perante o Texto Constitucional. Nesse sentido cumpre destacar a ADI 4112
proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) contra a lei que trata de interceptação
telefônica (Lei 9.296/96). Na referida Ação, questiona-se o parágrafo único do artigo 1, o
inciso III do artigo 2 e o caput e o parágrafo segundo do artigo 4, todos da lei 9296/96 já
citada.
Art. 1 [...]
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de
comunicações em sistemas de informática e telemática. (BRASIL:1996)
Trata-se de norma que expressa sentido extensivo para além do que autorizado pelo
Constituinte, haja vista que permite a quebra de sigilo de dados de computadores
(sistemas de informática) e de sistemas telemáticos. De se notar contudo que o Texto
Constitucional mitiga a inviolabilidade do sigilo das comunicações apenas para as de
natureza telefônica, não fazendo no âmbito de processamento de dados.
Art. 5 [...]
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de
dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial,
nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal
ou instrução processual penal; (BRASIL:1988)
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Sob o prisma hermenêutico, mostra-se de vital importância a avaliação da expressão
“salvo, no último caso” inserida no preceito em citado, extraindo daí os melhores
resultados hermenêutico diante de uma interpretação conforme.
De início cumpre destacar que, de acordo com a doutrina, “A lei não contém frase ou
palavra inútil, supérflua ou sem efeito”. Trata-se de importante regra hermenêutica que no
dizer da doutrina:
Dessa forma, inevitável constatar que a expressão “salvo, no último caso”, não pode ser
simplesmente ignorada com fins de se alcançar a possibilidade de violação do sigilo das
comunicações em sistemas de informática, como desejou expressamente o legislador
ordinário em sua regulamentação trazida pela lei Lei 9.296/96 citada. Ademais, de se
notar que a expressão insere-se em um trecho que inicia a ressalva à regra que todo o
texto encerra, desconsiderar sentido hermenêutico a esta expressão compromete todo e
qualquer sentido lógico ao restante do texto e, seria o mesmo que voltar a compreensão
de que a inviolabilidade do sigilo é absoluta, não comportando mitigações.
[...]
III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de
detenção.(BRASIL: 1996)
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Trata-se de regra onde afasta-se a possibilidade da interceptação telefônica, traduzindo
assim uma mens legis que vai de encontro à regra do preceito do inciso XI, a
inviolabilidade do direito a intimidade.
De se notar nesse caso o caráter demasiado genérico da regra, o que termina por retirar-
lhe parte da eficácia, uma vez que o legislador criou um texto onde não se indica
expressamente os casos onde a interceptação não seria possível, limitando-se a indicar
de forma genérica. Longe de estabelecer amplitude à norma, a opção legislativa termina
por violar o princípio da proporcionalidade.
Nesse sentido face a amplitude e vagueza das interpretações possíveis, parece mais
adequado buscar-se um sentido a esta regra – por meio de interpretação conforme –
onde se limite a possibilidade de admissão da interceptação telefônica somente seja
possível para crimes considerados de especial gravidade e não para qualquer crime punido
com reclusão. Só assim restariam harmonizadas o meios e resultados obtidos, sendo esta
a interpretação que mais atende ao postulado que permite uma coexistência constitucional
entre o direito fundamental ao sigilo e o jus puniendi estatal.
Acerca do texto normativo citado, de se notar que uma vez realizado o pedido de
interceptação, o órgão judicial disporá de prazo assaz exíguo para exame dos autos,
forçando – de certa forma – a uma decisão superficial, que termina por praticamente fazer
a mitigação da inviolabilidade do sigilo uma regra, quando deveria ser uma exceção.
Aqui mais uma vez, mostra-se adequada uma percepção por meio do princípio da
proporcionalidade para que se constate que a açodada decisão pode gerar um prejuízo
muito grande face os meios possíveis de serem utilizados. Da forma como proposta pelo
legislador, a medida tende a tornar a interceptação expediente corriqueiro no âmbito dos
processos no Brasil, desvirtuando-se por completo a melhor compreensão do que se
depreende do preceito constitucional.
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4 O JUS PUNIENDI, A GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INVIOLABILIDADE
E A LÓGICA DE PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
Concebido pela doutrina como técnica para solução de casos difíceis, a ponderação de
interesses é comumente avocada para os casos onde existe colisão de direitos
fundamentais, decorrendo portanto uma insuficiência das regras tradicionais de
superação de antinomias (critério cronológico, critério da hierarquia e critério teleológico).
De se notar in casu que, com a prática do crime, surge para o estado o inequívoco poder-
dever do jus puniendi que, como visto alhures, não tem teor absoluto, devendo submeter-
se aos limites impostos pela Constituição, sobretudo os direitos fundamentais, habitat dos
valores mais caros do sistema.
Destaque-se desde já que o conflito que se instaura deve ser percebido nos moldes
admitidos pelo direito, sob pena de se instaurar sua impossibilidade de solução diante da
adoção de critérios não-racionais. Dessa forma, a fim de se evitar o arbítrio ideológico e
que a ponderação encerre uma avaliação meramente política, cumpre identificar e
distinguir de forma clara os interesses em oposição e os enunciados normativos em que
se fundamentam a fim de se tentar estabelecer uma solução hermenêutica juridicamente
plausível. Ao se realizar tal premissa contudo não se quer aqui condicionar o argumento
a uma lógica positivista em termos absolutos, mas sim considerar o sistema jurídico como
um sistema aberto, formado não apenas por regras, mas também princípios, dotados de
plena carga normativa e eficácia (naquilo que a doutrina chama de normatividade dos
princípios).
De outro lado, tem-se que o inciso II, do art. 5, CF encerra a garantia da inviolabilidade do
sigilo, consectário lógico do Princípio constitucional à intimidade a encerrar eficácias
positivas e negativas perante o Estado.
Por fim, do embate surgido entre o pretenso direito de punir estatal e os direitos
fundamentais envolvidos, sugeriu-se a adoção de lógica de ponderação de interesses a
fim de que fosse possível alcançar uma compreensão mais adequada de exercício do
Juspuniendi como um poder-dever limitado, pela Constituição, sobretudo os direitos
fundamentais.
REFERÊNCIAS
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 13ª. ed. São Paulo: Malheiros,
2003
BURGARELLI, Aclibes. Tratado das provas cíveis. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17ª. ed São Paulo: Atlas, 2005, p. 55.
RABONEZE, Ricardo. Provas obtidas por meio ilícitos. 2ª. ed. Porto Alegre: Síntese,
1999.
SILVA, Jose Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 26ª. ed. São Paulo:
Malheiros, 2006, p. 173-210.